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Motivações para o apagamento da língua de imigrantes germânicos em morro redondo

RC: 81782
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SOARES, Letícia Piske [1]

SOARES, Letícia Piske. Motivações para o apagamento da língua de imigrantes germânicos em morro redondo. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 04, Vol. 02, pp. 59-71. Abril de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/letras/morro-redondo

RESUMO

O objetivo deste estudo é tratar de questões pertinentes ao apagamento da língua alemã na Comunidade São Domingos, atual cidade de Morro Redondo. Para tanto, foram colhidos depoimentos de pessoas que presenciaram os fatos históricos no ano de 1940, feita a leitura de documentos e manuscritos, bem como a presença bibliográfica do referido assunto. Após a análise desses registros, foram incorporadas ao corpus informações de relevância sobre a Escola São Domingos, fundada por imigrantes alemães e que tinha suas aulas ministradas na língua alemã. Constatou-se que, devido à intervenção direta do Regime de Governo na época da Segunda Guerra Mundial, deu-se o apagamento da língua alemã e o abrasileiramento dos imigrantes.

Palavras-chave: apagamento, Língua alemã, Escola São Domingos, Abrasileiramento de imigrantes.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo surgiu da importância para o povoado de Morro Redondo da história da Escola Brasil, uma vez que os registros que narram sua fundação, o exercício docente e a transição ao longo do tempo desta escola são manuscritos, folhetins, obras, que porventura citam a mesma ou falam de alguma situação da época, bem como depoimentos de ex-alunos que poucos da época, ainda vivos, para narrar os fatos.

Não pode-se falar sobre a Escola Brasil sem entrar nos detalhes que envolvem a imigração germânica para o sul do Brasil. Em vista disso, foram reunidos relatos de alunos egressos da escola agregados a informações bibliográficas do período com a finalidade de reunir informações sobre a vinda dos primeiros imigrantes, o desenvolvimento das picadas em centros urbanos, a implantação da Gemeindu Schule, ou seja, da Escola Comunitária, o abrasileiramento dos imigrantes e o desaparecimento de uma identidade.

2. OS PRIMEIROS IMIGRANTES

Vários fatores contribuíram para que os imigrantes europeus, germânicos no caso em estudo, viessem para o Brasil. Para enfatizar esse processo migratório, Costa, Dietrich e Almeida citam que:

A devassa produzida pelas guerras napoleônicas no início do século XIX, as guerras internas, a explosão demográfica, a mecanização das lavouras, as fracassadas revoluções liberais de 1848, dos tecelões da Silésia, a falta de terras para os agricultores, nesse ambiente tumultuado que assolava os vários principados, ducados e reinados da Alemanha, deu-se o processo de emigração. Nessa época, o país ‘Alemanha’ ainda não existia, em razão de serem estados independentes entre si, cada um com seu próprio dialeto. Havia mais de trinta unidades nacionais independentes nessas condições, entre elas, Prússia, Saxônia, Hessen, Baviera, Cidade de Hamburgo e aí por diante. A unificação alemã somente aconteceu em 1871, por obra de Otto Von Bismark (COSTA; DIETRICH; ALMEIDA, 2008, p.3).

Devido às condições acima mencionadas, as dificuldades econômicas eram enormes e grande parte da população vivia em estado de penúria. A modo de evitar uma crise maior, atravessaram os mares do mundo milhões de germânicos em busca de uma nova terra e de um novo futuro. Os primeiros alemães chegaram no sul da Bahia e, depois, de modo oficial e concreto, nos três estados do sul. Para tanto, a colonização no Rio Grande do Sul iniciou-se em São Leopoldo no dia 25 de julho de 1824, com um total de 124 colonos e, no ano de1830, já se somavam 4.800 imigrantes.

Sobre essa questão, Dreher (2008) lembra que, com uma nova lei criada pelo Governo Imperial, por volta de 1830, concedendo às províncias o direito de promover a imigração e colonização, abriu-se caminho para criar uma colônia no sul do Rio Grande do Sul. Sendo assim, grande parte dos que emigraram para o sul do Rio Grande do Sul, provinham da Romênia, Vestfália e Pomerânia, esta última na época, ainda uma província do reino da Prússia.

