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A Contratação De Serviços Advocatícios E A Lei De Licitações E Contratos

RC: 83923
261
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/servicos-advocaticios

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

RIBEIRO, Rosália Tavares Braga Telles [1], MELO, Lisâneo Macedo Moreira [2]

RIBEIRO, Rosália Tavares Braga Telles. MELO, Lisâneo Macedo Moreira. A Contratação De Serviços Advocatícios E A Lei De Licitações E Contratos. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 04, Vol. 14, pp. 25-39. Abril de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/servicos-advocaticios, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/servicos-advocaticios

RESUMO

A Administração Pública é regida por princípios que visam garantir o respeito à cidadania e os direitos dos administrados, assegurando a regularidade e a licitude de todos os atos administrativos. Um desses princípios é o da obrigatoriedade de licitar, previsto nas normas constitucionais e infraconstitucionais, e segundo o qual o Poder Público está obrigado a instaurar procedimento administrativo específico para selecionar o candidato mais adequado ao interesse público, sempre que realizar compras e alienações, contratar obras e serviços. Nenhum princípio, todavia, é absoluto. Assim, a própria legislação brasileira prevê exceções à obrigatoriedade de licitar. O objetivo deste trabalho é analisar o alcance de inexigibilidade de licitação para a hipótese da contratação de serviços advocatícios. Para tanto, realizou-se pesquisa bibliográfica em conjunto com o exame da legislação vigente e a análise dos debates sobre a questão pelo Poder Judiciário. A investigação permitiu concluir que os serviços advocatícios, por sua natureza singular, impossibilitam a competição e, consequentemente, enquadram-se na hipótese de inexigibilidade de licitação.

Palavras-Chave: Administração Pública, Licitação, Inexigibilidade, Serviços Advocatícios.

1. INTRODUÇÃO

A Administração Pública dispõe de meios técnicos e jurídicos dos quais se utiliza para o desempenho das suas atividades, que consistem na expedição de atos infralegais, os quais podem ser atos unilaterais ou bilaterais, que são chamados contratos administrativos e apresentam um regime jurídico próprio. Pode ser ainda que, para se alcançar um determinado resultado almejado pela Administração Pública, seja necessário praticar uma sequência encadeada de atos compostos, ordenados e interrelacionados, formando o que se chama de um processo administrativo, ou procedimento administrativo (MELLO, 2013).

Licitação é o tipo de procedimento administrativo que deve obrigatoriamente preceder a celebração de um contrato administrativo (MEIRELLES, 2016). Através do procedimento licitatório a Administração Pública identifica e escolhe a proposta mais adequada ao interesse público, para posterior contratação.

A exigibilidade de realização de licitação previamente à celebração de contratos administrativos, como regra, está prevista na Constituição Federal, no artigo 37, XXI, que assim dispõe:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (BRASIL, 1988)

O procedimento licitatório é pautado pelos ditames da Lei nº 8.666/1993, conhecida como Lei de Licitações e Contratos, que “regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, e institui normas para licitações e contratos da Administração Pública” (BRASIL, 1993). A licitação tem fundamento no princípio da impessoalidade da Administração Pública, de maneira que a escolha da proposta mais vantajosa deve ser feita com base em critérios de julgamento previamente estabelecidos, baseados em disposições claras e parâmetros objetivos, conforme estabelece o Art. 40, VII da Lei nº 8.666/1993[3]. Assim, o procedimento licitatório se constitui de diversos atos administrativos, praticados de forma encadeada, que vinculam as partes e garantem igual oportunidade a todos os envolvidos, e propiciam a eficiência e a moralidade exigidas dos negócios administrativos (MEIRELLES, 2016).

2. HIPÓTESES DE INEXIGIBILIDADE DA LICITAÇÃO

A realização de procedimento licitatório é a regra geral determinada pelo ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, a lei também traz previsão de hipóteses em que sua realização é dispensada ou inviabilizada pela impossibilidade de competição.

O art. 25 da Lei de Licitações e Contratos elenca as hipóteses legais em que é possibilitada a contratação na modalidade de inexigibilidade de licitação. Para Gustavo Mello Knoplock (2009) o rol apresentado nos incisos I a III do referido artigo é meramente exemplificativo, haja vista a presença da expressão em especial no texto do seu caput. De fato, a redação do caput leva a essa interpretação:

Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I – Para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;

II – Para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

§ 1o Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

§ 2o Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis. (BRASIL, 1993)

Assim, estará presente a hipótese de inexigibilidade sempre que não for viável a competição para a escolha do contratado, ainda que não se enquadre nos casos expressamente previstos nos incisos do art. 25 da Lei nº 8.666/1993.

