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Aborto, Ilegalidade e Complicações: Um Desafio para o Enfermeiro

RC: 17230
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

BOSSO, Letícia Caciolari [1], LIMA, Danielle Mateus [2], SOUZA, Pamela Gabriela de Oliveira [3], TANAKA, Larissa Santos [4], MAIA, Janize Silva [5]

BOSSO, Letícia Caciolari; et.al. Aborto, Ilegalidade e Complicações: Um Desafio para o Enfermeiro. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 07, Vol. 03, pp. 46-67, Julho de 2018. ISSN:2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/aborto-ilegalidade

RESUMO

Introdução: A evolução feminina no contexto atual do Brasil tem sido muito discutida, assim como os seus direitos. Neste contexto, o aborto tem sido amplamente discutido na atualidade sob o ponto de vista dos direitos sexuais e reprodutivos. A descriminalização do aborto tem emergido por meio dos movimentos feministas brasileiros, considerando-se as consequências do ato quando realizado de forma clandestina e insegura, em condições precárias, onde a mulher expõe-se à danos graves e muitas vezes irreversíveis, tornando-se difícil a mensuração de dados para o cálculo de todos os danos e mortes que ocorrem através desse ato. Objetivo: descrever as complicações geradas pela prática do aborto ilegal. Método: revisão integrativa a partir da seguinte pergunta norteadora “a que tipo de complicações as mulheres que procuram realizar o aborto clandestino estão expostas”. De posse dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados inicialmente 87 trabalhos e utilizados 32. Resultados: Diversas são as complicações fisiológicas e mentais são geradas, com predomínio da hemorragia e do sentimento de culpa. A ilegalidade do aborto e a criminalização dificultam o alcance de números reais e fidedignos sobre a sua complexidade e a dimensão das complicações geradas pelo ato. Conclusão: A assistência humanizada é imprescindível para a atuação do enfermeiro, tendo como ênfase o respeito pelos fatores psicossociais que envolvem a mulher, situação esta que requer do mesmo qualificação a identificação de complicações fisiológicas e mentais e atuação ágil e com sublimidade, baseada em conhecimentos, contribuindo para a diminuição das complicações e favorecendo uma recuperação ampla e integral desta mulher após o abortamento.

Palavras-chave: Aborto, Humanização da Assistência, Mortalidade Materna, Saúde da Mulher.

INTRODUÇÃO

A evolução feminina no contexto atual do Brasil tem sido muito discutida, assim como os seus direitos. Por sua vez, o aborto também tem sido amplamente discutido na atualidade sob o ponto de vista dos direitos sexuais e reprodutivos. Definido como interrupção da gravidez até a 20ª ou 22ª semanas e com o produto da concepção pesando menos que 500g, é permeado por questões culturais e religiosas desde o período colonial brasileiro, onde sua prática já era considerada imoral e abusiva pelo Estado e pela Igreja (BRASIL, 2010).

A descriminalização do aborto tem emergido por meio dos movimentos feministas no Brasil, considerando-se as consequências do ato quando realizado de forma clandestina e insegura. Por ser realizado de forma ilegal, muitas das mulheres o procuram em condições precárias, expondo sua saúde à danos graves e muitas vezes irreversíveis, tornando-se difícil a mensuração de dados para o cálculo de todos os danos e mortes que ocorrem através desse ato clandestino. A maioria dos abor­tos é realizada durante o período mais intenso de atividade reprodutiva das mulheres.  De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Aborto do ano de 2015, metade das mulheres que o realizaram de forma clandestina procuraram serviços médicos no SUS e foram internadas devido a complicações causadas pelo mesmo (DINIZ, MEDEIROS, MADEIRO, 2016).

Sabe-se que as complicações após a realização do aborto são relevantes frente à mortalidade materna. Boa parte dos casos de mortalidade materna são decorrentes de complicações não tratadas de forma eficaz ou atendimento tardio, diminuindo as possibilidades de reversão do quadro clínico estabelecido.

Neste cenário, o enfermeiro, enquanto educador e mentor do planejamento assistencial tem grande influência no atendimento de mulheres que passaram por um processo de abortamento inseguro e que apresentam complicações após realização do procedimento (DOMINGOS e MERIGHI, 2010).

OBJETIVO

Descrever as complicações do aborto induzido, de forma ilegal na mulher brasileira.

MATERIAL E MÉTODO

Trata-se de uma revisão integrativa, da leitura de artigos que abordam o assunto de complicações do aborto ilegal, a partir da pergunta norteadora: quais as complicações geradas pela prática do aborto ilegal? Esta modalidade permite recapitular as pesquisas já existentes e assim obter conclusões de um tema de suma relevância. As etapas desta revisão foram fundamentadas em protocolo previamente estabelecido, visando manter o rigor científico e metodológico, a saber: 1) elaboração da pergunta de pesquisa; 2) definição dos critérios de inclusão de estudos e seleção da amostra (busca ou amostragem na literatura); 3) representação dos estudos selecionados em formato de tabelas, considerando todas as características em comum (coleta de dados); 4) análise crítica dos estudos incluídos, identificando diferenças e conflitos; 5) interpretação/discussão dos resultados; 6) apresentação da revisão integrativa de forma clara e objetiva das evidências/dados encontrados.

