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A psicanálise e a pandemia da Covid-19: uma perspectiva crítica

RC: 152933
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/psicanalise-e-a-pandemia

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

CAMPANA, Cléo Correia [1],

CAMPANA, Cléo Correia. A psicanálise e a pandemia da Covid-19: uma perspectiva crítica. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 09, Ed. 05, Vol. 02, pp. 05-22. Maio de 2024. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/psicanalise-e-a-pandemia, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/psicanalise-e-a-pandemia

RESUMO

A pandemia da COVID-19, declarada pela OMS em março de 2020, desencadeou uma série de transformações globais, levando à necessidade de compreender os impactos pós-pandêmicos nas subjetividades humanas. Este estudo adota uma abordagem psicanalítica, destacando contribuições de Winnicott, Freud e Birman, para analisar as respostas sociais durante a crise, explorando aspectos como a redução do contato presencial, o luto, o adoecimento e as repercussões psicossociais, gerando um desamparo psíquico, caracterizado como trauma, resultando em medo e incertezas. A psicanálise se adaptou à conjuntura, enfatizando a importância de compreender perspectivas subjetivas e psíquicas. A adaptação da técnica psicanalítica durante a pandemia exigiu flexibilidade e cuidado ético, possibilitando o acolhimento do sofrimento, incertezas e luto. A pesquisa buscou conexões entre os conceitos psicanalíticos e as respostas psicológicas emergentes, destacando a sensibilidade das teorias psicanalíticas para compreender as dinâmicas emocionais contemporâneas. Por fim, o estudo reforça a importância da psicanálise como ferramenta crítica na compreensão das transformações psicossociais durante a pandemia. A flexibilidade da técnica psicanalítica, evidenciada por autores contemporâneos, permitiu o enfrentamento das demandas únicas do contexto atual, demonstrando a vitalidade e adaptabilidade dessa abordagem em meio a crises.

Palavras-chave: Psicanálise, Pandemia, Contemporaneidade, Freud.

1. INTRODUÇÃO

O ano de 2020 foi, lamentavelmente, um período marcado por vivências difíceis. No mês de março do ano citado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou estado de pandemia, considerando os altos índices de casos confirmados da nova doença, o coronavírus, que ainda em 18 de março de 2020, datava 214 mil casos confirmados em todo o mundo.

Os primeiros indícios do novo vírus, que causou grandes impactos na contemporaneidade, ocorreram na cidade de Wuhan, na China, em dezembro de 2019. Os casos, que até então eram locais, rapidamente, se propagaram a níveis continentais, devido a um fator contemporâneo importante: a globalização, que intensifica os tráfegos humanos por todo o globo (Guimarães Júnior et al., 2022).

Nomeado SARS-CoV-2, o novo vírus provoca uma síndrome respiratória aguda grave, que pode levar à morte, e que é potencializada em casos em que o paciente faz parte de algum grupo social considerado de risco, como pessoas idosas ou com comorbidades.

Pesquisas que visam explorar os desdobramentos de períodos críticos para a humanidade são fundamentais e contribuem para a ciência. Neste contexto, o cenário pós pandêmico contribuiu para o desenrolar de desafios que impulsionaram velozes transformações que ocorreram em nível global e acarretaram na necessidade de adaptações de padrões cotidianos da população em diferentes camadas sociais. Assim, o presente trabalho emergiu justamente da necessidade de ampliar o entendimento acerca dessas vivências e experiências, frutos do impacto avassalador da pandemia, ressaltando que os debates devem incluir, para além dos aspectos puramente sanitários, os psicossociais.

Dentro desse escopo, o presente estudo visou aprofundar a compreensão das implicações decorrentes do contexto recente, incluindo experiências pessoais e coletivas, que atravessam as dinâmicas socioculturais. Para compreender como a psicanálise se posicionou a partir dessa conjuntura, utilizou-se referências de obras psicanalíticas clássicas, relacionando-as com debates atuais que discorrem sobre as dimensões subjetivas da experiência humana.

Para tal, foi realizada uma revisão da literatura a fim de pesquisar e revisar obras, estudos e análises que se aproximem do tema. Se utilizou de um pilar teórico baseado em teorias de abordagens psicanalíticas a fim de relacionar registros de obras clássicas e trabalhos atuais, pretendendo assimilar de que modo os indivíduos puderam se adaptar ao período pandêmico, ou seja, aspirando conceber as respostas sociais para o enfrentamento desse momento histórico.

