ARTIGO ORIGINAL
AFONSO, Thaynara Freitas [1], OLIVEIRA, Amanda Ribeiro De [2], ALVES, Mauricio Drummond [3], VASCONCELLOS, Christiane Mariotini Moura [4]
AFONSO, Thaynara Freitas. Et al. Perfil de aloimunização em pacientes oncológicos. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 05, Vol. 13, pp. 05-19. Maio de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/perfil-de-aloimunizacao, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/perfil-de-aloimunizacao
RESUMO
A transfusão sanguínea é um procedimento que coloca os antígenos do doador em contato com os anticorpos do receptor. Embora este processo seja uma terapia efetiva, existem riscos causados por procedimentos inadequados, erros ou omissões. Os anticorpos irregulares (aloanticorpos) estão relacionados à maioria das reações transfusionais hemolíticas fatais notificadas, sendo a segunda principal causa de morte relacionada à transfusão. Para evitar essas reações, a bolsa fenotipada é uma ferramenta fundamental, no entanto, nem sempre está disponível em tempo hábil, onde muitas vezes a transfusão é de caráter emergencial. O presente estudo teve como objetivo avaliar a frequência de anticorpos irregulares e descrever o perfil fenotípico dos pacientes atendidos no Hospital do Câncer de Muriaé. Foram 149 protocolos de atendimento de pacientes oncológicos com resultados positivos para Pesquisa de Anticorpos Irregulares (PAI). O perfil desses pacientes correspondeu ao observado para a população brasileira, prevalecendo o sexo feminino (59,7%) e indivíduos acima de 50 anos. O grupo sanguíneo mais prevalente foi o tipo O (34,9%). Quanto ao tipo de neoplasia, prevaleceram as leucemias e linfomas (18,8%). Aproximadamente 23% dos pacientes aloimunizados desenvolveram anemia e 33,6% já haviam sido submetidos a transfusões sanguíneas. Entre os anticorpos detectados, 29,7% foram equivalentes a anticorpos sem especificidade, 25,5% autoanticorpos e 45% são anticorpos de especificidade determinada, onde anti-E > anti-c > anti-D > anti-K > anti-M foram os mais frequentes. Com relação aos sistemas de anticorpos, os mais frequentes foram: Rh (37,6%), Kidd (26,2%), Duffy e MNS (21,5%). Observamos que a aloimunização ocorreu já nos primeiros contatos com a transfusão, diferentemente do que relatam outros estudos, onde a maioria dos pacientes aloimunizados eram politransfundidos. A presença desses anticorpos representa um risco para a prática transfusional. Acreditamos que a realização da imunofenotipagem no próprio hospital traria maior agilidade e segurança no processo transfusional, especialmente para pacientes aloimunizados.
Palavras-Chave: Aloimunização, Anticorpos irregulares, Neoplasias.
INTRODUÇÃO
Os anticorpos anti-eritrocitários classificam-se em naturais ou regulares e imunes ou irregulares. Os regulares se desenvolvem naturalmente após o nascimento, a partir de estímulos espontâneos de bactérias da microbiota normal do intestino expressando moléculas homólogas aos antígenos eritrocitários, como no sistema ABO gerando os anticorpos anti-A e anti-B. Os irregulares (sistemas Rh, Kell, MNS, Lewis, Duffy, Kidd e outros) não são encontrados normalmente e se desenvolvem em decorrência de transfusões incompatíveis ou gestações heteroespecificas (ALBERTI; VASCONCELLOS; PETROIANU, 2006).
Além disso, os anticorpos podem ser classificados como aloanticorpos ou autoanticorpos. Quando um indivíduo sofre exposição aos aloanticorpos (eritrócitos estranhos), com fenótipo diferente, através de transfusões sanguíneas, gestações e transplantes de órgãos/tecidos ou enxertos por exemplo, ocorre uma aloimunização eritrocitária, considerada uma resposta imune de seu organismo a esses antígenos estranhos, com produção de aloanticorpos específicos (ALVES, 2012). Já os autoanticorpos são produzidos pelo sistema imune contra uma ou mais proteínas do próprio indivíduo. Esses autoanticorpos são responsáveis por desencadear doenças autoimunes, como Lupus, Púrpura e doenças hemolíticas (ANVISA, 2007).
