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Tradução no ensino de idioma: Reflexões no campo da Pedagogia

RC: 22018
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

LEAL, Luis Carlos Binotto [1], MARTIN, Fabiana [2]

LEAL, Luis Carlos Binotto. MARTIN, Fabiana. Tradução no ensino de idioma: Reflexões no campo da Pedagogia. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 10, Vol. 07, pp. 132-148 Outubro de 2018. ISSN:2448-0959

RESUMO

Este artigo procura reunir argumentações e reflexões relativas ao uso da tradução no ensino de idiomas objetivando uma mais apurada compreensão na relação entre essas áreas. A tradução, como disciplina, nos dias atuais, antagonizando com um passado inexistente no qual a própria tradução desenvolveu-se de forma tortuosa, limitada e precária, possui nesse momento sua própria nomenclatura, a Tradução Pedagógica. Sua nova realidade no mundo educacional requer não somente uma melhor definição, mas igualmente um estudo mais aprofundado do termo Tradução Pedagógica. O objetivo desse artigo é oferecer uma contribuição do termo citado e a maneira pela qual pode ser compreendida pelos estudiosos da área e dentro de seus limites oferecer conteúdo ao campo da formação de tradutores.

Palavras-chave: Tradução Pedagógica, Ensino de Idiomas, Tradução

INTRODUÇÃO

Podemos iniciar nossas considerações, abordando a tradução pedagógica como uma ferramente didática na tradução vinculada ao ensino. Para alcançarmos um maior aprofundamento no entendimento dessa concepção, tendo essa visão como objetivo, apresentaremos reflexões sobre a tradução permeada pelas seguintes questões: O que tenciona significar tradução pedagógica? Quais contribuições podem ser consideradas como específicas para o ensino de línguas estrangeiras e poderiam ser contempladas nesse contexto? Quão útil poderiam vir a ser esses recursos no uso de metodologias com finalidades comunicativas?

Com essas reflexões, acreditamos poder contribuir na reflexão linguística no aspecto das metodologias desenvolvidas e auxiliar numa visão construtivista dos conceitos tradutórios, quando diretamente relacionada ao ensino de línguas estrangeiras.

DESENVOLVIMENTO

A HISTÓRIA DA TRADUÇÃO ESCRITA

Diferentemente do acontecido com a tradução oral, a tradução escrita, desde o início, enfrentou, enormes obstáculos ao seu desenvolvimento como profissão, os quais entre os inúmeros, se evidencia a quase completa ausência de demanda.

Até quase a segunda metade do século XX, a traduçáo escrita teve predominantemente o caráter de exercício acadêmico ou prazeroso e não mais do que de ocupação temporária para as elites intelectualizadas.

Fortemente concorreram para formar tal situação, além da consolidação tardia do português como língua nacional (1823), as políticas aplicadas no Brasil pela metrópole portuguesa, com relação à educação e à imprensa, sendo muito provável que nos primeiros cinquenta anos, após o descobrimento do Brasil, “os rudes colonos que demandavam a nova colônia estivessem muito mais interessados em formar lavouras e cortar pau-brasil do que em ler e estudar” (WYLER, L, 2003).

Por outro lado, também é fato que nunca se aprendeu informalmente tantas línguas e tantos costumes novos em tão curto espaço temporal. Escolas e livros desembarcaram no Brasil a partir de 1549 com a instalação do governo geral e das casas franciscanas, carmelitas, beneditinas e principalmente jesuítas, mas se distribuíram por pontos previamente selecionados do território, visando a uma clientela específica, criteriosamente seleta de acordo com os interesses portugueses. Tal seletividade encontra-se claramente definida no ato no qual Dom João III instaurou a educação no Brasil, ou seja, delegando aos jesuítas o monopólio do ensino e da catequese nas novas colônias, o El-rei concedeu-lhes apenas um simples recurso, a título de missões, e dessa forma, eximindo-se do ônus jurídico de ensinar a todos indiscriminadamente, visto que as missões destinavam-se apenas a formação de futuros sacerdotes para a catequese da nova terra.