Observe-se que a decretação de inexigibilidade de licitação não exime o administrador da abertura do procedimento formal e da execução de todas as suas demais etapas. Nestes casos, o motivo deverá ser expressamente exarado em processo regularmente aberto, sendo obrigatória sua publicação. Isso porque o princípio da motivação exige da Administração que justifique seus atos, apontando seus fundamentos de direito e de fato, como também a correlação lógica entre os eventos ocorridos e a providência tomada, sempre que este aclaramento seja necessário para evidenciar a aderência da conduta administrativa à lei que lhe serviu de arrimo (MELLO, 2013).

A Lei nº 9.784 /1999, que “regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal” (BRASIL, 1999), traz essa previsão em seu art. 50, IV[4]. O parágrafo único exprime a necessidade de completude da motivação, para justificar de forma clara e efetiva a conduta adotada.

Ressalte-se que a decretação da inexigibilidade de licitação em desatenção às hipóteses determinadas legalmente, ou em desrespeito às formalidades pertinentes ao procedimento, constitui crime cuja previsão consta no art. 89 da Lei de Licitações e Contratos[5], sendo certo que a pena nele prevista será aplicável também a quem concorrer para a consumação da ilegalidade e beneficiar-se da contratação ilícita (BRASIL, 1993).

3. INEXIGIBILIDADE DA LICITAÇÃO NA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS

3.1 IMPOSSIBILIDADE DE CONCORRÊNCIA

A advocacia é regida pelas normas contidas na Lei nº 8.906/1994, o Estatuto da Advocacia, e na Resolução nº 02/2015 do Conselho Federal da OAB, que aprova o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil.

O Estatuto da Advocacia, em seu art. 34, XXV[6], informa ser infração disciplinar a manutenção de qualquer conduta incompatível com a advocacia (BRASIL, 1994). No mesmo sentido, o art. 5º do Código de Ética e Disciplina determina que “o exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização” (ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, 2015).

O art. 7º[7] do Código de Ética e Disciplina veda também a captação de clientela pelo advogado, que ficam impedidos de oferecer seus serviços profissionais, direta ou indiretamente, como se fossem mercadoria.

As vedações impostas pelos supracitados diplomas, por si só, já constituem óbice à concorrência entre advogados. Mas ainda há um outro aspecto que inviabiliza a concorrência entre advogados, que é o vínculo de confiança inerente à relação entre o profissional e o cliente. Trata-se de critério de grande subjetividade, que impossibilita a comparação entre os candidatos, o que seria necessário para a realização de um processo que envolva concorrência. É o que ensina José dos Santos Carvalho Filho:

(…) não há qualquer heresia em afirmar que o advogado, como regra, e em razão da natureza de sua atividade, pode ser contratado diretamente, já que a confiança no profissional pressupõe a inviabilidade de competição, desde que – é óbvio – o agente não vulnere o princípio da moralidade e da impessoalidade. (CARVALHO FILHO, 2017, p. 201)

3.2 A PREVISÃO LEGAL DO ARTIGO 25, II DA LEI Nº 8.666/1993

A inexigibilidade de licitação tem previsão legal no inciso II do art. 25 da Lei de Licitações e Contratos, e requer que seu objeto seja a contratação de serviço técnico especializado constante no rol do art. 13 da mesma lei. Tal rol inclui, em seus incisos II e V, algumas das atividades prestadas pela advocacia:

Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:

(…)

II – pareceres, perícias e avaliações em geral;

(…)

V – patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; (BRASIL, 1993)

Ainda assim, frequentes são as controvérsias envolvendo a contratação direta de advogados pela Administração Pública, desembocando tais discussões na esfera judicial. Os debates frequentemente se concentram na questão de o caso concreto se adequar, ou não, aos requisitos do art. 25, II e do art. 13 da Lei de Licitações e Contratos.

Ora, por expressa previsão legal no art. 13 da Lei nº 8.666/1993 os serviços prestados por advogados são considerados serviços técnicos especializados. Resta então avaliar, para cumprir os requisitos legais para decretação da inexigibilidade de licitação, se: i) o serviço a ser executado pelo advogado possui natureza singular, e ii) se o profissional a ser contratado possui notória especialização.

A subjetividade desta análise é a principal causa das controvérsias apreciadas tanto pelo Poder Judiciário quanto pelos Tribunais de Contas. Mas como é possível avaliar se o serviço é de natureza singular? Vergilio Mariano de Lima define o serviço de natureza singular como “aquele que foge do corriqueiro, que refoge do dia-a-dia da Administração Pública” (2007, on-line). Temos aqui uma ampla gama de tipos de serviços, que vão desde a corriqueira execução fiscal até complexas questões como negociação de contratos internacionais ou a defesa de um Prefeito da acusação de cometimento de crime de responsabilidade.

Da mesma forma, pode haver também certa dificuldade para aferir, de maneira precisa, o grau de especialização de um profissional. Há aqueles que, indubitavelmente, possuem larga experiência profissional e grande reconhecimento por parte da comunidade jurídica. A esses profissionais não se vê dificuldade em conferir o atributo de notória especialização. Por outro lado, há aqueles recém formados, iniciantes na carreira jurídica, que não geram qualquer dúvida de que não se enquadram nessa categoria. Mas entre os dois extremos há diversos graus possíveis de especialização. Em que ponto dessa gradação se pode dizer que um advogado adquire o status de profissional de notória especialização?