Entretanto, durante o período da Revolução Farroupilha (1835 – 1845), o Império passou a cobrar pelas terras públicas que até então eram doadas para os imigrantes, devido a dinâmica dos movimentos migratórios para o estado do Rio Grande do Sul que cessaram completamente. Até que, em 1854, foi regulamentada a Lei das Terras que permitiu a participação da iniciativa privada facilitando a colonização no estado do Rio Grande do Sul.

Dessa forma, coube a particulares promover a colonização. Formaram-se várias companhias para esse fim. No entanto, problemas de administração acabaram por levar algumas dessas a encerrar suas atividades e as empresas colonizadoras instaladas tiveram que ser absorvidas pelo Governo Imperial. Muitos imigrantes passaram por sofrimento nas colônias. Esse fato repercutiu na Europa de tal forma, a ponto de o Reino da Prússia quase proibir a imigração para o Brasil, em 3 de novembro de 1859.

Alguns anos após a sangrenta Revolução Farroupilha, em 18 de janeiro de 1858, o primeiro grupo de 88 imigrantes chegou à Colônia São Lourenço. No entanto, cabe ressaltar que a imigração não se restringe a um único município, sendo que esse primeiro grupo foi apenas um na sequência de vários outros que vieram e se estabeleceram no eixo São Lourenço do Sul até Piratini.

3. DAS PICADAS AOS CENTROS URBANOS

Pelo exposto, pode se perceber que os imigrantes europeus não vieram para o Brasil porque assim o queriam. O pastor luterano, professor e historiador brasileiro Dreher ressalta que:

Na Europa havia gente sobrando e na América imensos espaços vazios. Se na Europa havia perigo de convulsão social, o que significaria perdas para as classes dominantes, aqui os espaços sem ocupação, significavam para o Governo Imperial risco de perder parte de seus territórios (DREHER, 2008,  p. 1).

Dentre os inúmeros imigrantes que desembarcaram no sul do Brasil, Dreher (2008) observa que além dos agricultores, destaca-se a vinda de carpinteiros, marceneiros, tecelões, ferreiros, funileiros, curtidores, sapateiros, costureiros, pedreiros, tipógrafos, torneiros, lapidadores, ferramenteiros e todas outras profissões que se possa imaginar. Esses profissionais vinham porque na Europa tinha sido inventada a máquina a vapor dando início ao processo de industrialização e a produção em série, contra o que o artesão não podia concorrer.

Observa-se que com o passar dos meses, a vinda de mais imigrantes e a migração de filhos e netos para novas colônias próximas era contínua. Embora muitos se estabelecessem desde cedo nos pequenos centros urbanos, outros ficaram na colônia e ajudaram no desenvolvimento das terras. Dreher (2008) destaca que nas terras destinadas à colonização criaram-se ‘picadas’, que a sua direita e esquerda tinham propriedades, inicialmente de 75 hectares, depois de 50 e finalmente apenas 25.

Em pouco tempo, em virtude do trabalho braçal do imigrante, nas picadas se criou toda uma infraestrutura necessária para a sobrevivência da família. Em pouco tempo as propriedades produziam o suficiente e geravam excedentes. Dreher (2008) observa que os excedentes das picadas eram levados para a casa de comércio, ou seja, a venda e de lá, eram transportados em burros e/ou carroças em direção aos pequenos centros existentes no estado, como Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande.

Com o Catolicismo em voga no Império do Brasil na época, fez-se necessário que os imigrantes construíssem seus próprios templos evangélicos, os quais eram tolerados desde que não tivessem a forma exterior da igreja, suas torres, cruzes ou sinos. Além disso, “os imigrantes provinham de uma região onde havia obrigatoriedade escolar desde o século XVII (…). Eram poucos os analfabetos entre os imigrantes, inclusive havia muitos professores e os jovens mais letrados assumiam essa função” (DREHER, 2008, p.1). Em virtude disso, enquanto a educação escolar no Brasil era uma calamidade, coube aos moradores das picadas construírem a escola junto ao templo.