Desta forma, Dom João III, sedimentou as bases para dois fenômenos que sobejamente influenciaram no desenvolvimento do Brasil e da tradução: o analfabetismo de massa, não somente com a segregação do negro por ser escravo, mas igualmente do índio, da mulher e do pobre; com a consequente elitização do acesso á colégios e o estrangeiramento do ensino, as com a dupla exposição cultural, a portuguesa (colonizadora) e, por seu intermédio a francesa, que perdurou por mais de três séculos e foi decisiva para formar nossa visão de mundo e, consequentemente, proporcionar nossa visão da tradução, como parte integrante desse mundo.

No século XIX, as traduções sofreram o fenômeno da multiplicação através do teatro e jornais, contornando os inúmeros fatores que peculiarmente trabalhavam no entrave da produção de livros nacionais e traduzidos.

A invenção da impressora e a Primeira Guerra Mundial, aumentando o risco das importações fez o país voltar seu olhar ao autor brasileiro, da mesma forma como fora feito em relação as peças teatrais e para a produção do papel nacional.

Descreve Wyler:

Terminada a guerra, os livreiros voltaram a importar livros, jornais, revistas e traduções editados na Europa. Mas, aos poucos, foram surgindo gráficas combinadas a editoras, a livrarias e a papelarias que procuravam concentra seus investimentos nos ramos mais rentáveis dessas atividades e na impressão de uns poucos livros didáticos de venda garantida. Muitos desses estabelecimentos abriram e fecharam as portas e trocaram de mãos e alguns até conseguiram virar empreendimentos sólidos antes da década de 1930. Uns procuravam respeitar os acordos sobre direitos autorais, pois o Brasil regulara a matéria no Código Penal Brasileiro em 1890, consolidara o direito do autor no Código Civil Brasileiro em 1916 e aderira à Convenção de Berna em 1922. Outros, não hesitavam em contratar escritores multilíngues para adaptar, parafrasear e traduzir, ou seja, piratear, textos já publicados na Europa e nas Américas do Norte e do Sul (WYLLER, 2003, p. 105).

Em 1930, por fim, chegaria a oportunidade do surgimento da tradução legal no Brasil, com a presidência de Getulio Vargas capitaneando uma revolução nacionalista que propunha substituir importações e industrializar o país. Por meio dessa iniciativa, a Era Vargas, destacou-se obteve papel de destaque no campo das traduções, surgidas através de normatizações trabalhistas, editoras, gráficas, o sistema educacional em seu todo e também a traduções, bem como a sua qualidade e o universo dos tradutores.

Traduzia-se, portanto, muitas obras de ficção e muitas obras técnicas, para atender plenamente as necessidades de entretenimento e aprendizado do público brasileiro. Com isso crescia o número de tradutores no mercado, embora a maioria não tivesse consciência de sua importância para as editoras e a difusão do conhecimento estrangeiro em nosso país. Houve, no entanto, tradutores que perceberam a importância do instrumento que tinham em mãos, e o usaram com habilidade para divulgar criticas ao governo ou fazer propaganda do seu partido político. (WYLLER, 2003, p. 110)

Sob uma perspectiva histórica-mundial, o desaparecimento do Império Romano proporcionou a base para um fenômeno; a transformação do latim em uma língua franca e de acesso à cultura. O ensino do latim ocorria na forma de memorização de listas de palavras, estudo da gramática e traduções de obras literárias. A língua era adquirida com o intuito de leitura de obras religiosas principalmente e, obras literárias.

Entretanto, deve-se atentar que no período da Idade Média, o estudo de latim se manteve forte, pois estava diretamente relacionada ao status social. O estudo da gramática latina era uma forma de manter a língua viva e “pura” da influência das línguas vernáculas. No período denominado como Idade da Razão”, compreendido entre os séculos XVII e XIX, o desenvolvimento da gramática de Port Royal e os estudos comparativos de línguas favoreceram a consolidação do Método Gramática Tradução (MGT).

Só a partir desse momento, temos o conhecido método que se caracterizava por ser uma simplificação do ensino anterior, já que agora era necessária a adequação ao contexto escolar.

ENSINO E TRADUÇÃO

Á época as chamadas línguas vulgares iniciaram o movimento do ocupação de espaços que anteriormente ¨pertenciam única e exclusivamente¨ ás línguas clássicas, propiciando o aparecimento dos primeiros manuais de ensino como fonte de auxílio ao professor em sua tarefa de ensinar; basicamente, o ensino era entendido como a explicação da gramática, lista de vocabulários e a tradução de frases não naturais.