Assim, serão levados em conta fatores como a drástica redução do contato presencial entre os pares, o luto e os aspectos do adoecimento, para que seja possível promover reflexões e críticas que complementam o assunto explorado na pesquisa, examinando quais foram os modos de enfrentamentos sociais praticados pelos sujeitos meio ao novo, desconhecido e amedrontoso ambiente de crise sanitária, que atravessou, não somente, os diversos grupos sociais, senão os indivíduos de modo pessoal e subjetivo.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 ELEMENTOS PSICANALÍTICOS FUNDAMENTAIS

Donald Winnicott, renomado pediatra e psicanalista inglês, concentra sua abordagem nos estágios iniciais da vida do bebê, destacando o processo contínuo de integração que culmina em seu desenvolvimento individual. Winnicott dedica-se minuciosamente a descrever o amadurecimento emocional da criança, considerando essa teoria como a “espinha dorsal” de sua obra (Winnicott, 1983). O autor enfatiza que esse processo está intrinsecamente ligado a um ambiente facilitador, abordando que é essa dinâmica que proporcionará à criança a oportunidade de realizar seu potencial.

O pai da psicanálise, no entanto, se propõe a discutir outros aspectos da psique humana, Freud, com suas obras, revoluciona a compreensão da mente humana e tiveram um impacto significativo na psicologia clínica, na teoria da personalidade e na interpretação de fenômenos culturais, explorando as tensões entre as pulsões individuais e as demandas da sociedade, examinando as fontes do desconforto psicológico e sugerindo que a civilização impõe restrições ao indivíduo, gerando um “mal-estar” intrínseco à condição humana (Freud, 2010).

Em 1923, o autor desenvolveu suas ideias sobre a estrutura da mente, introduzindo os conceitos do id, ego e superego e explora a dinâmica entre essas instâncias psíquicas e sua influência no comportamento humano, abordando as origens da angústia psíquica e suas interações com os mecanismos de defesa do ego (Freud, 1996).

Ainda em meio psicanalista, o brasileiro Birman aborda questões contemporâneas contribuindo para discussões sobre a subjetividade em contextos específicos, questionando como as mudanças rápidas e intensas na sociedade contemporânea afetam a subjetividade individual e coletiva (Birman, 2004). O psiquiatra especificamente a pandemia do coronavírus, em seu livro O trauma na pandemia do Coronavírus: suas dimensões políticas, sociais, econômicas, ecológicas, culturais, éticas (Birman, 2021) abordando o impacto do trauma na pandemia de COVID-19 em várias dimensões da vida, problematizando o cenário pandêmico.

2.2 AS VIVÊNCIAS DA PANDEMIA PELA ÓTICA PSICANALÍTICA

Ponderar os efeitos de uma crise a partir de estudos científicos é de extrema importância, afinal, a partir do entendimento desses contextos se torna possível dispor de inúmeros saberes. O presente tópico, portanto, pretendeu discorrer sobre a adaptação à crise sanitária da Covid-19, assimilando as novas formas de ser e estar no mundo que se apresentaram desde o início da pandemia. Para tal objetivo, o embasamento teórico da teoria psicanalítica foi empregado, a fim de direcionar e delimitar a temática (Scorsolini-Comin et al., 2020).

Há incalculáveis desdobramentos consequentes do período pandêmico, alguns destes, certamente, só serão percebidos, elaborados e estudados posteriormente. Contudo, existem alguns importantes e que desde o princípio foram fontes de alerta, como é o caso dos efeitos do isolamento social e do luto, o adoecimento, sofrimento, a compreensão sobre a nova conjuntura e as repercussões psicossociais (Lima, 2020).

As medidas de enfrentamento à pandemia foram tomadas de modo emergencial, após o Diário Oficial da União (DOU) ter publicado um decreto no qual o Senado Federal reconheceu o estado de calamidade pública no Brasil, no mês de março do ano de 2020. Assim, a população teve de seguir as medidas de enfrentamento de maneira apressada, com pouco tempo para assimilar as circunstâncias.

