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Capacitação em Competência Cultural na Saúde Indígena: Avaliação de uma Oficina de Capacitação para Profissionais de Enfermagem

RC: 10754
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CONTEÚDO

FRENOPOULO, Christian [1]

MILANI, Eduardo [2]

MOREIRA, Nicoly [3]

VASCONCELOS, Vitor [4]

MOREIRA, Aíne [5]

FRENOPOULO, Christian. Capacitação em Competência Cultural na Saúde Indígena: Avaliação de uma Oficina de Capacitação para Profissionais de Enfermagem. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Edição 06. Ano 02, Vol. 01. pp 336-357, Setembro de 2017. ISSN:2448-0959

RESUMO

Apresentam-se os resultados de uma avaliação da eficácia de uma oficina de desenvolvimento de competência cultural, na qual participaram profissionais de enfermagem que trabalham com pacientes indígenas na Amazônia ocidental. Os resultados mostram que houveram mudanças nas atitudes e conhecimentos dos participantes após as oficinas, tendentes a valorizar uma abordagem mais culturalmente sensível com os pacientes.  A hipótese principal era que a participação na oficina iria incrementar a competência dos profissionais para interagirem com pacientes culturalmente diferentes. O marco teórico centrou-se no conceito de “competência cultural”, o qual é um constructo que descreve a capacidade para interagir eficazmente com indivíduos culturalmente diferentes, e é especialmente relevante na prestação de serviços públicos, como por exemplo, a atenção à saúde. Esta hipótese foi testada utilizando questionários: primeiramente, comparando um grupo experimental submetido à intervenção com um grupo controle; e segundo, comparando os valores iniciais antes da oficina com valores registradas após a oficina. A intervenção foi aplicada com profissionais de enfermagem da CASAI (Casa de Saúde do Índio) na cidade de Rio Branco, Acre. A análise dos resultados indicou que houve uma mudança estatísticamente significativa nos indicadores de competência cultural. Secundariamente, através de questionários, procurou-se identificar quais atividades pedagógicas contribuiriam mais para o aprendizado de competência cultural. Neste caso, os resultados indicaram que os participantes acharam mais eficazes as visitas às salas da enfermaria e conversas diretas com os pacientes sobre a qualidade do atendimento.

Palavras-chave: Saúde Indígena, Capacitação Cultural, Enfermagem, Educação Continuada.

INTRODUÇÃO

Neste artigo apresentam-se os resultados de uma avaliação da eficácia de uma oficina de desenvolvimento de competência cultural, na qual participaram profissionais de enfermagem que trabalham com pacientes indígenas na Amazônia ocidental. Os resultados mostram que há mudanças nas atitudes e conhecimentos dos participantes após participação na oficina, tendentes a valorizar uma abordagem mais culturalmente sensível com os pacientes.

A hipótese principal da pesquisa era que a participação na oficina iria incrementar a competência do profissional para interagir com pacientes culturalmente diferentes. Esta hipótese foi testada de duas formas: primeiramente, comparando um grupo experimental submetido à intervenção com um grupo controle; e segundo, comparando os valores iniciais antes da oficina com valores registradas após a oficina.

Secundariamente, procurou-se identificar quais atividades pedagógicas contribuiriam mais ao aprendizado de competência cultural. Neste caso, os resultados indicaram que os participantes acharam mais eficaz as visitas às salas da enfermaria e conversas diretas com os pacientes sobre a qualidade do atendimento. Em segundo lugar, acharam eficazes as discussões abertas e livres entre os participantes durante a oficina, na qual compartilharam experiências e opiniões sobre os assuntos. Ficou em terceiro lugar, na opinião dos participantes, as palestras de um antropólogo.

JUSTIFICATIVA

A competência cultural pode ser definida como um conjunto de atitudes, habilidades, comportamentos e políticas que habilitam os sujeitos a agirem de forma eficiente nas relações interpessoais e profissionais, superando as diferenças culturais (RIBEIRO PEREIRA et al. 2014; COOPER & ROTER, 2002 apud BEACH et al., 2005; PRICE et al., 2005). Nesta pesquisa, operacionalizamos o conceito de competência cultural através de três variáveis: atitudes dos profissionais de saúde perante os indígenas, conhecimentos dos profissionais sobre culturas e medicinas tradicionais indígenas, e comportamentos na interação com os pacientes.