A busca dos artigos por meio eletrônico foi realizada nas seguintes bases de dados: SciELO (Scientific Eletronic Library Online) e LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), a partir dos seguintes descritores: Aborto; Humanização da assistência; Mortalidade materna; Saúde da Mulher.

Para a seleção dos artigos foram utilizados como critério de inclusão: estudos publicados entre 2010 e 2016, com idioma em português e inglês, com texto completo na íntegra e que respondessem à pergunta norteadora.

De posse dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionadas inicialmente 87 referências e utilizadas 32 das quais, 13 responderam efetivamente ao objetivo.

Um instrumento foi elaborado para a coleta e análise dos dados dos estudos que incluídos. Neste instrumento foram registradas as seguintes informações: título, ano de publicação, periódico, objetivo do estudo e complicações do aborto.

RESULTADO

DESCRIÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS DOS ESTUDOS

As publicações selecionadas para a identificação das principais publicações sobre sentimentos relacionados ao câncer de mama estão descritas no quadro 1.

Quadro 1 – Apresentação da síntese da literatura que demonstra as complicações da realização do aborto. São Paulo, Brasil, 2017.

Título Ano Periódico Objetivo Complicações do aborto
O aborto como causa de mortalidade materna: um pensar para o cuidado de enfermagem 2010 Escola Anna Nery Realizar uma reflexão acerca do aborto como causa de mortalidade materna. Grande sangramento vaginal;

Fortes dores; Febre;

Grandes hemorragias;

Perfurações uterinas;

Ulcerações do colo ou vagina;

Transtornos menstruais

Itinerários abortivos em contextos de clandestinidade na cidade do Rio de Janeiro – Brasil 2012 Ciência & Saúde Coletiva Analisar os dados sociodemográficos, origem e formação familiar, trajetória escolar e de trabalho, carreira afetivo-sexual, práticas contraceptivas, e eventos de gravidez e aborto. Sangramento e dor.
Situação de abortamento: Uma Compreensão Ética e humanizada do cuidado de enfermagem 2012 Disciplinarum Scientia. Série: Ciências da Saúde  Refletir e discutir teoricamente a formação ética na integração entre ensino e serviço de enfermagem, no cotidiano de uma pessoa que se submeteu a uma situação de abortamento, no intuito de aprimorar os saberes acadêmicos, obtendo subsídios para a prática clínica. Óbito materno

 

O aborto inseguro é um problema de saúde pública 2012 Femina Analisar as pesquisas que abordam o aborto provocado ou inseguro no Brasil. Óbito materno

 

Itinerários e métodos do aborto ilegal em cinco capitais brasileiras 2012 Ciência & Saúde Coletiva Conhecer o itinerário da mulher após sua decisão pelo aborto, não explorando questões morais ou motivações para o aborto. Dores abdominais intensas;

Quadro infeccioso grave.

Cuidados intensivos de enfermagem frente às complicações do aborto provocado 2013 Revista de Enfermagem UFPE Discutir as situações de risco, que levam as mulheres que provocam aborto às Unidades de Terapia Intensiva. Hemorragia;

Choque hipovolêmico;

Sepse.

Aborto e saúde pública no Brasil: reflexões sob a perspectiva dos direitos humanos 2013 Saúde em debate Descrever a relação do aborto e saúde pública no Brasil, reflexões sob a perspectiva dos direitos humanos. Hemorragias; – Infecções;

Perfurações de órgãos;

Infertilidade.

Aborto, depressão, autoestima e resiliência: uma revisão.

 

2013 Saúde & Transformação Social Focalizar a depressão e o aborto como problemas de saúde pública, destacando importantes textos que abordam o contexto social das mulheres, sua qualidade de vida, níveis de autoestima, fatores de risco e protetores, bem como, refletir sobre a influência e a interface entre esses fatores. Depressão;

Diminuição da autoestima;

Ansiedade.

Saúde mental das mulheres e aborto induzido no Brasil  2015 Psicologia Revista PUCSP Apresentar e discutir dados produzidos nos últimos 20 anos em pesquisas nacionais acerca das associações entre o tema do abortamento induzido e da saúde mental. Enfocando-se os efeitos da prática de abortamento inseguro para a saúde mental das mulheres que o realizam. Sofrimento emocional;

Quadros de estresse;

Depressão.

Complicações do abortamento e assistência em maternidade pública integrada ao Programa Nacional Rede Cegonha 2015 Saúde Debate Descrever o perfil sociodemográfico, obstétrico e assistencial de todas as internações de abortamento em maio-agosto/2012, em emergência. Hemorragias;

Infecções.

Motivos e significados atribuídos pelas mulheres que vivenciaram o aborto induzido: revisão integrativa 2015 Resvista Escola de Enfermagem USP Identificar o que motiva as mulheres a provocar um aborto e o significado atribuído a essa experiência em suas vidas. Dificuldade em manter a integridade mental;

Ansiedade;

Depressão.