Apresentar, primeiro, a cada lição, um detalhado conjunto de regras sobre um item gramatical em particular (e.g. os pronomes) por porções de frases a serem traduzidas para a a língua-alvo [i.e. a língua estrangeira] e por uma lista de palavras-equações. Exceto algumas narrativas breves e poemas no apêndice do livro, os aprendizes nunca liam uma única frase na língua estrangeira; eles tinham de formar a língua-alvo sinteticamente a partir das regras edas listas de palavras do livro. (MACHT, 1994 apud SOUZA CORRÊA, 2014. p 69).

Acreditava-se que o bom conhecimento das regras gramaticais de um idioma, seria a forma adequada de suprir com conhecimento suficiente para o pleno desenvolvimento das habilidades dos estudantes. No entanto, esse sistema de ensino era fortemente criticado pelos reformistas, visto que acreditavam que saber uma língua não consistia única e simplesmente no fato de ler e traduzir frases soltas, nem possuir o conhecimento gramatical da língua, mas igualmente se fazia necessário possuir uma competência oral na língua, respaldando assim o surgimento do Método Direto, que objetivava ensinar oralidade.

Pelo método direto, assim compreendido e interpretado, o professor pode preparar o meio adequado e interpretado, o professor pode preparar o meio adequado á curiosidade e aos interesses da criança. Pela tradução e pela gramática ele agirá apenas sobre o raciocínio, sobre a memória, sobre o pensamento lógico, sem o interesse vital do aluno, impróprio ainda nessa idade, á sistematização de conhecimentos que lhe é exigida (LEÃO, 1935, p.33)

Francisco Campos, ministro da educação no período entre novembro de 1930 e setembro de 1932, editou em seu mandato, o Decreto n. 20.833, de 21 de dezembro responsável pela instauração e oficialização do método direto no ensino secundário, extinguindo assim, cargos de professores catedráticos de francês, inglês e alemão, tanto do externato como do internato do colégio Pedro II, colocando dessa forma o ensino nas mãos de professores contratados pelo ministro.

O mesmo decreto detalhou o ensino de línguas vivas, determinando, em seu artigo 1º que o ensino de línguas estrangeiras deveria ser ministrado na própria língua que se almeja ensinar, havendo indicação dos escritores contemporâneos mais recomendáveis a serem lidos. Somente em casos de excepcionalidade o idioma português poderia ser utilizado, como em casos nos quais a necessidade da explicação se fizesse ser necessária ser feita na língua materna.

Gustavo Capanema, ministro da educação e saúde pública a partir de 1934, igualmente produziu uma reforma educacional, dividindo o ensino secundário em dois ciclos; o ginasial (quatro anos) e o secundário (três anos) em 1942. Capanema instituiu, no Brasil, “uma verdadeira consciência do ensino médio e abriu caminho para a equivalência geral de todas as suas modalidades – secundário, normal, militar, comercial, industrial, agrícola – que hoje constitui uma esplêndida realidade” (CHAGAS, 1957, p. 94). No tocante ao ensino das línguas, ficaram estabelecidas como disciplinas obrigatórias o latim, o francês e o inglês, no ginásio; o latim perdeu espaço para o espanhol no curso científico, permanecendo o inglês e o francês; e para o curso clássico, manteve-se o inglês e o francês, juntamente com o latim e o grego.

No que se refere ao método de eleição para o ensino das línguas vivas, definido pelas Instruções presentes no Decreto n. 114, de 29 de janeiro de 1943, continuou sendo o método direto, através de “um ensino pronunciadamente prático”. Ficaram também estabelecidos os objetivos instrumentais (habilidade para ler, escrever, compreender o idioma oral e falar), educativos (contribuindo para a formação da mentalidade, e desenvolvimento de hábitos de observação, bem como reflexão) e, finalmente, culturais, através da valorização do “‘conhecimento da civilização estrangeira’ e ‘a capacidade de compreender tradições e ideais de outros povos, inculcando-lhe noções da própria unidade do espírito humano’” (CHAGAS, 1957, p. 96). Claramente percebe-se que a segunda reforma veio solidificar as alterações propostas na primeira reforma, confirmando o uso do ensino direto, no ensino das línguas vivas.