O panorama mundial precisou mudar bruscamente. As atividades cotidianas foram substituídas por modelos remotos, e apenas o essencial era feito fora de casa. Os sujeitos, crianças, jovens, adultos e idosos, precisam dar conta, ainda, em meio a este caos, de manter seus laços e vínculos afetivos a distância, para respeitar a quarentena imposta pelo Estado (Lima, 2020).

A internet, nesse sentido, contribuiu para a manutenção dessas atividades, entretanto, é necessário ressaltar que o acesso a este recurso já era desigual antes da pandemia que, como uma de suas consequências, intensificou essa problemática, afinal a crise sanitária acarretou uma crise econômica (Calderan e Calderan, 2021).

A pandemia provocou uma descontinuidade no modo como, de maneira geral, a população lidava com as atividades diárias. Dessa maneira, é imprescindível discorrer sobre as contribuições da psicanálise acerca deste marco histórico, contribuindo para reflexões de ótica psicanalítica sobre as vivências durante a pandemia da Covid-19.

O psicanalista Birman (2021), autor do livro “O trauma na pandemia do Coronavírus: suas dimensões políticas, sociais, econômicas, ecológicas, culturais, éticas e científicas” discorreu sobre a temática, apontando alguns reflexos da pandemia na saúde mental, indicando que o período caótico de crise sanitária compreende uma catástrofe, apontando que a vivência humana foi baseada, durante a pandemia, por um desamparo psíquico dos sujeitos, que carregou o medo de um inimigo invisível, o vírus.

Sem saber com que contar, o cidadão comum se sente entregue ao acaso e ao indeterminado. A isso, se acresce o fato de que a experiência psíquica do sujeito na pandemia é caracterizada primordialmente pelo trauma, uma vez que o sujeito não pode reconhecer e realizar de fato a antecipação do perigo (Birman, 2021, p. 139).

Os sintomas desse cenário seguem sendo sentidos pelos indivíduos contemporâneos. Dessa maneira, é de grande importância compreender qual foi o papel da psicanálise perante a essas manifestações. As elaborações das experiências são um caminho para o enfrentamento, por isso, assim como a população precisou adaptar-se, os trabalhos clínicos psicanalíticos também precisaram adequar-se à conjuntura da Covid-19 (Saddi, 2020).

Carneiro et al. (2020) e Capoulade e Pereira (2020) apontam exatamente essa possibilidade, durante a pandemia, de continuidade do processo psicanalítico por intermédio de sessões realizadas de modo online. Condição essa desconsiderada, quase que absolutamente, em contexto pré-pandêmico.

O Conselho Federal de Psicologia (CFP), no ano de 2018, já havia publicado a Resolução CFP nº 11/2018 ampliando as possibilidades de consultas e atendimentos psicológicos online, mediados por tecnologias de informação, desde que o profissional esteja amparado pelas normas, legislações e pela ética profissional.

O profissional Psicólogo que deseja atuar remotamente, portanto, precisa estar cadastrado em um Conselho Regional de Psicologia (CRP) e, após isto, registrar-se no e-Psi, plataforma online que lista os profissionais que estão autorizados a prestarem múltiplas modalidades de serviço, as quais abrangem a Psicologia.

Contudo, mesmo com este recurso já disponível no cenário pré-pandêmico, pouco se utilizava o meio tecnológico nesta área. Foi a partir da instalação da crise sanitária, em março do ano de 2020, que a área da Psicologia inclinou-se, de fato, a essa modalidade de atendimento. Justamente com o objetivo de colaborar com a promoção da saúde durante a pandemia, o CFP, por meio da Resolução nº 4/2020, regulamentou a prestação de serviços, dos profissionais da área, por meio das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), que muito contribuíram para uma época regida pelo distanciamento social.

Vale ressaltar, todavia, que esse percurso do presencial para o remoto, durante a disseminação do coronavírus, não aconteceu de maneira ensaiada. Sem aviso prévio, e repentinamente, se deu o trânsito do presencial para o remoto. Inegavelmente, houveram perdas. Muitos pacientes, devido a desigualdade social, não puderam dar sequência a análise, por diversos motivos, dentre eles, a falta de um ambiente adequado, questões financeiras, dificuldade no acesso a internet e, até mesmo, distância geracional (Saddi, 2020).

