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Um estudo epistemológico sobre à psicologia sócio-histórica

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CONTEÚDO

SANTOS, Alan Ferreira dos  [1]

SANTOS, Alan Ferreira. Um estudo epistemológico sobre à psicologia sócio-histórica. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento.. Ano 03, Ed. 08, Vol. 06, pp. 80-149, Agosto de 2018. ISSN:2448-0959

RESUMO.

Com este estudo se pretendeu demonstrar às características epistemológicas que subjazem o cânone do pensamento da Psicologia Sócio Histórica no Brasil Método: Fez-se uma análise da abordagem Sócio Histórica através da Psicologia Social Tradicional e Teoria da Complexidade. Através de paralelos tentou-se demonstrar às diferenças e similaridades entre as propriedades conceituais de cada campo de conhecimento como também às simetrias e dissimetrias desses pensamentos.

Objetivo:

Fazer uma análise epistemológica da Psicologia Sócio Histórica através dos estudos de Sueli Damergian e Edgar Morin

Conclusão:

Percebeu-se uma dissonância entre os eixos epistêmicos e ontológicos da Teoria Sócio Histórica em relação aos postulados da Psicologia Social Tradicional – Damergian – e da Teoria da Complexidade – Morin -. Evidenciou-se uma miríade de conceitos que podem ser articulados e amarrados entre às unidades teóricas de maneira a produzir uma maior precisão conceitual e consequentemente analítica.

Palavras Chaves: Ana Mercês Bahia Bock, Psicologia Sócio-Histórica, Psicologia Crítica

1 INTRODUÇÃO – A PRODUÇÃO E A DINÂMICA DO CONHECIMENTO.

1.1 A INSTITUIÇÃO E A ESPECIALIZAÇÃO.

A especialização nas universidades brasileiras, se torna cada vez mais comum, seguindo assim o ritmo global da escalonada, rumo ao afunilamento do conhecer. A especialidade acaba por produzir campos teóricos que se legitimam, como sendo hegemônicos, não havendo possibilidade de comunicação, a não ser dentro daquilo que é considerado como válido. O processo se perpetua ramificando-se para as diversas esferas, a 1° seria a institucionalização desse saber na universidade, na graduação e pós-graduação. Nesse último caso, ocorre o advento das linhas de pesquisa, que impele os indivíduos externos à aderirem caso queiram fazer um mestrado, em contrapartida não é possível fazer pesquisas que estejam em dissonância com as linhas propostas. Com este fato o sujeito tem algumas possibilidades (1) se enquadrar naquilo que é proposto, isto é, se submeter a linha que não corresponde a sua predisposição inicial, e nesse sentido executar um mestrado, doutorado e pós-doutorado, prestar concurso docente e constituir uma linha de pesquisa própria, tal percurso perfaz no mínimo 5 anos, pois o mestrado para a sua conclusão, o mínimo é de 1 ano, doutorado 3 e pós, é 1.

Não obstante, quem fará mestrado de 1 ano? Doutorado de 3 e pós de 1? E o produto disso o que será? Lembrando que a pesquisa em ciências humanas, é totalmente diferente das naturais. Por outro lado se fizermos o percurso correto, que seria um Mestrado de 3 anos, Doutorado de 5 e Pós Doutorado 1 à 5, concluiríamos o período em 8 à 13 anos, e o prestar concurso docente 1 ou 2 anos a mais, ressaltando que estaríamos estudando algo que não corresponde ao nosso animo; (2) pesquisar de modo independente (o que é impossível em ciências humanas, à respeito de algumas disciplinas, como sociologia, antropologia e ciência política, por um aspecto puramente econômico, pois não são todos que predispõem de um capital financeiro, que o permita ser independente e pensar questões metafísicas sem financiamento) (Disponível em: <www.unicamp.br> Acesso em: 12, de dezembro, de 2016).

Isto seria o panorama sobre o percurso da especialização, e que ocorre na maioria das universidades, pois todo o processo é estabelecido por meio dos órgãos estaduais e federais que regulamentam o processo de pesquisa no país. Sabido que existem linhas de pesquisa e docentes responsáveis o conhecimento é produzido, e reconhecido socialmente, sendo reproduzido na graduação onde irá estimular os alunos a serem futuros investigadores. No geral, o que ocorre é aceitação por parte de todos, desde da graduação existe o Programa de Iniciação Científica, o sujeito é incumbido na especialidade desde do início, e quando for prestar mestrado, doutorado e assim por diante, será no mesmo tema que pesquisou outrora, e irá concorrer à vaga com outros concorrentes, caso queira trocar de tema, logo após ter concluído sua graduação e ter exercido diversas atividades em solo único, é possível que as suas chances diminuíam com relação, à uma vaga divergente do seu currículo, até pelo fato de que, existiram outras pessoas mais avançadas e que passaram maior parte do seu tempo na vida universitária perscrutando tal assunto, que apenas neste instante você vislumbrou como sendo de seu interesse, nada mais justo, do que ofertar à aqueles a chance.

O conhecimento, portanto, é produzido na pós-graduação e reproduzido na graduação onde irá estimular os alunos à fazer futuras pesquisas dentro do próprio campo, e caso o indivíduo não se sinta estimulado, por aquilo que é oferecido, pode se utilizar das alternativas citadas no início (1) e (2). Se o indivíduo seguir a primeira opção, existe a possibilidade de constituir o seu próprio campo de pesquisa (o que ocorre muito). Geralmente, isto é muito comum nas ciências naturais, nas humanas por conta da delimitação do objeto torna-se mais difícil, não obstante a tendência contemporânea é a especialização, o que faz das ciências humanas de fácil enquadre nos modelos teóricas.

1.2 CIÊNCIAS NATURAIS.

Nas ciências naturais quando o indivíduo investiga um parasitoide, há uma especificação do que exatamente será pesquisado, isto é, se irá examinar os elementos bioquímicos, sua morfologia ou outros. Existe níveis de análise que quando feitas, não implicam em uma compreensão equívoca ou errônea de seu objeto, portanto se compreendo determinadas propriedades químicas do meu organismo, isto não afeta a compreensão geral que tenho do mesmo, e além disso a especialização em ciências naturais é um acontecimento irreversível e necessário, nos dois sentidos, uma por que precisamos desse aprimoramento para novas descobertas e soluções para as mais variadas patologias e segundo por que é inerente a constituição do próprio ser humano a busca por conhecimento, seja lógico matemático ou esotérico místico, sempre houve a busca por conhecer.

Em vista disso, percebemos que a especialização nas ciências naturais, não é um problema do ponto de vista epistemológico, ou seja, do conhecimento do objeto. Conhecer os seus mínimos detalhes é a única coisa a ser fazer, tanto para o avanço do conhecimento, e este é uma prerrogativa da especialização, quanto para a satisfação humana de ter conhecido algo e ir em direção à um novo objeto. Nessa via não é possível reproduzir pesquisas que já foram feitas, simplesmente por não haver sentido em redescobrir o descoberto, tanto que aquilo que foi amplamente pesquisado, é repassado para as séries anteriores, graduação, ensino médio, ensino fundamental e assim sucessivamente, permitindo abertura para investigação de fenômenos desconhecidos.

Uma outra característica, é que quando me debruço sobre uma parte do objeto, e tenho conhecimento sobre esse aspecto de sua constituição, a impressão que tenho deste, não se sobrepõe a sua composição geral, em outras palavras “a parte não se sobrepõe ao todo”, “o específico não torna-se o geral”, “o caso particular, não torna-se universal”. Em vista disso, um elemento bioquímico é um componente do organismo, e não organismo em si, havendo uma relação indissociável e distinguível, o organismo é algo e o elemento é outro. O microbiologista compreende, o que é, e o que não é. Sendo inconcebível denominar um parasita, por meio, de uma de suas moléculas unitariamente, pois o parasita só é, por conta determinadas estruturas que o constituí, mas caso este fosse apenas uma molécula, já não seria um parasita, por que este é constituído por uma complexidade de estruturas relacionais.

Nas ciências humanas por sua vez, é um pouco mais complicado, por conta de uma questão ontológica e epistemológica. A concepção de ser (ontologia) frente à seu objeto, irá moldar o modo pelo qual o conhece (epistemologia). Uma comparação pertinente é em relação a ciências naturais, caso um biólogo tenha uma concepção da célula, que diverge do meio acadêmico, e que esteja imbuída de misticismo ou de uma moralidade, não irá afetar a sua pesquisa laboratorial, pois o modo de pensar não altera os elementos do objeto. E caso ainda esteja convicto de suas afirmações, os componentes bioquímicos e as reações físico-químicas compareceram inalteradas, portanto as ideias, não serão passíveis de modificação de um fenômeno. Isto seria a ontologia (concepção de ser do objeto) que não afeta a sua epistemologia (modo de conhecer o objeto), dado que, a investigação irá ocorrer no laboratório com determinados procedimentos e metodologia específica. A origem sociocultural do investigador, seja ele do Brasil ou do Japão, sua condição socioeconômica e até mesmo, caso tenha uma deficiência física, não irá influenciar os resultados do experimento, caso se utilize dessa metodologia o resultado é invariavelmente idêntico, dentro das condições controladas e dos instrumentos adequados, o experimento é replicável. Portanto, se o biólogo não “crê” na profilaxia por meio da vacina, isto é irrelevante, persuadido, sim ou não, de sua crença (mística ou moral), as consequências são invariáveis e caso ocorra a variação (pois existe uma margem de erro) não será por conta do seu “ponto de vista”, mas sim por outras motivações.

O avanço exponencial da ciência natural, ocorre por conta do seu aspecto quantitativo de se fazer ciência, o conhecimento torna-se cumulativo. Nesse sentido, o sistema nervoso é composto por células nervosas (neurônios) e células de sustentação (células da glia). O primeiro é composto por um corpo celular (pericário) e por duas formas de prolongamento: os dendritos e os axônios. A neuroglia por sua vez, tem como função fornecer suporte, por meio de nutrição, defesa e reparação aos neurônios (ANDRADE, 2004). Tal composição do cérebro, não é descrito de outro modo, a não ser este, tanto que não existe afirmações do tipo “a composição do sistema nervosa na perspectiva…” ou “a composição do sistema nervoso sobre o olhar…” e até “a composição do sistema nervoso do ponto de vista…”.

Nos dendritos por seu turno, é onde ocorre a transferência das informações provenientes de outras células nervosas por meio de suas ramificações. As informações transmitidas de uma célula para outra, ocorre por meio de impulsos nervosos, que são de natureza eletroquímica (ANDRADE, 2004). E mais uma vez, não se ouvirá “o funcionamento do cérebro na perspectiva…” e “a representação do funcionamento do cérebro sobre o olhar”. Portanto, não há modos de se pensar a estrutura do cérebro, muito menos o seu funcionamento, “sobre um olhar”, “ponto de vista” e “de uma perspectiva”, por isto, o avanço crescente das ciências naturais, dado que, quando surge um problema os pesquisadores concentram-se em solucionar à adversidade, permitindo assim o progresso do conhecimento. O que possibilita isto, é simplesmente não ter um “olhar”, “perspectiva” e muito menos, “pontos de vista”, nessa via, o cientista se atém aos fatos, se utilizando dos seus métodos de pesquisa e analisando os seus dados colhidos. Uma das implicações da pesquisa em ciências naturais é a produção de tecnologia que beneficia a sociedade como um todo, a objetividade é imprescindível, caso um estudante de medicina absorva a informação incorreta advinda do docente, e produza uma solução equivocada, pode haver consequências para o seu paciente, o equivalente serve a um estudante de engenharia que desenvolve um cálculo inexato.

1.3 CIÊNCIAS HUMANAS.

A ciências humanas é um caso sério na contemporaneidade, principalmente por conta da especialização já citada no início do texto. Para a ciências naturais a especialidade é um benefício, enquanto que para nós, das humanidades é um benefício e desafio. Em primeiro ponto, o que deve ser considerado é o objeto de nossa ciência, que já o título da disciplina informa que é o ser humano. Este por sua vez ainda não foi descoberto, pois com o avanço da ciência em geral, é que se permite avançar degraus na escalonada do conhecimento sobre a sua própria constituição, por meio da “Hard Sciences”, desde da menor partícula subatômica, passando por células, moléculas orgânicas e inorgânicas, a constituição dos tecidos, dos órgãos e dos sistemas, indo além com o estudo dos aglomerados de minérios (rochas), a relação do homem com as planícies, temos também a questão da ecologia que estuda a relação entre os organismos num determinado ambiente, se estendo para as questões físicas, do próprio espaço e do tempo, as diversas dimensões que a consciência não pode alcançar por conta das suas limitações, mas que por meio do raciocínio lógico matemático e uma tecnologia que foi possibilitada exatamente por conta dessa capacidade da inteligência humana, podemos entender o universo, desde do sistema solar, as galáxias e até mesmo a matéria escura, além disso é possível estudar a própria consciência, sobre a sua origem que é um fato não desvendado.

Quanto maior a compreensão dos variados objetos, maior conhecimento o homem adquiri sobre si próprio, da sua condição enquanto homem, dos seus objetivos ou finalidades. No entanto, entender o universo por meio de sua extensão física ou através de um micro-organismo, não faz que tenhamos a compreensão total do que é o próprio homem, mas fornece indicativos. Podemos entender por exemplo, que existem espaços maiores do que, o da geofísica na qual estamos. Entendemos também, que existem organismos menores, e que por uma faculdade cognitiva de raciocínio comparativo, é possível supor outros maiores.

Dado essas características, vemos com isso que existe um universo de conhecimento, mas quando nos deslocamos de uma sociedade de alta complexidade de técnica, e adentramos em uma tribo indígena, percebemos que o conhecimento sobre o universo é diferente do referencial que utilizávamos até então. É necessário se adequar a tais condições para que se possa explorar o novo arsenal de informações, e veremos a manifestação de fenômenos não experienciados em ambientes urbanos, exatamente por conta do adentrar em uma realidade por meio de uma percepção de mundo, que é proveniente de uma maneira de pensar e que reflete nos costumes e no comportamento. Egresso de tal sociedade adentramos em uma segunda e o mesmo ocorrerá, uma cultura, comportamentos, linguagem, a maneira e os relacionamentos são divergentes.

A biologia se insere nessas comunidades com a Etnobotânica ou Etnofarmacologia, fazendo um cruzamento entre as ciências naturais e humanas, objetivando compreender não apenas em nível molecular ou químico, mas a interação entre as plantas, o seu significado aferido pela comunidade e consequentemente a sua relação com o homem. Tal intercambio permite um novo olhar sobre a natureza e o modo pelo qual nós lidamos com a mesma. Nessa via, o conhecimento se específica compreendendo essa relação entre biologia e antropologia, o que possibilita um maior conhecimento sobre a própria biologia tradicional por via direta das comunidades.

Mas para entender o ser humano, não é possível apenas por meio da relação entre algumas ciências. O modo de produção de uma célula nervosa e a maneira pela qual ocorre o seu desenvolvimento em uma criança aqui no Brasil, é idêntico de uma segunda criança na Índia. A sinapse ocorre do mesmo jeito, os neuroquímicos se direcionam na mesma rota passando pela membrana pré-sináptica, fenda sináptica e pós-sináptica (ANDRADE, 2004). No entanto, como podemos saber o que é o ser humano, se não trabalharmos com a diversidade? No caso de um etnólogo, o que o mesmo faz? Coleta dados sobre uma determinada etnia ou grupo social e compartilha tais dados. O antropólogo por sua vez, fará o processo de estudo comparativo, que tem como função encontrar semelhanças entre a Etnia (x) e (y), com isto formula-se conceitos gerais sobre o que é o ser humano (ULLMANN, 1991). Mas o homem, enquanto homem, não se restringe meramente aos seus costumes, existindo uma esfera psicológica que irá estudar as manifestações do psiquismo. Além do que existe o campo da biologia, pois o homem detém um sistema nervoso, que permite os processos psicológicos básicos, do pensamento, da linguagem e da emoção (MYERS, 2006).

Neste ponto inicia-se o problema das Ciências Humanas. Nas ciências naturais, não é necessário compreender Filosofia ou Sociologia, para entender um patógeno, e é tal fato que propicia a especialização de modo bem-sucedido. Para ser mais específico, não entender Filosofia ou Sociologia, não impede que o patologista investigue o seu objeto de modo preciso, caso o investigador tenha conhecimentos filosóficos, o máximo que poderá fazer, é se enveredar para o campo da Filosofia da Biologia, ter esse conhecimento amplia sua percepção sobre a vida, mas não implica diretamente na precisão da pesquisa. O contrário ocorre nas humanidades, e principalmente na Psicologia Social. Se o homem é constituído de uma fisiologia, em uma cultura e com determinadas formas de pensamento, como posso compreende-lo em sua totalidade à não ser, por meio dessas instancias em comunicação? Aqui diferente do patologista é necessário conhecer Filosofia e Sociologia, a primeira ao que concerne a consistência lógica das teorias e a segunda, sobre as dinâmicas que ocorrem no tecido social, e também a própria biologia. Por mais incrível do que pareça, este é apenas, um dos nossos problemas quando se fala em ciências humanas. Nesse estudo que pretendo desenvolver, demonstrarei de modo empírico o que ocorre na prática, quando se expurga uma das dimensões de compreensão do ser.

Um segundo problema que deve ser exposto, é a questão de que nas ciências humanas ao decorrer de um século para cá, por conta da especialização houve uma separação entre as ciências humanas, exatas e naturais, para essas duas últimas não há problema ao que concerne à sua validade científica, quanto mais específico, maior conhecimento, maior produção de técnica. Nas ciências humanas por sua vez, é imprescindível o conhecimento de outras ciências, exatamente por estudar um fenômeno, que resvala em todas as esferas. O que é o comportamento? O comportamento pode ser visto, sem o biológico? Sem o aspecto cultural? Sem o aspecto psicológico? Evidentemente que não. E o que seria a consciência? É possível estudar sem um sistema nervoso? Sem as interações do ambiente? Sem as suas representações mentais? Evidentemente que não. A Psicologia estuda um fenômeno complexo, que não se reduz ao social, ao biológico ou ao psicológico, todas concepções que não englobem tais esferas, não é possível ser validada como científica.