Perfil de mulheres que vivenciaram complicações decorrentes ao aborto: Evidencias da literatura cientifica brasileira 2016 Revista Interdisciplinar Identificar o perfil das mulheres que vivenciam complicações decorrentes do aborto a partir da literatura brasileira. Quadros infeccioso hemorrágico grave;

Choque séptico e/ou hipovolêmico;

Sepse.

Aborto induzido: Um problema de saúde pública 2016 Diálogos possíveis Mostrar como o aborto induzido vem sendo discutido na literatura. Complicações infecciosas ou hemorrágicas;

Morte materna.

 

A figura 1 apresenta a distribuição dos estudos selecionados segundo o ano de publicação.

 

A MULHER NO CONTEXTO DA SOCIEDADE BRASILEIRA: BREVE ANÁLISE

Historicamente a mulher sempre teve um papel secundário na sociedade. Em muitos momentos foi marginalizada e vista somente para cuidar do lar, do marido e dos filhos. O homem era o único fornecedor de renda para as necessidades do lar, portanto, não pertencia à mulher o direito de trabalhar fora para o sustento do lar. Com o direito ao voto somente em 1934 a mulher começou a se inserir nas decisões sociais e, somente devido a primeira e segunda guerra mundial foi permitida a sua inserção no mercado de trabalho: muitos homens não retornaram da guerra e muitos do que retornaram estavam incapacitados para o trabalho em função da amputação de algum membro. A partir de então, a mulher passou a ser capacitada e determinada para o trabalho (SCHLICKMANN e PIZARRO, 2013).

Sendo motivada pela escassa mão de obra, a inserção da mulher no mercado de trabalho, principalmente no mercado fabril, resultou em muita exploração e humilhação, pois além da submissão a carga horária de até 18 horas por dia, as mulheres, por muitas vezes, eram espancadas e recebiam salários até 60% menores do que se comparado aos dos homens.

A situação da mulher no mercado de trabalho foi percebida por algumas mulheres, que já se identificavam com alguns movimentos feministas que vinham se expandido pelo mundo desde o começo do século. No Brasil, o movimento feminista vinha crescendo e tomando força devido a Ditadura Militar, mas já tinha um histórico devido a luta pelo sufrágio na década de 20, no Nordeste do país (MENDES, VAZ e CARVALHO, 2015).

Assim, a mulher com o trabalho assalariado assentiu a sua autonomia, onde percebeu que poderia concorrer potencial e racionalmente com os homens em vagas de trabalho. O movimento feminista nos anos 70 despertou na mulher o avanço dos limites impostos, no entanto, a maioria das brasileiras acumula o trabalho remunerado, ao trabalho doméstico não pago, gerando a sobrecarga da dupla jornada. É notório que algumas dessas tarefas são divididas entre marido e mulher, mas o envolvimento masculino não é considerado uma divisão e sim uma participação (SILVA e LIMA, 2012).

Com todas essas mudanças, a mulher buscou pelos seus direitos, de liberdade, políticos, sexuais e reprodutivos e, atualmente, existem grandes debates referente a estes assuntos. Segundo Prá e Epping (2012), a sociedade utiliza de reivindicações em esfera internacional, para a proteção de seus direitos, dentre eles os civis, políticos, culturais, sociais, sexuais e reprodutivos.

ABORTO E SEUS ASPECTOS LEGAIS

O aborto é um dos temas mais discutidos atualmente entre profissionais da área da saúde, buscando informações e conhecimento científico para explicar o porquê de tal fato ocorrer entre as mulheres. É considerado precoce quando ocorre antes da 13ª semana e tardio entre a 13ª e a 22ª semana de gestação (DOMINGOS E MERIGHI, 2010). Atualmente no Brasil, o aborto é um ato comum e bastante praticado entre as mulheres brasileiras. Segundo Diniz e Medeiros (2012), uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já realizou pelo menos um aborto, sendo o método mais utilizado, o medicamentoso.

De acordo com o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), o número de abortos subiu de 50 milhões, entre os anos de 1990 e 1994, para 56 milhões entre os anos 2010 e 2014 (SEDGH et al, 2016).

No Brasil, o aborto é considerado ilegal, sendo permitido somente na impossibilidade de outros meios de salvar a vida da gestante, em casos de estupro, incesto ou até mesmo em casos de má formação do feto. Denotado como ilegal, o aborto provocado se tornou um grave problema nacional de saúde. Por ocorrer em situações precárias, ocasiona complicações para as mulheres e, em alguns casos óbitos materno. Domingos e Merighi (2010) afirmam que, o abortamento é responsável por 11,4% do total das mortes maternas e por 17% das causas obstétricas diretas nas capitais brasileiras.

No ano de 2000, foi aberta a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Mortalidade Materna, com o objetivo de pesquisar e levantar dados que mostrassem os motivos pelas quais tantas mulheres vinham a óbito nessa fase.

Em 2010, ocorreu no Brasil a 11ª Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e Caribe, onde os países participantes assinaram o acordo chamado Consenso de Brasília. Segundo Almeida e Bandeira (2013), foi assumido como responsabilidade pelos países participantes a promoção da igualdade de gênero, autonomia das mulheres e diminuição da mortalidade materna.