A mudança do centro dessa visão da época veio a demonstrar que na abordagem comunicativa, a comunicação é o foco preponderante do ensino e diferentemente de outras abordagens nas quais a gramática se colocava como a peça central, na comunicativa, a comunicação deve ser considerada como o objetivo final. A ênfase é postada na produção de significados e o estudante é estimulado tanto a pensar quanto a interagir por meio da língua-alvo. O objeto de estudo é a intenção de comunicar os fatos e não somente as estruturas gramaticais. Igualmente, a tradução pedagógica se preocupa muito mais com a construção de significados pelo estudante, estimulando-o constantemente a criar um processo de integração dos conhecimentos prévios da língua materna com os novos conhecimentos na Língua estrangeira.

O MGT veio a ter sua forma mais bem acabada e difundida através da publicação, em 1840, do manual de inglês de Johannes Fölsing. Este era um meio termo entre os manuais anteriores de Meidinger e Ahn, trazendo tanto a parte de gramática dedutiva, com regras detalhadas, quanto as sentenças para memorização antes dos exercícios de tradução. Esse manual tornou-se um modelo especialmente popular no ensino-aprendizagem de inglês, na segunda metade do século XIX.

Observe-se que a tradição europeia de estudos gramaticais, especialmente a partir da Idade Média, já se utilizava, de forma bastante acentuada, do estudo de sentenças isoladas, artificiais e, por vezes, sem sentido, para análise morfossintática. Essa opção foi feita por dois motivos. Primeiro porque, tecnicamente, o surgimento do conceito de “frase (ou oração) completa” permitia que o estudo gramatical se fizesse longe dos textos, através de sentenças isoladas. Esse conceito aparece, pela primeira vez, no século V, na gramática de um dos mais célebres gramáticos latinos, Prisciano, a qual foi o manual preferido dos bancos escolares europeus por oito séculos. As Instituitiones grammaticae de Prisciano são quase uma tradução para o latim da obra dos gregos Dionísio da Trácia e Apolônio Díscolo. Essa tradução foi possível porque as gramáticas gregas eram de base semântica, e não sintática

Conforme explica Airto Montagner (2004), o motivo pelo qual a contribuição de Prisciano é considerada inovadora é o fato de ele ter sido o primeiro a introduzir nos estudos gramaticais latinos a sintaxe, a qual, a partir daí, uniu-se para sempre à fonética e à morfologia nesses estudos. A constructio é a ordenação das palavras de modo congruente, em conformidade com a organização normativa da língua para formar uma “oração completa” (oratio perfecta).

O resultado final, obrigatoriamente deve ser um todo unitário que produza sentido, de modo que o critério de verificação de uma oração completa é sua inteligibilidade. Nas palavras do próprio latino: “Oratio est ordinatio congrua sententiam perfectam demonstrans (A oração é a combinação congruente das palavras que exprime o sentido completo)” (MONTAGNER, 2004).

Filosófica e religiosamente, entretanto, ao se dedicarem ao estudo de frases artificiais, tornava-se possível aos eruditos medievais afastarem-se de exemplos e da moral dos clássicos de Homero e Vergílio. O estudo gramatical originou-se da necessidade de compreensão e explicação dos textos clássicos, os quais, originalmente, deveriam ser estudados justamente por seus valores para a educação moral dos jovens. No entanto, os estudiosos medievais da linguagem precisavam abandonar a análise dos textos clássicos greco-romanos justamente por tais valores, para eles pagãos e avessos à sua religião cristã. Assim, nasceu um hábito que se tornaria muito comum na tradição dos estudos de línguas. Sentenças eram formuladas desconsiderando-se a naturalidade ou contextualização, puramente por sua estrutura gramatical.

Elizabeth Lavault, em 1985, em sua obra intitulada “Fonctions de la traduction en didactique des langues – Apprendre une langue en apprenant à traduire”, utilizou pela primeira vez o termo ¨tradução pedagógica¨. Para a professora-autora-francesa, o termo “tradução pedagógica” aparece diametralmente em posição oposta ao termo “tradução profissional”, termo esse, segundo ela, possuidor de características e objetivo completamente distintas do termo por ela utilizado. O termo tradução pedagógica, por ela utilizado, tende a representar a tradução direcionada ao ensino, ou seja, a tradução aplicada ao ensino de línguas estrangeiras, enquanto que a tradução profissional seria voltada para o exercício profissional da tradução; direcionada ao ensino da tradução para tradutores em formação.