É de conhecimento de todos, que Freud foi, não só o maior Psicanalista, como também um grande neurologista, que estudava Mitologia, Arqueologia, Antropologia, Filosofia e Sociologia, e que tinha um conhecimento incomensurável sobre essas disciplinas (FREUD, 1910). É possível afirmar que a Psicanálise hoje, não só se ramificou, adentrando as mais variadas disciplinas desde da Pintura, passando por Cinema até a Política, como isto, só foi possível exatamente por conta dessa multidisciplinaridade que Freud desde do início acatou, um avanço científico nesse sentido, como jamais houve. Além disso, estou convencido e logicamente por conta do material recolhido e analisado, que o conhecimento em Ciências Humanas desenvolve-se apenas por conta da multiplicidade, que só é possível por meio da especificidade.

A descoberta do Inconsciente Coletivo e os Arquétipos, não seria possível, se não fosse por meio do conhecimento múltiplo, é sabido também, que Jung discípulo de Freud, dispunha de um enorme conhecimento sobre as mais variadas religiões, não só do ocidente, como também do oriente. Jung do mesmo modo, fazia estudos experimentais sobre o sistema nervoso, mas num intercambio voraz, entre Filosofia, Antropologia, Mitologia, Teologia e assim por diante, até mesmo o conceito de Sincronicidade veio ter validação científica, por meio da Física (JUNG, 2011). Nesse sentido, se o conhecimento deu um salto inimaginável com Freud, com o Jung alavancamos em direção ao norte.

E o que dizer de Marx? Um homem que descobriu os mais variados fenômenos, por meio do conhecimento não só Filosófico, mas da Economia Política de sua época, dos achados da Antropologia, constituindo aquilo que se denominou Antropologia Marxiana que concebe uma nova ontologia, uma nova concepção de ser (MORIN, 1973). Poderia citar Lévi-Strauss com sua antropologia imbuída de Psicanálise, Linguística e Matemática (LÉVI-STRAUSS, 1989). Como também Gyorgy Lukács, que foi (sem a menor dúvida) o maior comentador de Marx, que contribuiu para a Literatura, e para a tradição Marxista (LUKÁCS, 2015).

Todos esses cientistas sociais e psicanalistas, se utilizaram de um arsenal de conhecimento que transgredia a sua própria disciplina, o que evidentemente possibilitou o avanço da ciência. A fragmentação do conhecimento nas ciências humanas atinge em maior medida esse espaço, tendo consequências severas não só para o desenvolvimento da ciência, como também do retorno de práticas à benefício da população.

O terceiro ponto é a questão das motivações. Quando refiro-me a motivação, estou utilizando o termo em sentido genérico, remetendo as projeções, identificações e resistências de quem pesquisa, isto afeta a conclusão e a objetividade do fenômeno investigado. O estudo presente se propõe demonstrar como isto se manifesta, e como a “posição” de quem discursa influencia o relato científico, não apenas por conta da visão de mundo ou percepção, mas por ideais ou uma determinada moralidade.

2 PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA E PSICOLOGIA SOCIAL CLÁSSICA: DIFERENÇAS.

2.1 A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA: ANA MERCÊS BAHIA BOCK.

No artigo intitulado A Perspectiva histórica da subjetividade: uma exigência para la Psicologia atual (2004) de autoria de Ana. M. Bahia Bock, docente da PUC de São Paulo e que foi Presidente do Conselho Federal de Psicologia, a autora apresenta a concepção da Psicologia Sócio Histórica, de início, nos revela algumas informações de sua tese de doutorado intitulada As Aventuras do Barão de Munchhausen na Psicologia: Um Estudo Sobre o Significado do Fenômeno Psicológico na Categoria dos Psicólogos (1997), neste estudo objetivou identificar as definições do fenômeno psicológico, por meio de questionários aplicados a psicólogos, segundo a pesquisadora, foram encontrados (em suas palavras) “chavões” que os profissionais relataram, como “O fenômeno bio-psico-social; o fenômeno que envolve ou implica a interação entre pessoas; o fenômeno que se refere a um indivíduo que é agente e sujeito” (BOCK, 2004, p. 5). E logo após demonstrar algumas conceituações, segue dizendo:

Mas que coisa é esta, o fenômeno psicológico? Ora é processo, ora é estrutura, ora manifestação, ora relação, ora é conteúdo, ora é distúrbio, ora experiência. É interno, mas com relação com o externo. É biológico, é psíquico e é social; é agente e é resultado; é fenômeno humano, relacionado ao que denominamos “eu”. O fenômeno psicológico seja lá qual for sua conceituação aparece descolado da realidade na qual o indivíduo se insere e mais ainda, descolado do próprio indivíduo que o abriga (BOCK, 2004, p. 5).

Nesse sentido seria interessante trazer mais algumas definições que foram encontradas na pesquisa e que são “descoladas da realidade, “seja lá qual for a conceituação“:

[…] acontecimento organísmicos, manifestações do aparelho psíquico, individualidade, algo que ocorre na relação e é o que somos, conflitos pulsionais, confusão mental, manifestação do homem, pensar e sentir o mundo, o homem e relação com o meio, consciência, saber-se indivíduo, o que se mostra, subjetividade, funções egóicas, existência intersubjetiva, experiências, vivências, loucura, distúrbio, o próprio homem, evento estruturantes do homem, comportamento, engrenagem de emoção, motivação, habilidades e potencialidades, experiências emocionais, psique, pensamento, sensação, emoção e expressão, entendimento de si e do mundo, manifestação da vida mental, tudo que é percebido pelos sentidos, é consciente e é inconsciente (Bock, 1999 pag. 173 apud BOCK, 2004, p.5).

Em seguida dirá, que alguns psicólogos afirmam a relação com o meio social e cultural, necessária e importante, mas diz que há uma “naturalização” do fenômeno psicológico por parte deles. Adiante se propõe defender a visão histórica do fenômeno psicológico, pois “se apresenta desde seus primórdios como uma possibilidade de superação destas visões dicotômicas” (BOCK, 2004, p. 5). Nos fala, sobre a psicologia sócio histórica e a sua possibilidade de “crítica”, “não apenas por uma intencionalidade de quem a produz, mas por seus fundamentos epistemológicos e teóricos” (BOCK, 2004, p. 5). Além disso irá lançar alguns pressupostos, como:

– o fenômeno psicológico não pertence à Natureza Humana

– o fenômeno psicológico não pré existe ao homem

– o fenômeno psicológico reflete a condição social, econômica e cultural em que vivem os homens (BOCK, 2004, p. 5).

Aponta ainda, para as diversas perspectivas, que dizem haver um “verdadeiro eu”:

Porque tais perspectivas fazem uma psicologia descolada da realidade social e cultural que é constitutiva do fenômeno psicológico. E isto é uma questão importante, porque é desta “descolagem” que se constitui o processo ideológico da psicologia. Passamos a contribuir significativamente para ocultar os aspectos sociais do processo de construção do fenômeno psicológico em cada um de nós. Fazemos ideologia (BOCK, 2004, p. 6).

E segue dizendo que a Psicologia Sócio Histórica tem como principal tarefa, fazer a crítica às concepções naturalizastes, que o ser humano precisa ser pensando, a partir de uma perspectiva, “que tenha a historicidade como uma de suas principais características” (BOCK, 2008, p. 4).

Como vimos no início deste tópico, a descrição do fenômeno psicológico, descrita a partir dos profissionais, é identificada pela autora como “chavões”. Seja fenômeno biopsicossocial ou que se refere a relação de agente e sujeito. Outros termos como: Manifestação do aparelho psíquico, o homem e a relação com o meio, individualidade, consciência, subjetividade, existência intersubjetiva, eventos estruturantes, comportamento, motivação, habilidades e potencialidades, são referidos, não como sendo “chavões”, mas “seja lá como for” aparecem descoladas da realidade na qual o indivíduo se insere e do próprio indivíduo, e que por parte dessas noções, existe uma “naturalização” do fenômeno psicológico. Nesse sentido a Psicologia Sócio Histórica, é uma abordagem que se apresenta com a possibilidade de superação das visões dicotômicas, além de ser “crítica” com relação a intencionalidade de quem produz e aos fundamentos epistemológicos e teóricos. Segue adiante, lançando os pressupostos da “Perspectiva Crítica”, sendo: O fenômeno psicológico não é pertencente à natureza, não pré existe e reflete a condição social, econômica e cultural do homem.

2.2 A PSICOLOGIA SOCIAL CLÁSSICA (GESTALT) E A PSICANÁLISE.

No artigo da Prof.ª Drª Sueli Damergian, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), foi produzido um contraponto com relação a Sócio Histórica, a vertente vem se popularizando havendo uma hegemonia por toda academia, seu crescimento é exponencial e se deve a diversos fatores, que não poderão ser explorados no momento, não antes de passarmos por algumas etapas. A princípio autora nos diz sobre a instituição que constantemente reprime e aprisiona o homem, com sua lei, burocracia e diríamos o processo civilizador em geral, e destaca:

É neste cenário, nada animador, que se desenrolam as interações humanas, objeto da Psicologia Social. Quando se fala em interações humanas pensa-se nas relações que o indivíduo estabelece com os outros indivíduos, na constituição dos agrupamentos e vínculos humanos, inevitavelmente, na personalidade de cada um que está envolvido na situação. Não há como desconsiderar a emergência de desejos, fantasias inconscientes, pulsões de vida e morte quando nos debruçamos sobre a vida social e tentamos compreender como os homens convivem entre si. Para tanto, temos que estar atentos. É preciso cuidar para que nosso desejo onipotente de tudo saber e controlar não nos cegue para os fatos que apontam em direção aos aspectos obscuros do ser e que aparecem revestidos de uma simplicidade enganadora (DAMERGIAN, 1991, p. 66).

De início podemos perceber, uma concepção totalizante da realidade, vemos que existe uma interação sujeito e ambiente que constituí a personalidade, mas como destacado pela autora, não podemos negar alguns fatores. Se nos indagarmos sobre a constituição do sujeito, compreenderemos que o mesmo, se produz nas relações com seu meio, numa determinada sociedade e cultura, num processo histórico. O que não é novidade, como sabemos, Freud desenvolvia pesquisas arqueológicas e histórico-sociais, desde dos assírios-babilônios aos egípcios (FREUD, 1910). Isto é apenas para evidenciar o argumento implícito da Bock (2008) da necessidade de uma abordagem que contenha em si, a característica da historicidade, além disso, existe uma passagem que evidencia com clareza a questão, de modo pungente e que se coaduna com a proposta da Prof.ª Damergian:

Algo mais está invariavelmente envolvido na vida mental do indivíduo, como um modelo, um objeto, um auxiliar, um oponente, de maneira que, desde o começo, a psicologia individual, nesse sentido ampliado, mas inteiramente justificável das palavras, é, ao mesmo tempo, também psicologia social (FREUD, 1996/1921, p.81).

Mas ainda falta responder uma questão: o que vem a ser um sujeito? Além de ser constituído por meio de suas interações sociais, poderíamos supor, que as suas emoções, afetos (sentimentos) fantasias/devaneios e expectativas (formas de pensamento), coexistem invariavelmente? É o que sugere a Prof.ª Damergian, e mais adiante, dirá da necessidade desses fatores e que estejam imbuídos na análise do social. Não obstante, não seria um tanto equivocado analisar sonhos, afetos, expectativas, com relação ao social? Para responder esta questão é importante ressaltar dois fatores (1) caso haja análise ou não, isto é um fato empírico (2) e por sua vez, é inerente a realidade e um componente da mesma, se houver a subtração (negação) de tais fenômenos, a possibilidade desvio da apreensão da sociabilidade é afirmada. Nesse sentido a interação humana não tem sido considerada na sua complexidade, do mesmo modo que Freud considerou, porém um segundo psicólogo social, tinha a mesma perspectiva deste último:

[…] a escola da Gestalt e Kurt Lewin nos leva de encontro ao indivíduo considerado em sua totalidade. Neles, encontramos uma concepção de campo onde todos os elementos se fazem presentes, os internos e os externos. Os conscientes e os inconscientes. Cada qual com sua parcela de influência no comportamento psicossocial (DAMERGIAN, 1991, p. 66).

Nessa via, a Psicologia Socio-Histórica deixa de considerar tais instancias:

[…] Também não encontramos essa busca da compreensão da totalidade e da complexidade do comportamento social numa visão que se pode considerar sociologizante, baseada no materialismo dialético, fio condutor e interpretativo das relações sociais (DAMERGIAN, 1991, p. 66).

Temos também um terceiro psicólogo social de renome para nos amparar:

[…] KOFFKA (1975) diz que a Psicologia Social pode ser perfeitamente quantitativa sem perder seu caráter de ciência qualitativa, ou seja, de explicação do fenómeno. Ao destacar a questão da qualidade, a Gestalt leva-nos a refletir sobre a qualidade da interação psicológica, aspecto fundamental para a Psicologia Social. Afinal, sobre qual qualidade se exerce a interação humana? Ela é saudável ou não? A mera descrição de dados conscientes não pode dar conta desta questão (DAMERGIAN, 1991, p. 67).

 

Nesse sentido, os autores Sigmund Freud (1856-1939), Kurt Koffka (1886-1941) e Kurt Lewin (1890-1947), expõe uma concepção que corresponde aos avanços da ciência, no entanto é importante explorar um pouco mais, vejamos:

KOFFKA diz também que a Psicologia da Gestalt é integradora e não pode ignorar os problemas da interação mente-corpo e vida-natureza. Também não pode, segundo ele, aceitar que tais domínios do ser estejam separados entre si por abismos intransponíveis. A proposta integradora da Gestalt permite-nos desenvolver a ideia de integração interno-externo e incluir o inconsciente em nossa investigação acerca da interação humana (DAMERGIAN, 1991, p. 67).

A representante da Sócio Histórica, disse alguma, e não apenas uma vez, sobre essas esferas e sobre abandonar “definitivamente as visões naturalizastes de homem e de mundo, adotando perspectivas históricas” (BOCK, 2004, p. 9) e que “O ser humano precisa ser pensado a partir de outra perspectiva que tenha a historicidade como uma de suas principais características” (BOCK, 2008, p. 4), e adiante de forma irônica, e diria até caricatural diz:

 

Um fenômeno concebido de forma abstrata, enclausurado no homem, descolado da realidade social (a não ser como oportunidades para o desabrochar do potencial); algo em nosso corpo, do qual não temos muito controle; visto como algo que em determinados momentos de crise nos domina sem que tenhamos qualquer possibilidade de controlá-lo; algo que inclui “segredos” que nem eu mesmo sei; algo enclausurado em nós que é ou contém um “verdadeiro eu” (BOCK, 2004, p. 8).

Se autora no caso se refere a questão da historicidade, demonstramos que em Freud de algum modo existe uma concepção, e até mesmo, da noção do autor sobre a incoerência epistemológica e ontológica de uma psicologia social, sem uma individual, e assim vice-versa. Enquanto que Lewin e Koffka, nos dizem sobre a esfera da subjetividade contendo um relacionamento indissociável entre processos inconscientes e conscientes, interno e externos ao sujeito, e por fim o aspecto qualitativo e quantitativo, que devem confluir numa Psicologia Social Científica. Portanto, é nítido que a Sócio Histórica representada por Ana Bock, não inclui a dimensão inconsciente nas relações sociais, ao menos à nível individual do sujeito, de acordo com as nossas evidencias até o momento.

KOFFKA (1975) dirá que a visão de campo, são todos fenômenos presentes no aqui-e-agora e no ego enquanto subsistema desse campo. Incluído à isto, observa que as forças que determinam o comportamento, nem sempre é, aquelas que “acreditamos” serem determinantes:

[…] A respeito dessas forças subterrâneas […] é verdade que esse tipo de ação existe […] Além disso, ela não pode ser explicada em termos de meio comportamental e é tão semelhante ao resto do comportamento que necessita de um conceito explicativo comum. Ou seja, uma coisa é o meio em que o organismo se comporta, ou melhor, com o qual interage e outra coisa é o campo psicológico que define esse organismo. Koffka assinala mesmo que a totalidade de nosso comportamento não é explicável em termos do meio comportamental, quer dizer, do externo ao organismo. Uma tal consideração torna possível incluir os aspectos inconscientes como elementos a serem considerados por uma teoria que se ocupe do campo psicológico (DAMERGIAN, 1991, p. 67).

Gostaria de explorar este ponto e produzir um link com a questão do inconsciente na Sócio Histórica. Se considerarmos que Koffka se refere, à forças que determinam o comportamento, mas que nem sempre percebemos, e por conseguinte, diz não ser possível explicar a totalidade do comportamento pelo campo/meio comportamental, e logo em seguida a Prof.ª Damergian, sugere a possibilidade de uma teoria que se ocupe do campo psicológico com aspectos inconscientes, é possível deduzirmos disso (1) o campo comportamental determina o comportamento (2) mas nem sempre, pois existem forças, que por sua vez, determina este também, mas que percebemos sensorialmente sendo efeito do campo comportamental por atrelarmos a relação de causa e efeito, e não considerarmos a reação do sujeito como possivelmente sendo de outra origem que não à externa (pensamentos/sentimentos – expectativas, sonhos, projeções, fantasias, identificações e temporalidade/passado) e portanto do campo psicológico (3) que por seu turno, é constituído pelo Id e o Ego (aqui-e-agora) assinalado por Koffka.