A transfusão sanguínea é um procedimento que coloca os antígenos do doador, sejam eles de membranas celulares ou plasmáticos, em contato com os anticorpos do receptor. Embora o processo de transfusão seja uma forma de terapia segura e efetiva, existem riscos causados por procedimentos inadequados, erros ou omissões dos profissionais responsáveis pela transfusão. Alguns efeitos adversos devem ser levados em consideração, sendo eles: a transmissão de doenças infecciosas, reação transfusional, hemólise aguda secundária à incompatibilidade ABO, sobrecarga de ferro, imunossupressão, doença do enxerto contra hospedeiro (DECH), inibição da produção endógena de eritropoietina e aloimunização (BATISTETI et al., 2007).
Segundo o Ministério da Saúde (2010), o desenvolvimento destas reações está associado a diferentes fatores, como erros de identificação de pacientes, amostras ou produtos, utilização de insumos inadequados, fatores relacionados ao receptor e/ou doador, como existência de anticorpos irregulares não detectados em testes pré-transfusionais de rotina.
Em indivíduos oncológicos, essa prevenção é primordial para o estado clínico do paciente visto que o tratamento da doença é consideravelmente mais agressivo e o sistema imunológico do paciente fica mais debilitado (BRANTLEY e RAMSEY, 1988). O conhecimento dos pacientes e dos fatores que levam a reações transfusionais podem fornecer um maior embasamento para o estabelecimento de medidas preventivas, contribuindo para a melhoria dos serviços de hemoterapia e da assistência oferecida a esses pacientes.
Esta pesquisa foi realizada no Hospital do Câncer de Muriaé, maior complexo oncológico do estado de Minas Gerais, abrangendo cerca de 270 municípios com mais de sete milhões de habitantes. O objetivo desse trabalho foi avaliar a frequência de anticorpos irregulares e analisar o perfil fenotípico dos pacientes oncológicos (receptores) através de análises dados dos protocolos de atendimento de serviço de imuno-hematologia, disponibilizados pela agência transfusional da Fundação Cristiano Varella em Muriaé- MG entre os anos de 2015 a 2018.
DESENVOLVIMENTO
Foi realizado um estudo transversal no qual foram analisados todos os dados de protocolos de atendimento de serviço de imuno-hematologia de pacientes oncológicos referentes à fenotipagem eritrocitária, fornecidos pela agência transfusional da Fundação Cristiano Varella entre os anos de 2015 a 2018. Esta pesquisa teve como principal intuito analisar a frequência de anticorpos irregulares e traçar um perfil fenotípico mais frequente entre os pacientes PAI positivos.
Os critérios de inclusão foram pacientes com resultados PAI positivo, entre os anos de 2015 a 2018 no Hospital do Câncer. Foram excluídos os pacientes com dados incompletos para a pesquisa.
Este trabalho foi submetido à Plataforma Brasil e aprovado (CAAE: 11356519.6.0000.5105. As análises estatísticas dos dados emitidos pelos protocolos de atendimentos disponibilizados foram realizadas através do software SPSS®, versão 17 e a construção de gráficos pelo programa Microsoft Excel.
A agência transfusional do Hospital do Câncer de Muriaé – Fundação Cristiano Varella identifica a presença de anticorpos irregulares através da metodologia de aglutinação em coluna de gel, porém não é possível identificar a especificidade desses anticorpos. Dessa forma, a determinação dos anticorpos irregulares ou associações é realizada em um hemocentro de apoio (Hemominas), onde é realizada a identificação de acordo com a especificidade de cada anticorpo encontrado.
Para a realização desse estudo, foram analisados dados de protocolos de atendimento transfusional de pacientes oncológicos com resultados positivos para Pesquisa de anticorpos irregulares (PAI), totalizando um n amostral de 149 pacientes, durante o período de 2015 a 2018.
Foram detectados 22 anticorpos irregulares entre os pacientes analisados. Dentre eles, 29,7% corresponderam a anticorpos de especificidade não determinada, 25,5% autoanticorpos e os outros 45% são anticorpos característicos de indivíduos aloimunizados, de especificidade determinada. Entre eles os anticorpos que apresentaram maior frequência foram: anti-E (19,4%), anti-c (11,4%), anti-D (10,1%), seguidos de anti-K (8,3%) e anti-M (6%) (tabela 1).
Tabela 1 – Identificação dos anticorpos detectados e suas respectivas frequências nos pacientes PAI positivos.
