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Alta hospitalar compartilhada e a contribuição da residência multiprofissional no Hospital Universitário de Sergipe

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

LIMA, Fabíola dos Santos [1]

LIMA, Fabíola dos Santos. Alta hospitalar compartilhada e a contribuição da residência multiprofissional no Hospital Universitário de Sergipe. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 01, Vol. 02, pp. 125-138. Janeiro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/alta-hospitalar

RESUMO

Este ensaio qualitativo, exploratório, baseou-se na vivência da autora, enquanto Residente Multiprofissional, no Hospital Universitário de Sergipe e fez uma crítica à alta hospitalar realizada de forma uniprofissional, centrada no tradicional modelo médico hegemônico. Buscou-se, por outro lado, estimular a institucionalização da alta hospitalar multiprofissional, apontando-a como alternativa eficaz à viabilização do atendimento integral em saúde, direito do cidadão brasileiro, garantido pela Constituição Federal, de 1988, e por leis complementares. Utilizamos, como métodos de pesquisa, a observação, a visita em campo, as pesquisas na internet, além de pesquisas bibliográficas e, a partir daí, sugerimos a Residência Multiprofissional (REMU) como aliada. Percebeu-se o caráter prejudicial da alta hospitalar uniprofissional e a relevância da alta multiprofissional. Para esta, o estudo aponta sugestões práticas, mas esclarece sobre as dificuldades impostas pelo sistema econômico capitalista, em sua roupagem neoconservadora e desarticuladora de direitos sociais.

Palavras chaves: Saúde, integralidade, alta hospitalar, multiprofissional.

1. INTRODUÇÃO

O ensaio aqui apresentado tem o objetivo de ampliar o debate sobre a relevância da alta hospitalar compartilhada, apontando as Residências Multiprofissionais em Saúde como importantes ao estabelecimento deste fluxo garantidor de direitos.

A motivação para a pesquisa surgiu das inquietações da autora na ocasião de sua inserção no Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Adulto e do Idoso (REMU-SAI), vinculada à Universidade Federal de Sergipe (UFS), em Aracaju, e realizada no Hospital Universitário de Sergipe, no período entre março de 2015 e março de 2017.

Acreditamos que a alta hospitalar uniprofissional desconsidera o direito constitucional de atendimento integral à saúde (BRASIL, 1988); fere a Lei Orgânica da Saúde (BRASIL, 1990) e às recomendações ministeriais para assistência humanizada e na perspectiva de clínica ampliada (BRASIL, 2004, 2009). Consequentemente, pode desencadear condições desfavoráveis à continuidade do cuidado no pós-alta, podendo resultar em constantes reinternações, agravamentos da saúde ou óbitos, por causas evitáveis.

De outra forma, a alta compartilhada caracteriza-se em ações que são mais resolutivas e viabilizadoras da integralidade em saúde, por envolver uma pluralidade de olhares e saberes, levando em conta os aspectos biopsicossociais do indivíduo. Assim, justificamos nosso estudo pela relevância de ampliar a discussão e a defesa da institucionalização do modelo de alta hospitalar de forma compartilhada.

Trata-se de pesquisa qualitativa, exploratória, pois se buscou “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito” (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 35), visando sua resolução, cujas conclusões foram alcançadas utilizando-se o método dialético, dada a dinâmica contraditória da realidade pesquisada. Para coletar dados, utilizou-se: a observação; a visita em campo, pesquisas na internet e a pesquisa bibliográfica, por concordar que “a necessidade de se consultar material publicado é imperativa” (GIL, 2008, p.75).

Salientamos que o estudo não traz dados quantitativos e/ou comparativos do número de altas e/ou reinternações hospitalares no período estudado, nem se propôs a mensurar os impactos relacionados às altas uniprofissionais, nem a percepção dos profissionais em relação ao trabalho multiprofissional. Deixando essas análises como sugestões para pesquisas posteriores.