4. GEMEINDU SCHULE [2]

Segundo Böhm (2012), com o loteamento das terras pertencentes ao português e político José Domingos de Almeida, a região que os brasileiros chamavam de São Domingos passou posteriormente a se chamar Morro Redondo, não sabendo especificar a partir de quando, mas foi emancipado politicamente em 12 de maio de 1988. O primeiro núcleo de colonizadores alemães advindos da Alemanha (Pomerânia), Blumenau (SC), São Lourenço do Sul e Montenegro teve início em 1886. Dessa forma, todos vieram em busca de melhores condições de vida e tiveram papel importante no desenvolvimento da região, desbravando matas, fundando comunidades religiosas juntamente com escolas, à custa de muita uta e suor.

Levando em consideração os aspectos expostos, o Pr. Neubert (1905), cita que no ano de 1895 foi fundada a primeira escola, com esforço comunitário, chamada Sociedade Escolar São Domingos. Em Rodrigues vamos encontrar a seguinte afirmação:

Era uma escola particular que durante muitos anos teve suas aulas ministradas em língua alemã. Na maioria das vezes, os professores eram os próprios pastores da comunidade que vinham da Alemanha e exerciam múltiplos papéis: eram, além de pastores, professores e médicos (RODRIGUES, 1996, p.24).

Para enfatizar as normas rigorosas estabelecidas na instituição de ensino, Rodrigues utiliza o depoimento de Alberto Reinhardt para descrever a escola:

O regime era rígido e os pais ainda apoiavam. Se, se queixavam em casa, os pais ainda batiam na gente também. Assim era o regime! A gente ia para o colégio com medo quando não sabia; e ele perguntava… já chorava de medo. ‘Arte’ não tinha. Todo dia quando entrasse na sala, primeira coisa era a reza. Quarta-feira era religião. Sábado era limpeza. A professora ensinava as meninas e mostrava como se fazia a limpeza e varrer. E nós era limpar o pátio. Isso era uma boa educação. Tudo era por trabalho. A escola era muito boa, se tivesse um aluno fraco, que não conseguia acompanhar, ele tinha que vir de tarde para aprender, e aí ele ficava lá estudando até aprender e acompanhar os outros (RODRIGUES, 1996, p.26).

Em virtude do que foi mencionado, Böhm[3] (2019) descreve que não apenas em Morro Redondo, mas em vários lugares, os imigrantes italianos, alemães e japoneses enterravam suas Bíblias e materiais escolares no pátio da comunidade, no período da guerra, já que a qualquer momento um guarda do governo poderia encontrar, queimar tudo e saber-se lá o que fazer com os imigrantes. Observa Rodrigues (1996) que nesse período foi proibido o uso da língua alemã e a escola mudou seu nome para Escola Brasil. Dessa maneira, a autora traz o depoimento de Irmgard Hackbart[4] falando da imposição de se falar apenas a língua portuguesa:

Quando foi em 1940, eu tinha 6 anos… eu ia para a escola. A escola aqui só ensinava a língua alemã… ela foi lacrada. Eu sei que aquilo me chocou muito… A minha preocupação era aonde eu ia estudar, porque a escola fechou e todo mundo falava… Vieram fiscais de Pelotas(…) e então lacraram.  Então no ano seguinte, em 1940, começou a aula, mas tudo em português (…) e até os professores não sabiam ensinar a língua e nem nós sabíamos falar o português porque em casa só se falava o alemão. Então, em 1941, mudou o nome da escola, não era mais Escola São Domingos, era Escola Brasil. As pessoas precisavam dar outro nome para mostrar que aqui era Brasil, não Alemanha. Em 1941, o meu nome era Irmgard e passou para um nome ‘deste’ comprimento: Imengarda. Não podia escrever o nome em alemão (RODRIGUES, 1996, p.27).

Diante do fato, Antônio Reinhardt[5] escreveu que quando seus colegas descobriram que ele estudou numa escola onde as aulas tinham sido ministradas em alemão, o chamaram de 5ª coluna. Rodrigues (1996, p.28) lembra que em razão da Segunda Guerra Mundial, resultante entre dois blocos de países, os imigrantes alemães, italianos e japoneses eram denominados de “5ª coluna”, sofrendo forte perseguição, não apenas no Brasil, mas também em outros países que formavam o bloco dos “aliados”.