Anticorpos Irregulares | Frequência (n) | Porcentagem (%) |
Anticorpo sem especificidade | 44 | 29,7% |
Autoanticorpos | 38 | 25,5% |
Anti-E | 29 | 19,4% |
Anti-c | 17 | 11,4% |
Anti-D | 15 | 10,1% |
Anti-K | 12 | 8,3% |
Anti-IgM | 11 | 7,4% |
Anti-IgG | 10 | 6,7% |
Anti-M | 9 | 6% |
Anti-Jka | 8 | 5,4% |
Anti-e | 7 | 4,6% |
Anti-C | 6 | 4,0% |
Anti-Fya | 3 | 2% |
Anti-S | 3 | 2% |
Anti-Lea | 3 | 2% |
Anti-Dia | 2 | 1,3% |
Anti-IgA | 1 | 0,7% |
Anti-PP1PK (anti-J)a | 1 | 0,7% |
Anti-F | 1 | 0,7% |
Anti-Bga | 1 | 0,7% |
Anti-Lua | 1 | 0,7% |
Anti-Dib | 1 | 0,7% |
Fonte: Autoria própria.
Após a identificação dos anticorpos, eles foram agrupados de acordo com os sistemas aos quais pertencem. Assim, dentre os 9 sistemas identificados, os mais frequentes foram: Rh (37,6%), Kidd (26,2%), Duffy e MNS (21,5%) (tabela 2).
Tabela 2 – Distribuição dos anticorpos detectados de acordo com seus respectivos sistemas.
Sistemas de Anticorpos | Frequência (n) | Porcentagem (%) |
Rh | 56 | 37,6% |
KIDD | 39 | 26,2% |
DUFFY | 32 | 21,5% |
MNS | 32 | 21,5% |
LEWIS | 9 | 6% |
KELL | 4 | 2,7% |
P | 1 | 0,7% |
LUTHERAN | 1 | 0,7% |
Di | 1 | 0,7% |
Fonte: Autoria própria.
Para descrever um perfil fenotípico dos 149 pacientes estudados, foram analisadas algumas variáveis como: sexo e histórico gestacional; tipos sanguíneos; faixa etária; tipos de neoplasias; histórico de anemia e histórico transfusional. E para algumas análises estatísticas foi feito o teste de associação Exato de Fisher e o valor de significância adotado foi p <0,05.
Quanto ao gênero, o perfil de pacientes oncológicos com PAI positivo entre os 149 pacientes analisados se caracterizou pela maior frequência no sexo feminino com 59,7% (89) comparado ao sexo masculino com 40,3% (60). Neste estudo o anti-D foi o anticorpo mais frequente no sexo feminino, sendo encontrado uma proporção representativamente superior aos homens (tabela 3). E ao correlacionar o sexo com a presença do anti-D foi possível observar um p significativo (Teste Exato de Fisher; p=0,027).
Tabela 3 – Correlação do sexo com a presença do anticorpo anti-D.
Anti-D | Sexo feminino (n) Sexo masculino (n) | Porcentagem (n) | |
Ausência | 56,7% (76) | 43,3% (58) | 100% (134) |
Presença | 86,7% (13) | 13,3% (2) | 100% (15) |
Total: | 59,7% (89) | 40,3% (60) | 100% (149) |
Fonte: Autoria própria.
Com relação aos tipos sanguíneos, verificou-se que o grupo sanguíneo O (44,3%) foi mais frequente em relação aos demais: A (38,9%), B (13,4%) e AB (3,4%) (tabela 4).
Tabela 4 – Classificação da frequência dos grupos sanguíneos detectados nos pacientes.
Grupo Sanguíneo | Frequência (n) | Porcentagem (%) |
O | 66 | 44,3% |
A | 58 | 38,9% |
B | 20 | 13,4% |
AB | 5 | 3,4% |
Total: | 149 | 100% |
Fonte: Autoria própria.
A faixa etária da maioria dos pacientes analisados encontrava-se entre 54 e 69 anos de idade (38,9%) e acima de 70 anos (32,2%) (tabela 5).
Tabela 5 – Faixa etária dos pacientes analisados.
Faixa Etária | Frequência (n) | Porcentagem (%) |
0 – 15 anos | 2 | 1,3% |
16 – 31 anos | 8 | 5,4% |
32 – 47 anos | 18 | 12,1% |
48 – 53 anos | 15 | 10,1% |
54 – 69 anos | 58 | 38,9% |
Acima de 70 anos | 48 | 32,2% |
Total: | 149 | 100% |
Fonte: Autoria própria.