O trabalho remoto exercido por psicanalistas em seus novos settings terapêuticos, em contrapartida, em muitas conjunturas, acolheu, a partir de uma escuta qualificada, o sofrimento, as dores, incertezas, o luto, a instabilidade e tantos outros sintomas expressos pelos sujeitos e suas subjetividades durante um período de tantas instabilidades, como foi o da pandemia. Ampliando, portanto, as possibilidades de acolhimento da psicologia, e para Rocha, Corrêa e Araújo (2022) “Seguimos sendo analistas e os analisandos sendo pacientes”, dada as devidas adaptações que ambos necessitam realizar.

Correia et al., (2023), discorrendo sobre o período da pandemia, afirma que quando não cuidadas, as questões psíquicas podem proporcionar um espaço potencial para o sofrimento e dor; sendo assim, para os autores “viabilizar espaços de cuidado com a saúde mental das pessoas é imprescindível” (p. 11). Nesse sentido, o atendimento psicológico online, durante a Covid-19, possibilitou que os analisandos pudessem, em sua maioria, usufruir do espaço potencial da análise para elaborar o imprevisível, suas incertezas, dores, angústias e medos.

As mudanças envolvendo a prática clínica psicanalítica durante o período da pandemia da Covid-19 apontam para a demanda da psicologia exercer um papel flexível e adaptável perante a necessidade de um coletivo repleto de múltiplas subjetividades enfrentando adversidades em comum. Sendo, portanto, indispensável o cuidado com a saúde mental, sobretudo, em circunstâncias adversas, como foi o caso da pandemia.

Isto traz à psicanálise, dentre tantas experiências, uma elasticidade sobre suas práticas, tendo em conta que essas vivências imprevisíveis também constituem o que há de se esperar em práticas clínicas: a imprevisibilidade. Afinal, cada sujeito é único, múltiplo e subjetivo, e as obras clássicas, sem dúvidas, enriquecem os saberes, todavia, é a prática é imponderável, e seguirá sendo, imponderável.

3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Para a construção deste trabalho foi fundamental realizar buscas de artigos que compreendessem temáticas como contemporaneidade, pandemia e psicanálise, tendo em conta que foi a partir dessa delimitação que foi possível realizar uma pesquisa mais assertiva e focada no tema principal, que é tecer uma análise crítica sobre o contexto da pandemia da Covid-19 a partir do viés psicanalítico.

Foi indispensável considerar obras clássicas da psicanálise, de autores referências nessa abordagem, como Freud, conhecido como pai da psicanálise, e também de Winnicott. Ambos imprescindíveis quando se trata de teoria psicanalítica. Suas obras, apesar de muito tradicionais, conseguem ser contemporâneas e aplicadas, facilmente, a aspectos da atualidade.

Nos clássicos winnicottianos, o autor, que enfoca sua teoria na discussão sobre o processo de amadurecimento emocional (Winnicott, 1983), ressalta a importância de um ambiente facilitador, com condições favoráveis, para o adequado seguimento do desenvolvimento emocional. Este fato nos leva a questionar sobre o ambiente confuso, inadequado e instável vivido durante a crise do coronavírus, e o quanto esse cenário inconsistente, descontrolado e incerto pode ter influenciado a psique humana.

A psicanálise freudiana, por sua vez, traz contribuições sobre a organização da psique humana (Freud, 1923), incluindo mecanismos de defesa e repressão, além de abordar sintomas tão sentidos recentemente, como angústia (Freud, 1996) e luto (Carone; Freud, 2016). Sendo, dessa maneira, possível associá-los ao acontecimento histórico que atravessou e segue influenciando as experiências socioculturais nos últimos anos: o coronavírus. Assim, pôde-se levantar o questionamento sobre como esses mecanismos serviram como respostas individuais e/ou coletivas à crise, oferecendo certa sustentação para a elaboração das vivências humanas.

Demais áreas, como a educação (Dias, 2021) e economia (Silber, 2020), propõem lentes para examinar outras dimensões da pandemia, explorando distintos aspectos da crise. Contudo, este artigo priorizou referências psicanalíticas, que abordassem a saúde mental, incluindo, também, fontes atuais, como foi o caso do autor Birman.

Birman, psiquiatra, professor e pesquisador brasileiro, é um escritor contemporâneo, que discorre acerca de inúmeras críticas envolvendo os indivíduos, saúde e psicanálise, e justamente por abordar temas tão importantes e atuais, seus escritos foram fundamentais para a construção do presente estudo, tendo em conta que abordam a pandemia por múltiplos aspectos, tecendo recortes sociais e ponderações dignas de muitos potenciais debates construtivos para a ciência.