2. O DIREITO À SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL

A partir da Constituição Federal (1988), o Brasil, pelas letras da lei, conta com um sistema de Saúde público, gratuito, universal e integral. Mas, antes, até meados de 1930, o cenário era diferente. Não existia a compreensão do direito e a maioria da população ficava em situação vulnerável. Quem podia pagar pelo serviço recorria aos profissionais liberais e quem não podia pagar tentava a sorte nas Santas Casas de Misericórdia, recorria aos curandeiros, buscava os atendimentos filantrópicos, ou morria sem receber qualquer tipo de assistência.

De 1930 em diante, num contexto de efervescência do processo de industrialização, o Estado – que só se envolvia nas questões extremas – viu-se forçado a intervir de maneira mais efetiva nas dificuldades de saúde da população pois, passou a ser pressionado pelos trabalhadores mais vinculados aos setores de escoamento da produção nacional e, principalmente, pelos empresários e comerciantes estrangeiros que começavam a ver os portos brasileiros como insalubres.

Em 1923, por iniciativa dos trabalhadores, surgiram as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) que possibilitavam atendimento às demandas de higiene e saúde de algumas categorias profissionais (os ferroviários, estivadores e marítimos). Na década de 30, são criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), ampliando a assistência às outras categorias profissionais. Porém, para os desassistidos pelos CAPs e IAPs, maioria da população, a atuação do Estado, até a década de 60/70, voltava-se para a “criação de condições sanitárias mínimas para as populações urbanas e, restritamente, para as do campo” (BRAVO, 2009).

Notava-se uma intervenção, predominantemente, curativa. Ademais, quem não trabalhava com vínculo formal e nem podia pagar pelo serviço privado, continuava tendo dificuldade em cuidar da saúde.

Lá, pelo final da década de 1970, iniciou-se um movimento de Reforma Sanitária. Movimento que se intensificou a partir da segunda metade da década de 1980, ganhando ainda mais forças a partir das discussões feitas na VIII Conferência Nacional de Saúde – ocorrida em março de 1986, em Brasília, Distrito Federal. E, através de reivindicações e embates coletivos de protagonistas sociais, conseguiu-se desenvolver as desejadas reformas sanitárias. Considere reformas no sentido adotado pelo movimento operário socialista – enquanto perspectiva de melhores condições de vida e trabalho para as maiorias – advindas de muitas reivindicações e lutas (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).

As discussões e documentos apresentados na VIII Conferência contribuíram para que a Saúde fosse inserida como direito universal e público na Constituição Federal de 1988 – conhecida como Constituição cidadã –  e que encerrou um período de 20 anos de ditadura militar. A partir dessa inserção, a saúde passou a compor o tripé da Seguridade Social – junto com a Previdência e a Assistência Social e a ser prestada como “direito de todos e dever do Estado” (BRASIL, 1988). Na sequência, outros aparatos legais foram conquistados, para materializar, normatizar, o direito à saúde, como a Lei 8080 de 1990 e a Lei 8142, do mesmo ano.

Porém as conquistas mencionadas, foram fortemente combatidas, pela burguesia, os detentores dos grandes capitais, que, em meados de 1990, passou a pressionar o Estado por novas alterações / intervenções, em favor da acumulação capitalista e aumento das taxas de lucros, segundo eles, ameaçados pelas políticas sociais, entre elas, a saúde. Inicia-se um processo denominado reforma do Estado, nada relacionado às lutas engendradas pelos movimentos sociais, mas, uma contrarreforma, com notório alheamento às recentes conquistas sociais contidas na Carta Magna de 1988.

O argumento para essas supostas reformas do Estado nos parece bem contemporâneo. Justificaram a necessidade de amortização da dívida, para que o Estado empreendesse uma “reformatação passiva à lógica do capital”, traduzida em privatizações, forte apelo midiático, com vistas a criar uma “subjetividade antipública”, cortes no orçamento da seguridade social, “além de outros truques e financiamentos que não ficaram transparentes para a população brasileira” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).