No Brasil, a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (BRASIL, 2002) indica diretrizes para a prestação de serviços que conforma com um modelo de atenção culturalmente sensível. A Política estabelece que a atenção à saúde para indígenas deve ser oferecida “de forma diferenciada, levando-se em consideração as especificidades culturais, epidemiológicas e operacionais desses povos” (BRASIL, 2002 p. 6). Para isto, “dever-se-á desenvolver e fazer uso de tecnologias apropriadas por meio de adequação das formas ocidentais convencionais de organização de serviços” (BRASIL, 2002, p. 6). Esta adequação inclui a “preparação de recursos humanos para atuação em contexto intercultural” (BRASIL, 2002, p. 13) e a “articulação [com os] sistemas tradicionais indígenas de saúde” (BRASIL, 2002, p. 13).

O Ambulatório do Índio, em São Paulo, é um exemplo de um centro de enfermagem que procura oferecer atenção culturalmente competente para usuários indígenas (RIBEIRO PEREIRA et al., 2014). Neste local, os profissionais valorizam aspectos culturais dos pacientes, visando minimizar os conflitos entre o saber da medicina ocidental e do indígena (RIBEIRO PEREIRA et al., 2014). Porém, a aquisição de sensibilidade cultural no Ambulatório do Índio ocorre apenas de modo espontâneo em resposta à motivação individual dos profissionais. Concomitantemente, a avaliação de satisfação com o atendimento no local surge de relatos subjetivos das experiências particulares dos profissionais e experiências qualitativas de tipo etnográfico (RIBEIRO PEREIRA et al., 2014).

Por estes dois motivos, desenhamos uma intervenção na qual seria oferecida aos participantes um módulo educacional estruturado e implementado com todos os funcionários da categoria, e na qual pudéssemos fazer uma avaliação objetiva e estatisticamente válida de possíveis mudanças na sensibilidade cultural dos participantes. Desta forma, a capacitação dos funcionários seria implementada de modo sistematizado e planejado, e disponível universalmente para os funcionários da categoria. Logo, teríamos também, valores estatísticos para avaliar a eficácia do módulo educativo.

Escolhemos implementar a intervenção na Casa de Apoio à Saúde Indígena (CASAI) localizada na cidade de Rio Branco, capital do estado de Acre, a qual faz parte do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) do Alto Rio Purus. Neste local, não há uma política nem uma prática de oferecer módulos educativos orientados a melhorar a competência cultural dos servidores como parte de sua formação permanente, nem tampouco há uma política ou exercício sistemático de engajar práticas culturalmente sensíveis além daqueles feitos espontaneamente pelos funcionários. Todavia, as comunicações do coordenador do projeto com os profissionais em pesquisas anteriores mostravam sua vontade de participar deste tipo de formação, e da consciência de sua importância (FRENOPOULO, 2012).

METODOLOGIA

A hipótese da pesquisa era que a participação na oficina incrementaria a competência cultural do participante. Entendemos por competência cultural a competência para interagir com indivíduos culturalmente diferentes. Para esta pesquisa, a competência cultural na atenção à saúde indígena mede-se nas atitudes ante os pacientes indígenas, no grau de conhecimento detalhado sobre suas culturas e medicina tradicional, e em práticas de enfermagem inclusivas que envolvem especialistas indígenas (p. ex., pajés ou parteiras) como parceiros no cuidado do paciente.

De modo que as três variáveis principais da pesquisa são: mudanças nas atitudes, mudanças no conhecimento, e mudanças nos comportamentos dos profissionais. Nossa seleção de variáveis surge de pesquisas e políticas de competência cultural anteriores focalizadas nos profissionais, dos quais fizemos uma síntese e adaptação (BEAMON et al., 2006; BEACH et al., 2005; PRICE et al., 2005; CRANDALL et al., 2003; BRACH & FRASERIRECTOR, 2000). Reconhecemos que a competência cultural também pode ser revelada em outros tipos de mudanças nos profissionais e também em mudanças nos pacientes (p.ex., sua satisfação com a atenção, ou em melhoras nos indicadores objetivos de saúde). Porém, para esta pesquisa decidimos restringir a colheita de dados apenas a estas três variáveis.