2.3 ANÁLISE DO FENÔMENO PSICOLÓGICO DA SÓCIO-HISTÓRICA.

[…] falar do fenômeno psicológico é obrigatoriamente falar da sociedade. Falar da subjetividade humana é falar da objetividade onde vivem os homens. A compreensão do “mundo interno” exige a compreensão do “mundo externo”, pois são dois aspectos de um mesmo movimento, de um processo no qual o homem atua e constrói/ modifica o mundo e este, por sua vez, propicia os elementos para a constituição psicológica do homem. As capacidades humanas devem ser vistas como algo que surge após uma série de transformações qualitativas. Cada transformação cria condições para novas transformações, em um processo histórico, e não natural. O fenômeno psicológico deve ser entendido como construção no nível individual do mundo simbólico que é social. O fenômeno deve ser visto como subjetividade, concebida como algo que se constituiu na relação com o mundo material e social, mundo este que só existe pela atividade humana. Subjetividade e objetividade se constituem uma à outra sem se confundirem. A linguagem é mediação para a internalização da objetividade, permitindo a construção de sentidos pessoais que constituem a subjetividade. O mundo psicológico é um mundo em relação dialética com o mundo social. Conhecer o fenômeno psicológico significa conhecer a expressão subjetiva de um mundo objetivo/coletivo; um fenômeno que se constitui em um processo de conversão do social em individual; de construção interna dos elementos e atividades do mundo externo. Conhecê-lo desta forma significa retirá-lo de um campo abstrato e idealista e dar a ele uma base material vigorosa. Permite ainda que se supere definitivamente visões metafísicas do fenômeno psicológico que o conceberam como algo súbito, algo que surge no homem, ou melhor, algo que já estava lá, em estado embrionário, e que se atualiza com o amadurecimento humano (BOCK, 2004, p. 6).

Se analisarmos tal trecho em comparação com a proposta da escola tradicional, perceberemos divergências. A frase em negrito “Subjetividade e objetividade se constituem uma à outra sem se confundirem” é contrário, ao que foi exposto algum tempo atrás que “o campo ambiental determina o comportamento, mas nem sempre, pois este pode ser determinado por fatores internos, por atrelarmos uma relação de causa e efeito, portanto de estímulo e resposta”, nesse sentido, poderíamos afirmar que há uma relação de causa e efeito, estímulo e resposta na abordagem Sócio Histórica, já que “se constituem, sem se confundirem”? Diríamos, talvez, que há um certo mecanicismo? É significativo enfatizar, que em Lewin e Koffka, como apresentado, o que seria na Sócio Histórico, subjetivo e objetivo, nem sempre, o objetivo determina o subjetivo, e as vezes o subjetivo determina o objetivo, portanto, teríamos a questão do sujeito, determinando o objeto, o que não ocorre nesta perspectiva, já que:

A sociedade age inevitavelmente sobre os indivíduos em sua interioridade, até nas formas mais íntimas de pensamento, de sentimento, de ações e reações e nesse permanente processo de interação entre indivíduo e sociedade se constitui a substância da individualidade humana, a personalidade como manifestação da interioridade do sujeito humano. Nem sempre o problema da essência do indivíduo foi visto desta maneira. Neste aspecto predominaram, frequentemente, “falsas antinomias” entre indivíduo e sociedade. Pois, para Lukács “se é falso pensar que haja uma substância da individualidade humana fora do espaço e do tempo, que as circunstâncias da vida podem modificar apenas superficialmente, igualmente errado é conceber o indivíduo como um simples produto do seu ambiente” (p.261 apud DA COSTA, 2007, p. 48).

Tocamos na problemática, a Bock se refere a “naturalização”, e diz, ser o homem desprovido de qualquer “substancia ou potencialidade inata”, e dirá “fala-se de habilidades e aptidões de um sujeito sem se falar das suas reais possibilidades de acesso à cultura” (BOCK, 2004, p. 8). Isto, não seria o sujeito, como apenas um produto do meio? E aqui mais uma vez ligando àquela frase “subjetivo e objetivo, não se confundem”, logo o indivíduo é determinado apenas por fatores externos, e não tem possibilidade determinar. Nessa via, é incoerente com abordagem da Psicologia Social Clássica, e por mais incrível do que pareça, é oposta a própria concepção, do maior comentador de Karl Marx (1818-1888), que é Gyorgy Lukács (1885-1971). E agora podemos entender, o do por que a Prof.ª Damergian dizer, que a vertente é “sociologizante”, ao mesmo tempo que diz, que a sociedade é constituída pelo sujeito, alega que a sociedade o constrói, e que ele é “fruto de suas determinações materiais”, nisto se justifica a ideia, que “objetividade e subjetividade não se confundem”, com isso o objetivo não se confunde com o subjetivo, e apesar de dizer que o sujeito é ativo, o trecho nos revela um indivíduo que constrói, mas de modo passivo. A antípoda é justamente esta, se afirmar que o sujeito é ativo, esbarra na concepção liberal, e o que menos deseja é isto “A Psicologia Sócio Histórica não trabalha com a concepção liberal de homem e de fenômeno psicológico. Acredita que o fenômeno psicológico se desenvolve ao longo do tempo (BOCK, 2004, p. 6). Pois afirmar que o homem é ativo, é pressupor uma consciência da suas ações, logo afirmando que ele é ativo e histórico, o homem perde sua autonomia (presente) e torna-se construtor da realidade ao decorrer do tempo (ativo nesse sentido) mas sem ter consciência da suas determinações materiais, pois desconhece sua realidade histórico material. A sócio histórica “adota o materialismo histórico e dialético como filosofia, teoria e método. Nesse sentido, concebe o homem como ativo, social e histórico (BOCK, 2004, p. 5).

Façamos uma análise pormenorizada, a Prof.ª Damergian alegou, a vertente de ser “sociologizante”, o que é contunde com as evidencias, pois se a “subjetividade e objetividade não se confundem”, o sujeito constrói e por sua vez é construído, nesse sentido passa a desconhecer sua realidade material e histórica, por não saber aquilo que o determinou, mas o indivíduo também não tem nenhuma “substancia, potencialidade ou habilidades” (ativo, social e histórico) por sua vez Lewin e Koffka dirá que existe uma totalidade e que deve ser considerada, inclusive “os fatores que determinam, mas não percebemos como determinante”, e a Sócio Histórica, como demonstrado retira qualquer noção “naturalizante” como “verdadeiro eu – e – segredos desconhecidos” que pressupõe algo “inato”, o que possivelmente deve ser uma alusão a substancia/potencialidade e ao inconsciente. Nessa via, é contrário ao Gyorgy Lukács que diz, que a antinomia entre “sujeito e sociedade” é falsa, e que supõem o indivíduo sendo apenas um produto de seu meio. Vejamos o paradoxo. Se diz que o indivíduo é ativo, mas não no presente, pois é supor uma concepção liberal de autonomia, assim relega o termo ativo ao passado, se associando à história, portanto o sujeito é ativo no sentido de que constrói a si mesmo ao longo das épocas, mas se relegarmos o termo ativo ao passado, o indivíduo torna-se apenas fruto do seu meio, pois não tem consciência do que o determina no presente, portanto nas palavras de Lukács “é um produto do seu ambiente”, não havendo “alternativa”. Nessa via, o indivíduo é um construtor da sua realidade histórico material, mas é um construtor não ativo e sim passivo, mas como isto pode ser possível? Ser um construtor passivo é construir a si mesmo e a sua história, mas a desconhecendo ao longo do tempo, isto não seria um movimento inconsciente? Isto é, de não ter consciência do que se faz? O indivíduo, só pode ter consciência, daquilo que é inconsciente, ou nas palavras da Bock “dos seus segredos”, e mais, como o indivíduo pode ser ativo no presente e no passado? Se for ativo no presente, desemboca na concepção liberal de autonomia, pois é consciente e não o contrário “desconhece os seus determinantes”, mas se for ativo no sentido de construção de si mesmo e dos seus determinantes materiais, tem de ser alegar no presente de que “desconhece” e se “desconhece”, é inconsciente, o que nos remete as afirmações de Kurt Lewin e Koffka, de que o sujeito não é apenas determinado pelo seu meio, mas por variáveis, de outra origem.

Irei prosseguir com a possibilidade de uma resposta hipotética “mas o desconhecimento que falamos não é análogo ao do inconsciente, é heterogêneo à isto, senhor”. Vejamos a definição de ideologia:

Ideologia como definida por Charlot é “um sistema teórico, cujas idéias têm sua origem na realidade, como é sempre o caso das ideias; mas que coloca, ao contrário, que as ideias são autônomas, isto é, que transforma em entidades e em essências as realidades que ele apreende, e que, assim, desenvolve uma representação ilusória ao mesmo tempo daquilo sobre o que trata e dele próprio; e que, graças a essa representação ilusória, desempenha um papel mistificador, quase sempre inconsciente (o próprio ideológico é mistificado, acredita na autonomia de suas ideias): as ideias assim destacadas de sua relação com a realidade servem, com efeito, para construir um sistema teórico que camufla e justifica a dominação de classe. Ideológico não significa, portanto, errôneo (….). Aliás, é porque uma ideologia é um sistema ilusório e não um sistema de ideias falsas que é social e potencialmente eficaz (Charlot, 1979, p.32 apud BOCK, 2004, p. 6-7).

É evidente que existe um inconsciente, conceitos de ideologia e fetiche, são processos mentais que ocorrem inconscientemente. Mas como é possível inferir existir um inconsciente a nível social, mas não individual? Como já demonstrado, mas é importante está repetindo, “segredos” e “verdadeiro eu”, são concebidos como noções “naturalizantes”.

Como visto até aqui, percebemos uma inconsistência não só ontológica, pois não é lógica a concepção de ser, como também epistemológica, pois impede o pesquisador de conhecer tal realidade e desenvolver qualquer teoria de conhecimento, haja vista, saibamos que uma epistemologia é consequência de uma ontologia e corresponde de modo lógico formal àquela.

3 A INVERSÃO: “AO INVÉS DE UMA HISTÓRIA DA PSICOLOGIA, UMA PSICOLOGIA DA HISTÓRIA”.

3.1 PSICOLOGIA DA HISTÓRIA: COLETA DE DADOS

Uma observação importante a se fazer (é não estar satisfeito), com tal parênteses me indago, mas por que tamanha inconsistência teórica? Neste ponto a análise se torna mais profunda, e devemos nos perguntar “da onde fala o sujeito que constitui uma teoria” e “quais são suas motivações”, eu sugiro nesse sentido, não uma “História da Psicologia” mas sim, uma “Psicologia da História”, o que isto quer dizer?

Quero dizer com o termo Psicologia da História, compreender os fatores históricos com viés psicológico, entendendo de que maneira aspectos históricos-sociais influenciaram a constituição psicológica/comportamental/motivacional da organização social do presente. Nesse sentido pretendo fazer uma coleta de dados, com o intuito de obter informações para uma futura análise, da estrutura constituinte da Sócio Histórica por meio da Psicologia da História.

3.2 COLETA DE DADOS: CARACTERÍSTICA COMPORTAMENTAL.

Comecemos com a primeira pergunta “Da onde fala o sujeito que constitui uma teoria?”, Ana Mercês Bahia Bock, não foi só Presidente do Conselho Federal de Psicologia do Brasil, como também é uma das maiores expoentes da Psicologia Social no país, Professora de PUC de São Paulo que é um grande polo de pesquisas, e atualmente Presidente do Instituto Silvia Lane, esta última, foi uma das pioneiras em Psicologia Social no Brasil. O currículo que não é pequeno, mas que denota a grande influencia dentro dos centros acadêmicos e com a própria psicologia, torna-se impossível estudar Psicologia Social na universidade, sem conhecer Silvia Lane e Bock. Com isto, podemos perceber o do por que, não houve uma crítica desta abordagem até o momento (crítica esta, que ainda não terminou), um sociólogo chamado Pierre Bourdieu (1930-2002) tem um conceito denominado de “legitimidade” (MONTAGNER, 2011), que é descrito exatamente pelo processo de que “não importa o que indivíduo fale, mas sim da onde” isto é “seja falso ou verdadeiro, quem tá falando é a Presidente” ou “Não, mais foi ele que disse, é formado em Harvard”, nessa via, é indiferente se o sujeito proclama o correto ou errado, todos devem segui-lo por que é uma “autoridade”, e caso um indivíduo o “desautorize” é abandonado, mesmo que haja uma certa veracidade do que diz, o conhecimento só é validado, se for legitimado, isto principalmente em ciências humanas, pelo fato de que, não existem critérios de cientificidade solidificados (discorrerei, mais a frente sobre isto). Portanto a legitimidade do porta voz é um imperativo segundo Bourdieu. Nessa via compreendemos de modo descritivo o comportamento manifesto da organização “a academia não é contrária ou crítica por conta da legitimidade do porta voz”.

3.3 COLETA DE DADOS: CARACTERÍSTICA MOTIVACIONAL.

Antes de fazer a identificação motivacional é necessário (1) elucidar alguns conceitos da Análise Institucional, logo em seguida será (2) demonstrado os trechos que serão utilizados, e por conseguinte será feito (3) um processo de identificação de palavras, que comparecem nas narrativas em maior quantidade, se intui com isto (4) produzir agrupamentos linguísticos, por meio de “Temas”, que serviram de categorias analíticas para compreender as características motivacionais.

3.4 ANÁLISE INSTITUCIONAL: IMPLICAÇÃO E SOBREIMPLICAÇÃO.

Na Análise Institucional René Lourau (1933-2000) cunhou o termo “implicação”, que se refere as qualidades emocionais que interferem no ato de pesquisa, no ato de constituição de uma teoria, aí se inclui “projeções, identificações e resistências” em suma os seus investimentos libidinais:

Segundo Merleau-Ponty, o sociólogo chega ao conhecimento não só pela observação de um objeto exterior, mas canalizando também sua própria implicação no momento da observação (…) Merleau-Ponty vai mais longe do que aqueles que se detêm na compreensão das instituições por meio de uma análise do vivido. Para ele, estudar o social é saber ( …) como pode ser em si e para nós (Lourau, 1975, p. 38).

Nesse sentido o “especialista”, nunca está isento de “intencionalidades”, de algum modo sua “afetividade” será demonstrada, ora aqui, ora ali. Pois o momento de conhecimento do objeto exterior é o momento de conhecimento de si próprio, mas que é bloqueado no momento descrição em prol da objetividade, nesse sentido o teórico faz o movimento de deslocação da sua afetividade de uma representação para outra (mais tarde veremos, aplicação dessas noções). O que se coloca é uma questão ética:

Nesse sentido, Lourau (1990) destaca como podemos nos voltar a isso que os sentimentos, percepções, ações, acontecimentos, trazem para o campo: “O útil ou necessário para a ética, a pesquisa e a ética da pesquisa não é a implicação – sempre presente em nossas adesões ou rechaços, referências e não referências, participações e não participações, sobre motivações e desmotivações, investimentos e desinvestimentos libidinais… mas a análise dessa implicação.” (LORAU, 1990: 4 apud LACAZ, 2013, p. 214).

Lourau utiliza, ainda, outro conceito-ferramenta que denominou “sobreimplicação” e que é fundamental para compreendermos o processo de rompimento que fica claro nesse contexto, em especial durante a realização de uma pesquisa. Buscando, portanto, fazer essa diferenciação nos utilizamos do autor, que explicita:

A implicação é um nó de relações; não é ‘boa’ (uso voluntarista) nem ’má’ (uso jurídico-policialesco). A sobreimplicação, por sua vez, é a ideologia normativa do sobretrabalho, gestora da necessidade do implicar-se (LORAU, 2004:189 apud LACAZ, 2013, p. 214).

Uma outra citação se faz necessária sobre a implicação, para denotar suas características:

Estar implicado (realizar ou aceitar a análise de minhas próprias implicações) é, ao fim de tudo, admitir que eu sou objetivado por aquilo que pretendo objetivar: fenômenos, acontecimentos, grupos, ideias, etc. Com o saber científico anulo o saber das mulheres, das crianças e dos loucos – o saber social, cada vez mais reprimido como culpado e inferior. O intelectual (…) com sua linguagem de sábio, com a manipulação ou o consumo ostensivo do discurso instituído e o jogo das interpretações múltiplas, dos “pontos de vista” e “níveis de análise”, esconde-se atrás da cortina das mediações que se interpõem entre a realidade política e ele. O intelectual programa a separação entre teoria e política: é para comer-te melhor, minha filha (…) mas, esquece que é o único que postula tal separação, tal desgarramento.” (René Lourau, 1975, pp. 88-89, grifos do autor).

Vemos, então, que as motivações são de diversas origens, que é possível um conhecimento objetivo, mas que este não passa, se não houver uma “análise das implicações”, o pesquisador deve saber quais são suas implicações, políticas, econômicas, sociais e até mesmo “o do por que faz, o que faz”, todas suas intencionalidades se incluem nesta parte.

3.5 TRECHOS QUE FORMARAM OS AGRUPAMENTOS LINGUÍSTICOS.

As idéias liberais serão responsáveis pelo desenvolvimento da concepção de fenômeno psicológico dominante na Psicologia. Um fenômeno concebido de forma abstrata, enclausurado no homem, descolado da realidade social (a não ser como oportunidades para o desabrochar do potencial); algo em nosso corpo, do qual não temos muito controle; visto como algo que em determinados momentos de crise nos domina sem que tenhamos qualquer possibilidade de controlá-lo; algo que inclui “segredos” que nem eu mesmo sei; algo enclausurado em nós que é ou contém um “verdadeiro eu” (BOCK, 2004, p. 8).