Com relação ao tipo de neoplasia, esse estudo se mostrou bastante diversificado, visto que foram identificados mais de 50 tipos de câncer distribuídos entre a população analisada. Observamos que do total de 149 pacientes, destacaram-se as leucemias e linfomas, com 28 casos (18,8%), seguidos da Neoplasia maligna da mama, com 22 casos (14,8%), Neoplasia maligna do colón de útero, com 12 casos (8,1%) (tabela 6).
Tabela 6 – Incidência de neoplasias nos pacientes analisados.
Tipos de Neoplasias | Frequência (n) | Porcentagem (%) |
Leucemia e linfomas | 28 | 18,8% |
Neoplasia maligna da mama | 22 | 14,8% |
Neoplasia maligna do colón de útero | 12 | 8,1% |
Neoplasia maligna do reto | 11 | 7,4% |
Mielodisplasias | 11 | 7,4% |
Neoplasia maligna do pulmão | 8 | 5,4% |
Outras neoplasias com n < 8* | 57 | 38,3% |
Total: | 149 | 100% |
*As neoplasias que tiveram uma incidência <8 foram agrupadas para uma melhor visualização dos dados.
Fonte: Autoria própria.
Apresentaram histórico de anemia 34 pacientes representando 22,8% do total de pacientes PAI positivos. Além disso, todos indivíduos que foram detectados com anemia neste estudo necessitaram de passar por procedimentos transfusionais. E quanto ao histórico transfusional, dos 149 pacientes analisados 66,4% apresentaram resultados PAI positivo previamente aos procedimentos transfusionais, enquanto 33,6% dos pacientes positivaram a PAI após uma ou mais transfusões (tabela 7).
Tabela 7 – Histórico transfusional dos pacientes analisados.
Histórico Transfusional | Frequência (n) | Porcentagem |
0 | 99 | 66,4% |
1 | 46 | 30,9% |
2 | 4 | 2,7% |
Total | 149 | 100% |
Fonte: Autoria própria.
A partir das análises das frequências dos anticorpos irregulares presentes nos 149 pacientes oncológicos da Fundação Cristiano Varella, observou-se que 29,7% de anticorpos de especificidade não determinada, 25,5% autoanticorpos e 45% anticorpos de especificidade determinada, característicos de indivíduos aloimunizados, onde (anti-E > anti-c > anti-D > anti-K > anti-M) foram os mais frequentes, nesta ordem. Estudos realizados por Martins et al., (2008) e Trenti (2011), avaliaram pacientes aloimunizados de um Hospital e observaram resultados similares, onde os anticorpos mais encontrados foram o anti-D (24,8%), anti-E (18,5%), anti-K (13,87%) e anti-M (10,4%).
A prevalência de 29,7% anticorpos sem especificidade foi uma característica encontrada nesse estudo. Em alguns casos, isso ocorre devido às características próprias ou título muito baixo, o aloanticorpo só é detectado com o uso de técnicas especiais, como a incubação prolongada, o uso de hemácias tratadas com enzimas ou com meio de baixa concentração iônica (NOVARETTI et al., 2000; FABRON, 2001; MURAO e VIANA, 2005). Além disso, pesquisas semelhantes realizadas em cidades diferentes também apontou uma maior prevalência de anticorpos de especificidade não determinada em relação aos demais anticorpos detectados (TRENTI, 2011; WINTERS et al., 2001; BRANTLEY e RAMSEY, 1998).
A alta frequência de autoanticorpos (25,5%) em relação aos aloanticorpos pode ser justificada pelo fato dos autoanticorpos serem encontrados de maneira livre no plasma e não somente ligados as hemácias e, dessa maneira eles podem interferir nos testes pré-transfusionais, os quais utilizam concentrados de plasma (SHIREY et al., 2002). Além disso, a presença dos autoanticorpos também pode estar relacionada com a característica clínica dos pacientes, uma vez que esses autoanticorpos podem manifestar-se como uma complicação transitória e autolimitada de infecção por determinados agentes. Altos títulos surgem em infecções pelo Mycoplasma pneumoniae, influenza, vírus Epstein-Barr, bem como em doenças do colágeno, neoplasias, linfomas e, ocasionalmente, uso de medicamentos em excesso (HEMOCENTRO, 2008).
