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Mudanças Climáticas e Agroecologia no Desenvolvimento do Rio Grande do Sul-Brasil

RC: 80037
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/meio-ambiente/climaticas-e-agroecologia

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

TRENTIN, Iran Carlos Lovis [1]

TRENTIN, Iran Carlos Lovis. Mudanças Climáticas e Agroecologia no Desenvolvimento do Rio Grande do Sul-Brasil. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 03, Vol. 12, pp. 39-62. Março de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/meio-ambiente/climaticas-e-agroecologia, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/meio-ambiente/climaticas-e-agroecologia

RESUMO

A proposição central deste artigo é compreender e discutir a situação gerada pelas as constantes secas que assolam a economia agropecuária de várias regiões no Rio Grande do Sul nas últimas décadas, especialmente com a adoção de modelos produtivos degradantes e poluentes a partir dos anos 1970. Discutir também, algumas informações sobre os fenômenos naturais que intensificam as constantes estiagens, bem como a atuação humana no agravamento das secas. Para tanto realizamos uma ampla pesquisa bibliográfica e entrevistas com pesquisadores da área. A partir disso, identificou-se que a agroecologia como modelo de agricultura sustentável é uma alternativa para substituição do modelo dependente e degradador dos ecossistemas na produção de alimentos para os gaúchos e para exportação.  E também, com esse modelo sustentável de produção nos agroecossistemas, se pode garantir melhorias ambientais, econômicas e sociais as famílias de agricultores de todas as regiões agrícolas além de mitigar as constantes secas e estiagens que passaram a ser frequentes nas últimas décadas, provocando perdas econômicas e ambientais muito grandes para toda a produção do Rio Grande do Sul.

Palavras Chaves: Mudança Climática, Pobreza, Desequilíbrio Regional, Agroecologia.

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos a temática de alterações significativas no clima ganhou ênfase em todo o mundo. Pesquisadores de vários países se digladiaram, onde uns apresentavam uma visão conformista de que as mudanças são naturais e outros rebatem, com argumentos muito fortes, que as mudança climáticas são provocadas pela atuação descontrolada do homem e do capital sobre a natureza. Nestas últimas décadas muitos relatórios e informes de agências internacionais apresentaram essas duas visões e conseguiram adeptos conforme seus interesses.

Mas de uma coisa todos temos certeza, o clima está alterado e isso provoca alterações significativas no meio ambiente, especialmente em um país como o Brasil que possui dimensões continentais e vários biomas que se estabeleceram a milhões de anos. A biodiversidade de cada bioma é alterada, por cada décimo de temperatura que se altera de forma prolongada para mais ou para menos. E muitas espécies podem até mesmo desaparecerem ou serem transformadas, perdendo características próprias da sua espécie.

Além disso, outras questões merecem serem discutidas e analisadas como, por exemplo:  as queimadas que aumentam a cada ano no centro–oeste e na região amazônica, o aumento de temperaturas no semiárido do Nordeste, o avanço do mar na costa brasileira em função de seu aumento, eventos extremos de chuva e temperatura mais frequentes nas grandes metrópoles do país, e nas regiões serranas com alta ocupação populacional,  assim como uma maior incidência de transmissão de doenças infecciosas, essas todas provocadas principalmente pelo aumento atual dos níveis de gases de efeito estufa.

O modelo de agricultura desenvolvido no Brasil a partir de 1970 conhecido como “revolução verde” baseado no uso intensivo de insumos de síntese, derivados de petróleo e máquinas, garantiu um amento da produtividade por área, mas também provocou dependência, degradação, contaminação e poluição dos ambientes. (TRENTIN, 2015)

Muitos destes, fatores são elencados por vários pesquisadores como promotores do aumento da temperatura anual e que provocam mudanças climáticas constantes em todo o globo. Compreender essas alterações climáticas e observar suas possíveis relações com as constantes secas e estiagens no sul do Brasil é o objetivo deste trabalho. Bem como elencar modelos de agricultura sustentável capazes de mitigar ou amenizar esses efeitos danosos nas alterações climáticas.

No desenvolvimento deste trabalho buscou-se a identificação de trabalhos, artigos e publicações que discutissem essa temática e pudessem contribuir para identificar a relação modelo agrícola-mudanças climáticas-estiagens-alternativas de produção sustentável para poder contribuir cientificamente com essa problemática. Além disso, foram realizadas várias entrevistas com pesquisadores de diferentes áreas, agricultores e técnicos na busca de melhor compreender essa temática e identificar possíveis alternativas para mitigar as mudanças climáticas.

2. MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Assim, a ONU define no Art. 1º da Convenção sobre Mudanças Climáticas, 1992, como: “por mudança climática se entende uma mudança no clima atribuído direta o indiretamente pela atividade humana que altera a composição da atmosfera mundial e que se soma a variabilidade natural do clima observado durante períodos de tempo comparáveis.”

A mudança climática deriva principalmente da atividade humana, pelo uso intensivo de combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás etc.) e pelo desmatamento e perda de bosques nos mais diferentes biomas do globo. (ALTIERI E NICHOLLS, 2013).

Os mesmos autores também corroboram que o aquecimento global tem impactos ambientais intensos como o derretimento das geleiras e mares polares, assim como nos agroecossistemas e seus processos biológicos, como os períodos de floração e  germinação das plantas por exemplo. Já a imprensa internacional também noticia a cada dia algumas alterações climáticas em alguma parte do globo como “Alpes perdem 10% do gelo em um ano”, (FOLHA DE SÃO PAULO em 1/12/2005).