Assim, os psicólogos se puseram de costas para a realidade social, acreditando poder entender o fenômeno psicológico a partir dele mesmo. As crianças não aprendem na escola porque não se esforçam ou porque têm pais que bebem e mães ausentes; as mães pobres não tratam adequadamente seus filhos porque não conhecem os saberes da Psicologia; as pessoas não melhoram de vida porque não querem; os trabalhadores perdem suas mãos nas máquinas devido a pulsões de morte ou coisa que o valha. Os jovens matam crianças com tiros porque têm natureza violenta ou porque seus pais. E assim vamos explicando todas as questões sociais a partir de mecanismos naturais do mundo psicológico (BOCK, 2008, p. 3).

Porque tais perspectivas fazem uma psicologia descolada da realidade social e cultural que é constitutiva do fenômeno psicológico. E isto é uma questão importante, porque é desta “descolagem” que se constitui o processo ideológico da psicologia. Passamos a contribuir significativamente para ocultar os aspectos sociais do processo de construção do fenômeno psicológico em cada um de nós. Fazemos ideologia (BOCK, 2004, p. 6).

A psicologia não tem sido capaz de, ao falar do fenômeno psicológico, falar de vida, das condições econômicas, sociais e culturais nas quais se inserem os homens. A psicologia tem, ao contrário, contribuído significativamente para ocultar estas condições. Fala-se da mãe e do pai sem falar da família como instituição social marcada historicamente pela apropriação dos sujeitos; fala-se da sexualidade sem falar da tradição judaico-cristã de repressão à sexualidade; fala-se da identidade das mulheres sem se falar das características machistas de nossa cultura; fala-se do corpo sem inseri-lo na cultura; fala-se de habilidade e aptidões de um sujeito sem se falar das suas reais possibilidades de acesso à cultura; fala-se do homem sem falar do trabalho; fala-se do psicólogo sem falar do cultural e do social. Na verdade, não se fala de nada. Faz-se ideologia! (BOCK, 2004, p. 7).

É hora de rompermos. É hora de fazermos a crítica contundente a esta perspectiva liberal de homem. É hora de abandonarmos definitivamente as visões naturalizantes de homem e de mundo, adotando perspectivas históricas (BOCK, 2004, p. 9).

Pensar esse processo de construção da subjetividade como um movimento e uma relação do homem com o mundo, no qual nem homem nem mundo existem a priori (em um certo sentido), é superar visões naturalizantes e ideológicas na Psicologia. O mundo psicológico que estudamos não é natural; não está lá pronto; não possui conteúdos universais, nem processos e estruturas prontas para serem movimentadas ou preenchidas (BOCK, 2004, p. 9).

Ao mesmo tempo que esta tarefa, de definirmos o projeto de nossa intervenção, se coloca como obrigatória, outro ganho acontece. Passamos a nos ver, como profissionais, que através de nossas intervenções atuamos no mundo; mudamos o mundo; nos objetivamos no mundo. Nos vemos, então, como sujeitos que transformam o mundo a partir de sua prática profissional. Isto passa a exigir que façamos de nosso projeto profissional, um projeto político, de construção do âmbito coletivo (BOCK, 2004, p. 10).

Portanto, gostaríamos de colocar aqui uma conclusão parcial de nossa reflexão: compromisso com a sociedade a Psicologia sempre manteve, mas seu compromisso foi, na maior parte do tempo, um compromisso com as elites e seus interesses. O novo projeto de profissão significa um rompimento com esta tradição e a construção de um novo lugar para a Psicologia; a construção de uma nova relação da Psicologia com a sociedade. Queremos uma Psicologia a serviço dos interesses da maioria da sociedade; uma psicologia acessível a todos. Este novo compromisso que queremos manter com a sociedade exige que enfrentemos alguns desafios teóricos e práticos, de velhas concepções que ainda não foram superadas (BOCK, 2008, p. 3).

Em meu estudo de doutorado, sobre a concepção de fenômeno psicológico entre os psicólogos, encontrei entre a maioria dos psicólogos uma noção que equipara o fenômeno psicológico com um “verdadeiro eu”, ou seja, é mais verdadeiro que o eu que aparece nas relações sociais, sendo este, em geral, resultado da negociação feita pelo sujeito com o mundo social, para dar conta dos interesses e desejos do “eu verdadeiro” (BOCK, 2008, p. 3).

Como o mundo psicológico tem destino traçado, porque está visto sob uma perspectiva naturalizante, a prática profissional dos psicólogos surge como algo que dá suporte a este desenvolvimento, reencaminhando para o “seu trilho” quando algo provoca um desvio. Nossa missão é sublime! Temos uma missão que conserta o que a natureza planejou e o que a sociedade desviou (BOCK, 2008, p. 3).

E aí chegamos à Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva em Psicologia que faz

da crítica às concepções naturalizantes sua principal tarefa. O ser humano precisa ser pensado a partir de outra perspectiva que tenha a historicidade como uma de suas principais características (BOCK, 2008, p. 4).

A Psicologia que ensinamos ainda é aquela que se fundamenta em perspectivas universalizantes e naturalizantes da subjetividade. Idéias que pensavam o homem como um ser natural, dotado de capacidades e características da espécie e que, inserido em um meio adequado, poderia ter seu desenvolvimento (BOCK, 2008, p. 4).

3.6 CATEGORIAS ANALÍTICAS.

Todos os trechos são provenientes de artigos, segue a lista: A perspectiva sócio-histórica de Leontiev e a crítica à naturalização da formação do ser humano: a adolescência em questão (2004), A perspectiva histórica da subjetividade: uma exigência para la psicologia atual (2004), O compromisso social da psicologia: contribuições da perspectiva sócio-histórica (2008) e A Psicologia a caminho do novo século: identidade profissional e compromisso social (1999). Os temas identificados foram produzidos a partir das palavras em negrito dos trechos acima, expressões como:

Aspecto Inato do Ser Humano:

Verdadeiro Eu, Segredos, Mecanismos Naturais, Visões Naturalizantes, Concepções Naturalizantes e Universalizantes.

A Psicologia Descomprometida com a Sociedade:

Os psicólogos se puderam de costa para a realidade social, A psicologia contribui significativamente para ocultar as condições de desigualdade, Psicologia descolada da realidade social, Descolagem que se constitui o processo ideológico da psicologia, Uma psicologia acessível a todos, Nova relação da psicologia com a sociedade.

Esperança:

O projeto da profissão, Passamos a nos ver como profissionais que através de nossas intervenções atuamos no mundo, O projeto de nossa intervenção, Nós mudamos o mundo, Nos vemos como sujeitos que transformam o mundo, O projeto profissional, A construção de um âmbito coletivo, Queremos uma psicologia a serviço dos interesses da maioria da sociedade e O ser humano precisa.

Tarefa da Sócio-Histórica:

Um estudo epistemológico sobre à psicologia sócio-histórica.

Tradição Psicológica: Os trabalhadores perdem suas mãos nas máquinas devido a pulsões de morte ou coisa que o valha, Tais perspectivas, Fazemos ideologia, Não se fala de nada. Faz-se ideologia!, De velhas concepções que ainda não foram superadas.

Compromisso:

Compromisso com a Sociedade e Novo lugar para a Psicologia.

As próximas categorias, foram identificadas diretamente por meio do texto da autora, quando à mesma relata sobre a sua tese de doutorado:

Chavões:

Biopsicossocial – Relação entre Agente e Sujeito – Fenômeno que Envolve a Interação entre Pessoas.

Visões Dicotômicas:

Manifestação do aparelho psíquico, o homem e a relação com o meio, individualidade, consciência, subjetividade, existência intersubjetiva, eventos estruturantes, comportamento, motivação, habilidades e potencialidades.

Visões Dicotômicas, Outras:

Acontecimento Organísmico, Manifestação do Homem, Pensar e Sentir o Mundo, Saber-se Indivíduo, O Que Se Mostra, Funções Egóicas, Experiências, Vivencias, O Próprio Homem, Psique, Pensamento, Sensação, Emoção e Expressão, Entendimento de Si e do Mundo, Manifestação da Vida Mental, Consciência e Inconsciência, Tudo que é Percebido pelos Sentidos, Experiências (BOCK, 1999, p. 173).

Poderíamos desse modo dividir as 9 categorias em dois grupos. A Psicologia Sócio-Histórica em: Esperança – Compromisso – Tarefa da Sócio-Histórica e outras abordagens em: Aspecto Inato do Ser Humano – A Psicologia Descomprometida com a Sociedade e Tradição Psicológica.

As categorias Chavões, Visões Dicotômicas e Visões Dicotômicas, Outras. Podem produzir um segundo agrupamento linguístico que se referem, à abordagens psicológicas, e nesse sentido podemos compreender, ao que, exatamente a autora se refere, vejamos:

Psicanálise:

Nanifestação do Aparelho Psíquico, Funções Egóicas, Acontecimentos Organísmico, Psique, Consciência e Inconsciência, Habilidades e Potencialidades.

Construtivismo:

Entendimento de Si e do Mundo, Fenômeno que Envolve a Interação Entre Pessoas, Relação entre Agente e Sujeito, Existência Intersubjetiva, O Homem e a Relação com o Meio, Biopsicossocial.

Psicologia Comportamental:

Comportamento.

Fenomenologia:

Consciência, O que Se Mostra, Manifestação do Homem, Manifestação da Vida Mental

Existencialismo:

Experiências, Vivencias, Pensar e Sentir o Mundo, Saber-se Indivíduo.

Psicologia Cognitiva:

Sensação, Percepção, Pensamento, Sentidos, Expressão, Eventos Estruturantes, Motivação.

3.7 COLETA DE DADOS: CARACTERÍSTICA PSICOLÓGICA.

Nesta parte será feita o empreendimento de compreender a lógica do pensamento que foi utilizada no processo de produção do conhecimento, se intui nesse sentido entender a dinâmica subjacente aos elementos constituintes da teoria da abordagem Sócio-Histórica, por meio da representante estudada.

3.8 ANÁLISE DA TESE DE DOUTORADO E APLICAÇÃO DAS CATEGORIAS ANALÍTICAS.

A concepção dos psicólogos em relação ao fenômeno psicológico é descrita da seguinte maneira “No entanto, é vista como uma relação na qual o “externo” (mundo social) impede e dificulta o pleno e livre desenvolvimento de nosso mundo “interno” (psicológico) (BOCK, 2004, p. 5). Seria importante ter a tese de doutorado da autora para colher maiores informações sobre o que realmente pensam os psicólogos, no entanto não é possível, pois não foi encontrado no banco de dados, além disso se questiona como a mesma pode inferir tal afirmativa pelas evidencias colhidas, sugere-se que a pesquisa foi mais quantitativa, do que qualitativa “Na publicação de tese de doutorado, Bock relata que encontrou em questionário aplicados a psicólogos, muitas definições para o fenômeno psicológico (BOCK, 2004, p. 4). Nesse sentido pode-se dizer que a mesma inferiu tal concepção a partir dos questionários (respostas assertivas), o que é complicado em termos metodológicos de análise, pois como pode-se dar uma resposta qualitativa por meio de dados quantitativos, além disso vimos o enquadramento de todas essas abordagens, até mesmo daquelas “Construtivistas”, como sendo vertentes “dicotômicas” e “chavões”, além do mais, alguns psicólogos responderam “Entendimento de Si e do Mundo”, “Fenômeno que Envolve a Interação entre Pessoas”, ” Relação entre Agente e Sujeito”, “existência intersubjetiva” e “o homem e a relação com o meio”. Ainda sim todas essas respostas foram enquadradas como sendo “dicotômicas” o que é contraditório num certo sentido, pois em matriz todas essas respostas, contém uma base de pensamento “construtivista”, não havendo assim por dizer uma divisão. Com relação a resposta “Comportamento”, pode se supor que este psicólogo seja comportamental, ainda sim tal abordagem não é dicotômica, pois as características colocadas por Skinner em sua concepção de ser humano, isto é, em sua ontologia é coerente, tendo um aspecto Filogenético (biológico-espécie), ontogenético (desenvolvimento do próprio indivíduo/sua história) e Sociogenético (Culturais) (MOREIRA, 2009).

Alguns psicólogos, disseram “Manifestação do aparelho psíquico”, “Acontecimento Organísmico”, “Funções Egóicas”, “Psique”, ” Consciência e Inconsciência”, nesta parte é provável que sejam psicanalistas, Junguianos, Freudianos e Reichianos. Como demonstrei no início a psicanálise tem uma concepção de história, e envolve na sua concepção de ser humano, a interação com o meio. Outros disseram “consciência”, “Manifestação do Homem”, “Pensar e Sentir o Mundo”, “Saber-se Indivíduo”, “O Que Se Mostra”, “Experiências”, “Vivencias” e “Entendimento de Si e do Mundo”, o que me parece ser característico de abordagens que trabalham o “aqui-e-agora” e o “futuro”, isto é, perspectivas existencialistas e fenomenológicas, dependendo da linha de pensamento, como SARTRE (1963), se vislumbra um aspecto histórico, é nítido que existem algumas relações entre materialismo dialético e o existencialismo Sartriano. Outros psicólogos afirmaram “Sensação, Percepção, Pensamento, Sentidos”, o que é característico de abordagens da Psicologia Cognitiva, no entanto com relação à esta não tenho nada afirmar, o mesmo serve para a Fenomenologia. Com este exame podemos concluir que em relação abordagem Psicanalítica, Comportamental, Construtivista, o que concerne mais ou menos 60% da pesquisa da autora, foi considerado como dicotômico, mesmo não o sendo, com relação a abordagem Fenomenológica e Cognitiva, isto perfaz os outros 40% e suponhamos que sejam hipoteticamente dicotômicas, não seria ao mínimo um equívoco generalizar como uma totalidade 40%? Além disso suponhamos que seja 80%, e reste apenas abordagem “construtivista” que se assemelha a Sócio-Histórica, ainda sim, para um estudo que se diz quantitativo e qualitativo, não seria impreciso?

Além do mais, é importante se perguntar, o do por que a autora considera todas as abordagens “dicotômicas”, tendo em mente que demonstrei o contrário. E me pergunto novamente, por que será que considerou dicotômico? A questão é a seguinte: Quando diz que essas abordagens são dicotômicas não está se referindo, àquilo que expus como sendo “concepção de ser”, muito pelo contrário, quando diz dicotômico não é a teoria, e a pergunta deve ser reformulada do seguinte modo: As abordagens são dicotômicas em relação, à que e a quem? E a resposta é: São dicotômicas em relação ao Social. Mas como isto é possível? A resposta do enigma se encontra na resposta dos profissionais, como identifiquei, existe ali psicólogos Cognitivos, Comportamentais, Reichianos, Junguianos, Existencialistas, Fenomenológicos, Freudianos. Ora essa, esses psicólogos, não são psicólogos sociais, são clínicos! Na perspectiva da autora eles são dicotômicos, por que são clínicos “dividem o indivíduo e o social”, não me parece que tenha feito uma análise da perspectiva teórica, mas da profissão. São dicotômicos por que trabalham em clínicas, e por isto, do enquadramento de todos “seja lá qual for a conceituação” como percebendo a “dificuldade no desenvolvimento psicológico em relação ao meio”. Esta pesquisa não foi feita com psicólogos comunitários, sociais, hospitalares, que trabalham com saúde coletiva. Nessa via, generalizou o pensamento do psicólogo no Brasil, por meio de uma pesquisa clínica, quantitativa, inferindo colocações qualitativas e ainda se referindo à uma naturalização do psiquismo, por meio das respostas “vida mental, distúrbio, loucura, conflitos pulsonais (BOCK, 2004, p. 4). É mais do que evidente que iriam responder isto, trabalham com tratamento individual. Se objetivo fosse, compreender a noção dos psicólogos com relação ao desenvolvimento social e cultural, deveria ter feito a pesquisa com psicólogos sociais (pois como sabemos, existem modos de atuação e de se pensar determinado fenômeno, não se pensa um paciente clínico, do mesmo modo que se pensa um adolescente em condição de vulnerabilidade socioeconômica em alguma fundação de reabilitação ou reinserção psicossocial), e evidentemente encontraria a maioria deles na perspectiva Sócio-Histórica ou com raciocínio diferente do clínico, pois o Brasil é de tradição Social, e se não Sócio Histórico, de Psicologia Tradicional Gestalt (O que não é, negativo). A validade científica da pesquisa é posta em questão (e ainda não falamos das implicações sociais, no meio acadêmico de tais colocações), como exposto a contradição é demonstrada por meio dessa análise textual. Nesse sentido, me pergunto, será que tais psicólogos são sociais? Comportamentais, Cognitivistas, Existencialistas, Psicanalistas? Talvez pesquisou alguns da categoria “construtivistas”, mas ainda sim “naturalizantes”, como todos o são. Nessa via quando autora fez a pesquisa, será que não tinha conhecimento, que caso pesquisa-se psicólogos sociais, iria se confrontar com a maioria esmagadora de vertente Sócio-Histórica? E não iria fazer suposições como “As idéias naturalizadoras do liberalismo serão responsáveis pela concepção de fenômeno psicológico que se tornará dominante na Psicologia” (BOCK, 2004, p. 5). Me indago, se não havia ao menos um pouco de conhecimento, haja vista a investigação foi feita em meados de 90, quando a Psicologia Social está no auge, o pior disso é ao contrário (o que é pior). E se tivesse conhecimento, e ainda sim prosseguiu com a pesquisa com psicólogos clínicos? Eu diria, que é melhor acreditarmos, que não tinha.

É importante fazer uma observação não em relação a esta última hipótese de caráter, mas ao menos, as pressuposições levantadas ao início sobre a consistência e coerência teórica do trabalho. Pois, de acordo com o desvendado nessa análise textual, é perceptível incongruências não só teóricas, mas até mesmo, de metodologia de pesquisa.