Apesar do comprometimento do Brasil com a criação de diversos programas que visam melhorar a saúde da mulher, o número de complicações após o abortamento ilegal ainda é alto. Em 2015, o Sistema Único de Saúde (SUS), atendeu mais de 181 mil mulheres após realização de aborto (DINIZ, MEDEIROS, MADEIRO, 2016).

A globalização e o acesso à internet facilitaram o acesso das mulheres ao mercado medicamentoso contribuindo para a elevação da prática do aborto ilegal. Nos anos de 1990, o lançamento no mercado do medicamento, que tem o misoprostol como princípio ativo, facilitou o processo de abortamento de modo que as mulheres apenas o finalizam com uma curetagem em qualquer instituição hospitalar (DINIZ e MEDEIROS, 2013).

No cenário político, o tema ganhou notoriedade nas eleições no ano de 2010, onde “a sociedade civil manifestou-se, sob diferentes vozes, a favor da descriminalização do aborto” (ALMEIDA e BANDEIRA, 2013, p. 377), em oposição os cenários cultural e religioso, nos quais o Brasil se embasa há muitos anos. Ainda nos dias de hoje, relatam Diniz e Medeiros (2013), as Igrejas interferem na legislação brasileira e nas práticas políticas.

Além destes cenários, a ilegalidade do aborto traz consigo, o prisma lucrativo. Para Domingos e Merighi (2010), a clandestinidade permite que as pessoas que participam do ato fiquem impunes e neste contexto, quem tem maior poder aquisitivo e financeiro obtém atendimento especializado, em detrimento dos menos favorecidos, que procuram estabelecimentos rudimentares e vulneráveis às complicações, em função da falta de estrutura mínima para o procedimento.

Durante o século XX, assuntos referentes à saúde da mulher ganharam espaço nas políticas nacionais de saúde do Brasil, cujas ações até então eram privadas se fossem contra suas gerações. Até então, as mulheres tinham a possibilidade de escolha em ter um filho ou não, ou seja, as mesmas eram resignadas a uma cultura de reprodução (ANJOS et al, 2013).

Nos anos 90 muitas reuniões foram realizadas ONU referentes aos direitos das mulheres, direito universal, no intuito de reformular as leis que de alguma forma impedem a mulher de ser responsável pelo seu próprio corpo, mediante a dúvida do aborto. A IV Conferência Mundial sobre a Mulher, consumada no ano de 1995, ressaltou a importância do aborto seguro, reduzindo os riscos de vida da mulher quando a mesma procurava métodos impróprios para evitar a gestação. Nessa época Cairo e Pequim foram as cidades que mais enfatizaram a importância de uma atenção exclusiva à saúde da mulher (SANTOS e BRITO, 2014).

Em decorrência desta e outras conferências, vários países legalizaram a prática do aborto, contando com equipes preparadas em hospitais e clínicas para atenderem as mulheres e realizarem o procedimento. No entanto, o Brasil demonstra outra realidade: o aborto é considerado criminoso de acordo com o código penal brasileiro desde 1940 até os dias de hoje (ALMEIDA et al, 2012).

O aborto no Brasil, por tratar-se de um crime contra a própria vida da gestante, enquadra-se nos artigos 124 ao 127 do Código Penal, assim disposto: Provocar aborto em si mesmo ou consentir que outrem lhe provoque”; “Provocar aborto, sem o consentimento da gestante”; “Provocar aborto com o consentimento da gestante”; “As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte” (WIESE e SALDANHA, 2014).

Os autores acrescentam que o que se procura proteger no crime de aborto é a vida do feto, por sua vez, consolidada na implantação do ovo na cavidade uterina.

Existem situações em que o aborto está previsto no Código Penal como legal, expressas no artigo 128 (SILVA, DINIZ e NETO, 2013). São elas: – 1) na ocorrência de risco à vida ou à saúde da gestante; 2) se a gravidez é resultante de violação da dignidade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; 3) se comprovada anencefalia ou graves e incuráveis anomalias do feto que inviabilizem a sua vida no ambiente extrauterino, situações estas, atestadas por dois profissionais médicos; 4) se constatado, por médico ou psicólogo a ausência de condições psicológicas para o exercício da maternidade. Havendo consenso, por parte da gestante, o aborto poderá ocorrer até a décima segunda semana da gestação.

O sigilo que permeia este assunto exige ainda um paradigma entre os profissionais da saúde, sobretudo quanto ao estado de saúde de uma paciente e a denúncia de um aborto provocado. A Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Aborto (NTAHA) recomenda que a mulher em processo de abortamento deve ser atendida de forma humana, não se admitindo qualquer discriminação ou restrição ao acesso à saúde (BRASIL, 2011). Por sua vez, o Código de Ética profissional do Enfermeiro, assegura ao mesmo o direito de abstenção de revelar informações confidenciais de que tenha conhecimento em razão de seu exercício profissional a pessoas ou entidades que não estejam obrigadas ao sigilo (artigo 81); bem como o dever de manter segredo sobre fato sigiloso de que tenha conhecimento em razão de sua atividade profissional, exceto casos previstos em lei, ordem judicial, ou com o consentimento escrito da pessoa envolvida ou de seu representante legal (artigo 182).