Com relação ao apagamento da língua alemã, seu Antônio Reinhardt diz:

Iniciei a frequentar a Sociedade Escolar São Domingos em 1935, com 6 anos de idade. Era uma escola particular e o ensino era em língua alemã, mas alguns dias tinha uma hora em língua portuguesa. (…). Em 1940, estourou a Segunda Guerra Mundial, quando foi proibido lecionar em alemão e a Sociedade Escolar São Domingos ficou um ano sem dar aula. Por ordem do Governo de 1940, alguns alunos de origem alemã, italiana e japonesa tinham que aprender a ser brasileiros e nós fomos a Porto Alegre na Semana da Pátria participar dos desfiles na Avenida Borges de Medeiros e depois ao Palácio Piratini, onde recebemos um abraço do Governador (REINHARDT, n.d.).

A partir do relato apresentado, Rodrigues (1996) menciona que nos anos de 1941 e 1942, alunos de origem germânica eram levados a Porto Alegre, via Lagoa dos Patos, para assistirem à Parada da Juventude (desfile da Semana da Pátria), com o objetivo de incentivar a “nacionalização”. Nesse sentido, a autora traz os dizeres de Alberto Reinhardt:

Naquela época, quando eu tinha treze anos, no tempo da guerra mesmo, eu fui com a turma das escolas. Era só criança até 13 anos, não podia ser mais velho (…) mas só podiam ser das três origens, que eram considerados ‘5ª coluna’: os alemães, os italianos e os japoneses, que eram adversários (…). Nós fomos todos distribuídos para casas de família ou para o Ginásio Nosso Senhor do Rosário para conhecer ser patriota. Os professores é que organizavam tudo. Todo mundo ganhava um traje (…). Nós embarcamos no porto de Pelotas, no navio ‘Cruzeiro do Sul’ e no dia 7 de setembro nós desfilamos em Porto Alegre (RODRIGUES, 1996, p.29).

Por todos os argumentos supracitados, Krüger (2006) lembra que depois da Guerra tudo mudou. A Escola foi reaberta com o nome de Escola Brasil e as aulas não podiam mais ser ministradasem língua alemã. Dessa forma, os professores sentiram dificuldades para ensinar crianças que não entendiam nada em português. A igreja sofreu o mesmo problema e ainda foi obrigada a apagar o dizer do altar ‘Der Herr sei mit euch’ escrito em alemão e passá-lo para o português: ‘O Senhor seja convosco’.

Dentre os inúmeros motivos que rondaram a educação em Morro Redondo, em 1974, a Escola Nosso Senhor do Bonfim, fundada na localidade de Passo do Valdez em 1939, junto com a Igreja Católica de mesmo nome, foi transferida para o terreno da Comunidade Evangélica do Advento, onde já funcionava a Escola Brasil (Histórico da Escola Estadual Nosso Senhor do Bonfim[6]).

Imagem 1: No centro, a atual igreja da Comunidade Evangélica do Advento e à esquerda, o prédio onde funcionou a Escola Brasil.

Fonte: autor.

Imagem 2: Prédio onde funcionou a Escola Brasil.

Fonte: autor.

5. O ABRASILEIRAMENTO DOS IMIGRANTES

Historicamente, é possível afirmar que a política linguística direcionada aos imigrantes vindos para o nosso país oscilou entre indiferença e imposição severa. Percebe-se tal dualidade em depoimentos e relatos como o transcrito a seguir, de Seyferth, 1982, um falante de alemão, de Brusque, Santa Catarina:

O clima era de terror. Ninguém tinha coragem de falar em público com medo de ir para a cadeia. Nessa tal de nacionalização queriam que todos falassem português da noite para o dia. Prenderam até velhos que nada queriam com a política só porque falavam em alemão em público. Mas antigamente o governo não proibia falar alemão, não providenciou escolas ou coisas semelhantes, que ensinasse as pessoas o português. Agora, depois de todos esses anos de indiferença, queriam que a gente falasse português sem sotaque (ALTENHOFEN, 2004, p. 83).

Segundo Altenhofen (2004), os imigrantes alemães começaram a chegar ao sul do Brasil em 1824, os italianos em 1875, e poloneses a partir de 1891. Dessa forma, por volta de 1830, já existiam preocupações entre os políticos com relação à assimilação ou adoção do português como língua oficial por tais imigrantes. Assim, após 1889, foram tomadas medidas mais concretas pelos governos da República com relação ao ‘abrasileiramento’ dos imigrantes, tais como o assentamento de colônias mistas, numa tentativa de que a convivência de línguas muito diferentes e, portanto, de difícil intercompreensão, motivasse o uso do português como língua comum.