4 A DESCONSTRUÇÃO DE UMA PSICOLOGIA “CRÍTICA” E A IMERSÃO DE UMA PSICOLOGIA SOCIAL CIENTÍFICA.

4.1 TRECHO À SER ANALISADO.

E aqui cabe falarmos da relação deste fenômeno psicológico com o meio social e cultural. Esta relação é afirmada como necessária e importante por muitos psicólogos; no entanto, é vista como uma relação na qual o “externo”(mundo social) impede e dificulta o pleno e livre desenvolvimento de nosso mundo “interno”(psicológico). O mundo social é um mundo estranho ao nosso eu. Um lugar, no qual temos que estar e por isto nos resta a tarefa de nos adaptarmos. E a história deste aparato psicológico passa a ser a história da sua adaptação ao mundo social, cultural e econômico. Trabalhar, relacionar-se, aprender, fazer são atividades desta adaptação. Amar, emocionar-se, perceber, motivar-se são vistas também como possibilidades humanas que se desenvolvem, ou melhor, se atualizam(pois já eram potencializadas) neste mundo externo. Um fenômeno abstrato, visto como característica humana. Um fenômeno que existe em nós, como estrutura, processo, expressão, ou qualquer de suas conceituações, porque somos humanos e ele pertence a nossa natureza. Fica então naturalizado o fenômeno psicológico. Algo que lá está como possibilidade, quando nascemos; algo que deverá ser fertilizado por afeto, estimulações adequadas e boas condições de vida, mas que lá está, pronto para desabrochar (BOCK, 2004, p. 5).

4.2 “O MUNDO SOCIAL É UM MUNDO ESTRANHO AO NOSSO EU. UM LUGAR, NO QUAL TEMOS QUE ESTAR E POR ISTO NOS RESTA A TAREFA DE NOS ADAPTARMOS”.

O sentido colocado da palavra “adaptação”, é provável que seja referente “ao sujeito se adequar ao meio”, dadas as configurações sociais, nas quais vivemos, nada mais, do que necessário. Mas é importante lembrar que adaptação não se refere apenas ao sujeito em relação ao meio, mas também nessa dinâmica relacional, entre sujeito e meio, pois qualquer forma de deficiência, não é individual, mas sim relacional (ROCHA, 1999). Nesse sentido, tal argumentação não foge a sua coerência, mas ainda, é possível supor que “adaptação” à qual os psicólogos se referem, são de demandas clínicas específicas, e não de saúde pública, e pergunta-se a um clínico “Qual sua concepção de ambiente” e a resposta “propor condições, nas quais o sujeito possa se adaptar ao seu meio”, por sua vez quem pergunta é de abordagem Sócio-Histórica, nesse sentido, a resposta de adaptação do clínico, não corresponde a concepção de quem pergunta (até por que, os propósitos de um psicólogo clínico e social são diferentes), mas não por ser equívoca, mas sim pela inclinação com relação a sua própria perspectiva, tendo como referencial apenas a si próprio, o outro se torna incorreto, o que poderia assinalar o “encaixotamento” de todas abordagens como sendo “naturalizantes”.

4.3 “AMAR, EMOCIONAR-SE, PERCEBER, MOTIVAR-SE SÃO VISTAS TAMBÉM COMO POSSIBILIDADES HUMANAS QUE SE DESENVOLVEM”.

De início, eu diria o seguinte, que “perceber/percepção, motivar-se/motivação e emoção” são processos psicológicos básicos (MYERS, 2006). Enquanto que “amar” é um sentimento, sendo portanto um processo elementar do ser humano, não apenas deste. Em segundo plano diria, que tais processos psicológicos são universais em sua estrutura, o que se altera são os significados de cultura para cultura. O amor por exemplo se transformou ao decorrer da história, desde do “O Banquete” de Platão (1971), onde encontra-se por exemplo 7 definições de amor, não obstante, tais amores não se remetem ao mesmo “afeto”. O amor Ágape, Eros, Philia se remetem a diferentes formas de emoção, um corresponde ao amor incondicional, o outro a paixão e o terceiro amizade. No senso comum, as pessoas chamam de amor, o “amor de mãe” que seria o incondicional, o segundo de “amor fatal” e o terceiro, do modo paradoxal se confundido com o segundo de “eterna paixão”. Mas, tudo se refere à “amor”, ninguém irá dizer, “o meu amor por você é Ágape minha mãe”, diz-se na verdade “eu te amo”, do mesmo modo que se diz, para o amor fatal e a eterna paixão, sendo assim modos descritivos, de se dizer da qualidade do amor. Nesse sentido o processo psicológico básico do afeto é existente em si, o que se alteram são as significações que se dá para cada afeto, do mesmo modo, que “amor de mãe” no Brasil, pode ser diferente do afeto de “amor de mãe” no Japão. Além disso a percepção não é uma potencialidade por que é inexorável, quando organismo se estabelece, como sendo, mesmo que haja alguma deficiência, existe uma percepção pelo fato da consciência de si, e mesmo no caso de doenças mentais, existe uma percepção de mundo. A motivação e a emoção por sua vez, é fidedigno dizer, que são processos universais dos seres humanos (e até dos animais, discutirei com referencias bibliográficos, em capítulos posteriores). O que se altera nesse sentido, são as representações que são acopladas à esses processos, variando de cultura para cultura (ULLMANN, 1991). Isto por que não entrarei na questão da biologia das emoções, como o amor sendo uma derivação da secreção de ocitocina, denominado de “hormonio do amor” (ALVES, 2013) adaptação de um processo evolutivo, onde houvera transformações orgânicas na espécie, como mecanismo de sobrevivência da prole, talvez pelo fato das mães se desgarrarem dos filhos, e os deixarem à mercê da morte na pré-história.

4.4 “OU MELHOR, SE ATUALIZAM (POIS JÁ ERAM POTENCIALIZADAS) NESTE MUNDO EXTERNO”.

A frase corrobora a hipótese inicial que apontamos, do sujeito como produto do meio, não contendo em si próprio nada que o possibilite ter “alternativas”. A questão da “potencialidade” é óbvio que não podemos considerar, que o sujeito se desenvolverá, apenas por que existe um ambiente propício, deve-se considerar outros fatores na constituição do sujeito. Nessa via, se não devemos considerar que o ambiente “propício” é garantia de um pleno desenvolvimento, também não podemos considerar o polo negativo, que o ambiente como um todo, isto é, nas condições materiais impróprias, iram determinar o insucesso, por que como dito, existem outros fatores, que não são apenas restrito ao ambiente ou a “condição histórico-material”. Nesse sentido é conveniente uma citação sobre a substancia de Lukács:

À medida que a sociedade se desenvolve, o indivíduo ganha uma substância pessoal que pode ser abstratamente expressa mediante a autoconsciência da própria individualidade humana. Essa expressão é parte do movimento do seu fazer-se homem e na realidade resulta do movimento real de sociabilidade e de individuação pelo qual evolui de mera singularidade até transformar-se em individualidade e personalidade (DA COSTA, 2007, p. 47).

[…] agora já podemos registrar algo que, na verdade, não poderíamos deixar de ter Indivíduo e Sociedade presente: o inevitável e ativo – justamente nas coisas mais concretas – influxo do ser social sobre as mais íntimas, mais pessoais, formas de pensamento, de sensibilidade, de ações e de reações de todo indivíduo humano (LUKÁCS, p.260 apud DA COSTA, 2007, p. 47)

Na medida em que o conceito de substância não se contrapõe ao de continuidade, constitui indício de que ontologicamente o ser tende à historicidade como parte do seu próprio movimento interno. Isto torna mais claras as reflexões citadas anteriormente pelo autor, quanto ao conceito de substância ontologicamente definido como “universal e, ao mesmo tempo, histórico”, que nem se caracteriza como dado a priori nem se dilui na esfera dos fenômenos Lukács conecta a constituição da substância da individualidade à alternativa expressa nas escolhas-decisões do indivíduo concreto ante uma situação efetivamente concreta. Processo no qual se configura sua própria história pessoal (DA COSTA, 2007, p. 49). Neste ponto, acrescenta:

Do mesmo modo pelo qual o ser social se constrói com essas cadeias de decisões alternativas, entrecruzadas de várias maneiras, assim também a vida singular do indivíduo é composta pela sua sucessão e derivação uma da outra (LUKÁCS, 1981, p.261 apud DA COSTA, 2007, 49-50).

A questão da alternativa também comparece, como sendo necessário ser expresso:

Como mediação necessária à criação do novo, a alternativa age desde as formas mais simples do trabalho. Constitui os atos de escolha dos homens na realização das suas atividades diante das possíveis alternativas para cada situação concreta ante o desafio da matéria natural. A decisão entre alternativas existentes permite à consciência transformar em ato aquilo que potencialmente está contido na prévia ideação do sujeito. Neste sentido, a alternativa está ligada à possibilidade de transformação de algo ainda não existente em existente (DA COSTA, 2007, p. 50). Ou seja:

Um projeto, por mais complexo e delineado com base em reflexos corretos, mas que seja rejeitado, permanece um não existente (Nitchtsiendes), obstante esconde em si a possibilidade de se tornar um existente (Seiendes). Em substância, portanto, apenas a alternativa daquela pessoa (ou daquele coletivo de pessoas) que é requerida para colocar em movimento o processo de realização material mediante o trabalho, pode atualizar esta transformação da potencialidade em existente (LUKÁCS, p. 47 apud DA COSTA, 2007, p. 50-51).

O projeto idealizado pelo sujeito é posto em movimento por decisões alternativas de pessoas ou grupos, cuja dinâmica é bastante complexa. Consiste em “uma ininterrupta cadeia temporal de alternativas sempre novas, na qual opera um sistema de reflexos, dinamicamente elaborado e contraditório” (p.45). Todo processo de escolha no trabalho constitui uma sequência bastante numerosa de decisões alternativas. Requer sempre novas decisões que se apoiam sobre as anteriores, ampliando mais e mais as mediações no sistema de decisão (DA COSTA, 2007, p. 51).

Dessa declaração deriva que a personalidade só pode ser concreta e, como tal, socialmente posta, do ponto de vista que ela se revela nas decisões tomadas pelos indivíduos. O indivíduo guarda em si um grande número de possibilidades que podem ou não se tornar realizações, “mas o seu verdadeiro caráter se realiza, no seu ser- precisamente-assim, justamente quando e porque traduz em ato uma certa possibilidade, e não outra” (LUKÁCS, p.262 apud DA COSTA, 2007, p. 52).

De modo que nas escolhas entre alternativas existentes se revela a personalidade de alguém; sua realização se traduz precisamente em momento da exteriorização do sujeito como pessoa e aí adquire realmente o caráter de ser social. A complexidade do indivíduo comporta em si a possibilidade, no sentido aristotélico do termo, de transformar essa mesma potencialidade em ato, visto que superá-la depende de uma decisão alternativa. Mas a interrogação que permanece consiste em saber se será aceita ou negada, se irá transformar-se em ação ou se permanecerá uma mera possibilidade. Somente quando a escolha realiza a possibilidade ela se traduz em continuidade do próprio processo interior da individualidade. Assim, o autor afirma: “A substância de um indivíduo é, portanto, aquilo que no curso da sua vida se compõe como continuidade, direção, qualidade da ininterrupta cadeia destas decisões” (p.262 apud DA COSTA, 2007, p. 53). Ou seja, a permanência na mudança que caracteriza a dinâmica de sua personalidade consiste na síntese constituída pela contínua cadeia das decisões tomadas ao longo da vida, traduzida em continuidade, direção e qualidade destas mesmas decisões. Temos aí resolutivamente estabelecida a relação entre personalidade, substância e alternativa, formando um quadro da concepção de Lukács sobre a personalidade humana (DA COSTA, 2007, p. 52-53).

O autor adverte também que se quisermos “compreender corretamente em termos ontológicos o indivíduo, é necessário nunca esquecer que estas decisões determinam ininterruptamente a sua essência, a dirigirem para uma elevação ou para um rebaixamento” (p.262 apud DA COSTA, 2007, p. 53). Ou seja, pode significar um avanço ou um retrocesso da sua individualidade em relação ao para-si do gênero humano. Deste modo, a cadeia de decisões que formam o quadro das escolhas dos indivíduos impulsiona e determina a sua essência, mas a direção e a qualidade desse continuum tanto pode rebaixar conduzindo para uma ruína do indivíduo como pessoa, como pode elevar a personalidade a patamares superiores de consciência em direção a uma autêntica generidade (DA COSTA, 2007, p. 53).

Ainda sobre a concreção da cadeia de decisões alternativas e seu caráter de finalidade particular, quando se trata de uma atividade artística como a pintura, por exemplo, Lukács comenta que a alternativa não reside na escolha do pintor se deve pintar um ou outro quadro; ela está presente em cada pincelada “e quando ele a tem como aquisição crítica, utilizando-a para a pincelada sucessiva, revela com a máxima evidência o que representa a sua pessoa do ponto de vista artístico” (p.262 apud DA COSTA, 2007, p. 53). O autor então diz que “isto vale, em sentido ontológico geral, para cada atividade humana e para toda relação entre indivíduos” (p.262 apud DA COSTA, 2007, p. 53). Deste modo, a personalidade do homem exprime-se em cada um dos seus atos pela capacidade que este apresenta de avaliar criticamente cada passo dado; essa avaliação é de terminante para as escolhas que ele faz ao longo de sua vida. Isso se realiza nas suas múltiplas atividades e nas suas relações (DA COSTA, 2007, p. 53-54).

As escolhas dos indivíduos são sempre respostas práticas aos desafios que a vida social lhes impõe. Os próprios sentimentos e pensamentos que preparam as decisões são também socialmente determinados pelas circunstâncias de classe, estamento, família, das quais fazem parte. Tem-se, portanto, que a reprodução do indivíduo é determinada pelas condições de sua existência desde o momento de seu nascimento e ao longo de sua vida. As respostas elaboradas por ele se encontram em íntima relação com as demandas que lhe são formuladas pelas circunstâncias nas quais vive e age. Em consequência, o seu desenvolvimento individual e interior é o resultado da trama de demandas e respostas que implica decisões ante as alternativas socialmente determinadas (DA COSTA, 2007, p. 55)

Convém realçar novamente aqui que o retorno da exteriorização sobre os indivíduos, ou melhor, “sobre os sujeitos do trabalho é por princípio diversificado” (p.565 apud DA COSTA, 2007, p. 55) e impulsiona para a variedade de comportamentos individuais. Além do que a individuação, como todo processo social, é determinada socialmente, mas na sua dinâmica imediata permite ao indivíduo “manter-se no controle de uma ampla vida própria” (Lukács, 1990, p.64 apud DA COSTA, 2007, p. 55), o que assegura a ele certa autonomia na direção de seu destino pessoal. Deste modo, como veremos logo mais, a determinação social das circunstâncias não pode ser absoluta no desenvolvimento interno dos sujeitos individuais. Na trama de demandas e respostas às alternativas socialmente criadas, o comportamento dos indivíduos implica atos de consciência a partir de um variado campo de possibilidades que pode ir além das suas escolhas impostas simplesmente pelas condições de classe etc. Portanto, a decisão entre alternativas não significa nem expressão de liberdade puramente individual, nem meramente uma determinação fixa socialmente de uma vez por todas. Ao indivíduo resta sempre a possibilidade de uma escolha avaliada segundo a sua consciência ante as condições de uma situação concreta (DA COSTA, 2007, p. 55-56).

4.5 “UM FENÔMENO ABSTRATO, VISTO COMO CARACTERÍSTICA HUMANA”.

Via de regra é incoerente dizer, que os processos psicológicos básicos são meramente “Um fenômeno abstrato, visto como característica humana”. Não apenas é uma característica humana, como também é dos animais, haja vista que à destes, são tão complexas quanto, às dos seres humanos. Tentei articular a questão com três ponto de vista, o leitor deverá concordar que as articulações produzidas se complementam. Sendo uma visão da ciência psicológica, da antropologia e biologia. Não são apenas “abstrações” ou “criações humanas”, são processos que se constituem, numa relação complexa entre aspectos socioculturais, psicológicos e biológicos. Cada uma dessas instancias tendo uma função, pois se uma criança é abandonada à selva, como visto ao longo da história alguns casos, por exemplo de Amala e Kamala (SQUIRES, 1927) na índia, onde essas duas crianças, que deixada aos cuidados de lobos, passaram a ter comportamentos semelhantes, como ausência de linguagem verbal e forte tendência a irrupção de emoções agressivas, isto sem dúvida ocorreu por conta de um fator ambiental, tornaram-se lobos. Mas é importante pensar pela negativa, geralmente o lobo em si, tem algumas características, como “audição apurada” e “visão aguçada” (HECKLER, 2011). Suponhamos que fosse uma criança com síndrome me down que até tempos atrás em 1950, a expectativa de vida era de 10 a 15 anos, hoje a media chegando aos 50, por conta de diversos problemas fisiológicos como cardiovasculares, indo até auditivos e de visão, como miopia (BUCKLEY, 2000). Esta criança se tornaria um “lobo”? O caso é hipotético, mas é para ilustrar, que até mesmo para se tornar-se um “lobo” é necessário um “aparato biológico”, não torna-se lobo em “alguns anos em interação com o meio”, é um processo evolutivo de adaptação de milênios, não é apenas por fatores ambientais, são fatores orgânicos em interação com o meio, que determinam o gene, e os genéticos determinam por sua vez o meio novamente (caso das abelhas, que nascem sabendo fazer comeia), se reproduzindo na espécie (filogeneticamente). Existe nesse sentido uma interação, entre os aspectos biológicos e sociais, havendo uma inseparabilidade. Do mesmo modo, apenas torna-se “homem”, se tiver um aparato biológico de “homem”, em outras palavras, um genoma humano, se não tiver, não é. Por sua vez, torna-se golfinho se tiver aparato biológico de golfinho, este morre numa selva com leões, e o leão da selva, morre no atlântico, pois sua fisiologia não corresponde ao biótopo marinho. É necessário um ambiente que corresponda ao organismo, e que o organismo corresponda ao ambiente, sem um, ou outro, é impossível o processo de constituição do ser, o aparato deve ser correspondente ao ambiente, e o ambiente correspondente ao aparato. Os cães vivem conosco, a milênios, desde da pré-história em constante interação não só com os instrumentos (arrastando trenó), mas se relacionando-se afetivo-emocional (o cão melhor amigo do homem), nem por isto, tornou-se homem, ainda que estivesse no mesmo ambiente. Tem de haver nesse sentido, “algo” no homem, para tornar-se homem, o análogo ocorre com abelhas, tubarões, águias. O exemplo é muito claro, o do cão (trenó), além disso é sabido na primatologia, que os símios constantemente se utilizam de instrumentos, como varas e alguns afiam pontas, mas nem por isso, desenvolveram consciência e tecnologia complexa (desenvolverei tal questão posteriormente com fundamentos científicos), o que prova que o relacionamento com “instrumentos”, não é unitariamente a causa da cultura, muito menos ainda da consciência, como dito, existem outros fatores que serão discutidos.