A metodologia de colheita de dados foi quase-experimental. Primeiramente, a intervenção (oficina) foi aplicada de forma independente e sequencial em dois grupos de profissionais. Consideramos o primeiro grupo como o grupo experimental, o qual foi submetido à intervenção inicial. O segundo grupo permaneceu sem receber a intervenção durante uma semana, e seus valores antes de receber a intervenção foram tomados como as de um grupo controle, a efeitos comparativos.

Foram convidados a participar todos os profissionais da área de enfermagem que trabalhavam na enfermaria (CASAI) ao momento de implementar a oficina. Destes, quatro funcionários não se apresentaram. Houve duas expressões espontâneas de interesse em participar por dois técnicos de enfermagem de etnias indígenas, os quais mesmo não sendo funcionários da enfermaria, aceitamos como participantes. No total houveram 23 participantes (6 enfermeiros, 1 técnica de laboratório, 18 técnicos de enfermagem). Destes, 6 técnicos de enfermagem são indígenas da região. O primeiro grupo (grupo experimental) teve 16 participantes, e o segundo grupo (grupo controle) teve 7 participantes. Houveram dois participantes que desistiram da primeira oficina e não completaram o evento, e outros dois participantes que desistiram da segunda oficina e não completaram o evento. Os questionários dos desistentes foram excluídos das análises estatísticas relevantes. A primeira oficina aconteceu nos dias 12 e 13 de novembro de 2016, e a segunda oficina nos dias 19 e 20 de novembro de 2016.

Reconhecemos que o grupo controle não cumpre com condições ideais. Por exemplo, as medições não foram feitas simultaneamente às do grupo experimental, nem de forma cega (ou seja, sem que um participante soubesse se formava parte do grupo experimental ou de controle). As medições do grupo controle foram tomadas uma semana após a aplicação da intervenção com o grupo experimental, pelo qual pode haver tido comunicações espontâneas e criações de expectativas entre os participantes do grupo controle ao interagir com seus colegas no espaço laboral.

Aceitamos estas imperfeições por motivos éticos. Primeiramente, tivemos que nos adaptar aos horários dos plantões da enfermaria e dias disponíveis dos funcionários, fazendo-se inoportuno a implementação de excessivas obrigações (p.ex., preenchimento de questionários) fora do horário da intervenção aplicada para cada grupo. Por sua vez, a adaptação aos plantões fez impossível a seleção aleatória dos participantes de cada grupo. Em terceiro lugar, consideramos necessário do ponto de vista ético oferecer a intervenção para o grupo controle, e os participantes foram avisados de antemão que iriam receber a intervenção num segundo momento. Isto é porque consideramos indevido oferecer uma intervenção placebo (p.ex., com informações conhecidas ou neutras), fazendo perder o tempo ou enganando aos participantes, e porque não achamos correto deixar uma turma de profissionais sem o benefício da oficina no qual participaram seus colegas.

O principal instrumento de colheita de dados foram questionários. Para medir as atitudes utilizamos um questionário contendo uma série de 51 afirmações sobre colaboração e comunicação com diversos agentes indígenas (pacientes, familiares, pajés, parteiras, Agentes Indígenas de Saúde). Pedimos aos participantes identificar seu grau de concordância com cada uma das afirmações numa escala Likert de 5 opções (“concordo totalmente”, “concordo muito”, “concordo em média”, “concordo pouco”, “não concordo”). As afirmações estão subdividas em três categorias (valorizar, preferir, ter intenção) ao respeito do trabalho colaborativo com agentes indígenas, para operacionalizar a variável “atitudes”.

Para medir mudanças nos conhecimentos, entregamos um questionário com 77 afirmações sobre cultura e medicina tradicional indígena. Pedimos aos participantes identificar quais afirmações eram falsas e quais verdadeiras, ou indicar se não sabiam.

O questionário sobre interações (comportamentos) foi incluído na pesquisa, porém não incluímos os dados neste relatório, pois ainda está inconclusa essa fase da pesquisa. Deveremos comparar os dados sobre comportamentos preenchidos antes das oficinas com dados a serem colhidos numa seguinte fase prevista para alguns meses após a oficina, aonde avaliaremos se houveram mudanças sustentadas no tempo nos comportamentos após a oficina. Portanto não reportamos sobre essa variável neste relatório.

Devemos esclarecer que apesar de pedirmos aos participantes responderem os questionários de modo individual, alguns participantes ficavam consultando ou comentando com seus colegas, o que não lhes inibimos. Embora a resposta exclusivamente individual poderia melhorar a validez de alguns dados, iria contra a um dos objetivos da oficina que era promover atitudes colegiais de consulta e apoio mútuo entre os participantes.