Em todos os continentes se observa grandes alterações climáticas no último século. As temperaturas em regiões tradicionalmente frias, sobem mais rápido que a média global. Como exemplo, “só no ano de 2003, 10% das geleiras dos Alpes derreteram”, de acordo com relatório publicado em novembro de 2005 pela agência Ambiental da União Europeia. (AGÊNCIA AMBIENTAL UNIÃO EUROPEIA, 2005 in MMA, 2010).

Este aquecimento das temperaturas e alteração do clima, podem aumentar além da escassez de água a incidência de doenças graves e epidemias.  Especialmente de doenças tropicais, tipo a malária, a dengue e a disenteria.  E regiões mais pobres estão mais suscetíveis a esses problemas seja pela piora nas condições de saúde ou pelas estiagens que afetam a produção de alimentos para a segurança alimentar comunitária.

Como grande contingente de famílias vivendo na pobreza estão em áreas rurais especialmente na África, Ásia e América latina esses são mais prejudicados pelo aumento das temperaturas e desequilíbrios climáticos pois suas plantações e animais que são utilizados para a alimentação sofrem mais e a oferta de alimentos locais diminuí a cada ano.

Todas essas alterações climáticas afetam de maneira muito mais catastróficas as populações rurais mais pobres, pois são essas que residem nas regiões mais longínquas, com relevos acidentados, com menores recursos habitacionais e de segurança e soberania alimentar. Os níveis de pobreza em áreas rurais aumentam em todo o mundo e esses agricultores sofrem com os efeitos catastróficos do clima, mesmo sem ter participado desta mudança. Pois em muitos casos as mudanças ou agressões ao ambiente que foram realizadas em outro continente por agricultores convencionais, altamente dependente de insumos químicos, agrotóxicos e de petróleo e ou por indústrias pesadas atingem primeiro as populações mais vulneráveis que se encontram a milhares de quilômetros das fontes geradoras de catástrofes.

No Brasil estudos publicados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (INTERNATIONAL PANEL ON CLIMATE CHANGE – IPCC, 2001) concluiu que “a temperatura média da atmosfera tem aumentado em 0.6ºC + 0.2ºC durante o século XX”. Os relatórios do IPCC e de várias outras universidades têm mostrado “que entre 1900 e 2100 a temperatura global poderá aquecer entre 1.4 e 5.8ºC”. Se isso ocorrer, sérios problemas ambientais serão observados a cada ano em todos os cantos do planeta.

Neste sentido, precisamos entender por que o clima está mudando muito nestes últimos anos. Estudos realizados pelo Ministério do Meio Ambiente do Brasil, afirmam que o clima varia naturalmente dependendo do tempo e do local, mas que nos 2 últimos séculos pala queima intensiva de combustíveis fósseis essas alterações climáticas estão mais visíveis e provocando catástrofes em vários regiões do planeta.

Segundo Nobre et al (2012, p 8)

nos últimos 400 mil anos, ocorreram quatro ciclos distintos. Esses ciclos são glaciais e interglaciais. No pico interglacial, no qual nos encontramos, a temperatura está mais alta cerca de 5°C a 6°C em relação ao pico do último período glacial, 20 mil anos atrás.

Há 120 mil anos, tivemos o último período interglacial e a temperatura estava um pouco acima da temperatura atual e essas leves alternâncias são naturais no tempo e no espaço.

Nobre et al. (2012, p 8) também afirma que por exemplo, “na última glaciação, há 20 mil anos, como já dito acima, a superfície do planeta estava de 5°C a 6°C mais fria”. E neste período a Terra levou 10 mil anos para aquecer-se e agra em pouco tempo aumentou muito. Mas agora, nas últimas duas décadas, ela está aquecendo quase 0,2°C por década, que é uma velocidade 50 vezes mais rápida do que o ciclo natural glacial-interglacial. Assim, algumas coisas diferentes estão acontecendo. Se isso tudo fosse natural teria de ser explicado facilmente, pois não existe justificativa cientifica que essa velocidade grande de aquecimento seja meramente natural.

Estudos realizados por pesquisadores do mundo todo, nas últimas décadas afirmam que devido ao aquecimento global desordenado o nível dos oceanos já subiu 20 cm, e que a cobertura de neve nas calotas da terra vem diminuindo a cada ano.

Segundo o IPCC, (2007 in NOBRE 2012, p. 11), é fundamental observar que o oceano está aquecendo. Se

o planeta está mais quente, temos que imaginar que o Sistema Terrestre – atmosfera-superfície continental – criosfera-oceano– está num estado mais alto de energia, ou seja, tem mais energia. E essa energia está indo para o oceano. Oitenta por cento desse acréscimo de energia – pelo fato de a temperatura média do planeta estar 0,8°C mais quente – vai para o oceano.

Gráficos e tabelas dos centros de monitoramento da temperatura oceânica mostram esse aquecimento em todo o globo.

Como já afirmaram Altieri e Nicholls (2013), a temperatura aumenta porque temos mais gases nocivos na atmosfera. E não há nenhuma dúvida de que esses gazes, estão aumentando é só olhar nossos sistemas de produção dominante, quer sejam agropecuários ou industriais, que são baseados no processo de combustão – quando queimamos carvão, petróleo, gás natural, floresta, etc., geramos o gás carbônico. Esse aumento de CO2 que a cada dia é em maior proporção na atmosfera, produz o aquecimento da temperatura na superfície.