Já com relação aos sistemas de anticorpos, os mais frequentes foram: Rh (37,6%), Kidd (26,2%), Duffy e MNS (21,5%), os mesmos são considerados sistemas característicos de pacientes aloimunizados. Estudos realizados anteriormente indicaram que a frequência elevada de anticorpos do sistema Rh é característica de pacientes que já passaram por transfusão e que isso ocorre devido ao alto grau de imunogenicidade do antígeno (BAIOCHI e NARDOZZA, 2009; CRUZ et al., 2011; PINTO et al., 2011; RODRIGUES et al., 2013; NOVARETTI et al., 2000; ALVES et al., 2012).
O perfil de pacientes oncológicos com PAI positivo entre os 149 pacientes analisados se caracterizou pela maior frequência no sexo feminino com 59,7% (89) comparado ao sexo masculino com 40,3% (60). Essa maior frequência do sexo feminino também se confirma em outros estudos (WALKER et al., 1989, WINTERS et al., 2001 e SCHONEWILLE et al., 2006).
O fato da alta frequência de aloimunização entre pessoas do sexo feminino pode ser explicado pela maior frequência do anti-D em mulheres, devido ao seu envolvimento com a ocorrência de sensibilização durante a gestação e, além disso, esse anticorpo é considerado o mais imunogênico nos casos de incompatibilidade materno-fetal (BAPTISTA-GONZÁLEZ et al., 1991).
A prevalência do grupo sanguíneo O em relação aos demais grupos do sistema ABO pode ser explicado pelo fato de ser uma característica da população brasileira, onde os grupos mais comuns são O e A, abrangendo 87% da população, já o grupo B corresponde apenas 10% da população brasileira e o AB apenas 3% (BEIGUELMAN, 2003). Esse achado é característico também de uma pesquisa semelhante, na qual foram analisados prontuários de doadores de sangue do serviço de Hemoterapia, e detectou-se que o grupo sanguíneo com maior frequência do sistema ABO foi o grupo O (47,1%), seguido dos grupos A (36,9%), B (12,3%) e do grupo AB (3,6%) (SILVA, 2011).
Um estudo realizado na cidade de São Paulo onde foram analisadas as frequências fenotípicas para o sistema de grupo sanguíneo ABO, também demonstrou uma maior frequência do grupo O (46,5%), seguido dos grupos A (39,4%), B (11,5%) e AB (2,52%) (NOVARETTI et al., 2000).
Quanto a faixa etária, este estudo demonstrou que os pacientes oncológicos analisados têm idade acima de 50 anos. Recentemente Oliveira e Braga (2015), Mendes e de Paula (2015) e Shin (2013), encontraram dados semelhantes, no qual observaram que os pacientes oncológicos aloimunizados apresentavam-se na faixa etária superior a 50 anos.
É importante ressaltar que características individuais podem determinar a queda de título de anticorpos após a aloimunização. Alguns fatores como a ocorrência da sensibilização já na fase adulta, pode ser explicado devido ao decaimento das respostas imunes de linfócitos T e B, resultando na diminuição da proteção imunitária consequentemente afetando a persistência dos aloanticorpos formados (COZAC, 2009).
Quanto ao tipo de neoplasia, de acordo com o protocolo transfusional emitido pelo Governo Federal de Brasília, existem algumas patologias nas quais a transfusão de sangue e hemocomponentes é usada como um tratamento de suporte e não para cura da doença, por si só. Dessa forma, as patologias que se encaixam nesse grupo são aquelas que em algum momento de sua evolução, terão o potencial de requerer suporte hemoterápico. Segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), existem neoplasias que se inserem nesse grupo como: neoplasias em geral incluindo doenças hematológicas malignas (leucemias, linfomas, doença de Hodgkin e Mieloma Múltiplo), hemoglobinopatias, síndromes mielodisplásicas e outras doenças hematológicas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).
A partir dessa informação pode-se dizer que as neoplasias que se destacaram são caracterizadas como patologias que em algum momento da evolução da doença necessitam de transfusão e suporte hemoterápico. Esse fato pode justificar o aparecimento de anticorpos irregulares com maior frequência nestes pacientes, uma vez que são submetidos a sucessivas transfusões, estando expostos a antígenos não-próprios.
O histórico de anemia dos pacientes desse estudo foi equivalente a 22,8% e todos esses pacientes necessitaram passar por procedimentos transfusionais. Essa porcentagem foi semelhante a outra pesquisa na qual cerca de 39% do total de pacientes que apresentaram anemias agudas e crônicas precisaram de transfusão sanguínea (FERREIRA e JÚNIOR, 2015).