Em seu livro “O Trauma na Pandemia do Coronavírus – Suas Dimensões

Políticas, Sociais, Econômicas, Ecológicas, Culturais, Éticas e Científicas” (Birman, 2021), o autor evidenciou a angústia proveniente da catástrofe de um contexto de pandemia e o aparecimento ou aumento de alguns sintomas que já permeavam a população e que foram atenuados durante a Covid-19, como a ansiedade, medo, luto, e os efeitos do isolamento social.

Todavia, por se tratar de um tema tão recente, apesar de encontrar certa variedade de artigos, muitos tratavam de contornos os quais não foram possíveis abranger neste artigo. Portanto, a necessidade de que outros autores possam continuar tratando dessa temática de maneira qualitativa, como o caso deste trabalho, e também de forma quantitativa, apresentando pesquisas e seus dados e resultados.

4. METODOLOGIA

Para realização desta pesquisa, de caráter qualitativo, realizou-se o levantamento bibliográfico de referenciais teóricos em plataformas digitais, como Scielo e Google Acadêmico, buscando por artigos que tratassem de assuntos relacionados à pandemia, psicanálise e saúde mental. E também de clássicos da psicanálise, que foram utilizados como base para a construção dessa discussão.

Após o levantamento das bibliografias, buscou-se subtrair as que, por alguns motivos, não condiziam com a demanda dessa pesquisa como, por exemplo, artigos que fazem recortes sociais muito específicos, que não foram abordados neste trabalho. Dando sequência à leituras que atendiam os parâmetros traçados.

Foram exploradas fontes de literatura psicanalítica relacionadas ao desenvolvimento emocional e condições ambientais, em que explorou-se as obras do pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott. Essa escolha se justifica pela sua abordagem única sobre o ambiente facilitador e seu impacto no desenvolvimento emocional, tornando-se fundamental para analisar as dinâmicas psicológicas em tempos de pandemia.

Posteriormente, as obras freudianas, como “O mal-estar na civilização” (Freud, 2010), foram exploradas, oferecendo contribuições sobre a relação do indivíduo com o meio, destacando as tensões subjacentes a essa relação.

Os ensaios de Birman, igualmente, foram fundamentais para a compreensão da existência de múltiplas subjetividades e suas relações com o mundo contemporâneo, como o autor trouxe em Excessos e Rupturas de Sentido na Sociedade Hipermoderna (Birman, 2004).

Além disso, a análise de Ferenczi em Elasticidade da técnica psicanalítica (Ferenczi, 1992) mostrou-se amplamente atual, podendo contribuir para os novos modelos de análise advindos da conjuntura da pandemia, que exigiu flexibilidade dos analistas para adaptarem a análise aos novos moldes da sociedade contemporânea frente a novas necessidades e demandas impostas pela pandemia.

A análise crítica das referências focou-se em identificar conexões entre os conceitos psicanalíticos apresentados e as situações emergentes no contexto pandêmico. Isso incluiu uma investigação das contribuições de cada autor para compreender as dinâmicas emocionais contemporâneas.

Todavia, embora tenha sido abordado diversos recortes sociais, alguns aspectos podem não ter sido explorados integralmente, devido aos abrangentes contornos sociais.

A metodologia adotada visou fomentar uma discussão crítica, incentivando o desenvolvimento contínuo da aplicação da psicanálise em distintos contextos, oferecendo uma base sólida para a análise dos artigos revisados.

5. ANÁLISE DOS RESULTADOS

A partir do levantamento bibliográfico, encontrou-se 63 publicações, das quais excluiu-se aquelas que não atendiam integralmente os parâmetros para serem integradas à pesquisa. Em sequência, realizou-se a leitura de 31 publicações, das quais 17 foram utilizadas como referência deste trabalho. A seguir, na Tabela 1, seguem as publicações divididas em 3 seções, agrupadas de acordo com as temáticas.