Para a análise dos questionários utilizamos tabelas de contingência. Procuramos calcular o Qui-quadrado (χ2) e o valor “p” (McDonald 2014). Utilizamos o programa R para os testes estatísticos e a construção de gráficos (ver www.r-project.org). A “hipótese nula” (H0) seria que “não houveram mudanças” nas atitudes ou conhecimentos após participação na oficina. O teste de Qui-quadrado (χ2) exige dois pressupostos: a frequência esperada deve ser maior que 5, e que haja independência das amostras (McDonald 2014). Os dois pressupostos cumprem-se para nossos dados, apenas esclarecendo que pode ter havido alguma influência nas opiniões do grupo controle pelo seu contato laboral com o grupo experimental.

A primeira análise estatística consistiu em comparar o grupo experimental com o grupo controle. Neste caso, tomamos os valores dos questionários preenchidos após a oficina do grupo experimental e as comparamos com os valores dos questionários preenchidos antes da oficina do grupo controle. No rigor, deveríamos utilizar respostas do grupo controle para questionários feitos após uma oficina placebo, porém, como foi explicado, não consideramos adequado desenhar a pesquisa dessa forma. Em substituição utilizamos os valores iniciais basais do grupo controle, antes deles terem recebido a oficina.

Como o grupo controle teve 7 participantes, tivemos que fazer uma paridade no grupo experimental para ter o mesmo número de casos para a análise estatística. Utilizamos um sistema aleatório de seleção de questionários preenchidos (escolhendo fichas numeradas de dentro de uma caixa fechada) até conseguir 7 participantes para o grupo experimental. Como o tamanho desta amostra é pequena, há possibilidade de gerar um Erro Tipo II. Porém, isto não aconteceu, pois, os resultados da análise estatística nos permitiram rejeitar a hipótese nula.

Para analisar possíveis mudanças nas atitudes, comparamos os dados para as três categorias: “valorizar”, “preferir”, e “ter intenção”. Para analisar possíveis mudanças nos conhecimentos, comparamos as quantidades de afirmações identificadas como “falsas”, “verdadeiras”, ou “não sabe”.

A segunda análise estatística consistiu em comparar as respostas aos questionários preenchidos antes das oficinas com as respostas preenchidas após as oficinas. Neste caso, juntamos as respostas dos dois grupos somados para formar uma amostra única. Neste caso, tivemos um tamanho da amostra maior, não tivemos que fazer ajustes na paridade dos grupos, e não há menos independência nas respostas do que houve para cada oficina levando em conta o contato e comunicação dos participantes entre si na hora de preencher os questionários. Esta amostra cumpre com os pressupostos do teste de Qui-quadrado (χ2), e há menos risco de gerar um Erro Tipo II, pois a amostra é maior.

Igualmente aos testes anteriores, comparamos os dados para as três categorias de atitudes: “valorizar”, “preferir”, e “ter intenção”. Para analisar possíveis mudanças nos conhecimentos, comparamos as quantidades de afirmações identificadas como “falsas”, “verdadeiras”, ou “não sabe”.

Para cumprir com o segundo objetivo da pesquisa de identificar a estratégia pedagógica mais eficaz, implementamos um questionário adicional ao finalizar cada oficina. O questionário consistia em três perguntas, e pedia que os participantes avaliaram numa escala Likert de cinco opções o grau de proveito de cada uma das três estratégias pedagógicas utilizadas em cada oficina (“muito proveitoso”, “bastante proveitoso”, “proveitoso em média”, “pouco proveitoso”, “nada proveitoso”). As três estratégias pedagógicas foram: discussões abertas e livres entre os participantes (as quais ocuparam a maior parte do tempo das oficinas); palestras de um antropólogo (feitas no começo e no final das oficinas, para apresentar e depois resumir os tópicos discutidos); e visitas às salas da enfermaria para consultar e conversar diretamente com os pacientes (feitas após as discussões, já no final da oficina, antes da palestra de encerramento do antropólogo).

Não havia hipótese a testar neste componente da pesquisa, senão apenas obter dados observacionais. Para isto, foram calculadas porcentagens para determinar a ordem de prioridade de cada estratégia segundo a avaliação subjetiva dos participantes. Tomamos como amostra o total de respostas, somando os questionários preenchidos dos dois grupos.