Conforme Altenhofen (2004), as duas guerras mundiais criaram um clima de tensão que serviu para acelerar as medidas de “assimilação forçada” do monolinguismo do português pelos imigrantes, mediante a alegação do “perigo alemão”, de que se fosse criado um estado alemão no sul do Brasil. O ápice dessa política repressiva ocorre em virtude da política de nacionalização do ensino implementada a partir de 1938 pelo governo do Estado Novo, de Getúlio Vargas, que ocasionou o fechamento de escolas e a proibição da língua de imigrantes, especialmente alemão e italiano.

Em virtude do que foi observado, a política de nacionalização implantada por Getúlio Vargas no final dos anos 30 tinha o interesse de destruição das línguas dos imigrantes com o ensino exclusivo do português, onde os professores eram o elemento de apagamento. Dessa forma, os governantes proibiam qualquer manifestação que não fosse o português ou que representasse prestígio a uma classe minoritariamente estigmatizada.

Portanto, pelo exposto até o momento, percebe-se que ‘falar português’ era tido como condição para ‘ser brasileiro’, fato esse muito presente no período das guerras mundiais. Sob esse aspecto, o ensino da língua portuguesa assumiu um papel cívico que tinha a função de ‘abrasileiramento’ dos diversos falantes de línguas de imigrantes, fato que pode ser observado inclusive nos materiais didáticos da época. Por outro lado, muitos descendentes de imigrantes tentavam conciliar a nacionalidade e uso da língua materna, usando como argumento o caso de outros países onde a língua não constituía condição para nacionalidade, como a Suíça, por exemplo (ALTENHOFEN, 2004).

De acordo com Mello (2001), a língua era vista como um problema e o planejamento linguístico adotado visava a erradicação da língua minoritária, focava a língua nacional como língua padrão e foram adotados programas de imersão. Dessa forma, as escolas foram proibidas de proferirem as aulas em línguas germânicas e o uso da língua portuguesa passou a ser obrigatório. A erradicação da língua materna dos imigrantes e a imersão da língua majoritária, o português, era uma forma de elitização e dominação por parte dos nativos que aqui habitavam as terras.

6. O DESAPARECIMENTO DE UMA IDENTIDADE

Quando chegaram ao Brasil, os pomeranos adentraram como imigrantes alemães, pois na época a Pomerânia era território conquistado pelos alemães. Nesse processo de invasão às culturas minoritárias pela hegemônica, os imigrantes foram aculturados, perdendo em muitos casos suas referências étnicas. Por essa razão é que vemos muitos não diferenciarem os grupos culturais de imigrantes. Contudo, a tradição cultural pomerana difere da alemã (THUM, n.d.).

Entende-se que desde os primeiros imigrantes que chegaram a realidade era adversa.

O imigrante foi mais do que um comprador de terras, na verdade foi sim fazedor de terras, pois o que obteve foi ganho do trabalho braçal na mata virgem e preço para muitos foi altíssimo. Enfermidades os prostavam no leito, quando não os matavam. Diarreias matavam os recém-nascidos (…). Picadas de cobras peçonhentas, quando não matavam, deixavam muitos aleijados para o resto da vida (COSTA; DIETRICH; ALMEIDA, 2008, p.13).

Ainda, cabe ressaltar que os imigrantes pomeranos encontraram aqui um cenário de políticas nacionais ‘monolinguisticas’, com medidas que proibiam a língua materna dos imigrantes que chegavam. Entre tais línguas de imigrantes, encontramos a “pomerana”, que sobreviveu à imposição da obrigatoriedade do português, uma vez que continuou sendo falada nas colônias. No entanto, esse fato ocorreu apenas com a língua falada, uma vez que na escrita formal prevaleceu a imposição do português.