A tradução pedagógica estaria dividida em dois tipos: tradução explicativa e também exercícios de tradução. O professor ao explicar enunciados com fins metalinguísticos, trabalharia a tradução, enquanto que os exercícios de tradução estariam relacionados à tradução realizada pelos alunos com o objetivo de exercitar e/ou testar conhecimentos perante o professor.

O professor inglês Alan Duff, no final da década de 80, igualmente argumenta sobre a imperiosidade do retorno da utilização da tradução como recurso pedagógico e em 1989, ele publica um resource book para professores intitulado Translation, apesentando propostas de exercícios de tradução objetivando o ensino da língua inglesa. Do decorrer de seu livro, ele discorre as razões pelas quais, em seu entender, tanto a tradução, quanto a língua materna, deveriam ser utilizados em sala de aula.

Os argumentos por ele elencados seriam:

  1. Influence the mother tongue – A língua materna, impossível de ser apagada da mente de um bilíngue, preponderantemente influência na forma de pensar e de atuar na língua estrangeira. Aprender a traduzir nos ajuda a entender essa influência, assim diminuindo a interferência.
  2. Naturalness of activity – Como atividade natural, a tradução acontece nos variados lugares, em ambientes no qual convivemos, como a própria escola, bancos, lanchonetes, cinema e outros ambientes. Tendo isso como base verdadeira, por qual razão não deveria ser também utilizada em sala de aula?
  3. The skills aspect – A condição de lidar como os dois idiomas é uma habilidade que não ser exclusivamente do domínio de tradutores profissionais. A condição de utilizar-se da língua materna ou da língua inglesa, deve ocorrer sem maiores dificuldades.
  4. The reality of language – Todo texto é uma amostragem real da língua, então, naturalmente qualquer material pode ser utilizado para fins de tradução em sala de aula.
  5. Usefulness – A tradução apresenta inúmeras utilidades, incentiva reflexões e permite a ativa participação do aluno. A tradução desenvolve três qualidades essenciais ao aluno: acuidade, clareza e flexibilidade. A tradução permite a comparação de estruturas gramaticais e usos linguísticos,

Professora de língua e de tradução, Amparo Hurtado Albir, professora de língua e tradução, argumenta em prol do uso da tradução também no ensino de línguas, visto que entende a tradução como um poderoso recurso comunicativo e não somente na formação de tradutores.

Hurtado Albir (1998a) específica dois tipos de tradução: tradução interiorizada e tradução explícita. A tradução interiorizada é realizada de forma natural pelo estudante, especialmente em seus estágios iniciais. Ele busca compreender enunciados apresentados e no decorrer do tempo de aprendizado, a tendência é que seja reduzido. A tradução explícita subdivide-se em duas formas: tradução explicativa e exercícios de tradução. A autora afirma que a tradução possui características que devem atentamente observadas, como “ser um ato de comunicação, uma operação entre textos (e não entre línguas) e um processo mental ” (HURTADO ALBIR, 1994, p.72). A tradução é uma ferramenta-atividade que oferece a possibilidade de auxilio no desenvolvimento da competência comunicativa, visto que, ao traduzir, o estudante, invariavelmente se obriga a pensar no interlocutor, na intenção do conteúdo da mensagem e elaborar a forma de como fazê-lo.

Segundo a teórica Albir, (1988, p.42), a “tradução é um processo de reexpressão do sentido que as palavras e frases adquirem no contexto¨. Ainda, afirma, que se faz fundamental trabalhar a tradução visualizada dentro de determinado contexto, reexpressando assim, o sentido de língua estrangeira em língua materna e vice-versa. Tal definição parece adequada ao contexto de ensino de língua estrangeira no Brasil, pois a preparação e execução das aulas ocorrem em um ambiente de LM que favorece a tradução, ainda que inconscientemente. É importante ressaltar que o trabalho com tradução aqui é direcionado ao ensino-aprendizado de língua inglesa e não ao ensino de tradução. Hurtado Albir (1988) afirma que é necessário trabalhar a tradução contextualizada, reexpressando o sentido de LE em LM e vice-versa, englobando o sentido produzido da junção de elementos linguísticos, bem como extralinguísticos.