Adicionalmente, foram feitas duas entrevistas. Estas servem com um objetivo de atestação para incrementar os dados estatísticos com algumas avaliações subjetivas e qualitativas dos participantes. Após as oficinas, a equipe de pesquisa elaborou uma lista de cinco participantes cujos depoimentos e participação durante as discussões livres pareciam merecer destaque. Desta lista, foram entrevistadas três pessoas, em base a sua disponibilidade de horário. Os entrevistados representam a gama de participantes: uma enfermeira (não-indígena), uma técnica de enfermagem não-indígena, e um técnico de enfermagem indígena. As entrevistas duraram em média onze minutos, com aproximadamente oito perguntas cada uma

RESULTADOS

1. Comparação grupo experimental e grupo controle

O primeiro conjunto de testes estatísticos foram feitos comparando o grupo experimental com o grupo controle. Para testar se houve uma diferença nas atitudes, comparamos as respostas entre o grupo experimental e o grupo controle para as três categorias “valorizar”, “preferir”, e “ter intenção”, de trabalhar em cooperação e coordenação com diversos agentes indígenas. Nos três casos, houve uma diferença estatisticamente significativa (p<0,01) entre os dois grupos de participantes. Nas três categorias, observa-se que no grupo experimental há uma notória concentração de respostas afirmando “concordar totalmente” ou “concordar muito” com o trabalho coordenado, não houve respostas em branco (“não responde”) e houve poucas respostas afirmando “não concordar” com o trabalho coordenado. Em comparação, no grupo de controle há maior distribuição das respostas, incluindo mais respostas afirmando “não concordar” ou “concordar pouco” com o trabalho coordenado, além da existência de respostas em branco (“não responde”) (ver gráficos 1, 2, 3).

Gráfico 1: Valorizar o trabalho coordenado com agentes indígenas  
Gráfico 1: Valorizar o trabalho coordenado com agentes indígenas
Gráfico 2: Preferir o trabalho coordenado com agentes indígenas
Gráfico 2: Preferir o trabalho coordenado com agentes indígenas
Gráfico 3: Ter intenção de trabalhar em coordenação com agentes indígenas
Gráfico 3: Ter intenção de trabalhar em coordenação com agentes indígenas

Nos cálculos estatísticos constatamos que o valor p<0,01; portanto, estas diferenças são estatisticamente significativas. Isto sugere que nossa hipótese sobre mudança de atitudes é válida (ver tabela 1.1).

Tabela 1.1: Valores “p” para as três variáveis de mudança nas atitudes

Variável X2 df p-value
“valorizar” 20.671 5 0.0009347
“preferir” 26.857 5 0.00006082
“ter intenção” 22.161 5 0.0004879

Para avaliar se houveram diferenças nos conhecimentos sobre cultura e medicina tradicional indígena, comparamos as respostas entre o grupo experimental e o grupo controle. Constatamos que o grupo experimental mostra valores mais baixos de respostas deixadas em branco ou afirmando não saber (“não responde” ou “não sabe”), e os participantes identificam maiores afirmações falsas incluídas no questionário (ver gráfico 4).

Gráfica 4: Identificação de afirmações falsas e verdadeiras sobre cultura e medicina tradicional indígena
Gráfica 4: Identificação de afirmações falsas e verdadeiras sobre cultura e medicina tradicional indígena

Nos cálculos estatísticos constatamos que o valor p<0,01; portanto, estas diferenças são estatisticamente significativas. Isto sugere que nossa hipótese sobre mudança de conhecimentos é válida (ver tabela 1.2).

Tabela 1.2: Valor “p” para a variável de mudança nos conhecimentos

Variável X2 df p-value
“conhecimentos” 60.6 2 0.00000000000006934

2) Comparação antes e depois

O segundo conjunto de testes estatísticos foram feitos comparando as respostas dos questionários entregues antes e depois da intervenção. Para avaliar se houve mudança nas atitudes tomamos os valores das categorias “valorizar”, “preferir”, e “ter intenção” de trabalho em coordenação com agentes indígenas. Nos três casos, houve uma diferença estatisticamente significativa (p<0,01) entre os dois momentos de medição. Nas três categorias, observa-se que na medição após as oficinas há uma notória concentração de respostas afirmando “concordar totalmente” ou “concordar muito” com o trabalho coordenado e poucas respostas em branco (“não responde”) ou afirmando “não concordar” com o trabalho coordenado. Em comparação, na medição feita antes de iniciar as oficinas há maior distribuição das respostas, incluindo mais respostas afirmando “não concordar” ou “concordar pouco” com o trabalho coordenado, além das respostas em branco (“não responde”) (ver gráficos 5, 6, 7).