Um estudo desenvolvido por Wiese e Saldanha (2014) apresentou a opinião dos profissionais da área da saúde (Enfermeiros, Médicos, Psicólogos) e profissionais da área de Direito, que mostram a discussão entre essas duas vertentes: o sigilo que o profissional deve manter e os aspectos legais que regem as normas de atendimento, sendo que alguns profissionais julgam o aborto provocado como uma infração moral grave e outros o defendem como um direito de reprodução da mulher, devendo-se manter o sigilo referente ao estado de saúde atual.

A partir do sigilo profissional, existem também estudos que buscam opiniões de estudantes da área da saúde referente à lei do aborto atual no Brasil. Em um estudo feito com alunos de Medicina e de Direito, encontrou-se um dado significativo de estudantes que defendem a ampliação do que se é permissivo por lei para se interromper uma gestação, pautando-se no fato de que o Código Penal Brasileiro foi promulgado, em 1940, as tecnologias eram mínimas, assim não se existiam meios para o diagnóstico de malformações em vida intrauterina. Na visão dos mesmos, esta perspectiva deve-se alterar devido aos tratados e acordos internacionais nos quais o Brasil está engajado, tendo como objetivo a promoção do acesso das mulheres para garantir o direito a saúde e a vida de forma integral (MEDEIROS et al, 2012).

Por fim, os profissionais da saúde dizem que independente das alterações ou modificações que os profissionais de diversas áreas julgam necessário, medidas socioeducativas seriam primordiais para a mulher, e não somente visando a denúncia ou medidas punitivas, afinal, punição de caráter moral marcam essas mulheres que recorrem ao serviço de saúde apresentando complicações após abortamento inseguro (WIESE e SALDANHA, 2014).

COMPREENDENDO O PERFIL DAS MULHERES QUE ABORTAM E OS FATORES QUE DESENCADEIAM A REALIZAÇÃO DO ABORTO ILEGAL

Diante dos altos índices atuais de aborto ilegal no Brasil, busca-se entender por quais motivos as mulheres brasileiras recorrem a este método diante de uma gravidez indesejada. Dentre os fatores que desencadeiam o aborto ilegal, estudados por Bitencourt e Santos (2013) estão: mulheres divorciadas ou que moram com um companheiro, mas não possuem relação estável, gravidez não planejada em função de problemas com os métodos contraceptivos; a falta de condições financeiras para a criação de um filho; o medo de perder o emprego e a rejeição da sua própria família.

Passando-se a fase da adolescência, a mulher entra em seu auge reprodutivo, onde o seu corpo está mais susceptível a fecundação. Nesta fase está o maior índice de abortamento: uma em cada cinco mulheres de até 40 anos de idade já realizaram um aborto ilegal, porém entre as mulheres de 18 a 29 anos de idade são que encontradas as maiores taxas de aborto, ou seja, no auge da fase reprodutiva (VILLELA et al, 2012).

A falta de conhecimento e informação com métodos contraceptivos e sobre como funciona o seu próprio corpo influenciam o desejo da mulher pela interrupção da gravidez. As mulheres, por vezes, não se adaptam a um determinado método e por não conhecerem outros, desistem de utilizá-lo, resultando em uma gestação indesejável, por isso, “o ato de provocar o aborto é, com frequência, adotado por mulheres sem conhecimento prévio sobre o corpo, que não conseguem vislumbrar as consequências deste, tornando-se vulneráveis” (BITENCOURT e SANTOS, 2013, p.982).

As Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s) estão presentes dentre os fatores que desencadeiam o aborto. Apesar do Brasil apresentar em sua rede de saúde pública, programas que apoiam a saúde da mulher e sua saúde reprodutiva, existem mulheres que após o diagnóstico de alguma IST, recorrem ao aborto (VILLELA et al, 2012).

A saúde integral da mulher por ser considerada responsabilidade pública, e ter seus direitos sobre sexualidade e reprodução, foi inserida como planejamento familiar nas Estratégias de Saúde da Família (ESF), com ações de educação preventiva a uma gravidez indesejada e um possível aborto induzido (ANJOS et al, 2013).

A baixa renda e a baixa escolaridade são encontradas em grande parte da população brasileira. Acredita-se que a falta de recursos financeiros influencie diretamente o nível de escolaridade, o que influencia no poder e no conhecimento de informações. Anjos et al (2013) compreendem que as condições econômicas dificultam o acesso às informações, e o aborto acaba funcionando com método de planejamento familiar para essas mulheres mais carentes.

De acordo Sell, et al (2015) existem diversos fatores que estimulam a mulher a realizar um aborto, sendo eles: rejeição da gravidez, falta de apoio do companheiro, método de contracepção de emergência, medo de decepcionar os pais, desejo de não abandonar os estudos, violência doméstica, escassez de informação quanto ao planejamento familiar, incentivo do parceiro, desejo de liberdade e dificuldade de manter uma gravidez, mesmo tendo uma relação estável e com filhos, assim desencadeando o medo de por motivos corriqueiros de situação financeira, de não poder proporcionar um futuro para os filhos e para a nova criança. Porém dentro de todos esses fatores relatam também o medo relacionado a indução deste aborto, que seria: o medo de morrer, de serem julgadas pela sociedade, menosprezadas pelos profissionais da área da saúde, medo da reação dos pais frente a sua decisão de abortar e o medo do castigo de Deus.