4.6 “FICA ENTÃO NATURALIZADO O FENÔMENO PSICOLÓGICO. ALGO QUE LÁ ESTÁ COMO POSSIBILIDADE, QUANDO NASCEMOS”.

Ana Mercês Bahia Bock irá produzir um artigo em 2004 chamado “A Perspectiva Sócio-Histórica de Leontiev e a Crítica à Naturalização da Formação do Ser Humano: A Adolescência em Questão”. Irei me deter apenas à questão da formação do ser humano, que é no caso o mais importante e pertinente aos meus objetivos. Retirei de modo semelhante, partes do texto, com as quais irei discutir. Vejamos:

É Vigotski em seu texto “Internalização das funções psicológicas superiores” (1994) que vai apresentar o desenvolvimento destas capacidades, a partir da combinação entre o uso do instrumento (de trabalho) e do signo (atividade psicológica). Essa combinação vai permitir que o homem vá além do imediato, por meio de uma reconstrução interna de uma operação externa. Vigotski chamou a esse processo de internalização. Segundo o autor: “A internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana; é a base do salto quantitativo da psicologia animal para a psicologia humana” (Vigotski, 1994, p. 76 apud BOCK, 2004, p. 28). E:

É Leontiev que traz então a explicação que se esperava: se o homem se libertou de suas limitações biológicas e criou o humano, como essas características passam de geração a geração se elas não podem fixar-se na herança genética? “Foi sob uma forma absolutamente particular, forma que só aparece com a sociedade humana: a dos fenômenos externos da cultura material e intelectual” (Leontiev, 1978, p. 265 apud BOCK, 2004, p. 28).

Nesse sentido, a genética é apenas uma característica do organismo humano, que se desenvolveu ao decorrer da história, e que por sua vez, não exerce nenhuma função no processo de desenvolvimento da espécie como ela é. Deve-se alegar o genoma humano como preponderante no desenvolvimento do homem, caso um organismo não tenha o genoma humano, torna-se homem? E nesse sentido se não é necessário um genoma específico, para um ambiente específico, poderíamos dizer, que se deixarmos qualquer espécie animal, em determinados ambientes, os mesmos, se desenvolvem e se adaptam ao ambiente, e desenvolvem as características e habilidades correspondentes, puramente por conta dos fatores externos? Como eu havia dito, se colocarmos um símio em sociedade, nem por isto desenvolve consciência complexa semelhante à do homem puramente por conta dos instrumentos. Nós temos a percepção, de achar que a consciência é originada puramente/unitariamente por conta da “cultura material e intelectual” como dito pelo Leontiev. No entanto é sabido, que os primatas:

Mas, mais ainda do que o fato de ser capaz de utilizar de forma elementar uma linguagem não fonética e, evidentemente, não alfabética, verificou-se, pelo próprio emprego dessa linguagem, que o chimpanzé jovem manifesta duas qualidades que se julgavam firmemente dependentes da cultura e da inteligência humanas: a consciência da sua própria identidade e o exercício da computação. Há um filme rodado pelos Gardner que revela o primeiro aspecto, Washoe divertia-se muito com um espelho; um dia, a assistente dos Gardner perguntou-lhe por gestos, designando-lhe a imagem do espelho: “Quem é este?”, e Washoe respondeu: “Eu (indicador apontado para o peito) Washoe (carícia numa das orelhas, significando convencionalmente Washoe) (MORIN, 1973, p. 25).

E:

A consequência é importante e Moscovici aponta-a com clareza: «Estávamos habituados à ideia de que a nossa fisiologia, a nossa anatomia, “descendem” das dos primatas, mas devemo-nos habituar à ideia de que sucede o mesmo com o nosso corpo social.» (Moscovici, 1972, p. 221 apud MORIN, 1973, p. 26).

A noção de que a “sociedade”, o “homem”, a “consciência”, é um “constructo social”, uma “criação humana”, e nós humanos, “inventamos”, tudo o que nos rodeia, caí por terra. A consciência no seu sentido basilar, não é um privilégio humano os símios às possuem, é lógico que de modo elementar. Mas tal consciência, não foi obtida por meio da cultura, ouvindo Bach ou lendo Goethe e Homero, por outro lado, é conhecido da ciência principalmente no campo da primatologia a utilização de instrumentos por esses animais:

Pratica ocasionalmente a caça e consegue ver-se que manifesta simultaneamente cooperação e estratégia de cerco e de diversão na caça aos pequenos porcos selvagens7. Serve-se ocasionalmente de paus, que brande contra adversários de outra espécie e, ocasionalmente, dá forma a um utensílio, quer dizer, modifica um objeto natural, como a espécie de armadilha de palha que introduz na termiteira para aspirar térmites. Ocasionalmente, marcha ou corre sobre os membros posteriores. Deste modo, como bem comentou Moscovici, o chimpanzé manifesta, ocasionalmente, esporadicamente, alguns dos traços que até então se julgavam específicos da espécie humana, porque nesta se tornaram centrais e permanentes: a caça, a técnica, o bipedismo (MORIN, 1973, p. 24).

Nesse sentido, os primatas se utilizam de instrumento semelhantemente igual aos dos homens, no entanto não existe uma consciência a nível semelhante dos homens, nessa via o “instrumento” não é fator exclusivo de determinar ou não a consciência. Pois o homem é homem, por conta de um genoma específico, portanto o ambiente não é fator exclusivo no desenvolvimento da integralidade do ser. Por outro lado, os primatas não desenvolveram literatura, nem música, mas tem a capacidade de apreender linguagem de libras e se comunicar, como foi demonstrado na situação anterior, no entanto só é possível desenvolver tal habilidade, tendo um aparato biológico semelhante ao do homem. Portanto a questão colocada da “cultura material e intelectual externa”, não corresponde aos achados contemporâneos da ciência. O homem de início tem de ter algo que o possibilite a se desenvolver:

Conceber a interação humana como troca leva também a conceber a subjetividade como resultante de um processo de construção, de troca entre o organismo e o meio, basicamente, entre o bebê e a mãe. Assim, pensar o que é do indivíduo (o bebê, no caso) enquanto organismo leva a pensar nas condições mínimas necessárias para que possa se estabelecer a interação. Como ponto de partida, a concepção de Waddington: o genoma como um sistema ativo de “respostas” e reorganizações, um sistema capaz de enfrentar o meio, utilizar seus recursos para processar as informações que recebe. Isto é muito diferente de uma “tabula rasa”. Ao contrário, temos um organismo vivo, ativo, dinâmico, que “responde” interna e externamente às informações recebidas do meio. É preciso, então, que o organismo disponha das condições mínimas necessárias para que se possa estabelecer a relação com o meio, inicialmente representado pela mãe. Entre essas condições necessárias está a ausência de deficiências neurológicas que comprometam a assimilação do dado externo, que o impeçam de estabelecer a relação com o meio-objeto-mãe. Assim, dispondo de condições internas, digamos “normais”, com possibilidades de se desenvolver e encontrando um meio favorável o indivíduo poderá, presumivelmente, construir sua identidade de forma bem estruturada e saudável.

Entretanto, interno e externo tem que estar presentes. As condições do meio também precisam ser adequadas a fim de propiciarem: a construção da subjetividade. Quando o organismo-sujeito é dotado de condições para o crescimento e tem que enfrentar um meio adverso, as vicissitudes pelas quais terá que passar poderão deixar marcas profundas, verdadeiras fraturas em sua personalidade. Neste caso, o crescimento pode ser tolhido em suas possibilidades e o sujeito pode não alcançar o estado de integração que suas condições lhe permitiriam. Ele pode até superar um meio adverso. O difícil e supor que isso não deixará lacunas em sua personalidade. Por outro lado, o meio, por favorável e adequado que seja, pode compensar, até certo ponto, uma estrutura de personalidade mais frágil, estimulando o crescimento. O que ele não pode, de qualquer forma, é proporcionar um desenvolvimento que vá além daquilo que o organismo é capaz de receber. Isto significa que quando existem limitações internas, constitucionais mesmo, elas podem ser atenuadas mas não ultrapassadas por um meio extremamente favorável.

A importância de pensar a interação enquanto troca é, do ponto de vista da Psicologia Social, a possibilidade de contribuir para uma vida mais saudável. Podemos levar em conta um organismo capaz, ou não de processar a informação que recebe do meio. Capaz também de modificar o meio à medida em que processa essa informação e que modifica a si próprio. Não é possível, neste processo de interação, excluir ou desvalorizar nenhum dos elementos em questão: indivíduo e meio têm assegurados seu lugar, sua especificidade e sua importância sem que um se reduza ao outro. Isto equivale a admitir que o psicológico está presente no social, que o biológico está presente no psicológico e que o social está presente no psicológico. Entretanto, trata-se de ordens diferentes e uma não pode explicar a outra, como aponta MERLEAU-PONTY (1975), ao tratar da ordem vital, da ordem humana e da ordem social (DAMERGIAN, 1991, p. 69-70).

O homem nessa via, é concebido em sua totalidade e complexidade, afirmações do tipo que a “sociedade é inventada” ou “criação humana”, ou que a “genética é uma criação social”, que a “Psicologia Tradicional é Naturalizante”, além de serem anticientíficas, é um desserviço para a psicologia:

Tudo isto significa que a sociedade, concebida como organização complexa de indivíduos diversos, baseada ao mesmo tempo na competição e na solidariedade, comportando um sistema de comunicações rico, é um fenômeno extremamente espalhado na natureza. Hoje já é possível conceber que a sociedade é uma das formas fundamentais mais largamente espalhadas, desenvolvida de uma maneira muito desigual mas muito variada, da auto-organização dos sistemas vivos. E, assim, a sociedade humana surge como uma variante e um desenvolvimento prodigioso do fenômeno o social natural e, assim, a sociologia – ciência humana – perde a sua insularidade e passa a ser coroamento da sociologia geral – ciência natural – (Moscovici, 1972 apud MORIN, 1973, p. 14)

Deste modo, as consequências da etologia e da sociologia animal são igualmente mortais para o paradigma fechado do antropologismo. Chega-se à conclusão de que nem a comunicação, nem o símbolo, nem o rito, são exclusividades humanas, e de que têm raízes muito remotas na evolução das espécies.

Da mesma maneira que é bem evidente que a espécie humana não inventou os comportamentos de namoro e de submissão, a estruturação hierárquica do grupo, ou a noção de território (Cosnier, 1969), também não deixa agora de ser menos evidente que a sociedade não é uma invenção humana. Digamos mesmo que certas características próprias das sociedades humanas (ligação ambígua e complexa entre conflitos e solidariedades, entre oposições e complementaridades, combinação de indivíduos diferentes num sistema de comunicação-organização) já emergem em muitas sociedades animais. Já não se pode opor a ordem social humana à desordem dos comportamentos animais; já não se podem opor as incertezas complexas que reinam no seio das sociedades humanas (a parte de variabilidades, de conflitos e de tensões que elas pressupõem) ao constrangimento mecânico que reinaria nos grupos animais. Já existe, nas sociedades animais, e designadamente nos mamíferos, uma ordem complexa que pressupõe uma certa desordem ou “ruído” como ingrediente indispensável à sua própria complexidade. Tudo isto, que apenas se esboça na etologia animal, surge subitamente nos magníficos trabalhos de primatologia dos últimos dez anos. Desta vez, não muda só a ideia de sociedade, mas muda igualmente a ideia de símio e a ideia de homem (MORIN, 1973, p. 14).

O homem não é uma construção social, muito menos a sociedade, é interessante como pode ser localizada a abordagem sócio-histórica, em diversos discursos, que dizem “O homem é machista”, como se a mulher também não fosse. A mulher é tão machista quanto o homem, pois se coloca na posição de aceitação por meio de pequenos atos, a mulher se submete ao “machismo”, o feminismo foi um movimento importante iniciado de reivindicação de direitos, mas que conforme as décadas, criou-se segregações no grupo, tendo aquilo que se denomina feminismo radical, que tem a noção de que, não diferente da abordagem sócio-histórica, que as coisas aconteceram numa mesa de bar, os homens numa certa feita, resolveram criar como as coisas deveriam ser, aí disseram “Vamos criar a mulher desse jeito, faremos com que elas se comportem de tal modo, os homens por sua vez deverá se comportar de tal maneira, e não aceitaremos quem não é da nossa etnia, e iremos assim dominar o mundo, por que somos maus”. A explicação da abordagem sócio-histórica reduz a realidade social, a um aspecto moral e alega que somos destituídos de uma biologia, e que existe um culpado por todas as mazelas humanas, que é o “Capital” e a “Sociedade Burguesa”, além de ser um reducionismo grotesco da teoria de Marx, não apenas nessa concepção de Capital e Sociedade Burguesa, como também da Antropologia Marxiana. As doenças mentais, nesse sentido tornam-se “criações sociais”, as relações entre homem e mulher, tornam-se “invenções” e as dificuldades de aprendizagem ou distúrbios neurológicos são considerados, noções “naturalizantes”, isto ocorreu por um longo tempo na história brasileira:

 

Em resumo, por muitos anos, a falta de testes psicométricos adaptados à população dificultou o desenvolvimento de pesquisas e distanciou os psicólogos brasileiros da psicometria. Por outro lado, as questões sociopolíticas relacionadas à existência ou não de diferenças individuais dificultavam aceitação de fatores biológicos determinantes da inteligência. Hoje, diversos trabalhos sugerem o papel da genética para o desenvolvimento da inteligência. Estudos recentes com equipamentos de ressonância magnética funcional já mostram que pessoas inteligentes possivelmente utilizam menos energia e seus cérebros respondem mais rápido que pessoas menos inteligentes (Gottfredson, 1999 apud ANDRADE, 2004, p. 74).

As ideias que demonstrei ao longo desse estudo, sobre a forte conotação moral das colocações de Bock, sendo mais de opinião do que ciência, é um prejuízo:

A psicologia não tem sido capaz de, ao falar do fenômeno psicológico, falar de vida, das condições econômicas, sociais e culturais nas quais se inserem os homens. A psicologia tem, ao contrário, contribuído significativamente para ocultar estas condições (BOCK, 2004, p. 7).

Depois de tudo que foi exposto, com relação as concepções da Bock, é importante revisarmos algumas colocações. “A psicologia tem ocultado estas condições”? Qual psicologia? Sócio-Histórica? “Na verdade, não se fala de nada. Faz-se ideologia! (BOCK, 2004, p. 7). Realmente não se fala de nada, faz-se propaganda “Queremos, com a perspectiva histórica na Psicologia, reverter esse processo e nos comprometermos com outros setores da população (BOCK, 2004, p. 10). Compromisso? Com quem? Nem com a própria psicologia no sentido literal de ciência, imagina-se com a população. A única maneira de ajudar a população de modo eficiente é compreendendo a realidade, e não imiscuindo-a em narrativas verborrágicas:

Pensar desta forma a subjetividade nos coloca em uma outra relação com o mundo social. Passamos a perceber a necessidade de nos posicionarmos sobre qual homem e qual sociedade queremos estimular. Isto porque, passamos a pensar que o mundo psicológico não está pronto e nem mesmo tem direção para seu desenvolvimento dada naturalmente. Nossas intervenções profissionais são portanto direcionamentos. Qual mundo queremos estimular? Qual sociedade? Qual subjetividade? Qual homem? (BOCK, 2004, p. 10).

Considera-se as pessoas maleáveis a tal ponto? O que se oculta por de trás de tais “segredos” ou “intenções” Bock? Voltarei agora, as questões mais científicas:

O trabalho e a vida em sociedade são duas características da vida humana que vão permitir um salto de qualidade no desenvolvimento humano. O homem liberta-se de suas limitações biológicas para “inventar” a condição humana. Queremos com isso frisar a idéia de que as habilidades e os comportamentos humanos, a partir daquele momento, não estavam mais previstos pelo código genético. Por isso dizemos que o homem não estava mais submetido às leis biológicas e sim a leis sócio-históricas (BOCK, 2004, p. 28).

A divisão entre “natureza” e “homem” não existe. O homem é um processo em desenvolvimento de aspectos que são genéticos ou biológicos, sociais ou culturais e psicológicos por sua vez. “As limitações biológicas”? O homem não é mais biológico então? Considerando que existia um biológico, e que a cultura só foi possível a partir de tal aparato e que agora “transcendeu”, o homem abandonou a sua “carcaça natural” e tornou-se puro e racional? É isto?:

A antropologia da primeira metade do nosso século lançou-se exactamente no sentido contrário, repudiando firmemente qualquer ligação com o “naturalismo”. O espírito humano e a sociedade humana, únicos na natureza, devem encontrar a sua inteligibilidade não só em si próprios, mas também como antítese de um universo biológico sem espírito e sem sociedade.