Gráfico 5:  Valorizar o trabalho coordenado com agentes indígenas (antes - depois)
Gráfico 5:  Valorizar o trabalho coordenado com agentes indígenas (antes – depois)
Gráfico 6: Preferir o trabalho coordenado com agentes indígenas (antes - depois)
Gráfico 6: Preferir o trabalho coordenado com agentes indígenas (antes – depois)
Gráfico 7: Ter intenção de trabalhar em coordenação com agentes indígenas (antes - depois)
Gráfico 7: Ter intenção de trabalhar em coordenação com agentes indígenas (antes – depois)

Nos cálculos estatísticos constatamos que o valor p<0,01; portanto, estas diferenças são estatisticamente significativas. Isto sugere que nossa hipótese sobre mudança de atitudes é válida (ver tabela 1.3).

Tabela 1.3: Valores “p” para as três variáveis de mudança nas atitudes (antes – depois)

Variável X2 df p-value
“valorizar” 98.789 5 0.00000000000000022
“preferir” 96.618 5 0.00000000000000022
“ter intenção” 42.611 5 0.0000000443

Para avaliar se houveram diferenças nos conhecimentos sobre cultura e medicina tradicional indígena comparamos as respostas antes e depois das oficinas. Constatamos que as respostas após a oficina mostram valores mais baixos de respostas deixadas em branco ou afirmando não saber (“não responde” ou “não sabe”), e os participantes identificam maiores afirmações falsas incluídas no questionário (ver gráfico 8).

Gráfica 8 - Identificação de afirmações falsas e verdadeiras sobre cultura e medicina tradicional indígena (antes - depois)
Gráfica 8 – Identificação de afirmações falsas e verdadeiras sobre cultura e medicina tradicional indígena (antes – depois)

Nos cálculos estatísticos constatamos que o valor p<0,01; portanto, estas diferenças são estatisticamente significativas. Isto sugere que nossa hipótese sobre mudança de conhecimentos é válida (ver tabela 1.4).

Tabela 1.4: Valor “p” para a variável de mudança nos conhecimentos (antes – depois)

Variável X2 df p-value
“conhecimentos” 30.69 2 0.0000002166

3. Métodos pedagógicos mais eficazes

Os resultados dos questionários sobre a eficácia dos métodos pedagógicos aplicados durante as oficinas mostram que os participantes acharam mais eficaz as visitas às salas do centro de saúde aonde conversaram e consultaram diretamente com os pacientes sobre a qualidade da prestação de serviços. A discussão livre e aberta entre os participantes surge em segundo lugar de preferência. Em terceiro lugar vem as palestras com Datashow dadas por um antropólogo.

Os gráficos 1.5, 1.6, e 1.7 mostram as porcentagens das respostas. Observa-se que da escala de cinco opções disponíveis aos participantes para avaliar a estratégia pedagógica das conversas com os pacientes e para avaliar a estratégia pedagógica da discussão livre entre os participantes, todas as repostas recebidas concentram-se em considerar “muito proveitoso” ou “bastante proveitoso” esses métodos. Em comparação, já houve participantes que consideraram “proveitoso em média” ou “pouco proveitoso” as palestras do antropólogo (ver gráficos 9, 10, 11).

Gráfico 9: Grau de proveito das conversas com pacientes nas salas
Gráfico 9: Grau de proveito das conversas com pacientes nas salas
Gráfico 10: Grau de proveito da discussão aberta e livre entre participantes
Gráfico 10: Grau de proveito da discussão aberta e livre entre participantes
Gráfico 11: Grau de proveito das palestras do antropólogo
Gráfico 11: Grau de proveito das palestras do antropólogo

4. Entrevistas

As entrevistas confirmam a informação obtida através dos questionários, e refletem os depoimentos compartilhados durante as discussões abertas da oficina. Dentre as várias perguntas, destacamos aqui dois eixos recorrentes nas respostas dos entrevistados: 1) a oficina como oportunidade de compartilhar experiências e opiniões com colegas; 2) acolhimento da medicina tradicional indígena dentro da enfermaria.