De acordo com um estudo realizado por Pereira et al (2012), numa maternidade pública do estado da Bahia com mulheres que estavam hospitalizadas em decorrência de um aborto provocado, as mesmas submeteram-se a esta prática insegura e sob péssimas condições e devido à dificuldade financeira, dependência financeira do companheiro, número de filhos, perda de sua autonomia, violência conjugal, e que diante desta situação, referem o período do início do descobrimento desta gestação até a decisão de interrompê-la como um processo doloroso.

Os preconceitos e a falta de apoio e de aconselhamento permeiam o perfil das mulheres que induzem o aborto. Para Villela et al (2013), as mulheres nem sempre têm a oportunidade da decisão sobre a sua saúde reprodutiva, compartilhada com a família ou companheiro e, por isso, acabam decidindo de forma solitária o que fazer com a sua gravidez.

COMPLICAÇÕES DO ABORTO

O interesse por um procedimento ilegal não gera o questionamento nas mulheres que procuram clínicas clandestinas para realizarem um aborto, levando-as para um procedimento que poderá gerar complicações graves e em muitos casos irreversíveis. Lima e Pereira (2015) relatam que 13% das mulheres que praticam um aborto ilegal evoluem para óbito materno decorrente as complicações geradas.

O Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) do ano de 2011 mostra que 4,8% do total de óbitos maternos foram decorrentes as complicações de um aborto ilegal. Para Bitencourt e Santos (2013) os casos de abortamento ilegal constituem a terceira causa de morte materna no Brasil.

Entre as complicações mais graves e críticas que conduzem a mulher para um atendimento intensivo estão as hemorragias e o choque hipovolêmico, por sua vez intimamente ligados, sendo que o choque é causado após um sangramento extenso ou perda sanguínea súbita e rápida. A perda excessiva de sangue do corpo não permite que os mecanismos compensatórios restabeleçam o volume de sangue adequado, ocasionando complicações secundárias como os distúrbios eletrolíticos, ácido-base e a hipoperfusão. Essas alterações podem acontecer de uma forma muito rápida, carecendo de cuidados intensivos e rápidos para uma restauração fisiológica (BITENCOURT e SANTOS, 2013).

Frente a essas complicações graves e que necessitam de atendimento imediato, 20% das mulheres que abortam procuram os serviços de saúde e acabam sendo internadas nas unidades de cuidados críticos, como Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e Centro Cirúrgico (BORSARI, et al, 2012).

Os quadros de sepse podem ser agravantes quando se realiza um abortamento com introdução de materiais rígidos não esterilizados no canal vaginal, causando perfurações uterinas, infecções e peritonite. Além desses materiais, algumas substâncias químicas podem ser colocadas dentro da cavidade uterina, gerando necrose miometrial e proliferação bacteriana. A partir desses procedimentos, as complicações podem ser graves precurssionando um quadro de sepse. Bitencourt e Santos (2013) afirmam que mais de 50% das infecções ocorridas após a realização do aborto documentadas em UTI são decorrentes de bacilos gram-negativos, o que significa que são infecções mais graves e mais resistentes a antibióticos.

Entre todas as complicações citadas até o momento estão algumas alterações de sinais vitais e sintomas que a mulher poderá apresentar tais como, hipotensão, insuficiência cardíaca, Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA), insuficiência renal, coagulação disseminada e alterações neurológicas, como sonolência, obnubilação e coma (BITENCOURT e SANTOS, 2013).

Um estudo integrativo realizado no ano de 2016 mostrou que as complicações mais frequentes são as infecções (77%), necessidade de transfusão sanguínea (15,6%), choque séptico ou hipovolêmico (8,2%) e sepse relacionada ao aborto (2,5%), sendo que 4,9% das mulheres foram a óbito e quatro mulheres foram submetidas a procedimento cirúrgico, tais como: laparotomia, histerectomia e correção de lesão vaginal (ARAUJO et al, 2016).

Em casos mais raros, encontram-se complicações que afetam outros órgãos e sistema do corpo, gerando complicações mais graves e de difícil abordagem. Em uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro com mulheres que sofreram complicações após a realização de abortamento, foram descritos os relatos de mulheres que tiveram rins e intestino perfurados e passaram diversos dias em coma (HEILBORN et at, 2012).

Além das complicações fisiológicas, encontram-se as complicações que atingem a saúde mental da mulher. Sell et al (2015) descrevem que uma das maiores consequências é a integridade mental dessas mulheres que recorrem ao aborto de forma insegura diante das dificuldades do enfrentamento de uma gestação indesejada, gerando uma mistura de sentimentos de alívio e culpa, medo de morrer, medo do castigo de Deus, arrependimento, dor psicológica, existencial e vergonha de outras pessoas, levando a crises de ansiedade e uma provável depressão.