Mesmo que alguns pesquisadores e empresas transnacionais tentem mascarar que o aquecimento é provocado pela adição de CO2 na atmosfera por processos inorgânicos, como vulcões, fissuras etc., estudos realizados no mundo todo contrariam essa posição. E é consenso entre os pesquisadores comprometidos com o bem estar da população mundial que algumas coisas devem serem feitas para reduzir essas emissões crescentes de gás carbônico.

Durante a ECO-92 ou Rio-92, (1992), no relatório final houve a promessa de diminuição das emissões de CO2. Estamos em 2013 e as emissões só aumentaram em todas as regiões do globo. Segundo Nobre et al, 2012, “as emissões de CO2 de origem fóssil aumentaram em 43% nos últimos 18 anos.” Já a 15ª Conferência das Partes (COP15) da Convenção- Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, realizada em Copenhague em 2009 – afirmou em seu documento final “que todos os esforços deverão ser empreendidos para não deixar a temperatura subir mais que 2°C’. Fato esse que sabemos não está sendo cumprido por quase nenhum país do mundo.

3. SECAS CONSTANTES NO SUL DO BRASIL

Nos últimos anos temos observados as constantes estiagens na Região sul do Brasil, estiagens essas que já passaram a ser chamadas de secas. Dos últimos 10 anos 7 foram de secas no verão, os níveis dos rios nunca estiveram tão baixos e a falta de água é constante em muitas regiões sulinas. (TRENTIN, 2019)

Todas essas alterações são referendadas por alguns pesquisadores que afirmam que isso sempre existiu, querem a todo custo justificar a catástrofe como algo cíclico.  As alterações climáticas no sul do Brasil, especialmente as secas são corriqueiramente relatadas por agricultores de idade avançada.  As estiagens sempre existiram, mas o que se percebe é que nos últimos 50 anos elas ficaram mais intensas e as temperaturas no verão mais altas.

Isso parece coincidir com o início da modernização da agropecuária via “revolução verde” com seus vários efeitos danosos no meio ambiente especialmente o desflorestamento de várias áreas de matas no sul do Brasil.

Como sabemos nenhum pesquisador, que defende o modelo convencional e depredador dos ambientes, fala sobre os impactos negativos do desmatamento em qualquer bioma brasileiro e em outras regiões do planeta. E sabe-se que esse desmatamento pode comprometer o clima tanto da região amazônica quanto de outras regiões que se beneficiam das massas húmidas formada nesta floresta.

Nos últimos anos as observações do clima no País, em escalas de tempo maiores revelaram profundas alterações. Isto serve de base para analisar o clima do futuro, tentando assim separar as variações normais observadas, da variabilidade forçada pela ação do homem  que induzem as transformações climáticas.

3.1 O EL NIÑO E LA NIÑA

Nos últimos anos esses dois vocábulos da língua espanhola, passaram a fazer parte do cotidiano gaúcho. É comum se ouvir falar em el Niño e La Niña nas rádios do interior, nas filas de atendimento das cooperativas agrícolas e também nas rodas de chimarrão entre agricultores familiares de todos os municípios.

Pesquisadores de diferentes institutos de pesquisa internacionais, constataram que esses fenômenos afetam consideravelmente o comportamento das chuvas em todo os biomas brasileiros. Nas regiões Norte, Nordeste acontecem secas durante El Niño e na região Sul do Brasil, estiagens durante La Niña e chuvas em excesso, inclusive enchentes no El Niño. Assim, se o El Niño aumentar em frequência ou intensidade no futuro, o Brasil ficará exposto a secas ou enchentes e ondas de calor mais frequentes. E segundo Altieri e Nicholls (2013 in TRENTIN, 2015, p. 10), “ele aumentaria por quê? Porque as formas de produção agrícola e industrial utilizam muito combustível fóssil e destroem os ambientes”.

Sobre essas ondas de calor mais frequentes é que nós queremos aprofundar para tentar compreender o que aconteceu neste verão de 2014, no sul do Brasil e que segundo nossas pesquisas provocaram perdas substâncias na produção agropecuária gaúcha.

Vários pesquisadores brasileiros observaram que os fenômenos El Niño e La Niña sobre a região Equatorial do Pacífico que altera a TSM (Temperatura da Superfície do Mar) sobre o Atlântico Tropical favorecem associados a outros fenômeno, uma grande parte da variabilidade nas diferentes estações anuais do clima na América do Sul. Isso reflete significativamente nas zonas produtoras de cereais do Cone sul por exemplo.

O El Niño e La Niña caracterizam-se pelo esfriamento ou aquecimento das águas superficiais no oceano Pacífico, especialmente próximo ao equador.  E a combinação das circulações atmosféricas diferentes, provocadas pelo aquecimento ou resfriamento da superfície do oceano afetam o posicionamento latitudinal da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) no Atlântico, interferindo sobre os índices  de chuvas nos biomas  do Atlântico e na Amazônia.