A anemia afeta mais de 90% dos pacientes com câncer e mais de 60% são submetidos a transfusões sanguíneas (ALBERTI; VASCONCELLOS E PETROIANU, 2006). Dessa forma, a terapia transfusional nos pacientes oncológicos pode ocasionar a imunização e resultar na formação de anticorpos irregulares, especialmente em pacientes politransfundidos e, dessa forma, indivíduos com anemia estão mais sujeitos a essa sensibilização.
Entre os 99 pacientes com histórico transfusional igual a 0, houve uma maior frequência do sexo feminino 61 (62%) e a maioria dessas mulheres (47) já tiveram uma ou mais gestações, dessa forma, a ocorrência de aloimunização nesses pacientes, em parte, pode ser explicada pela presença dos anticorpos anti-D que se fez mais presente na maioria das mulheres desse estudo.
Com relação aos demais pacientes, as informações sobre transfusões disponíveis nos protocolos eram relatadas pelo próprio paciente ou familiar, e podem ser justificadas por um possível desconhecimento da parte do paciente ou do familiar de que em algum momento da vida passou por uma transfusão que não foi informada ou por esquecimento, sendo uma limitação para o nosso estudo.
Com relação aos 34% dos pacientes que tiveram entre 1 a 3 transfusões sinaliza que os pacientes dessa pesquisa tiveram como característica serem aloimunizados já no primeiro contato com a transfusão, diferentemente do que relata em outros estudos (TRENTI, 2011), onde a maioria dos pacientes aloimunizados eram politransfundidos. Esse fato pode ser explicado pela característica clínica do paciente oncológico e por conta da presença de autoanticorpos serem mais prevalentes nesses pacientes devido à produção de células descontroladas estimulando o aparecimento desses autoanticorpos
Em pesquisas realizadas no Brasil, notou-se que a maioria dos estudos que abordam as transfusões de sangue ocorram em pacientes oncológicos. Tal fato pode estar associado às peculiaridades do paciente com câncer quanto ao seu estado imuno-hematológico, o que torna necessárias inúmeras transfusões sanguíneas durante seu tratamento (CALLERA et al., 2004; BELÉM et al., 2011 e FREITAS et al., 2014).
A aloimunização eritrocitária é um fenômeno decorrente de transfusões crônicas, ou seja, diversos pacientes se tornariam aloimunizados durante suas exposições primárias aos antígenos. Outros fatores podem contribuir para a sensibilização do paciente transfundido, como, por exemplo, a predisposição individual, possivelmente de caráter herdado, que poderia se manifestar já nas primeiras exposições ao antígeno estranho (BLUMBERG et al., 1984). Sendo assim, destaca-se a importância de ao detectar um paciente com anticorpos irregulares (PAI positivo) é necessário confirmar a ausência do respectivo antígeno no eritrócito hemácia do receptor, assim como transfundir hemácias também negativas para tais antígenos evitando a ocorrência de uma possível aloimunização (WALKER, 1989).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos resultados apresentados nesta pesquisa, acreditamos que seria ideal a realização da imunofenotipagem na própria agência transfusional, uma vez que agilizaria o processo de transfusão sanguínea para pacientes aloimunizados. Tal medida certamente contruibuiria para a redução dos índices de aloimunizações eritrocitárias nestes receptores de concentrados de hemácias, visto que os médicos não precisariam optar por uma transfusão incompatível em casos de emergências em pacientes aloimunizados, reduzindo o risco de reações transfusionais, com reflexos positivos na segurança transfusional e na qualidade da hemoterapia proporcionada pelo Hospital.
Por fim, é essencial destacar que a identificação de anticorpos irregulares é de grande importância clínica para a prática transfusional. Além disso, o tema discutido durante toda pesquisa constitui um problema de saúde pública. Reiteramos a importância da discussão do tema e o reconhecimento de sua relevância, para que mais estudos sejam realizados e melhorias na prática transfusional sejam implementadas, a fim de garantir a segurança transfusional. Dessa maneira, esperamos contribuir para a redução da morbimortalidade relacionada aos procedimentos hemoterápicos, principalmente em pacientes oncológicos que são mais imunocomprometidos.
REFERÊNCIAS
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[1] Pós-graduação em Hematologia, Graduação em Biomedicina.
[2] Graduação Em Biomedicina.
[3] Graduação Em Medicina.
[4] Orientadora.
Enviado: Outubro, 2020.
Aprovado: Maio, 2021.