TRADUÇÃO PEDAGÓGICA

Na grande parte das vezes em que é utilizada em aulas de língua estrangeira, a tradução tem seu uso estigmatizado, sendo o sua utilidade unicamente como uma espécie de último recurso para sanar a dúvida de um estudante e assim criando no docente um sentimento de frustração na tentativa de explicar em língua estrangeira, embora seja parte do processo de aprendizagem da LE a comparação entre o conhecimento da língua estrangeira, tido como novo, e aquele já conhecido, ou seja, a da língua materna, tornando-se assim, a tradução um caminho inerente a esse processo.

No Método Gramática e Tradução (MGT), era explorado o conceito de equivalência, no qual cada termo possuía um equivalente que advinha de uma listagem de palavras, as quais deveriam, obrigatoriamente, serem memorizadas pelos estudantes e assim, desconsiderando fatores como a variação linguística, o contexto e o próprio processo criativo do estudante. Nas metodologias conseguintes, a tradução, que é parte do processo de aprendizado de uma língua estrangeira, iniciou o processo de abertura de seu próprio espaço, sedimentando o conceito que pode ser uma importante ferramenta de desenvolvimento das habilidades de compreensão e produção oral e escrita.

A tradução pedagógica se difere da didática da tradução. A tradução pedagógica tem seu foco no processo tradutório, enquanto que a didática da tradução apresenta especial interesse pelo produto final do ato tradutório. Dessa forma, podemos dizer que a tradução pedagógica atenta ao desenvolvimento das habilidades envolvidas no ato da tradução. No processo de tradução, o aluno se confronta com um significado, mas primeiramente ele precisa ter a compreensão do texto sob análise, atenta á gramática, variedades linguísticas e o assunto proposto.

Ultrapassado o processo de compreensão, deve ser processado o sentido, desverbalizar o lido e novamente verbalizá-lo em outro sistema linguístico. É um processo cognitivo complexo, mas natural, na verdade, também realizado em sua própria língua materna.

Línguas possuem diferentes estruturas e significados diferentes e o despertar dessa consciência linguística conduzira ao desenvolvimento mais apurado da língua não materna; um conhecimento que poderá ajudar o estudante a despertar o mecanismo do “monitor”, apontado por Krashen (1985), responsável pelo desenvolvimento da “autocrítica” do estudante. Uma espécie de corretor linguístico, o qual é ativado quando o estudante produz algo na língua não materna e permite que ele venha a perceber sua produção e assim, corrigir seus erros. Essa consciência de seu processo de aprendizado, permitira que ele seja capaz de diminuir a interferência da língua materna, minimizando assim a fossilização da interlíngua.

Em sua teoria, Krashen atribui aos fatores afetivos uma importância considerável uma vez que, para ele, esses fatores estão diretamente relacionados tanto ao processo de aquisição/aprendizagem de uma segunda língua quanto aos resultados obtidos ao longo e ao final desse processo. A desmotivação do aprendiz, a alta ansiedade e a baixa autoconfiança são elementos que podem, segundo o pesquisador, dificultar a aquisição. Por outro lado, a aquisição será facilitada se houver condições psicológicas favoráveis (motivação, baixa ansiedade e auto-confiança elevada). Quando o aluno não sabe como dizer uma palavra, recorre ao recurso de explicação ou reformulação da sua fala, o que é visto como positivo, pois o estudante utiliza estratégias comunicativas para manter a comunicação. No entanto, isso impede que o aluno aprenda novas formas, já que recorre à forma conhecida sempre que não sabe algo. Perante a tradução, ele se confronta com o desconhecido, surgindo a necessidade de pesquisar e precisa pesquisar formas de expressar o que quer externar. Guy Cook (2010) menciona que o uso exclusivo da LNM pode estimular os estudantes os a contornar dificuldades, culminando num desvio de significado. A tradução, por outro lado, desenvolve a acuidade, porque obriga o estudante a confrontar as dificuldades na língua não materna, ao invés de fugir delas, estratégia nomeada pelo autor de avoidance strategy (COOK, 2010, p.137).