Ainda que objeto de ciência e dependente dos métodos próprios às outras ciências, o homem permanece insular e a filiação que o liga a uma classe e a uma ordem naturais – mamíferos, primatas – nunca é concebida como afiliação. Pelo contrário, o antropologismo define o homem como oposto de animal; a cultura como oposto de natureza; o reino humano, síntese de ordem e de liberdade, opõe-se tanto às desordens naturais (“lei da selva”, pulsões não controladas) como aos mecanismos cegos do instinto; a sociedade humana, maravilha de organização, define-se por oposição aos ajuntamentos gregários, às hordas e aos bandos.

Deste modo, o mito humanista do homem sobrenatural reconstituiu-se no próprio seio da antropologia e a oposição natureza/ cultura assumiu a forma de paradigma, quer dizer, de modelo conceptual que dirige todos os seus discursos.

No entanto, esta dualidade antitética homem/animal, cultura/natureza, esbarra contra toda a evidência: é evidente que O homem não é constituído por duas camadas sobrepostas, uma bionatural e outra psicossocial, é evidente que não transpôs nenhuma muralha da China que separasse a sua parte humana da sua parte animal; é evidente que cada homem é uma totalidade biopsicossociológica. E, desde que se encaram tais evidências, a antropologia insular suscita paradoxos que não consegue superar: se o Homo sapiens surgiu bruscamente todo armado, isto é, dotado de todas as suas potencialidades, como Atena nasceu do cérebro de Zeus, mas de um Zeus inexistente, como Adão nasceu de Eloim, mas de um Eloim recusado, nesse caso donde veio o homem? Se se concebe o ser biológico do homem, não como produtor, mas como matéria-prima da qual se modela a cultura, nesse caso, donde veio a cultura? Se o homem vive na cultura, mas trazendo em si a natureza, como pode ser simultaneamente antinatural e natural? Como se pode explicar isso a partir duma teoria que apenas se refere ao seu aspecto antinatural? (MORIN, 1973, p. 4-5).

Aponta-se para o caráter pernicioso da abordagem Sócio-Histórica, principalmente a representada neste estudo. Tudo que vá nesta direção reduzindo a psicologia ao social, ou o social à psicologia, e destituindo o ser de qualquer biologia é prejudicial, e não pode ser validado como científico. A questão da desigualdade social, pode ser vista na natureza também, e antes de qualquer comentário tendencioso por parte de um leitor “crítico”, isto não é uma maneira de legitimar a desigualdade até por que é possível alteração, por conta da consciência e escolha, não obstante, não podemos ser ingênuos e não olhar para a natureza e ver semelhanças. Não é julgar, muito menos acolher, mas sim compreender e extrairmos lições que sirvam a condição humana:

Como é sabido, a sociologia humana julgava-se sem precedente no mundo vivo, e as únicas sociedades reconhecidas, as das formigas, das térmites e das abelhas, pareciam não só exceções extraordinárias, mas também exemplos monstruosos de anti-sociedade, por se basearem unicamente na obediência a um “instinto cego” […] É pela relacionação dos diversos dados evidenciados pela etologia que se pode hoje constituir uma noção de sociedade. Esta sociedade arranja e defende, evidentemente, a sua base territorial, estrutura-se hierarquicamente, mas essa hierarquia resulta de competições e conflitos que se resolvem provisoriamente por meio de relações interindividuais de submissão/dominação; estas últimas, encadeadas umas nas outras, constituem precisamente a hierarquia. Ao mesmo tempo, a sociedade implica solidariedades em relação a inimigos e a perigos exteriores e suscita atividades de cooperação que são muitas vezes organizadas e diferenciadas de forma subtil (MORIN, 1973, p. 13).

As relações de dominação/submissão regulam as relações hierárquicas entre as “classes” e também entre os indivíduos. O princípio da dominação é complexo; não é a potência sexual, como se julgou durante muito tempo, nem a pura força física, nem a inteligência, que, por si sós, incitam ao poder e o obtêm. Uma vez que o domínio social oferece plenos poderes, sexuais e “políticos”, e permite a livre expansão pessoal, pode supor-se que o que incita ao poder é uma mescla obscura e variável, muito difícil de analisar, como sucede com os humanos. Já se chegou a dizer que o exercício do poder oscila entre dois pólos, o da agressividade e o do exibicionismo. N o primeiro sentido, o chefe mantém a autoridade pela intimidação, pela mímica da ameaça (threat behavior); no segundo sentido, pela repetição histriônica da sua presença e da sua importância (MORIN, 1973, p. 15).

A subordinação ainda é mais complexa do que a dominação, visto que, para o subordinado, se trata de aceitar a sua sorte com o mínimo de danos possível. Manifesta-se pelo comportamento de evitação, em que se procura não pisar o caminho do chefe, pelos comportamentos de submissão, de complacência, de servilismo (assim, o inferior que apresenta o traseiro ao macho dominante, à maneira duma fêmea, imita a feminidade e a homossexualidade para exprimir os seus sentimentos da maior devoção e respeito). Ainda há uma atitude mais extraordinária, embora pareça bastante rara (Itani, Rowell, Hinde, Spencer, Both), em que uma fêmea de estatuto médio sem filho, ou um macho também de “classe média”, se oferecem para proteger e acariciar os filhos duma fêmea de estatuto superior. O servilismo destas “tias” e “tios” temporários parece dissimular quer o servilismo, quer a pequena ambição de subir um degrau, quer o prazer de servir uma alta personalidade, ou, ainda, as três coisas ao mesmo tempo. Por outro lado, verificasse que se dispõem à periferia ora indivíduos temporariamente solitários, ora pequenos grupos de “semi-fora-da-lei” rejeitados, desviantes, marginais. Por vezes, chega a acontecer que um rejeitado no exílio se associa a um companheiro, com quem vai lutar, com vista à ascensão social (MORIN, 1973, p. 16).

Como acabamos de ver, não existe apenas a hierarquia coletiva de “classe”, mas existe também a hierarquia individual de escalão, que se estabelece em função da relação ameaça/evitação ou de servilismo, e, entre as fêmeas, em função do escalão do respectivo macho. A cada escalão corresponde um estatuto, quer dizer, um conjunto de direitos e de deveres: a cada escalão e estatuto corresponde um papel, isto é, um estilo de conduta que não está imutavelmente ligado a um indivíduo, mas que depende da posição ocupada no escalão e na “classe” social. Como diz Crook, “pode-se descrever um comportamento social de primata em termos de estatuto de idade e de sexo, de papel e de afiliação num grupo-tipo” (Crook, 1971, p. 39 apud MORIN, 1973, p. 16).

De tudo isto deduzem-se duas consequências, que são simultaneamente antagonistas e complementares. A primeira é a desigualdade social, a segunda a mobilidade social. Em primeiro lugar, sobretudo quando a hierarquia é rígida, a desigualdade social é uma verdadeira desigualdade de vida; na casta elevada, os indivíduos têm uma grande liberdade de movimentos, a faculdade de realizar os seus desejos e os seus prazeres com muito poucas inibições. O poder já confere todas as vantagens, todas as liberdades e sobretudo a livre expansão pessoal. Nos escalões muito baixos, a subordinação acompanha-se de restrições, de frustrações, de proibições, de inibições, talvez mesmo de “neuroses”. Deste modo, a desigualdade social também é, de certa maneira, a desigualdade da felicidade. Essa desigualdade é muito menos marcada nas sociedades descentralizadas da floresta e muito mais opressiva, pesada, dura, nos bandos militarizados das savanas (MORIN, 1973, p. 16).

Desta forma, distinguem-se claramente linhas de força, umas simpáticas e outras antipáticas, que vão colorir de maneiras muito diversas as relações entre os indivíduos. A origem das primeiras reside, sem dúvida, na conservação da seiva afetiva dá infância na vida adolescente, e por vezes adulta, assim como a sua transferência para novos companheiros, por meio de afinidades eletivas. A origem das segundas encontra-se provavelmente nas competições repulsivas entre machos, muito frequentes e fortes entre os mamíferos, nos “ciúmes” entre as fêmeas, que a relação hierárquica estabiliza mais ou menos, sem chegar a reabsorver. Portanto, há dois tipos de comportamento, ambos originariamente ligados ao domínio da reprodução biológica (atração mãe-filho, repulsão de macho a macho) que se expandem e transformam, um, sobretudo, na vida adolescente e o outro, principalmente, na vida adulta, e que vão ambos constituir elementos da individualidade complexa e da sociedade complexa, em que as relações se diferenciam e se constroem a partir e para além da esfera da reprodução biológica (MORIN, 1973, p. 18).

Portanto, a sociedade dos antropóides avançados controla os indivíduos por meio das suas restrições e hierarquias, mas não uniformiza as individualidades, permitindo-lhes o desdobramento relativo das respectivas diferenças. Quando a hierarquia é rígida e autoritária, só os privilegiados do vértice, ou até mesmo só o chefe, é que podem dar largas à sua própria individualidade.

A sociedade e a individualidade surgem-nos, assim, como duas realidades simultaneamente complementares e antagonistas. A sociedade, ao mesmo tempo em que maltrata a individualidade, impondo-lhe os seus limites e as suas coações, oferece-lhe estruturas que lhe permitem exprimir-se. Utiliza, para a sua variedade, a diversidade individual, que, caso contrário, se dispersaria na natureza; a variedade individual utiliza a variedade social para tentar expandir-se. Portanto, já ao nível da sociedade primática, não pode conceber-se a sociedade como um simples enquadramento nem um indivíduo como uma unidade correspondente a um compartimento, visto que o enquadramento é constituído pelas relações interindividuais e que não existe compartimento vazio enquanto não houver um indivíduo para ocupá-lo. Por outras palavras, trata-se da noção fundamental de que sociedade e individualidade não são duas realidades separadas que se ajustam uma à outra, mas existe um ambissistema em que, complementar e contraditoriamente, indivíduo e sociedade são constituintes um do outro, ao mesmo tempo em que se parasitam entre si (MORIN, 1973, p. 19).

Existe, pois, ambissistema biossocial, e, se nele inserirmos o ambissistema socioindividual, temos um trissistema ambíguo. Já no indivíduo não existe conjugação rigorosa entre procriação e prazer sexual, o qual até se pode emancipar na masturbação. Por outro lado, repitamos que o calor mamário da pequena infância vai constituir a placenta das simpatias, das ternuras e das amizades da vida adolescente e até mesmo de parte da adulta (será esta a origem da sentimentalidade humana). Portanto, não existe uma categorização rígida nem uma fronteira nítida entre o biológico, o social e o individual, mas, ao mesmo tempo, existe unidade e pluralidade, confusão original e distinção dos desenvolvimentos. Não existe integração perfeita, funcionalidade sem equívoco, mas existe, ao mesmo tempo, complementaridade, concorrência e, em última análise, antagonismo entre estes três termos. A sociedade e o indivíduo estão ao serviço da espécie, a espécie está ao serviço da sociedade e do indivíduo, mas de forma complexa, com uma zona de ambiguidade, de contradições, de indecidibilidade. E são bem essas ambiguidades, essas contradições, essa indecidibilidade que a humanidade levará a um nível nunca dantes atingido (MORIN, 1973, p. 21).

No entanto, a integração social dos primatas avançados já é complexa, na medida em que comporta antagonismos e desordem, os quais não são apenas os resíduos despejados pela organização, mas sim elementos parcialmente constitutivos da própria organização. A cooperação, a complementaridade, não são noções que se oponham duma maneira absoluta (ontologicamente) às competições, aos conflitos, aos antagonismos, mas constituem, juntamente Com estes, como que dois pólos oscilatórios através dos quais se constitui a organização social. Esta ambiguidade de princípios volta a surgir a todos os níveis; como vimos, as relações interindividuais oscilam entre o matching (competição) e o fitting (ajustamento), e ambos se conjugam para manter a rigidez da hierarquia e a mobilidade social dos indivíduos; como dissemos, existe simultaneamente antagonismo potencial e complementaridade potencial entre o indivíduo que desenvolve os seus interesses pessoais e o interesse da organização coletiva. Mas também dissemos que este sistema não é tão harmonioso como Hegel teria sonhado, visto que impõe não só grandes desperdícios, mas também grandes sacrifícios e grandes frustrações naqueles que se encontram na base da escala social. Quer dizer que o princípio da hierarquia tem duas facetas: uma integrativa e urna de exploração do símio pelo símio. Como se vê, herdamos raízes de desigualdade social, o que torna este problema não insolúvel, mas radical (MORIN, 1973, p. 22).

Um cientista social que seja digno e no mínimo condizente, jamais dirá que não há desigualdade social, e a questão a princípio não é esta, mas sim os pressupostos fundamentais de como se pensar o fenômeno psicológico, que não esteja desenraizado da biologia, tanto quanto da sociologia, e das noções fundamentais da psicologia. Sem isto, é impossível compreender não só o social, como também a própria psicologia individual:

O fenômeno psicológico não pertence mais à natureza humana. O homem, ao construir a cultura e a sociedade, se libertou de sua “natureza”, ultrapassando seus limites e características. O fenômeno psicológico como registro, no homem, de sua relação com o mundo, na medida em que este mundo é social e cultural, passa a se caracterizar por esta condição. Assim, o fenômeno psicológico não preexiste no homem. Se desenvolve conforme o homem se insere na sociedade, nas relações e na cultura. Ali estão as possibilidade do homem se tornar humano. A humanidade do homem está na cultura, nas relações sociais e nas formas de produção da vida. É lá que o homem vai buscar os elementos para sua constituição (BOCK, 2004, p. 9).

Afirmarei que a sociedade, não é um processo consciente, muito menos uma criação humana, as relações sociais por sua vez também, apesar de haver os “oportunistas” que se valem do sistema por ter uma consciência maior do que de outras pessoas, e ao invés de utilizar isto, a proveito do bem comum, utilizam em proveito próprio, como Platão, que dizia ser necessário queimar os livros de Demócrito (Atomista). O que se sabe, é que os discípulos de Platão disse à ele para não queimar, não obstante, temos hoje todos os diálogos do filósofo e de Demócrito, nenhuma página se quer dos seus, mais de 70 livros (VAN DOREN, 2013).

É importante ressaltar sempre, Platão dizia em nome da verdade, “queime os livros de Demócrito, mas em nome da verdade, que fique dito”. Suas acusações não eram puramente por “repressão ou por egoísmo vulgar”, mas sim por uma moralidade digna, não é mesmo? Mas sim em nome da liberdade, por que o conhecimento, deve ser de todos e para todos (desde de que, se queime alguns). As acusações de Bock, nos parece ser em nome da verdade, não é mesmo? Aos leitores que me acompanham até aqui, lembrem-se da categoria analítica:

A Psicologia Descomprometida com a Sociedade:

Os psicólogos se puseram de costa para a realidade social, A psicologia contribui significativamente para ocultar as condições de desigualdade, Psicologia descolada da realidade social, Descolagem que se constitui o processo ideológico da psicologia.

Realmente, mais de 2000 anos se passaram e ainda sim existem “Platões”, grandes autoridades da sociedade que acusam, mas é importante lembrar sempre, em nome da “VERDADE”. A maioria dos seguidores, tanto de Freud como de Marx expurgaram a dimensão da biologia, de suas concepções:

Houve, no entanto, tentativas teóricas para firmar a ciência do homem sobre uma base natural. Nas páginas fulgurantes do manuscrito de 1844, Marx colocava no centro da antropologia não o homem social e cultural, mas o “homem genérico”; longe de opor natureza e homem, Marx afirmava que “a natureza é o objeto imediato da ciência que trata do homem”, visto que “o primeiro objeto do homem – o homem- é natureza”, e enunciava o princípio básico: “As ciências naturais englobarão em seguida a ciência do homem, assim como a ciência do homem englobará as ciências naturais: apenas haverá uma única ciência.” (Segundo a tradução Molitor.) Engels esforçou-se por integrar o homem na “dialética da natureza” […] O primeiro movimento de Marx e de Freud refluiu, não teve continuação, por lhe ter faltado terreno propício, e foi classificado como um engano do jovem Marx; depois, os epígonos da era estru-turalista fizeram tudo para purificar as duas doutrinas de quaisquer resíduos “naturalistas”, ao mesmo tempo que arrumavam no museu a embaraçosa “dialética da natureza”(MORIN, 1973, p. 4).

Então quer dizer que Marx, compreendia o ser humano, como ser biológico, social e psicológico? Não havendo distinção entre ciências naturais e humanas? Nessa via, a abordagem Sócio-Histórica que “Fundamenta-se no marxismo e adota o materialismo histórico e dialético como filosofia, teoria e método (BOCK, 2004, p. 5). Rechaça a biologia, sendo que o próprio Marx, considerava tais aspectos. Podemos considerar a Sócio-Histórica uma herdeira de Marx? E Leontiev com o seu “construcionismo genético” onde o colocamos? A abordagem Sócio-Histórica se diz de vertente Marxista, mas não é fundamentada no próprio Marx, e ainda se diz herdeira de Marx? O que Marx diria disso? É bom salientar nas suas próprias palavras “Tout ce que je sais, c’est que je ne suis pas Marxiste”, isto é “Tudo o que eu sei é que não sou marxista!” (BARATA-MOURA, 1982, p. 542). Que afirmação em! E com ponto de exclamação ainda “Tudo o que eu sei é, que eu não sou marxista!”. E realmente Marx é Marx, e não Sócio-Histórica. Devemos fazer justiça a Marx, e no caso, o que eu me propus a fazer neste pequeno ensaio, é exatamente isto. Separar Marx, disto que se diz Marxismo. A Psicologia Sócio Histórica, permanecerá muito tempo na academia, mas isto não é Marx, muito menos ciência. Este último previa em sua época, como os ditos “intelectuais” deturpava sua concepção de modo aberrante, que teve de anunciar que ele próprio não era marxista. Que a Psicologia Sócio-Histórica continue com as suas concepções, mas é imperativo dizer, não deturpe o nome Marx! Duas coisas que são totalmente diferentes, que não se correlacionam, e que muito menos se dialogam é, o nosso barbudo alemão e a teoria Sócio-Histórica. Repetindo mais uma vez, não se mistura água com óleo!