Na saúde, por exemplo, novas formas de gestão, como as Organizações Sociais (OS), as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), as Fundações, empresas públicas e as transferências de dinheiro público para empresas privadas, surgem como alternativas à redução de custos e melhoria dos serviços prestados, tendo sua ampliação mesmo nos Governos de Luís Inácio Lula da Silva (2003 – 2011) e Dilma Roussef (2012 – 2016), ambos de esquerda, “mas que adotaram medidas de continuidade do desmonte das áreas sociais, com destaque para a política de saúde” (SANTOS, 2015).

Vivenciou-se uma desestatização na execução da política e uma espécie de “complementaridade invertida” em que o público acaba sendo complementar ao privado (SILVA, e col, 2015), ruindo as bases da Reforma Sanitária, enfraquecendo as ações de atenção básicas de prevenção e promoção da saúde, fragilizando os vínculos empregatícios e, consequentemente, enfraquecendo as mobilizações de classe, além de fragilizar os princípios do SUS, pois a lógica passa a ser a do capital (que é a obtenção de lucro, com alcance de metas) em detrimento da universalidade, equidade, integralidade, como sintetiza Correia (2015).

A crítica aos tempos de reação neoliberal continua com SANTOS (2015):

[…] a ofensiva capitalista em busca de novos nichos para a retomada de sua acumulação vem ditando as contrarreformas nos Estados nacionais, especialmente nos países periféricos, e redefinindo a atuação do Estado, a fim de atender as requisições do grande capital, tendo como uma de suas consequências o desmonte das políticas sociais (SANTOS, 2015, p. 95).

O modelo de política de saúde que temos hoje é, relativamente, novo, mas, embora legislado, organizado e servindo de paradigma para outros países, esbarra-se em interesses políticos partidários e ditames econômicos que comprometem seu processo de legitimação, inviabilizando seus princípios e suas diretrizes. Soma-se a isso a inércia da população, que não está habituada e nem é estimulada (por vezes, é até reprimida) a exercer sua cidadania.

É notório que houve significativos avanço quanto à prestação de serviços públicos de saúde para a população brasileira. Isto, por conta de corajosos embates de grupos sociais comprometidos com a garantia de direitos. Entretanto, a luta deve ser constante, para que não corramos o risco de perder direitos já legitimados. Fomentar a alta hospitalar compartilhada faz parte desse olhar para a legitimação da Saúde pública como um direito a ser garantido.

3. ALTA HOSPITALAR COMPARTILHADA: A CAMINHO DA INTEGRALIDADE

No contexto hospitalar e nos demais níveis de complexidade da assistência à saúde existem desafios e possibilidades à efetivação do direito. Aqui, problematizaremos a questão da alta uniprofissional, sugerindo a alta compartilhada como a estratégia mais adequada para garantir acesso mais integral à saúde. Mas, o que seria a integralidade em saúde?

A medicina brasileira, por volta de 1970, começa a receber influências do Movimento de Medicina Integral, que fora iniciado nos Estados Unidos, visando fomentar boas práticas médicas e criticando o modelo de atendimento fragmentado, chamado de “especialização”.

Aqui no Brasil, o Movimento de Medicina Integral foi associado à medicina preventiva e, posteriormente, ao Movimento de Reforma Sanitária, ampliando para todos os profissionais de saúde (não só o médico) a responsabilidade pela prestação de um atendimento integral que levasse em conta os aspectos biopsicossociais do processo saúde-doença (MATTOS, 2009).

A integralidade traduz-se em um “conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema” (BRASIL, 1990).