Contudo, os fatos da Segunda Guerra Mundial, no início da década de 40, ainda causam pânico e as lembranças ruins ainda se fazem presentes, como destaca Silva[7]:

Devido à Guerra, as famílias de origem alemã de toda região eram perseguidas, o que causava grande temor em todos. Os guerrilheiros invadiam casas, saqueavam armazéns (vendas) e caminhões que transportavam gêneros alimentícios para cá

Certo dia, houve rumores que vinham atacar aqui em Morro Redondo. Os chefes de família, então, se armaram esperando na área dos Fiss (casa comercial). Meu avô Otávio portava uma foice. As mulheres e as crianças se escondiam nos fundos das casas e embaixo de árvores levando documentos e cobertas.

No Fragata, havia uma casa comercial “Pinho Pacheco”, cujo dono era muito amigo do povo do Morro e tinha posto de gasolina. Esses guerrilheiros queriam abastecer lá e o Pacheco negou-se, por isso não vieram até aqui (SILVA, 2019).

A partir do relato de Silva, podemos entender os momentos de angústia e aflição que os imigrantes passaram. Durante a conversa com populares, muitos disseram que era comum brasileiros de bem abrigarem e alimentarem os imigrantes que estivessem fugindo dos soldados. Silva segue seu depoimento dizendo:

Esse movimento chamava-se ‘Quebra-quebra’, onde tropas militares do Governo invadiam residências, casas comerciais e chamavam as pessoas de origem alemã de ‘5ª coluna’. Era proibido falar a língua alemã. Famílias enterravam livros em língua alemã. Meu pai Ronaldo tinha combustível em estoque em casa para mover o motor de energia própria. Por provável denúncia foi intimado para prestar contas em Pelotas, porque não podia ter a gasolina. Ele também tinha um mapa e eu sumi por medo.

Lembro-me do senhor Adolfo Baumbach que tinha aerodínamo para carregar a bateria do rádioe saber informação sobre a guerra.

Em Pelotas, queimaram a casa do Dr. Geraldo Treptow que trabalhava na Santa Casa. Mais tarde ele tinha que prestar atendimento aos próprios guerrilheiros.

Na Capela da Buena, entraram na igreja e a queimaram, dizendo-se hoje, a localidade da Igreja Queimada.

Veio também um senhor de Pelotas para cá porque queimaram o hotel dele. Ele morava em cima e veio se asilar nos fundos da casa da família Patzlaff. Então, o primeiro hotel construído na cidade pela família Fiss, foi gerenciado pelo senhor Buffleben (SILVA, 2019).

Levando em conta o que foi mencionado por Silva (2019), “o falante da língua minoritária era acusado por uma visão extremamente ideologizada de ser ‘fechado’, ‘achar-se superior’, ‘não querer misturar-se’ e ‘não aprender português’” (ALTENHOFEN, 2004, p.88). Dessa forma, eles viviam em pequenas colônias e muitos, como Silva, fizeram questão de esquecer sua identidade cultural porque traz muitas lembranças tristes e de sofrimento.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na realidade, os imigrantes alemães foram rotulados por se constituírem uma ‘sociedade fechada’ e caracterizados com o mito da teimosia e arrogância, sob o argumento de que não queriam aprender português. No entanto, Altenhofen (2004, p.89) lembra que tal afirmação não considera que os imigrantes foram inicialmente assentados em áreas de floresta, ainda não ocupadas e em condições de total isolamento, além disso, o processo de colonização implementado pelo próprio Estado não permitia a manutenção da língua materna dos imigrantes e nem favoreceu a aprendizagem da língua falada no Brasil.

Em virtude do que foi mencionado, ressaltamos a importância da imigração germânica para a construção da identidade, dos costumes e da linguagem da região onde se instalaram. Embora muitos que vieram para o sul do Brasil no final do século XIX tenham vindo fugidos de guerras ou em busca de terras para trabalhar, no início do século XX foram barrados por ordem do governo brasileiro de cultivar sua identidade e seus costumes. Dessa forma, deseja-se que as gerações atuais compreendam que a língua é um instrumento de comunicação social e produto cultural, falada por imigrantes, povos indígenas e demais etnias e, portanto, responsável também pela construção da identidade de um determinado lugar. Concluindo, cabe ressaltar a importância do resgate da língua pomerana e alemã na construção da identidade e diversidade cultural dos locais marcados pela presença de imigrantes de origem germânica.