Vários autores que analisaram o comportamento da temperatura dos oceanos,  afirmam que variabilidade interanual das TSM e ventos sobre o Atlântico Tropical  exercem profunda influência na variabilidade climática sobre a América do Sul, em nível global, entre estes cita-se, (ROPELEWSKI E HALPERT 1987, 1989; ACEITUNO 1988), com estudos sobre a região Nordeste do Brasil (HASTENRATH, 1984; NOBRE E SHUKLA, 1996; ALVES et al. 1997; RAO et al., 1993; UVO et al., 1998; XAVIER, 2001). Já sobre o bioma  Amazônico podemos citar, entre outros (MARENGO, 1993; MARENGO E HASTENRATH 1993; MARENGO et al., 1998, 2006; RONCHAIL et al. 2002; BOTTA et al. 2003;  SOUSA e AMBRIZZI, 2006), e sobre o Sul e Sudeste do Brasil (KILADIS E DIAZ, 1989; DIAZ E STUDZINSKY, 1994; GRIMM, 1997a e b; NERY et al., 1997; GRIMM et al., 2000, BERLATO E FONTANA, 2003). (MMA, 2010).

Na região Amazônia, por exemplo, os impactos do El Niño são frequentes no norte e centro da região, como  as secas de 1925-26 (WILLIAMS et al., 2005), 1982-83 e  mais recente em 1997-98.  (MARENGO et al., 2006, in MMA, 2010).

A influência do El Niño e  da La Niña na América do Sul, considerando o histórico destes eventos durante os últimos 50 anos é visível. E também é provável que durante alguns eventos do El Niño ou La Niña não aconteçam os impactos representativos em algumas regiões pois como salientados eles estão associados a outros comportamentos geográficos do globo. Quando está ativo o El Niño, no Brasil, predominam as secas no Nordeste e Amazônia e mais chuvas no Sul.  E em todo o cone sul se observa temperaturas atmosféricas mais altas, seja no verão e inclusive no inverno.

Já a região Sul apresenta os impactos do El Niño a partir do inverno e primavera e atingindo maior expressão esse fenômeno nos verões. O contrário é observado quando apresenta tendência a secas ou menos chuvas durante a La Niña, no inverno e primavera.

Os efeitos de aumento de temperatura das águas do oceano no Pacífico afetam os sistemas de ventos sobre toda a região equatorial. E assim, essas nuvens carregadas que  produzem grandes chuvas  nas proximidades  da Indonésia, deslocam-se influenciadas pelas correntes marítimas, para leste, para o Pacífico Central e, posteriormente, para a costa oeste da América do Sul, favorecendo precipitações no deserto peruano, por exemplo.

As mudanças de posição das chuvas no Pacífico provocam alterações nas condições climáticas de várias regiões do globo. Como exemplo cita-se as grandes e constantes secas na Índia, no Nordeste do Brasil, na Austrália, na Indonésia e em grande parte da África que podem ser decorrentes do associação deste fenômeno com outras variações, assim como eventuais algumas enchentes no Sul e Sudeste do Brasil, no Equador, Peru e no meio oeste dos Estados Unidos, em algumas épocas do ano.

E também, em algumas áreas, segundo Silva Dias e Marengo, (2002 e 2006, in MMA, 2010) observaram temperaturas mais elevadas nas regiões central e sudeste do Brasil, durante a estação de inverno, e já em outras ocorrem frio e neve em excesso. Esse verão no sul do Brasil foi extremamente quente. As ondas de calor intenso permaneciam por até 10 dias ininterruptas. E sabe-se que essas anomalias climáticas associadas ao fenômeno El Niño podem provocar sérios prejuízos ambientais e socioeconômicos, especialmente em áreas agrícolas de regiões empobrecidas.

Os agricultores familiares e entre esses os mais pobres são mais vulneráveis as mudanças climáticas, pois a diminuição de alguns quilos da produção anual pode comprometer a segurança alimentar dessas famílias em um período maior de estiagem por exemplo.

E como na natureza tudo é cíclico, também ocorrer o fenômeno contrário ao El Niño, isto é  o  La Niña   que é o  aquecimento  das aguas do Pacífico Oeste e resfriamento das águas superficiais na parte central do Pacífico. Esse fenômeno ocorre geralmente com menor frequência que o El Niño. Essas variações climáticas associadas ao fenômeno La Niña são inversas àquelas observadas no El Niño, mas o fenômeno não é constante, ou seja,  sempre ocorrem variações durante o ano. O el Niño pode ser caracterizado como cíclico,  não regular  reaparecendo  em média no intervalo de dois a sete anos. (MMA, 2010).

Os efeitos destes fenômenos são observados todos os anos no Rio Grande do Sul, entre esses podemos citar que as vazões de rios no Sul do Brasil que apresentam valores   baixos durante anos de La Niña, enquanto durante El Niño  permanecem com mais aguas disponíveis  e as vazões são maiores, por exemplo.  E como a vasão dos rios na maioria são alimentadas pelas chuvas, isso significa que as secas no Rio Grande do Sul,  um estado com alta produção agropecuária de commodities para exportação, provocam grandes percas gerando assim prejuízo significativo, para o Estado, os agricultores e especialmente as regiões mais empobrecidas e dependentes da agropecuária.

Os impactos do El Niño na região Sul têm sido identificados em estudos de Grimm et al. (1997 a, b e 2000) e Berlato e Fontana (2003), entre outros in MMA (2010). Os impactos maiores são sentidos na produção agropecuária, especialmente nas commodities para exportação que dependem dos ciclos de chuvas principalmente no verão do sul.

Esses autores identificaram que os rendimentos médios de soja e milho no Rio Grande do Sul durante a influência do El Niño em 1995/96, 1997/98 e de La Niña em 1998/99 e 1999/2000, foram modestos nos anos de La Niña, e reiteram que os ganhos em rendimento médio das principais commodities do Estado foram maiores em anos de El Niño.