Sendo assim, o atendimento integral em saúde deve contemplar desde as ações preventivas quanto às curativas e de promoção da saúde e pressupõe mudanças nos modelos assistenciais; antecipar-se às possibilidades do adoecimento, para desenvolver-se planos de ação que deem respostas efetivas no processo saúde-doença. Necessita que seja desenvolvida a escuta qualificada e a comunicação efetiva, garantindo ao indivíduo o papel de sujeito no processo; necessita que se busque interface com as demais políticas públicas; e é preciso garantir continuidade do tratamento, estabelecendo-se fluxos contínuos entre os serviços e orientando o indivíduo e/ou seus cuidadores de forma correta e completa, possibilitando acesso (por meio do encaminhamento, da acessibilidade, do empoderamento, da criação de vagas etc.) aos serviços necessários a sua recuperação, sempre considerando os entraves à saúde causados pelos seus determinantes sociais: “alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”, que muito interferem no processo (BRASIL, 1990).

O Conselho Nacional de Saúde, por meio da Resolução N.º 218, de 06 de Março de 1997, reconhece os seguintes profissionais de nível superior como profissionais da saúde: assistentes sociais, biólogos, profissionais de educação física, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, médicos veterinários, nutricionistas, odontólogos, psicólogos e terapeutas ocupacionais (BRASIL, 1997).

O atendimento multiprofissional é imprescindível ao atendimento integral em saúde e à aplicação da proposta de Clínica Ampliada, fomentada pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2009).

[…] a proposta da Clínica ampliada busca se constituir numa ferramenta de articulação e inclusão dos diferentes enfoques e disciplinas. A Clínica ampliada reconhece que, em um dado momento e situação singular, pode existir uma predominância, uma escolha, ou a emergência de um enfoque ou de um tema, sem que isso signifique a negação de outros enfoques e possibilidades de ação. (BRASIL, 2009, p.10).

A Residência Multiprofissional em Saúde do Adulto e do Idoso (REMU/SAI) do Hospital Universitário de Sergipe reúne algumas experiências exitosas no que tange a efetivação desse processo de clínica ampliada.

A referida Residência tem duração de dois anos e, a cada três meses, os residentes ficam em setores/cenários diferentes (Atenção Básica I, Atenção Básica II, Clínica Médica I, Clínica Médica II, Cirúrgica I, Unidade de Terapia Intensiva, Núcleo específico, Estágio e férias). No período de recorte da pesquisa (2015 – 2017), a REMU/SAI era composta de quatro equipes multiprofissionais (A, B, C e D) com as seguintes profissões, cada uma: assistente social, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, odontólogo, psicólogo e terapeuta ocupacional.

Semanalmente, a equipe multiprofissional se reunia para discutir os casos dos pacientes da clínica em que atende. Além dos Residentes, alguns profissionais do Hospital participavam. Na ocasião da reunião, como são levantados os motivos da hospitalização do paciente, cada profissão reconhece as demandas que lhes cabem, propõe condutas e coletivamente, pensa-se na maneira mais adequada de prestar atendimento ao paciente internado, obedecendo os fluxos e estabelecendo prazos. No final da reunião, é preenchida a ata que todos assinam.

Estas reuniões são oportunas para operacionalizar o conceito ampliado de saúde e possibilitar um melhor entendimento a respeito das demandas do paciente, considerando-o sob diferentes aspectos (biopsicossociais). Além disso, ampliam-se as possibilidades de uma intervenção mais resolutiva, facilitada pela construção do olhar holístico – o adoecimento e o processo de tratamento perpassam por múltiplas determinações. E, diante de uma necessidade de saúde que não possa ser atendida por determinada profissão / categoria, ao invés de negligenciar a demanda, o profissional mais indicado a sua resolução, é acionado a contribuir.