As afirmações proferidas por Bock, de que o homem “se libertou de sua natureza” (BOCK, 2004). Se refere a uma concepção, não só anticientífica, como também política no sentido mais vulgar da palavra, de ludibriar de modo intencional:

Paradigma inexistente de Pascal, paraíso perdido de Rousseau, a ideia da natureza humana ainda havia de perder o núcleo, tornar-se protoplasma informe quando se adquiriu consciência da evolução histórica e da diversidade das civilizações: se os homens são tão diferentes no espaço e no tempo, se se transformam de acordo com as sociedades, nesse caso a natureza humana não passa de uma matéria-prima maleável que só adquire forma por influência da cultura ou da história. Além disso, na medida em que a ideia de natureza humana foi imobilizada pelo conservantismo, a fim de ser mobilizada contra a transformação social, a ideologia do progresso chegou à conclusão de que, para haver transformação no homem, este não podia ter natureza humana. Deste modo, esvaziada por todos os lados de virtudes, de riqueza, de dinamismo, a natureza humana surge como um resíduo amorfo, inerte, monótono: aquilo de que o homem se desfez, e não aquilo que o constitui. Mas não é certo que a natureza comporta um princípio de variedade que é testemunhado pelos milhões de espécies vivas? Não comporta um princípio de transformação? Não comporta em si própria a evolução, que conduziu ao homem? Será a natureza humana desprovida de qualidades biológicas? (MORIN, 1973, p. 3).

Por fim, com tudo o que foi exposto vimos por meio de uma análise pormenorizada as falácias da ciência psicológica contemporânea, e o modo pelo qual a mesma vem se desenvolvendo, cito Morin:

É nessa lacuna que agora se pode ver um animal humano, uma sociedade natural, uma elaboração cultural ligada a uma evolução biológica. É nessa lacuna que os conceitos de vida, de animal, de homem, de cultura, perdem a sua suficiência e a sua rigidez […] A hominidade não é reintegrada no quadro do biologismo; não se troca um conceito fechado por outro conceito fechado […] Esta dupla ruptura (do biologismo e do antropologismo) e dupla abertura (do conceito de vida e do conceito de homem) tem para nós uma importância capital. A abertura da noção de homem sobre a vida não é unicamente necessária à ciência do homem, também é necessária ao desenvolvimento da ciência da vida; a abertura da noção de vida é, por si mesma, uma condição para a abertura e para o desenvolvimento da ciência do homem. A insuficiência de uma e de outra tem inevitavelmente de apelar para um ponto de vista teórico que possa, ao mesmo tempo, uni-Ias e distingui-Ias, quer dizer, permitir e estimular o desenvolvimento de uma teoria da auto-organização e de uma lógica da complexidade. Assim, a questão da origem do homem e da cultura não diz unicamente respeito a uma ignorância que é preciso reduzir, a uma curiosidade a satisfazer. É uma questão com um alcance teórico imenso, múltiplo e geral. É o nó górdio que sustém a soldadura epistemológica entre natureza/cultura, animal/homem. É o local exato onde devemos procurar o fundamento da antropologia (MORIN, 1973, p. 27-28).

5 PSICOLOGIA DA HISTÓRIA EM APLICAÇÃO.

5.1 PSICOLOGIA DA HISTÓRIA: ANÁLISE GERAL DOS DADOS: COMPORTAMENTO, MOTIVAÇÃO E PSICOLÓGICO.

Sendo mais política do que científica, nos resta perguntar: o que é ser mais político do que científico? Que nem dito por Maquiavel em O Príncipe a política é a disputa de forças pelo exercício do poder (MAQUIAVEL, 2010), não obstante, lutamos pelo o que? Pela soberania de um partido político ou pela libertação da sociedade como um todo? Se for a segunda opção, as ações da psicologia não corresponde ao seu desejo, pois se utilizando de um critério analítico tendencioso “de como as coisas devem ser” e não “como são”, deixa de perceber a objetividade, reduzindo o sujeito concreto ao sujeito ideal inexistente ou a sociedade real à sociedade ideal, que por sua vez, nunca existiu nos pressupostos epistemológicos de Marx, se a psicologia social diz “se emparelhar nas bases marxistas”, é bom salientar nas palavras de Marx “Tout ce que je sais, c’est que je ne suis pas Marxiste, isto é “Tudo o que eu sei é que não sou marxista” (BARATA-MOURA, 1982, p. 542). Pois bem, se uns dos maiores intelectuais da humanidade diz que não é marxista, e se a psicologia diz se fundamentar nos pressupostos “marxistas”, poderíamos concluir então que Marx não tem, “nada vê” com o marxismo e por conseguinte que a psicologia social nada com Marx? É plausível, não? As palavras do autor se dá, pelo fato que o mesmo já previa no que daria os seus estudos, indivíduos se apropriando de suas concepções de modo indiscriminado e sem atender as exigências necessárias, que dão suporte ao intelectual que pretenda se utilizar de tal conhecimento, estas palavras se dirigiam aos marxistas franceses de 1870 (BARATA-MOURA, 1982).

Além disso, a psicologia atual não atende a uma exigência imprescindível que é, sem teoria revolucionária, não há prática revolucionária:

A teoria não nasce da teoria, nasce das distintas práticas, individuais e sociais, mas ela representa um momento específico de reflexão, de deciframento dos mecanismos do concreto, de apreensão dos seus sentidos, das suas articulações internas, da própria relação entre teoria e prática (SADER, Sem teoria revolucionária, não há prática revolucionária, 2008).

E quando é científica, não é prática, pelo fato dos intelectuais não saírem da academia, estando comprometidos apenas com o núcleo de aulas e palestras para outros intelectuais, salvo uma minoria que tende a fazer o esforço de organização política em comunidades. No outro oposto, há os que não são científicos, mas tendem a prática sem fundamentação teórica, o grande historiador Hobsbawm (1917 – 2012) denomina essa influência “o grosso do que consideramos como a influência marxista sobre a historiografia certamente foi marxista vulgar” (HOBSBAWN, 1998, p. 161). O marxismo denominado vulgar, é o marxismo tendencioso, que mais almeja poder político do que a libertação da sociedade como um todo, mas o praticantes não percebem, pois fazer das ideias de Marx que são conceituações extremamente complexas e dinâmicas algo mecânico e desprovido de revisionismo teórico, é reprodução ideológica. Agora pensemos e façamos um resumo até aqui. A psicologia Sócio- Histórica como demonstrado, é mais política do que científica, por ser política, preza pelo exercício do poder, como foi definido por Maquiavel. Quando científicas (teórico e não prático) não são práticas e quando práticas (desprovidas de teoria fundamentada) não são científicas, portanto a única função que exercem socialmente é a manutenção do status quo. Essa manifestação de retorno do reprimido (LAPLANCHE, 1967), por conta da ditadura, fez com que os indivíduos que foram represados, emerge-se perante a sociedade com traumas, tornando-se radicais idealistas e proferindo “a liberdade mais do que tudo”, criou-se representações sociais, onde a liberdade impera como imperativo categórico, com isto, elevou-se os ideais de sujeito e de sociedade, perdendo-se a objetividade, onde o que se pensa é o ideal e não o real. Tanto que as produções são puramente acadêmicas e se restringem apenas a este campo, do mesmo modo que o sujeito traumatizado não se expõe ao estímulo traumático, o mesmo ocorreu em nível social, pois o que vemos são os psicólogos, assistentes sociais, sociólogos, filósofos, economistas que se dizem “marxistas”, mas que não fazem a operação da segunda parte do processo, que é a prática. Isto nada mais é do que o sintoma social, do medo e a da repressão, e análogo ao sujeito traumatizado que por meio de tentativas sucessivas tenta superar seu trauma, fazendo pequenas investidas, o mesmo também ocorre, só que dentro das universidades, a universidade seria o consultório do psicanalista para o intelectual “marxista” onde ele pode proferir, produzir e dizer tudo, esse é o seu porto seguro, mas nunca avançando para fora, pois o que é externo à este, é o aspecto social dos traumas e das repressões. Se não houver a prática, isto é, organização do proletariado, as greves necessárias, movimentos de reivindicações massivos, concílio entre academia e o sindicato, não haverá revolução, pois:

A teoria desenvolvida por Marx é, em muitos momentos, entendida ou definida como um determinismo rígido, estrito, isto é, como uma filosofia do sentido ou do arremate da história. Acreditamos que a filosofia de Marx não se configura em um determinismo rígido ou uma filosofia da história porque está fundamentada no processo de autocriação por parte dos homens, processo este que tem como base a materialidade das relações humanas. Sustentamos esta visão porque como ele afirma a história não passa de simples “sucessão de gerações”. Portanto, ela não tem um sentido em si mesma, a história não tem nenhum significado além daquele que os homens lhe conferem nos seus vários estágios de desenvolvimento. Segundo Marx, a história não se constitui com “variações únicas”, ela se dá a partir de variações fundamentadas nas várias possibilidades que são intrínsecas aos processos que constituem a atividade humana. É por esse motivo que o fundamento da história deve ser a base material das relações e dos modos de produção humanos. Essas relações e esses modos de produção não se constituem em um processo fechado, acabado em si mesmo, mas seguem a dinâmica natural da atividade humana, este processo é progressivo, mas nem por isso se constitui em um determinismo histórico rígido, onde cada novo resultado da história já se achava prescrito no livro sagrado da história. Assim, acreditamos a teoria da história apresentada por nosso autor como passagem a uma visão de história que não promete nenhuma salvação e que se apresenta como um devir incerto, ou seja, não há uma razão na história ou regendo a mesma. Parece-nos que o pensamento de Marx se aproxima mais de uma teoria crítica da luta social e da mudança do mundo, do que propriamente de um sistema doutrinário (SILVA, 2009, p.7).

Talvez pelo fato, dos “marxistas” que não conhecem Marx, já que Marx não era “marxista” (segundos suas próprias palavras), tenham a concepção de que a história evolui, que estamos indo em direção “alguma coisa”, muito pelo contrário, a compreensão total da obra do autor, nos faz perceber que a sua concepção de mundo, é que o homem faz a si próprio, e que a sociedade pode transformar-se para melhor ou simplesmente se autodestruir. Nesse sentido percebemos como a psicologia Sócio-Histórica, acomoda-se nas academias com tom messiânico do que devemos fazer, quando nem ela própria produziu sua crítica e revisionou suas ações. A psicologia social exerce função ideológica, por exercer mais ação política do que científica, preza mais pela manutenção da sua classe social, de professores universitários que transmitem constantemente uma “imagem de preocupação pela população”, o problema de tudo isto, é que se enganam, mais do que tentam enganar. Mas proferem em nome da população para produzir os seus discursos, ao invés disto, por que não à ação conciliada a teoria fundamentada? Simplesmente por que não estamos preparados e ainda não superamos nossos traumas da ditadura e não sabemos se realmente queremos uma sociedade igualitária, pois o que produz o conforto é exatamente a condição de “não alteração” como também o salário do Professor Universitário, o financiamento de pesquisa e reprodução bibliográfica com dinheiro público (Conhecimento novo? Onde?). É exatamente “criticar o Capital” que gera a sua renda, se não fosse isto, o que fariam de suas vidas? Enquanto isto, o chamado do nosso grande Marx, confluí nas ondas do tempo e nas vozes mortas do passado “Proletários de todos os países, uni-vos! (MARX, 2001, p. 84).

6 O FINAL DO INÍCIO.

6.1 CONCLUSÕES PRELIMINARES.

A Psicologia Sócio-Histórica irá persistir na universidade por muito tempo, não pelo fato de ser científica, pois não é, ou até mesmo por se dizer originária de Marx ou do Marxismo, afirmo que não há nenhuma correlação, não por mim, mas pelo próprio Marx em suas palavras, como colocadas anteriormente e pela análise empreendida por mim. Mas permanecerá por longa data, uma por conta da condição histórica em que vivemos no contemporâneo, por conta da especialização do conhecimento que tende a se intensificar, mas não apenas por isto, mas também por que nossa cultura gerou ao decorrer do último século XX, mais entretenimento do que houvera até então, o conhecimento e estudo passaram a ser opções menores no arsenal de possibilidade de divertimento, o entretenimento como foi em épocas passadas, onde lia-se um livro como novelas das 6, já não existe, tem-se a TV! Não obstante, não são todos que tem um interesse profundo pelo conhecimento e se dedica ao mesmo, pensando-o como uma coisa séria que acarreta em consequências severas. Principalmente em alguns países que não se conserva uma cultura, diria “intelectual” como no Brasil, ao contrário da França que há estímulo e investimento maciço por parte do estado em fomento de cultura. Nessa via, os alunos de psicologia tendem aderir essa abordagem por conta da questão da especialização, por que “deve-se ter” uma especialidade em alguma coisa, segundo, a vertente é um reducionismo burlesco, decorrente disso não há a necessidade de pré-requisito cognitivo para compreende-la, o que se coaduna com os fenômenos contemporâneos do desinteresse pelo conhecimento e até mesmo diria em sentido psicológico, isto permite, aquilo que se denomina a “lei do mínimo esforço possível”, a teoria está posta, e é legitimada como verdadeira. E o fator principal que seria, assim por dizer, o elemento que produz a reação dos fatores anteriores, reagindo quimicamente como um cimento, é que a teoria é um polo de concentração ou afluência, de toda identificação, projeção e resistência que o indivíduo tem em relação à própria existência. Em síntese, poderia ser dito, que a conjugação da especialização, a lei do menor esforço possível, o desinteresse pelo conhecimento, o processo de centralização e concentração das projeções, resistências e identificações, por parte dos aderentes dessa concepção, permitirá a sua permanência na academia até o início da aurora dos tempos, mesmo não sendo uma ciência. A teoria sem dúvida consegue ser (não sem um certo magnetismo) a objetivação ou realização concreta de todo anseio e esperança dos homens.

6.2 CONCLUSÃO FINAL.

Sobre o ombro de Marx e Freud, é possível vislumbrar algo maior e dar continuidade àquilo que Edgar Morin (1973) disse não ter havido âmbito propício que é exatamente a geração de conhecimento, que vá além, e não se restrinja apenas aos ideias políticos, de uns, e de outros, ou de uma minoria que se diz a favor da população ou da minimização da desigualdade, que proferem um compromisso social, se nem ter, com os próprios de sua categoria. Fazem colocações em nome da “verdade” ou do “bem da sociedade”, esquecendo-se, que tal ato, é uma própria mentira. Se valendo de tudo que é cabível, fazem do discurso uma retórica. Assim reduzem o conhecimento, à uma porção de conceitos, que se ramificam no tecido social, ganhando legitimidade e plausibilidade. A ciência pode avançar, ir além, e explorar horizontes inimagináveis até mesmo por Freud ou Marx.

É importante ressaltar que isto é possível, e que a justiça ou igualdade social, será apenas possível quando estivermos ciente, da nossa condição enquanto homens, que sendo defeituosos por natureza ou “homens doentes” (NIETZSCHE, 2004) temos a condição e possibilidade de transformação, é óbvio, que dentro de suas limitações. Se poderemos ou não, ir em direção a uma sociedade igualitária, é uma questão que não foi respondida ainda, e que merece estudos, sobre, o do por que, tendo conhecimento, tecnologia, ainda existe pobreza, e vivemos numa circularidade banal de desprazer e prazer.

Material e vontade não me carece para seguir adiante nesta aventura intelectual, se terei tempo para responder as minhas indagações, só os batimentos cardíacos de meu coração podem me resguardar, pois a vida é determinada por condições fisiológicas e psicológicas, que ultrapassam a minha própria vontade de continuar sendo. Uma coisa que me deixa contente, é a possibilidade de poder pensar, e ter essa capacidade fenomenal de analisar, e observar a realidade e logo em seguida descrever, conectar, produzir relações, é incrível esse processo de “pensamento”, que nos foi legado. É um consolo saber que é possível ser objetivo, sem ser neutro, e ao mesmo tempo, ajudar algumas pessoas dentro do possível e cabível, sem retirar a liberdade e muito menos, diluir em minhas expectativas ou projeções. No fim das contas, nós, temos o necessário para produzir o conhecimento. O resto… nada mais é, do que mera covardia. E Nietzsche falou:

Nós, aeronautas do espírito! — Todos esses ousados pássaros que voam para longe, para bem longe — é claro! em algum lugar não poderão mais prosseguir e pousarão num mastro ou num recife — e ainda estarão agradecidos por essa mísera acomodação! Mas quem poderia concluir que à sua frente não há mais uma imensa via livre, que voaram tão longe quanto é possível voar? Todos os nossos grandes mestres e precursores pararam, afinal, e não é com o gesto mais nobre e elegante que a fadiga se detém: assim também será comigo e com você! Mas que importa a mim e a você! Outros pássaros voarão adiante! Esta nossa idéia e crença porfia em voar com eles para o alto e para longe, sobe diretamente acima de nossa cabeça e de sua impotência, às alturas de onde olha na distância e vê bandos de pássaros bem mais poderosos do que somos, que ambicionarão as lonjuras que ambicionávamos, onde tudo é ainda mar, mar e mar! — E para onde queremos ir, então? Queremos transpor o mar? Para onde nos arrasta essa poderosa avidez, que para nós vale mais que qualquer outro desejo? Por que justamente nessa direção, para ali onde até hoje todos os sóis da humanidade se puseram, desapareceram? Dirão as pessoas, algum dia, que também nós, rumando para o Ocidente, esperávamos alcançar as Índias — mas que nosso destino era naufragar no infinito? Ou então, meus irmãos? Ou? (Nietzsche, 2004, p. 214)

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[1] Estudante do 5 ano de Psicologia UNIP

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Alan Ferreira dos Santos

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