Já outros pesquisadores afirmam que El Niño e La Niña são fenômenos naturais que ocorrem de tempos em tempos e que não podemos interferir. Esses fenômenos naturais e variações do sistema climático da planeta, existem há milhares de anos e continuarão existindo, esperamos que por muitos outros milhares de anos.

Nas últimas décadas, na região Sul do Brasil, o aumento sistemático das chuvas em alguns anos e das secas em outros são observados nos registros de precipitações pluviométricas, realizados pelas cooperativas agropecuárias e pelos centros de pesquisa climáticos.

Como já reiterado, além dos fenômenos naturais do el niño e la niña, as alterações dos ambientes provocadas pela intervenção humana aumentam a frequência e a intensidade destes fenômenos. O desmatamento constante e as mudanças no uso da terra com utilização de máquinas pesadas e insumos de síntese, para a produção de cereais, por exemplo, na bacia mais importante do Mercosul a do Rio da Prata, aumentaram rapidamente nas últimas décadas e percebe-se que estas ações modificam as características termodinâmicas da baixa atmosfera.

Na natureza o sistema é complexo e essas mudanças sofrem os efeitos das complexas interações entre o clima, hidrologia, vegetação e do gerenciamento por parte dos homens dos recursos água e terra, ou seja, o modo de vida de exploração predatória dos agroecossistemas. Na literatura disponível encontramos evidências de que mudanças provocadas pela revolução verde, no uso da terra nas bacias dos rios Alto Paraná, Paraguai e Uruguai, de maneira geral contribuíram  em mais de 28% no fluxo médio do rio Paraná desde 1970. (MMA, 2010).

Tucci e Clarke (1998, in MMA, 2010. p. 10) perceberam que “este incremento na vazão dos rios aconteceu depois de grandes áreas terem experimentado o desmatamento ou mudanças no uso da terra”. O uso intensivo de atividades agrícolas e industriais na região motivou uma transição de café para soja e cana-de-açúcar, e da criação de gado na bacia do alto Paraná.  Isso tem aumentado muito nos últimos anos devido, principalmente as altas nos preços das commodities para exportação.  E alguns cultivos de verão como a soja, precisa de preparação intensiva do terreno que é feita com o uso de máquinas e adição de insumos oriundos de petróleo. (ALTIERI E NICHOLLS, 2013).

Outro estudo no Estado do Paraná revelaram que a bacia do rio Iguaçu também tem apresentado aumentos constantes na vazão a partir de 1970, mesmo que nesta  bacia tenham ocorridos  poucas mudanças com o uso da terra e com a desflorestação nas últimas décadas (GARCÍA E VARGAS, 1998, in MMA, 2010).

Já uma análise recente de tendências em vazões em nível global é apresentada por Milly et al. (2005). Onde  apresentam as variações  durante o século XX na América do Sul, revelam que “o mais importante é o incremento de vazões na ordem de 20-40% nas vazões na bacia do Prata, consistente com as tendências positivas de chuva nesta bacia”, e em postos de observação do rio Paraná. (MMA, 2010).

No verão de 2004-2005 no Sul do Brasil o total de chuva anual superou a média no Estado de Santa Catarina, mas no  leste e noroeste do Rio Grande do Sul e, litoral e sul do Paraná forma observadas  quedas significativas nos índices pluviométricos. Assim, todo a região teve déficit de chuvas durante os meses de dezembro de 2004 a março de 2005. Neste período, o total acumulado de precipitações ficou entre 100mm e 500mm bem abaixo das médias históricas. (MMA, 2010).

Quando as secas ocorrem no Rio Grande do Sul, elas além de provocarem grandes prejuízos para a produção agrícola e pecuária geram também problemas de abastecimento de água para a população de muitos municípios. E os agricultores familiares que produzem a grande maioria dos alimentos são os mais afetados pelas secas. Esses além de perderem sua produção destinada ao comércio, como soja, milho, hortigranjeiros ou leite, por exemplo,  perdem também a produção para o autoconsumo familiar. As secas provocam deste modo, dois prejuízos imediatos para os agricultores familiares, além de perderem o ingresso monetário pela venda dos produtos, necessitam disponibilizar de outro montante financeiro para adquirir os alimentos, que também não puderam colher neste ano.

Assim, os agricultores familiares gaúchos endividados empobrecem mais nos períodos de seca. As secas causam quebras de safra agrícola principalmente nestes últimos anos em que o mercado de produção de commodities agropecuária está aquecido.   O produto mais afetado até agora é a soja, vedete da balança comercial brasileira.

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estimou para o período 2004/2005, que a produção na safra seria de 53,119 milhões de toneladas, 8,281 milhões de toneladas abaixo da previsão de dezembro, que indicava colheita de 61,4 milhões de toneladas. Já na safra 2003/04, os agricultores conseguiram colher mais de 49,770 milhões de toneladas de soja, nosso principal produto agrícola de exportação.

E mesmo com toda essa produção que significa muito na balança comercial brasileira, os governos na maioria dos casos, então desatento à situação dos agricultores familiares e adotam apenas medidas paliativas de apoio. As negociações das dívidas agrícolas em anos de secas são dramáticas e lentas, e os agricultores, por exemplo, praticamente na maioria das agências bancárias necessitam implorar atendimento.  Os governos apesar de tantos exemplos e de relatórios científicos já publicados continuam a não tratar as questões de mudança climática com o respeito que merece.