REFERÊNCIAS

ALTENHOFEN, C. V. Política linguística, mitos e concepções linguísticas em áreas bilíngues de imigrantes (alemães) no sul do Brasil. Revista Internacional de Linguística Iberoamericana – Iberoamericana Editorial Vervuert, v.3, n.1, p. 83-93, 2004.

BÖHM, Regina Müller. Pinceladas da história do município de Morro Redondo. Morro Redondo: Programa fé e vida na rádio Bonfim, 05 de mai. de 2012.

BÖHM, Regina Müller. Depoimento falando sobre a Escola Brasil, ano de 2019.

CALVET, Jean-Louis. Os instrumentos do planejamento linguístico. In: As políticas linguísticas. São Paulo: Parábola, 2007.

COSTA, Jairo Scholl; DIETRICH, Breno; ALMEIDA, José Sidney Nunes de. 150 anos de imigração alemã-pomerana em São Lourenço do Sul. Porto Alegre: Comunicar Brasil, 2008.

DREHER, Martin N. Sesquicentenário da Colônia São Lourenço. 13ª Assembléia Sinodal, 2008.

KRÜGER, Clenair Schimidt. Histórico da Comunidade Evangélica de Confissão Luterana São Pedro. Morro Redondo: 2006.

MELO, Heloísa Augusta Brito de. Perfil sociolinguísticode uma comunidade bilíngue da zona rural de Goiás. Linguagem & Ensino, UCPel, vol. 4, n. 2, p. 61-92, 2001.

NEUBERT, Pr. Arthur. Manuscrito sobre a colonização de Morro Redondo datado de 10 de fev. de 1905.

NEUNFELD, Beatriz Hellwig. A história oral na escola: memórias e esquecimentos na cultura do povo tradicional pomerano e no ensino de história em São Lourenço do Sul/RS. Dissertação de Mestrado Profissional em História. Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2016.

RODRIGUES, Ana Beatriz. Morro Redondo. EDUCAT, UCPel, 1996.

REINHARDT, Antônio. Manuscrito falando da educação em Morro Redondo, sem data, em posse da professora Regina Müller Böhm.

THUM, Carmo. Pomeranos: O futuro em questão. CEPPAD – Centro de Educação Popular, Pesquisa, Acessoria e Documentação – da FURG – Fundação Universidade do Rio Grande -, publicado no Jornal Tradição, sem data de publicação.

VAHL, Mônica Strelow. Motivações para a alternância de código português-pomerano entre alunos do Ensino Médio de Arroio do Padre/RS. Dissertação de Mestrado. Programa de pós-graduação em Letras e Comunicação. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2017.

APÊNDICE – REFERÊNCIA DE NOTA DE RODAPÉ

2. Tradução em alemão para Escola Comunitária

3. A professora Regina Müller Böhm foi ex-aluna da Escola Brasil e ex-professora do Colégio Estadual Nosso Senhor do Bonfim. No ano de 2019 cedeu várias entrevistas acerca da Escola Brasil.

4. Depoimento da professora Irmgard Hackbart extraído do livro de RODRIGUES, Ana Beatriz. Morro Redondo. NAEd/UCPel, 1996; Irmgard Hackbart foi professora na Escola Brasil e dedicou muitos anos de sua vida em benefício da comunidade escolar.

5. Antônio Reinhardt deixou um manuscrito falando da educação em Morro Redondo, sem data, em posse da professora Regina Müller Böhm.

6. Histórico da Escola Estadual Nosso Senhor do Bonfim presente na secretaria da mesma.

7. Foi utilizado o pseudônimo de Liane Silva para referir-se a informante que pediu para que sua identidade fosse mantida em sigilo, em virtude de até hoje ela ter medo de que se disser algo, alguma coisa de ruim poderá acontecer com ela. Seus familiares Otávio e Ronaldo, citados no depoimento, também são nomes fictícios. Depoimento coletado em novembro de 2019.

[1] Mestranda em Letras – Aquisição e variação da linguagem. Especialização em Psicopedagogia institucional. Especialização em ensino de inglês e literatura inglesa e norte-americana. Licenciada em Letras – português e inglês. Bacharel em Administração, pela Anhanguera.

Enviado: Outubro, 2021.

Aprovado: Abril, 2021.

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Letícia Piske Soares

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