Tabela 1 – publicações, autores e ano

Tema Autor Ano
Clássicos psicanalíticos FREUD;

FREUD;

FREUD;

CARONE; FREUD;

WINNICOTT;

KLEIN;

2010;

1990;

1996;

2010;

1983;

1975;

Debatesatuais sobre pandemia da Covid-19 a CARNEIRO;

CAPOULADE; PEREIRA;

OPAS/OMS;

SCORSOLINI-COMIN et al.;

LIMA;

SADDI; SILBER.

BIRMAN;

CALDERAN; CALDERAN;

DIAS;

GUIMARÃES JÚNIOR et al.;

2020;

2020;

2020;

2020;

2020;

2020; 2020. 2021;

2021;

2021;

2022.

Discussões complementares BERLINCK;

LAUB & AUERHAHN; BIRMAN.

1999; 1993.

Fonte: Autoria própria, 2024.

As tradicionais obras psicanalíticas de Freud, Winnicott e Klein são arcabouços teóricos clássicos da psicanálise e desempenham papel fundamental para compreensão da subjetividade e psique humana. Os escritos desses autores transcendem barreiras temporais e adequam-se às vivências contemporâneas e suas demandas atuais, como é o caso da pandemia da Covid-19. Winnicott (1983) com suas contribuições acerca do ambiente facilitador e formação do self e Freud (1990) e Klein (1975) com seus escritos sobre a organização da psique humana e mecanismos de defesa, ofereceram perspectivas valiosas para compreender as elaborações dos sujeitos perante ao luto, medo, ansiedade, e demais sintomas. Desse modo, os ensaios desses autores contribuíram sobremaneira para construção desta pesquisa, tendo em vista que oferecem e sustentam discussões referentes à saúde mental dos indivíduos, sendo possível associá-las ao contexto da pandemia do coronavírus e suas implicações.

Todavia, foi fundamental considerar debates atuais acerca da pandemia, em especial, aqueles que discorrem sobre a saúde mental. As publicações selecionadas para compor essa pesquisa articulam-se com os clássicos psicanalíticos tendo em conta que também discutem os efeitos do isolamento social a partir de um viés psicanalítico. Sendo assim, combinadas com teorias tradicionais, desempenharam papel fundamental para compreensão dos impactos psicológicos em diferentes âmbitos. Birman (2021), por exemplo, discute a noção de trauma/experiência traumática, enquanto Lima (2020) aborda os impactos do isolamento social na saúde mental. Essas e demais contribuições fomentam as limitações e potencialidades da psicanálise como prática profissional.

Assim, outras discussões também complementaram essa pesquisa, contribuindo para compreensões acerca de subjetividades, sociedade e saúde mental, integrando noções que enriquecem análises críticas, como está. Por fim, é importante ressaltar que a psicanálise foi uma ferramenta valiosa para compreender as complexidades psicológicas durante a pandemia. A adaptação da terapia online e a flexibilidade das abordagens psicanalíticas mostram-se cruciais para atender às demandas da sociedade em um contexto de rápidas transformações.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo propôs uma análise crítica da relação entre a psicanálise e a pandemia da COVID-19, explorando como as teorias psicanalíticas podem contribuir para a compreensão das respostas psicológicas diante de um cenário de crise global. O ano de 2020 foi marcado por uma transformação abrupta na dinâmica mundial, com a disseminação do coronavírus, que exigiu respostas rápidas e adaptativas por parte da sociedade.

A pandemia impôs mudanças significativas na forma como os indivíduos vivenciam e enfrentam as adversidades, influenciando diretamente as subjetividades. A análise aprofundada das contribuições de teóricos como Donald Winnicott, Sigmund Freud, e autores contemporâneos como Birman, permitiu-nos compreender a complexidade das experiências vividas durante esse período histórico.

A abordagem de Winnicott (1983) sobre a importância do ambiente facilitador no desenvolvimento emocional destacou-se como um alicerce teórico valioso para analisar as respostas adaptativas dos sujeitos durante a pandemia. Ao considerar a interação entre os indivíduos e seu contexto, percebemos como a crise sanitária afetou não apenas a saúde física, mas também o equilíbrio emocional e a construção de relações afetivas.

Freud, por sua vez, proporcionou insights cruciais sobre as dinâmicas psíquicas, abordando a tensão entre as demandas individuais e as imposições sociais. As estruturas da mente, como o id, ego e superego, ofereceram um arcabouço para compreender as origens da angústia psíquica e os mecanismos de defesa adotados pelos sujeitos diante das incertezas geradas pela pandemia.