O milho devido a área plantada no RS, geralmente é depois da soja, à segunda cultura mais prejudicada pelas secas. Como exemplo, a colheita do cereal somou 39,03 milhões de toneladas na safra 2004/05, contra 42,191 milhões de toneladas em 2003/04. A quebra nacional nesta safra em relação ao estimado em dezembro foi de 10% ou 3,16 milhões de toneladas. (CONAB, 2006)

Pesquisas recentes sobre as temperaturas máximas e mínimas no Sul do Brasil durante o período 1960-2002 (MARENGO E CAMARGO, 2010) apontaram para um aquecimento sistemático da região Sul.   Neste verão de 2013/14 a região sul do Brasil apresentou temperaturas muito altas. As ondas de calor atingiam números antes nunca identificados nas medições e perduravam por vários dias ininterruptos. Dados de nossa pesquisa de campo revelaram que mesmo com chuvas na média histórica, neste período, essas ondas de calor afetam a produtividade agrícola no Estado, especialmente nas regiões com predomínio de agricultores familiares pobres e com solos mais íngremes. Figura I.

O mapa nos apresenta duas regiões significativas de presença de agricultores familiares mais empobrecidos e solos menos aptos para o desenvolvimento das atividades conhecidas como agronegócio, baseada no uso intensivo de máquinas modernas, equipamentos indústrias, insumos oriundos do petróleo e agrotóxicos, que são os municípios situados no grande Vale do Rio Uruguai e na região conhecida como centro-serra-sul, desde as proximidades de Santa Cruz do Sul até Pelotas.

Além da produtividade da agropecuária, essas oscilações climáticas provocam outros problemas à sociedade gaúcha. Como já reiteramos a dificuldade no abastecimento de água em várias regiões e especialmente a baixa arrecadação de impostos gerados pela cadeia produtiva em anos de seca, o que limita ainda mais a atuação do estado nas políticas públicas para mitigar esses efeitos.

Figura I: Distribuição do PIB per capita por município do RS em 2009.

Fonte: Autor, 2020.

Assim, nas regiões onde o PIB per capita é menor a seca faz com que a situação econômica se agrave. E os agricultores pobres tendem a ficarem mais pobres ou endividados nestes períodos de secas frequentes. Essa situação atingem toda a sociedade e a economia local-regional.

Essas perdas econômicas constantes na economia destas comunidades agravam ainda mais o desequilíbrio regional do Rio Grande do Sul, que mesmo no século XXI ainda não conseguiu resolver problemas estruturais em muitas regiões.

E a cada dia mais se faz necessário a adoção de técnicas agrícolas mais sustentáveis para que as secas que passaram a fazer parte do cotidiano gaúcho, não provoquem ainda mais empobrecimento de regiões com produção agropecuárias.

3.2 A AGROECOLOGIA COMO ALTERNATIVA PARA O DESENVOLVIMENTO

No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, alguns pesquisadores, entre eles Gliessman, Altieri, Eric Giménez, Nicholls, Zevilla Guzman, entre outros, começaram a formatar o que hoje conhecemos por agroecologia, essa ciência que também chamamos de modelo de produção agrícola sustentável. Nesta época vários estudos apontavam várias mudanças negativas, provocadas pela revolução verde, nos diferentes ecossistemas tanto de países ricos como em desenvolvimento. Fazendo com que começassem a buscar novos modelos de produção agropecuário mais sustentáveis no tempo e no espaço.

Assim, surge uma publicação de referência, neste período, a do pesquisador Stephen R. Gliessman, da University of California – USA, que escreve em 1996, El Concepto de Agroecosistemas, onde desenvolve uma série de conceitos buscando compreender e interpretar de forma sistêmica os agroecossistemas.

Gliessman (1996), afirma que “os agroecossistemas são unidades de produção”, como propriedades, granjas, fincas, terrenos, chácaras, onde os agricultores interagem entre si e com a natureza presente, ou seja, formam um agroecossistema. E afirma que “para compreendermos o conceito de agroecossistemas de um sistema de produção de alimentos, precisamos conhecer os fluxos de entrada e saída de energia e suas inter-relações”. Segue dizendo que “o ecossistema é um sistema de relações complementarias entre os organismos vivos em determinado ambiente e num determinado tempo, onde mantem-se em equilíbrio dinâmico, sempre considerando sua estrutura e suas funções”.

Segundo Gliessman, (1996) “os ecossistemas são formados de forma hierárquica, por indivíduos com características específicas que lhe aportam uma série de componentes tornando-os “aptos” a viver em determinado tempo e espaço”; e também,

por populações que são gr upos de indivíduos da mesma espécie, onde deve-se compreender os fatores que corresponde ao tamanho e crescimento desta população na perspectiva de entender a capacidade do ambiente de suportar essa população num período de tempo. (GLIESSMAN, 1996)

Os Agroecólogos diferem dos agrônomos convencionais “que se preocupam em determinar a quantidade e distribuição ótima de uma única população num ambiente para garantir maior produtividade”. (GLIESSMAN et al, 1996 in TRENTIN, 2021, p 234).

Nos ecossistemas naturais as populações de diferentes populações estão em constantes interações tanto no espaço e no tempo de forma a organizar uma comunidade, ou um conjunto de indivíduos que interagem entre si. Assim, “o nível de inter-relações afeta a distribuição e a abundância das espécies na comunidade”. (ALTIERI E NICHOLLS, 2010).