No início da Residência, percebemos, facilmente, o desconforto dos profissionais, nem sempre habituados com as reuniões/discussões/alinhamentos multiprofissionais. Já no final do primeiro ano, é notória transformação. Percebemos, nas conversas informais, os relatos dos residentes sobre como tornou-se significativo dividir o cuidado, evitar passar informações incompletas ou incorretas (por tratar-se de competência de outra categoria profissional). Atitudes que fomentam o máximo possível de intervenções assertivas durante a hospitalização e uma alta hospitalar – com informações completas ao paciente / familiar / cuidador, pactuações de qualidade com a Rede de Serviços. Contribuindo para a adesão e continuidade do tratamento no pós-alta, além de evitar re-internações por causas evitáveis.

Na Clínica Cirúrgica ocorre parecido. Uma vez na semana os Residentes de Medicina reúnem-se para apresentar, aos demais residentes médicos e ao preceptor, as demandas clínicas dos pacientes internados. Nesse espaço de fala, discutem as demandas de saúde dos pacientes, pelo viés biomédico. Por intermédio da coordenação da Residência Multiprofissional, conseguiu-se que houvesse participação dos residentes multiprofissionais nessa reunião.

Outra reunião multiprofissional similar, ocorria, semanalmente, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Enfermaria pequena, cinco leitos. Neste setor, por iniciativa de um dos médicos intensivistas e da enfermeira responsável pela Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), uma vez por semana, reunia-se a equipe do setor: técnicos de enfermagem, enfermeiro, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, os residentes de medicina e os residentes multiprofissionais que estavam rodando nesse cenário, além dos enfermeiros e dos residentes multiprofissionais da (CCIH), para discutir os pacientes. Nesta reunião, os participantes eram requisitados a contribuir com informações que julgassem indispensáveis ao melhor cuidado ao paciente. Qualquer interessado poderia sugerir alterações nas intervenções, que eram colocadas em prática logo que a reunião acabasse, ou de imediato, se fosse comprovada a necessidade.

Apesar dos benefícios resultantes das iniciativas que foram aqui expostas, das leis específicas e da percepção da melhoria na assistência prestada ao paciente, em termos gerais, no contexto pesquisado, em relação à alta HOSPITALAR, predomina a soberania das decisões médicas. O que pode ser um não serviço, por ser feita de forma uniprofissional, ao invés de ser compartilhada com os demais profissionais que estavam com atendimento ao paciente em andamento.

A Política Nacional de Atenção Hospitalar, instituída pela Portaria N. 3.390/2013 do Ministério da Saúde, estabelece as diretrizes norteadoras do atendimento nos hospitais públicos e privados que prestem atendimentos no âmbito do SUS. São predominantes nesta portaria as recomendações para que o cuidado hospitalar aos pacientes seja de forma horizontal, fomentando a multiprofissionalidade e a interdisciplinaridade. Sobre a alta, o documento refere “alta hospitalar responsável” e não, restritivamente, “alta médica”, além de determinar as seguintes condições a serem observadas:

I – Orientação dos pacientes e familiares quanto à continuidade do tratamento, reforçando a autonomia do sujeito, proporcionando o autocuidado; II – articulação da continuidade do cuidado com os demais pontos de atenção da Rede de Atenção a Saúde (RAS), em particular a Atenção Básica; e III- implantação de mecanismos de desospitalização, visando alternativas às práticas hospitalares, como as de cuidados domiciliares pactuados na RAS. (BRASIL, 2013).

Em nossa experiência, enquanto residente, vivenciamos muitos momentos em que, após encerrar-se a investigação diagnóstica e a terapêutica médica, o paciente recebia alta, sem que os outros profissionais assistentes tomassem conhecimento. Acreditamos que tal atitude favorece o reducionismo das orientações e dos encaminhamentos necessários, ou que estes sejam feitos às pressas e de forma superficial.

Defendemos que a alta hospitalar compartilhada é fundamental para potencializar a adesão do paciente ao tratamento e para que sejam realizadas ações necessárias ao efetivo cuidado no domicílio, evitando agravamento das suas condições de saúde, reinternações ou óbito, além de possibilitar a contrareferência junto à Rede. Concordamos que, para “a desospitalização segura, a alta deverá ocorrer de forma programada, de acordo com a complexidade do cuidado necessário no domicílio” (BRASIL, 2013, p. 07).