A contribuição contemporânea de Birman (2021), especialmente em seu livro “O trauma na pandemia do Coronavírus: suas dimensões políticas, sociais, econômicas, ecológicas, culturais, éticas e científicas” permitiu-nos explorar as dimensões políticas, sociais, econômicas, ecológicas, culturais, éticas e científicas do impacto da pandemia na saúde mental. A ênfase no trauma como componente central da experiência pandêmica ressalta a necessidade de compreender e lidar com as consequências psicológicas desse período desafiador.

A adaptação da prática psicanalítica para o formato online, conforme discutido por diversos autores, evidencia a flexibilidade necessária para atender às demandas da sociedade contemporânea. A transição do presencial para o remoto não foi isenta de desafios, mas as possibilidades de continuidade do processo psicanalítico online ampliaram as opções de acolhimento em um momento de distanciamento social.

A análise crítica da literatura psicanalítica no contexto da pandemia buscou não apenas compreender os impactos psicológicos, mas também refletir sobre o papel adaptativo da psicanálise diante das transformações sociais. O diálogo entre as obras clássicas e as discussões contemporâneas permitiu-nos vislumbrar a relevância contínua da psicanálise na compreensão das complexidades da experiência humana.

Dessa forma, a psicanálise emerge como uma ferramenta valiosa para análise das respostas individuais e coletivas diante da pandemia, oferecendo subsídios para a compreensão das subjetividades contemporâneas. As considerações finais destacam a importância de continuar explorando as possibilidades e desafios da aplicação da psicanálise em contextos pandêmicos, promovendo uma abordagem crítica e adaptativa para enfrentar as demandas em constante evolução da sociedade.

REFERÊNCIAS

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BIRMAN, J. Excesso e ruptura de sentido na subjetividade hipermoderna. Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 17, p. 175-195, 2004.

BIRMAN, J. O trauma na pandemia do Coronavírus: suas dimensões políticas, sociais, econômicas, ecológicas, culturais, éticas e científicas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.

CALDERAN, A.; CALDERAN, A. M. Educação em tempos de pandemia: a (in)visibilidade da infância na realização do ensino remoto na educação infantil. Revista Ipê Roxo – Jardim/MS, v. 2, n. 2, p. 1-15, 2021. Disponível em: <https://periodicosonline.uems.br/index.php/iperoxo/article/view/5445/4023>. Acesso em: 21 jul. 2023.

CAPOULADE, F., & PEREIRA, M. E. C. (2020). Desafios colocados para a clínica psicanalítica (e seu futuro) no contexto da pandemia de COVID-19: Reflexões a partir de uma experiência clínica. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 23(3), 534-548.

CARNEIRO, E. M. et al. Potência e desafios: clínica psicanalítica online na saúde pública em pandemia. Rev. bras. psicanál, São Paulo, v. 54, n. 4, p. 210- 228, dez. 2020. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0486-641X2020000 400016&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 28 jul. 2023.

CARONE, M.; FREUD, S. 1985: luto e melancolia. Jornal de Psicanálise, São Paulo, v. 49, n. 90, p. 207-224, jun. 2016. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-58352016000 100016&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 18 jan. 2024.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução n° 11, de maio de 2018. Regulamenta a prestação de serviços psicológicos realizados por meios de tecnologias da informação e da comunicação e revoga a Resolução CFP N.º 11/2012. Disponível em: <https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/05/RESOLU%C3%87%C3%83ON%C2%BA11-DE-11-DE-MAIO-DE-2018.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2023.

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NOTA

A autora utilizou a IA Chat GPT (versão não identificada na plataforma) para correção gramatical de todo o escrito, incluindo a tabela presente no corpo do texto. No entanto, todas as buscas pelos conteúdos, classificação da qualidade dos artigos foram realizadas de maneira autoral.

[1] Pós-graduada em Teoria Psicanalítica e Psicologia Organizacional e do Trabalho – Lato sensu pela UNIBF; Graduada em Psicologia pela UFRRJ. ORCID: 0009-0002-5669-3996.

Material recebido: 26 de dezembro de 2023.

Material aprovado pelos pares: 25 de janeiro de 2024.

Material editado aprovado pelos autores: 20 de maio de 2024.

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Cléo Correia Campana

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