Neste sentido o mesmo autor afirma que “o agroecossistema é o resultado da adaptação e das inter-relações das populações espécies que o compõem”.  E assim, “temos que considerar a diversidade de espécies, ou seja: o número de espécies presente numa comunidade que podem ser muitas ou poucas” (GLIESSMAN et al, 2010 in TRENTIN, 2021); bem como

a dominância e abundância relativa, onde a espécie que possui maior impacto sobre os componentes bióticos e abióticos são as dominantes; a estrutura da vegetação com seus diferentes extratos e associações; a estrutura trófica, onde cada espécie possui suas necessidades de nutrição e a forma como isso se desenvolve determina a estrutura das inter-relações, captura de energia, transformação de biomassa e aproveitamento por outra espécie, por exemplo. (GLIESSMAN et al, 2010 in TRENTIN, 2021, p 245).

também, “a estabilidade onde se nenhuma interferência  acontece se mantem em relativa harmonia”; e, “o funcionamento dos ecossistemas  que se refere ao processo dinâmico que ocorre em seu interior, com ênfase na eficiência, produtividade e desenvolvimento, o que o torna muito importante num agroecossistema”. Assim, o autor reitera que “os dois mais fundamentais processos em um ecossistema são o fluxo de energia entre as partes e o ciclo de nutrientes”. (GLIESSMAN et al, 2010 in TRENTIN, 2021, p 245).

E na busca de um modelo de produção sustentável com base no conceito de interações dentro do agroecossistema  a agroecologia é  sem dúvida a ciência que pode ofertar as respostas de recuperação de áreas agrícolas empobrecidas com respeito ao ambiente e a saúde humana e garantir a segurança alimentar do planeta.

Nos últimos anos, nos estudos e em algumas políticas públicas brasileiras, cresceram as referências ao termo Agroecologia como modelo de produção agropecuária sustentável.  A agroecologia

se constitui em mais uma expressão sócio-política do processo de ecologização vivenciada nas últimas décadas. Isso a princípio tem sido positivo, pois nos fazem lembrar-se de estilos de agricultura menos agressivos ao meio ambiente, que promovem a inclusão social e proporcionam melhores condições econômicas aos agricultores familiares. Mesmo que persistam muitas confusões teóricas na compreensão do que é realmente a agroecologia. (NICHOLLS, 2013 in TRENTIN, 2019, p. 35).

Assim mesmo, a mesma autora afirma que “mesmo crescendo o uso do termo e a geração de novas pesquisas sobre essa temática, persiste ainda uma profunda confusão no uso do termo Agroecologia, gerando interpretações conceituais que, em muitos casos, prejudicam o seu entendimento”. E também “dificultam tratar a Agroecologia como a ciência que estabelece as bases para a construção de estilos de agriculturas sustentáveis e de estratégias de desenvolvimento rural sustentável”. (NICHOLLS, 2013).

Neste trabalho compreende-se “a agroecologia como um enfoque científico destinado a apoiar a transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agricultura convencionais para estilos de desenvolvimento rural e de agriculturas sustentáveis” (CAPORAL E COSTABEBER, 2000a; 2000b; 2001; 2002). Estas afirmações partem dos escritos de Miguel Altieri e de Clara Nicholls (2013), que afirmam que “a Agroecologia constitui um enfoque teórico e metodológico que, lançando mão de diversas disciplinas científicas, pretende estudar a atividade agrária sob uma perspectiva ecológica”. Deste modo,

como a agroecologia, utiliza um enfoque sistêmico, adota o agroecossistema como unidade de análise, tendo como propósito, em última instância, proporcionar as bases científicas (princípios, conceitos e metodologias) para apoiar o processo de transição do atual modelo de agricultura convencional para estilos de agriculturas sustentáveis. (ALTIERI e NICHOLLS, 2013)

Assim, pode-se afirmar que

mais do que uma disciplina específica, a Agroecologia se constitui num campo de conhecimento que reúne várias reflexões teóricas e avanços científicos, oriundos de distintas disciplinas que têm contribuído para conformar o seu atual corpus teórico e metodológico (GUZMÁN CASADO et al., 2000).

Já para Gliessman et al, (1990), a agricultura sustentável, sob o ponto de vista agroecológico, “é aquela que, tendo como base uma compreensão holística dos agroecossistemas”,  e seja capaz de atender, de maneira integrada, aos seguintes critérios: a) baixa dependência de inputs comerciais; b) uso de recursos renováveis localmente acessíveis; c) utilização dos impactos benéficos ou benignos do meio ambiente local; d) aceitação e/ou tolerância das condições locais, antes que a dependência da intensa alteração ou tentativa de controle sobre o meio ambiente; e) manutenção por longo prazo da capacidade produtiva; f) preservação da diversidade biológica e cultural; g) utilização do conhecimento e da cultura da população local; e h) produção de mercadorias para o consumo interno e para a exportação.

Assim, fica claro que em regiões rurais empobrecidas, em todos os sentidos, e em especial com solos agricultáveis fracos a agroecologia e a ciência que pode promover a recuperação ambiental e gerar desenvolvimento.

Como afirma Clara Nicholls, (2013), a

Agroecologia proporciona as bases científicas e metodológicas para a promoção de estilos de agriculturas sustentáveis, tendo como um de seus eixos centrais a necessidade de produção de alimentos em quantidades adequadas e de elevada qualidade biológica, para toda a sociedade.