Sobre o primeiro ponto, por exemplo, temos o seguinte depoimento:

O debate foi muito bom e proveitoso porque todos os colegas de trabalho conseguiram mostrar os seus conhecimentos, compartilhando com os outros e também ouvindo o que os indígenas presentes tinham a dizer, sobre a cultura dos Kulinas, sobre os feitiços e etc.

 De modo semelhante, temos a seguinte consideração:

O que faltava anteriormente na CASAI era esse diálogo aberto entre os profissionais e os pacientes. Com a oficina esse diálogo surgiu e isso serviu como inspiração e alerta para os técnicos e os colegas.

Ao respeito do segundo ponto, podemos destacar a seguinte opinião:

 A CASAI precisa melhorar muito, principalmente quanto ao respeito aos pacientes conhecedores da medicina tradicional, para que esses sintam-se à vontade para fazer uso da mesma.

Também realçamos a seguinte apreciação:

Dependendo do paciente, caso seja necessário a presença de um pajé com seus conhecimentos, o paciente pode solicitar a vinda do mesmo.

De modo que os depoimentos das entrevistas reiteram os pontos principais levadas à discussão durante as oficinas. Assim, um dos entrevistados falou uma frase que sintetiza bem o objetivo da oficina: “para trabalhar com os indígenas precisamos ter conhecimento da cultura deles”.

DISCUSSÃO

Com esta pesquisa pudemos suprir a ausência de medições estatísticas mostrando a eficácia de módulos educativos deste tipo (cf. RIBEIRO PEREIRA et al., 2014). Os resultados da pesquisa mostram mudanças nas atitudes e conhecimentos dos participantes perante os pacientes indígenas. Isto é visível através da comparação de respostas de questionários aplicados antes e depois de cada oficina, e também (tomando em conta algumas apreciações) entre um grupo considerado experimental e outro grupo considerado de controle.

Ao mesmo tempo, também pudemos suprir a necessidade de implementar módulos de formação profissional permanente para ajudar a capacitar os profissionais em assuntos de cultura e medicina tradicional indígena. Desta forma, os profissionais não devem apenas adquirir esta competência de forma espontânea através da motivação individual (cf. RIBEIRO PEREIRA et al., 2014), senão de forma sistemática e disponível para a totalidade dos funcionários da categoria na unidade de saúde estudada.

A avaliação da eficácia relativa das estratégias pedagógicas foi incluída para identificar formas de melhorar o módulo educativo para eventuais aplicações futuras em outras localidades. Por exemplo, a notória resposta positiva dos participantes sobre o proveito de visitar as salas da enfermaria e conversar com os pacientes sugere que esta prática deve ser priorizada em futuras oficinas. Durante a pesquisa, as visitas às salas ocuparam aproximadamente 29% do tempo. As visitas ocorreram na etapa final das oficinas, o que sugere que talvez sua eficácia percebida pode ser devido aos participantes já estarem com uma atitude influenciada a favor de se comunicar mais com os pacientes por conta das atividades anteriores da oficina. No futuro, deve-se destinar maior tempo e organização para que a comunicação com os pacientes seja mais minuciosa e completa nas visitas. Fomentar isto é um objetivo da oficina, e vê-se necessário reorganizar o tempo para priorizar este método pedagógico.

Também percebemos que os participantes acharam de grande proveito a metodologia da discussão livre entre os participantes. Este método ocupou a maior parte do tempo da oficina (aproximadamente 57% do tempo), porque a equipe de pesquisa queria priorizar o intercâmbio de experiências entre os participantes. É notório que alguns participantes comentaram depois que, apesar de trabalhar ao lado de alguns colegas, não sabiam da riqueza de sua experiência. A discussão livre permitiu que os participantes com maior tempo de experiência e aqueles com origens étnicas indígenas pudessem expor suas opiniões e experiências aos seus colegas. Desta forma, a condução da oficina ficou descentralizada da equipe de pesquisa e do antropólogo palestrante, e entregue de forma democrática aos participantes. Procurou-se assim, também, fomentar uma atitude de colegialidade e cooperação entre os participantes, o que apoiaria os objetivos da oficina.