Outro aspecto a ser observado é o fato do desenvolvimento da consciência cultural, visto que ao confrontar-se com expressões ou fatores culturais diferentes, o estudante percebe que a língua não materna tem uma cultura diferente da sua, um pensar que não se produz na mesma forma que na dele. Muitas vezes, os alunos não têm consciência de que a língua é formada por uma cultura e que pessoas diferentes pensam e se expressam de outra forma. A tradução enaltece essa análise contrastiva cultural e esse despertar cultural igualmente, propicia a discussão sobre o respeito ao diferente: a alteridade. Além de aumentar a percepção da própria conduta como algo cultural e não natural, contribui para a formação da própria identidade cultural em relação ao outro.

Os novos conceitos da tradução, afastaram a ferramenta pedagógica que se baseava na memorização de listas de palavras e de sentenças modulares a serem traduzidas, dando lugar, na elaboração de técnicas de ensino-aprendizagem de exercícios que envolvem a interpretação do contexto e da cultura, entre outros já mencionados, reconhecendo assim, a tradução como uma quinta habilidade a ser visada no ensino-aprendizagem de línguas não maternas.

À medida que se aprimora uma percepção crítica do mundo e que se persegue uma sala de aula mais ajustada com os reais objetivos dos alunos, facilmente visualiza-se a procura por essa quinta habilidade. A tradução estimula uma leitura mais atenta, uma escrita menos complexa, a construção da consciência linguística pela comparação entre LNM e LM e, por fim, a base para uma atividade da “vida real” que é a tradução. Aqui, propomos, como resposta-chave as perguntas enunciadas e assim contribuir para o aprimoramento da tradução pedagógica, a intensificar o diálogo entre os estudiosos da tradução e os estudos sobre ensino-aprendizagem de LNM, evidenciando professores e teóricos do ensino de LNM que reconheçam o enorme valor da tradução em sala de aula para compreender melhor a atividade tradutória, assim como os teóricos da tradução, os quais produziriam substanciais contribuições com propostas de reflexões sobre as características pedagógicas e seus usos didáticos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inúmeros artigos e obras versam sobre o tema tradução pedagógica, claramente demonstrando não ser algo novo, mas ainda não podemos visualiza-lo como um assunto encerrado. O tema vem, através de novas argumentações e reflexões, se transformando, e melhor elucidando quanto ao papel a ser desempenhado pela LM e da tradução e assim beneficiar as duas grandes áreas, ou seja, a dos profissionais e estudiosos ligados à área de ensino aprendizagem de LNM e os tradutores, os professores e os estudiosos de tradução. Professores e teóricos do ensino de línguas não maternas que venham a reconhecer o enriquecedor valor da tradução em sala de aula precisam recorrer aos Estudos da Tradução para melhor compreender a atividade tradutória. A necessidade da revisão e reflexão sobre a própria prática se faz fundamental para um ensino-aprendizagem de qualidade. A tradução pedagógica se diferencia da antiga tradição da gramática-tradução pela visão de língua, pois, no passado, a língua era vista como um sistema de códigos no qual as palavras guardavam um significado exato e, por isso, podiam ser transpostas de uma língua a outra, de forma exata, perfeita, o que comprovou-se não era uma realidade, enquanto que, atualmente, a ideia de preservação do significado é a prioridade, já que entendemos que cada sociedade e cada época constrói o próprio significado. A tradução exige um processo cognitivo complexo e apresenta um grande potencial ao ensino uma vez que trabalha forma e significado ao mesmo tempo. Assim sendo, consideramos que a tradução apresenta grande potencialidade de trabalho, pois é um recurso natural que requer o conhecimento da forma e do conteúdo, envolve a gramática e a cultura e assim, permite a condição do estudante visualizar um novo propósito, por ele escolhido, se desprendendo da limitada tradução de palavras e se concentrando na produção de traduções com maior sentido para o leitor, tornando-se assim, o intermediador cultural. Com todo o exposto nesse artigo, esperamos ter contribuindo para a melhor compreensão dos objetivos da tradução pedagógica, bem como da utilização da prática da tradução em sala de aula.

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[1] Doutor. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução (PGET).Professor Universitário.

[2] Mestre. Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina. Campus Universitário, Trindade. Professora Universitária.

Enviado: Outubro, 2018

Aprovado: Outubro, 2018

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Fabiana Martin

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