Nesta proposta que trazemos, de definição do fluxo para a ALTA HOSPITALAR COMPARTILHADA, as reuniões multiprofissionais exemplificadas aqui, seriam institucionalizadas pela gestão do hospital e tornar-se-iam espaços de discussões permanentes, em todas as Clínicas.

Segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), “a alta médica hospitalar, como o próprio termo diz, é prerrogativa do médico”. E, ainda sobre condutas médicas, o Código de Ética deste profissional, elaborado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM, 2009), no Capítulo I, elenca princípios fundamentais que devem ser observados em toda e qualquer intervenção, inclusive na alta do paciente. Entre eles:

[…] VI – O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício; […] XIV – O médico empenhar-se-á em melhorar os padrões dos serviços médicos e em assumir sua responsabilidade em relação à saúde pública, à educação sanitária e à legislação referente à saúde; […] XVII – As relações do médico com os demais profissionais devem basear-se no respeito mútuo, na liberdade e na independência de cada um, buscando sempre o interesse e o bem-estar do paciente; […] (CFM, 2009, p. 30,31).

Infere-se que, agir com zelo no trato da saúde do indivíduo, respeitar o ser humano, assumir a responsabilidade em relação à saúde pública, respeitar e ser solidário aos colegas de outras profissões e interessar-se pelo bem-estar do paciente relaciona-se, diretamente, com a alta hospitalar compartilhada que propomos aqui, sem, contudo, interferir na autonomia e nem nas particularidades da alta médica.

As inquietações e modificações de condutas incitadas nas reuniões coletivas vivenciadas na Residência Multiprofissional de Saúde no Hospital Universitário de Sergipe e pelos profissionais inseridos no serviço representam um ponto de partida rumo ao desenvolvimento de novas mentalidades e ações. Todavia, essas experiências multiprofissionais ocorrem em um espaço médico hegemônico, espaço de disputas políticas partidárias, e num contexto das novas formas de gestão da saúde, desencadeadas pela contrarreforma do Estado e, com prejudicial impacto nas Políticas Públicas e Sociais, constantemente sucateadas.

No contexto estudado, não existia um fluxo para a alta compartilhada. Então, caso ocorresse alteração dos profissionais que, na ocasião do estudo, assumiam a mediação das reuniões, isso poderia significar o fim delas. Outra fragilidade, com exceção das reuniões semanais das equipes de residentes multiprofissionais, é que não havia preenchimento de ata e nas demais reuniões existentes, para registrar / formalizar as pactuações decididas. Estas limitações apontadas também sinalizam nossas sugestões de caminhos para que seja institucionalizada a alta hospitalar compartilhada.

  Sugerimos, também, que as discussões multiprofissionais, mesmo em contextos em que não haja Residência, sejam permanentes e façam parte das atribuições de cada profissional, independente do setor em que estejam alocados; que os médicos sejam incluídos mais efetivamente nessas discussões – afinal, são os profissionais, historicamente, legitimados como determinantes da alta médica; sugerimos construção coletiva de fluxos e protocolos norteadores da alta multiprofissional; bem como, comunicação respeitosa e clara entre os profissionais envolvidos no cuidado; sugerimos, preenchimento adequado dos prontuários que, se alimentados corretamente com as informações discutidas e as condutas acordadas, tornam-se aliados da comunicação entre a equipe; sugerimos planejamento da alta com tempo hábil que possibilite orientações aos pacientes/cuidadores e pactuações com os demais serviços comunitários, para uma alta hospitalar que dê condições à adesão e continuidade do tratamento no pós-alta; sugerimos a gestão da assistência, priorizando a garantia do direito à saúde, em detrimento dos ditames econômicos.