As palestras do antropólogo ocuparam 14% do tempo e não estiveram destinadas a acrescentar muita informação adicional por cima do discutido nas discussões livres, porém houve uma recapitulação de assuntos chaves e uma tentativa de expor alguns conceitos disciplinares relevantes (como etnocentrismo e relativismo cultural). No futuro, estas palestras devem estar mais orientadas a proporcionar informação adicional não disponível aos participantes, como resultados de pesquisas relevantes, mais informação sobre cultura e medicina tradicional indígena, e alguns outros conceitos antropológicos.

As entrevistas proporcionaram opiniões e apreciações que confirmam os objetivos da oficina. Os entrevistados foram selecionados de forma explícita em base às suas opiniões expressadas durante a oficina, e as entrevistas ocorreram após as oficinas, portanto, elas concentram opiniões de participantes que responderam de forma afirmativa as nossas hipóteses. As entrevistas conformam um registro de atestação nas palavras dos participantes sobre alguns pontos principais da oficina, e servem para serem incluídas em material de divulgação e em material didático de futuras oficinas.

Após estes resultados, está prevista uma seguinte fase de pesquisa no qual deverão ser colhidos novos dados para determinar se houve mudanças significativas de longo prazo. Deverão ser medidas novamente as atitudes e conhecimentos, e acrescentado dados sobre comportamentos e interações com agentes indígenas.

CONCLUSÃO

Apresentamos neste relatório os resultados de uma avaliação da eficácia de uma oficina destinada a melhorar a competência de profissionais da enfermagem para adequar seus serviços às particularidades culturais dos seus pacientes indígenas. Os testes estatísticos mostram de que houve mudanças estatisticamente significativas (p<0,01) nas atitudes dos profissionais sobre trabalhar em cooperação e comunicação com diversos agentes indígenas, e nos seus conhecimentos sobre cultura e medicina tradicional indígena.

Os resultados também mostram que os participantes acharam de maior proveito a estratégia pedagógica de visitar as salas da enfermaria e conversar diretamente com os pacientes sobre a qualidade da sua atenção. Em segundo lugar, acharam proveitosas as discussões livres e abertas que ocuparam a maior parte do tempo da oficina, na qual compartilharam experiências e opiniões.

A pesquisa seguiu uma metodologia quase-experimental, havendo alguns condicionamentos éticos que impediram a implementação de um desenho experimental mais padrão. Levando sempre em conta estas limitações, os dados terão validez e poderão ser utilizados como antecedentes para implementação de módulos educativos semelhantes ou para justificar algumas políticas sobre o assunto.

REFERÊNCIAS

BEACH, Mary Catherine, et al. Cultural Competency: A Systematic Review of Health Care Provider Educational Interventions. Med Care, v. 43, n. 4, p. 356-373, 2005.

BEAMON, Carmen et al. A Guide to Incorporating Cultural Competency into Health Professionals’ Education and Training, National Health Law Program, 2006.

BRACH, Cindy; FRASERIRECTOR, Irene. Can Cultural Competency Reduce Racial and Ethnic Health Disparities? a Review and Conceptual Model. Med Care Res Rev, v. 57, n. 4, p. 181-217, 2000.

BRASIL. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. Brasília: Ministério da Saúde, 2002.

CRANDALL, Sonia, et al. Applying Theory to the Design of Cultural Competency Training for Medical Students: A Case Study, Acad. Med., v. 78, p. 588-594, 2003.

FRENOPOULO, Christian. The Referential Functions of Agency: Health Workers in Medical Missions to Madiha (Kulina) Indians in the Brazilian Amazon. Tese (Doutorado em Antropologia) – Department of Anthropology, University of Pittsburgh, 2012.

McDONALD, John H. Handbook of Biological Statistics. Third Edition. Baltimore: Sparky House Publishing, 2014.

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RIBEIRO PEREIRA, Erica et al. A experiência de um serviço de saúde especializado no atendimento a pacientes indígenas, Saúde e Sociedade, v. 23, n. 3, Jul/Set., 2014.

[1] UFAC (Universidade Federal do Acre). Professor. Pesquisador principal e coordenador do projeto

[2] UFAC (Universidade Federal do Acre). Alunos. Colaboradores do projeto.

[3] UFAC (Universidade Federal do Acre). Alunos. Colaboradores do projeto.

[4] UFAC (Universidade Federal do Acre). Alunos. Colaboradores do projeto.

[5] UFAC (Universidade Federal do Acre). Alunos. Colaboradores do projeto.

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Christian Dave Frenopoulo Gorfain

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