Para Romio et al (2015), a saúde mental é compreendida como um todo, isto é, a integralidade de seus direitos: de reproduzir-se, relacionar-se sexualmente, acesso garantido ao atendimento de saúde, educação, segurança e entre outros. As complicações psicológicas do abortamento acarretam um sentimento e uma experiência muito traumática, deixando incertezas, conflitos, arrependimento do ato e problemas psicológicos abalados por toda vida (RIBEIRO E BOLPATO, 2013).

Uma pesquisa com mulheres residentes na Bahia revelou que o processo de abortamento ilegal é doloroso desde o momento de descoberta da gestação até o momento de decisão de abortar e visto esta complexidade apesar de avanços nos debates e discussões do assunto, é necessário ampliar a reflexão entre os profissionais de saúde para melhorar a atenção as complicações geradas pelo aborto (ANJOS et al, 2013).

As alterações de saúde mental estão presentes no dia a dia da equipe de enfermagem nas diversas especialidades e atendimentos. O aborto ilegal é um evento singular e único que gera intenso sofrimento físico e existencial, podendo gerar diminuição da autoestima, alterações comportamentais favorecendo o uso de drogas e álcool, além de alterações familiares (ZEFERINO e FUREGATO, 2013).

O sentimento de culpa e depressão manifestam-se quando a mulher se depara com sentimentos inaceitáveis perante a situação que está vivenciando. Deste modo, a culpa e a angústia são projetadas, causando distúrbios emocionais e duradouros, podendo ocasionar isolamento social, distúrbios nos sentimentos e em formas mais graves o problema se torna patológico, sendo necessária, em muitas vezes, a hospitalização (RIBEIRO e BOLPATO, 2013).

Sell et al (2015) declaram que ao praticar o aborto, a mulher fica vulnerável à divergência na imagem criada pelo senso comum, ou seja, de que são mulheres frias e destituídas de sentimentos.

Desta forma, mulheres que passam pela experiência de um aborto ilegal, vivenciam uma situação crítica e complexa, permeada por certezas e incertezas, conflitos e contradições culturais, ocasionando sequelas no período que sucede o aborto, que produzirão complicações em sua saúde mental e física (RIBEIRO e BOLPATO, 2013).

A ASSISTÊNCIA DO ENFERMEIRO E SUA EQUIPE À MULHER QUE SOFREU ABORTAMENTO

Diante ao aumento do índice de aborto ilegal e das complicações que esse ato gera, é necessário que os profissionais que acolhem essas mulheres encontrem-se capacitados para implantar um plano de cuidados adequado. A equipe de enfermagem é considerada como peça fundamental para reduzir esses índices e assim amenizar as complicações geradas (SANTANA, SANTOS e PÉREZ, 2014).

O Enfermeiro frente à prática do abortamento ilegal deve prestar uma assistência com ética e responsabilidade. A NTAHA garante à mulher uma assistência priorizada, respeitando sua autonomia, liberdade, dignidade e autoridade moral e ética, sem discriminação que possa interferir no atendimento (BRASIL, 2011).

Durante o atendimento de uma mulher em situação de aborto ilegal, as alterações fisiológicas são as mais impactantes e, por isso, priorizadas no atendimento como as hemorragias e perfurações. No entanto, os profissionais acabam postergando os cuidados integrais que envolvem sentimentos, sensações e uma série de outros fatores que irão influenciar no processo de recuperação da mulher. Neste cenário, Mortari, Martini e Vargas (2012) ressaltam a angústia e ansiedade que sofre a mulher decidida pelo aborto, considerando o risco que tais problemas podem causar à própria saúde.

Frente a esta situação, a equipe de enfermagem se depara com diversas situações que causam incertezas referentes às atitudes a serem tomadas quanto às questões éticas, pois durante o processo de abortamento, as mulheres vivenciam uma situação estigmatizada para a sociedade que está inserida (DIAS et al, 2013).

O Ministério da Saúde em 2008 criou a Comissão Tripartite referente à Saúde e Segurança no Trabalho, instituída pela Portaria Interministerial nº 152 de 13 de maio de 2008, tendo como objetivo avaliar e propor medidas de implantação da Segurança e Saúde no Trabalho e as atribuições de revisar e ampliar a proposta da Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador. Visto que os profissionais de saúde durante o atendimento de enfermagem são relutantes em desconsiderar suas crenças a valores, foi incluso como assunto de debate a prática de aborto ilegal na Comissão Tripartite com o objetivo de romper o silêncio do aborto e admitir que é um problema de saúde pública inerente as complexidades que envolve a vida da mulher (SANTANA, SANTOS e PÉREZ, 2014).

O processo de abortamento gera na mulher uma experiência física, emocional e social. O Enfermeiro tem como atribuição realizar o acolhimento de forma humanizada, prestando a ela, orientações sobre as condutas e tratando-a em sua integralidade. É provável que ele se depare com uma mistura de sentimentos, tais como: solidão, angústia, ansiedade, culpa, autocensura e medo, sendo necessário planejar uma assistência que atenda às suas necessidades fisiológicas e emocionais (BRASIL, 2011).