Ademais, é imprescindível, que os profissionais não médicos se reconheçam como relevantes nesse processo e que se posicionem em defesa da essencialidade de suas intervenções para a assistência integral ao paciente, sempre que necessário, pois, assim, contribuirão para a institucionalização da alta hospitalar compartilhada.

4. CONCLUSÃO

Ter saúde é condição imprescindível à sobrevivência humana. Após grande mobilização social pela reforma sanitária, a saúde deixou de ser privilégio de categorias profissionais específicas ou de quem pudesse pagar e passou a ser política pública não contributiva, garantida pelo Estado, permitindo-se participação, complementar, da rede privada.

Contudo, o Estado, sob a égide dos ditames capitalistas, vem empreendendo estratégias que culminam no desmonte dessas e de outras políticas públicas, ruindo suas bases e deslegitimando seus princípios e diretrizes, o que se convencionou chamar de contrarreforma do Estado.

Percebemos que, além de adequadas reformulações políticas e econômicas, o atendimento à saúde e a integralidade no SUS requerem mudanças de paradigmas na linha do cuidado, para que o usuário deixe de ser visto como um ser “paciente” e passe a ser considerado sujeito do processo; requerem o enfrentamento às intervenções fragmentadas, desconexas, para que o acesso do usuário aos atendimentos básico e de média e alta complexidade não seja limitado ou descontinuado; e requerem a priorização das ações promocionais, educativas e preventivas, com práticas conscientes, multiprofissionais e éticas em defesa da valorização do SUS, pois o sucateamento do SUS e demais políticas públicas faz parte da tática contrarreformista de desvalorização da coisa pública e valorização da privatização.

No âmbito do Hospital Universitário de Sergipe (HU-SE), campo de nossa pesquisa, verificou-se a prevalência do cuidado multiprofissional durante o internamento do paciente, entretanto, existe a necessidade do fortalecimento de estratégias que fomentem a adoção de uma alta compartilhada com todos os profissionais envolvidos na assistência e não resumida à alta médica, pois esta alta hospitalar uniprofissional, pode prejudicar a qualidade e a completude das ações necessárias ao cuidado pós-alta.

Diante disto, concluímos que as Residências Multiprofissionais (REMUs) são expressivas aliadas no processo de institucionalização da alta compartilhada, visto que nas reuniões multiprofissionais de planejamento semanais e nas demais reuniões em que os residentes estão inseridos ensejam-se discussões constantes, com fomento à clínica ampliada e ao atendimento integral às necessidades de saúde dos pacientes atendidos, consideram-se os aspectos biopsicossociais desses pacientes. Nas reuniões, busca-se que a equipe multiprofissional e a equipe fixa do Hospital respeitem e entendam a essencialidade do trabalho do outro e as possibilidades de intervenção de cada um, viabilizando o direcionamento das demandas aos profissionais mais adequados para atendê-las.

Apesar de o direito à saúde está devidamente legislado, faz-se necessário que os usuários, os profissionais de saúde, a gestão, o Estado, todos os sujeitos do processo estejam empenhados em bem operacionalizá-lo. Afinal, não estamos falando de condutas opcionais, estamos discutindo a efetivação de recomendações legais e, todos nós, enquanto usuários, trabalhadores e estudiosos do SUS, temos significativa parcela de responsabilidade em fazer um SUS que dá certo, se não pelas convicções políticas e ideológicas adotadas por cada profissional, o faça, então, pelo cumprimento dos preceitos de nossos códigos de ética e, principalmente, pela observância ao cumprimento das Leis estabelecidas.

REFERÊNCIAS

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[1] Assistente Social, pela Faculdade Dom Pedro Segundo, na Bahia. Especialista em Saúde do Adulto e do Idoso pela Universidade Federal de Sergipe.

Enviado: Novembro, 2020.

Aprovado: Janeiro, 2020.

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Fabíola dos Santos Lima

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