Mesmo que, apesar de seu vínculo mais estreito com aspectos técnico-agronômicos (tem sua origem na agricultura, enquanto atividade produtiva), essa ciência se nutre de diversas disciplinas e avança para esferas mais amplas de análise, justamente por possuir uma base epistemológica que reconhece a existência de uma relação estrutural de interdependência entre o sistema social e o sistema ecológico (a cultura dos homens em coevolução com o meio ambiente).

4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Nas observações realizadas no Norte do Rio Grande do Sul e na entrevista com técnicos de extensão rural de cooperativas e outras instituições se constatou que mesmo com chuvas regulares e relativamente bem distribuídas a produção da soja semeada nas primeiras semanas de novembro de 2020,  foi 25% menos que o esperado.

As informações apontam como responsáveis por essa queda as constantes ondas de calor na região, nos meses de dezembro e janeiro, que provocaram danos ás plantas em períodos vitais para garantir boa produtividade.

Essas ondas de calor que permaneciam por mais de 10 dias ininterruptas, manchavam a paisagem, especialmente nas áreas com solos mais rasos e ou com afloramento de rochas. Esse mosaico composto por plantas mais verdes e por plantas murchas ou secas, se agravava a cada nova onda de calor. As chuvas amenizavam a situação em áreas de solos profundos, mas não conseguiam estancar a perda em áreas de solos rasos.

As ondas de calor excessivas como as identificadas nesse verão provocam também outras situações, como por exemplo, a proliferação de lagartas, insetos e mosquitos que já não encontram inimigos naturais para controlá-los, uma vez que o modelo produtivo baseado no uso intensivo de químicos desequilibra os ambientes naturais. Essa proliferação de lagartas nas lavouras faz com que os agricultores apliquem mais agrotóxicos o que desequilibra ainda mais os ambientes e aumenta o custo de produção.

Além de das percas econômicas e ambientais as ondas de calor provocam mal estra nas pessoas especialmente nos idosos que são em grande número nestas regiões de agricultura familiar empobrecida, pois a maioria dos jovens migrou para outras regiões e setores produtivos.

O quadro que se vislumbra para os próximos anos não são esperançosos quanto a solução destes problemas. A tendência é de agravamento da situação de desequilíbrio nestas regiões com agricultores familiares mais pobres. Dentre as quais podemos citar, entre outros: a alteração dos ecossistemas com aumento da incidência de pragas; diminuição das águas superficiais nos rios, lagos, açudes etc.; diminuição das águas subterrâneas (lençóis freático que abastece com poços artesianos a maioria da população); perdas de espécies da biodiversidade regional;  invasão de espécies vegetais mais resistente as secas;  maior proliferação de insetos (que necessitam de maior temperatura para se reproduzirem); perda das propriedades naturais dos solos; aumento de incêndios; aumento da poluição do ar; e, possibilidade de extensão  do alcance das doenças tropicais em zonas antes mais frias.

Essas são algumas considerações sobre problemas que podem se agravar. Dentro disso são várias as atitudes devem ser tomadas pelos governos e pela sociedade para que se possa amenizar esses e outros problemas.

Como o globo é um ecossistema as soluções dependem de todos os países.  Assim, por exemplo, deve-se baixar com urgência as emissões de gazes nocivos à atmosfera; diminuir e controlar o desmatamento; aumentar a diversidade de árvores; incrementar  a cobertura dos solos; melhorar a estrutura dos solos para facilitar a infiltração; utilizar técnicas  menos agressivas aos solos; implantar terraços em áreas mais íngremes para retenção de umidade; utilizar sementes  bem aclimatadas as diferentes regiões ou seja, com maior capacidade de resistência as oscilações;  diminuir os custos de produção;  e, principalmente produzir alimentos para a segurança alimentar das famílias.

Os recursos naturais são finitos então cabe a todos a busca de soluções para amenizar as situações adversas à acumulação econômica que se apresentam em cada região.

O Estado gaúcho possui condições excepcionais, dada à competitividade da cadeia do agronegócio, para atender grande parte da expansão da demanda por alimentos e outras matérias-primas, apesar da crise momentânea. Mas deve-se priorizar a agricultura familiar e dentro dessa a produção agroecológica.

Deste modo, não podemos em detrimento do aumento da renda, continuar degradando os ambientes e gerando uma dependência muito grande de insumos externos, o que canaliza a maior parte da renda gerada para outras regiões. E permanecendo nas regiões desiquilibradas a degradação ambiental, as doenças geradas pelo uso intensivo de agrotóxicos e principalmente uma condição de insegurança alimentar e nutricional na maioria da população. (TRENTIN, 2015).

Neste ano de 2020 marcado pela pandemia do covid 19, onde os agricultores tiveram que buscar conviver com as novas adaptações e protocolos de controle, os níveis da oferta de água tem baixado muito. Em outros anos a crise hídrica se acentuava a partir do início de fevereiro, no corrente ano já no início de novembro os racionamentos começaram.  Os cultivos de verão no centro sul do Brasil estão atrasados e falta agua para abastecimento em quase uma centena de municípios gaúchos.   Os impactos negativo na economia regional devido as constantes estiagens serão grandes e cada ano são mais imprescindíveis as políticas públicas de proteção e recuperação ambiental bem como as de manejo racional e integral dos recursos hídricos no estado Gaúcho.

5. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Ph.D em Agroecologia, Mestre em Desenvolvimento Rural e Licenciado em Geografia. Universidade Estadual do Rio Grande Do Sul – UERGS.

Enviado: Dezembro, 2020.

Aprovado: Março, 2021.

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