O termo “atenção humanizada” transita diversos debates referentes ao cuidado prestado pela equipe de enfermagem. Soares et al (2012) defendem o direito da mulher ser vista numa perspectiva ética e jurídica, de forma humana, referente aos direitos sexuais e reprodutivos, que estão afirmados nos planos internacional e nacional dos direitos humanos.

A comunicação efetiva também representa um ponto crucial para a equipe de enfermagem, onde os profissionais devem estar capacitados para prestarem uma assistência com flexibilidade diante da situação, utilizando-se de uma linguagem simples e adequada a fim de que a mulher compreenda a conduta e cuidados realizados (BRASIL, 2011).

A experiência do abortamento para algumas mulheres pode provocar sentimentos que irão influenciar em sua percepção da ocasião. O profissional ao prestar um atendimento que recrimine a mulher pela situação atual pode alterar suas emoções, gerando obstáculos para implantação do plano de cuidados, resultando em alterações fisiológicas, como por exemplo, a sua percepção da dor (SANTANA, SANTOS e PÉREZ, 2014).

Uma das principais intervenções no plano de cuidados que o Enfermeiro deve desenvolver será referente a dor, seja ela sensorial ou emocional. De acordo com a NTAHA é de extrema responsabilidade sanar qualquer dor que a mulher esteja sentindo, pois o controle inadequado da dor irá causar sofrimento desnecessário e aumento da ansiedade, provocando mais dificuldades para a equipe prestar os devidos cuidados (BRASIL, 2011).

Apesar das diversas complicações do âmbito fisiológico e emocional presentes na mulher em abortamento, o cuidado se humaniza e se efetiva quando uma equipe de saúde comprometida busca combinar a recuperação e a restauração com qualidade, identificação das necessidades básicas e essenciais para aquele momento. Desta forma, o acolhimento e o cuidado serão satisfatórios com práticas voltadas ao exercício das necessidades humanas (SOARES et al, 2012).

Neste contexto, o planejamento de cuidados realizado pelo Enfermeiro deve continuar no período que sucede o abortamento. Um fato que deve ser considerado é o direito que a mulher tem de engravidar novamente. Segundo Santana, Santos e Pérez (2014), faz-se necessário orientações sobre planejamento de uma nova gestação, envolvendo métodos anticoncepcionais e também que se deixe claro que o método do aborto não pode ser um método contraceptivo.

As orientações devem ser estabelecidas imediatamente após o aborto, pois a fertilidade poderá ser retomada rapidamente, assim, a contracepção deve ser iniciada. Caso uma nova gestação seja pretendida, deve-se orientar sobre todo o processo da gestação e verificar se este desejo será a melhor opção. Assim, o Enfermeiro tem como atribuição apresentar todos os métodos contraceptivos aceitos no Brasil e ofertados principalmente pelo SUS, já que nos deparamos na maioria das vezes com um público de baixa renda, explicando sobre a eficiência do método, manuseio e manutenção (BRASIL, 2011).

Na possibilidade e com o consentimento da mulher, as orientações realizadas junto com o companheiro ou família presentes serão bem-vindas, melhorando a adesão da mulher por meio da comunicação e sensibilização das informações. Soares et al (2012) afirmam que um atendimento efetivo deverá ser voltado com um olhar para os direitos humanos, emponderando a mulher sobre o seu corpo e funcionamento do mesmo. Desta forma, as relações serão mais justas entre homens e mulheres, influenciando-a positivamente a busca pela saúde.

CONCLUSÃO

A ilegalidade do aborto e sua criminalização dificultam o alcance de números reais e fidedignos sobre a sua complexidade e a dimensão das complicações geradas pelo ato. A lei que pune o aborto ilegal não minimiza as ocorrências e, por isso, não protege a integralidade da saúde da mulher, haja vista a persistência das taxas de complicações, morte materna e consequências graves geradas pelo procedimento.

Por tratar-se de um assunto polêmico e muito presente nos dias atuais é fundamental a sua inserção na formação acadêmica e profissional dos enfermeiros, para que os mesmos possam oferecer uma assistência planejada e humanizada nas complicações fisiológicas e mentais que o aborto causa na mulher, evitando a morte desta paciente.

Ao realizar um aborto, a mulher vivencia diversos sentimentos. A perda desta oportunidade para a abordagem desta mulher, de forma integral, contribui para o agravo do problema. A assistência humanizada é imprescindível para a atuação do Enfermeiro, tendo como ênfase o respeito pelos fatores psicossociais que envolvem a mulher; situação esta que requer do mesmo, qualificação para identificação de complicações fisiológicas e mentais e atuação ágil e com sublimidade, baseada em conhecimentos, contribuindo para a diminuição das complicações e favorecendo uma recuperação ampla e integral desta mulher após o abortamento.

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[1] Enfermeira. Centro Universitário São Camilo.

[2] Enfermeira. Centro Universitário São Camilo.

[3] Enfermeira. Centro Universitário São Camilo.

[4] Enfermeira. Centro Universitário São Camilo.

[5] Doutoranda em Gestão e Tecnologia em Saúde – UNIFESP, Mestre em Educação – UMESP, Enfermeira e docente do Curso de Enfermagem do Centro Universitário São Camilo e da Universidade Anhembi Morumbi.

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Janize Silva Maia

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