Para qualquer dos critérios acima, não há qualquer dificuldade em classificar os casos extremos como sendo – ou não – um serviço de natureza singular ou um profissional de notória especialização. O problema reside nos casos intermediários, mais ou menos complexos, e que, pela discricionariedade do Agente Público, poderão justificar a decretação da inexigibilidade de licitação.

Essas infinitas nuances e a subjetividade da análise fazem com que o Poder Judiciário seja abarrotado de demandas relacionadas à contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública. O tema ainda não está pacificado, trazendo riscos de responsabilização do gestor público (tanto na esfera administrativa quanto na criminal) e dos próprios advogados, mesmo quando não estiver evidente a presença de má-fé.

3.3 A PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE SINGULARIDADE DO SERVIÇO ADVOCATÍCIO – LEI Nº 14.039/2020

Visando trazer mais objetividade para a análise das hipóteses de inexigibilidade de licitação pelo Agente Público e pacificar a questão da licitude da contratação direta de serviços advocatícios, o legislador aprovou a Lei nº 14.039/2020, que acrescentou à Lei nº 8.906/1994 o art. 3-A:

Art. 3º-A. Os serviços profissionais de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei.

Parágrafo único. Considera-se notória especialização o profissional ou a sociedade de advogados cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato (BRASIL, 1994).

Ao incluir o art. 3-A no Estatuto da Advocacia, o legislador atrelou a natureza técnica e singular dos serviços advocatícios ao requisito da notória especialização do profissional que o prestará. Isto é, o legislador estabeleceu uma presunção absoluta da singularidade do serviço advocatício, pois tal quesito não precisará mais ser demonstrado, uma vez que se comprove a notória especialização do advogado contratado.

Segundo a proposta legislativa que deu origem à Lei nº 14.039/2020, a relevância da atividade do advogado justificaria considerar que “os serviços profissionais do advogado são, por natureza, técnicos e singulares, em razão de sua notória especialização intelectual e da confiança outorgada pelo seu contratante” (BRASIL, 2018).

Como veremos adiante, a Lei nº 14.039/2020 teve sua constitucionalidade questionada através da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.569, de 2020.

4. O DEBATE DA QUESTÃO NO PODER JUDICIÁRIO

A questão da contratação direta de serviços de advogados por inexigibilidade de licitação já foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal em algumas oportunidades. A seguir, apresentaremos alguns julgados relevantes acerca do tema.

4.1 INQUÉRITO Nº 3.074/SANTA CATARINA

O Inquérito nº 3.074/SC, julgado pelo Supremo Tribunal Federal em 2015, foi instaurado para apurar a possível prática do crime previsto no art. 89, da Lei nº 8.666/1993 na contratação de um escritório de advocacia para prestação de serviço de consultoria jurídica e patrocínio do Município de Joinville/SC frente à retomada dos serviços de abastecimento de água e esgoto. Na ocasião o Poder Público Municipal objetivava transferir a execução do serviço sanitário para a Agência Municipal de Água e Esgoto do município, após o término de um contrato que fora executado por 30 anos pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (CASAN).

O Ministro Luís Roberto Barroso, o relator do inquérito, estabeleceu em seu voto os parâmetros a serem considerados pelo Poder Público ao avaliar cada caso concreto de inexigibilidade de licitação, com o objetivo aumentar a segurança e a transparência dessa avaliação. São eles:

a) necessidade de realização do procedimento administrativo formal; b) a demonstração da notória especialização do profissional a ser contratado; c) a demonstração da natureza singular do serviço; d) a demonstração da inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e e) verificação da prática de preço de mercado para o serviço. (BRASIL, 2014).

O Ministro Barroso concluiu que a denúncia não demonstrou que o reconhecimento da inexigibilidade de licitação teria sido inadequado, tendo em vista os parâmetros estabelecidos em seu voto. Desta forma, a denúncia foi rejeitada por maioria dos votos dos Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal.

4.2 RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 656.558/SÃO PAULO

O Recurso Extraordinário nº 656.558 originou-se de uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público de São Paulo em face da Prefeitura do Município de Itatiba e outros, pretendendo declarar nulo o contrato firmado diretamente entre o Município e uma sociedade de advogados, para prestação de serviços técnicos profissionais de advocacia. Alegava o MP que o contrato era irregular devido à inexistência de serviço técnico especializado de natureza singular, desatendendo à regra do art. 25, § 1º, da Lei nº 8.666/1993 e, consequentemente, afrontando o art. 37, caput e inciso XXI, da Constituição Federal. Assim, afirmava o MP que o Prefeito e o Secretário Municipal de Negócios, à época nos cargos, e a sociedade de advogados, praticaram atos de improbidade administrativa, gerando danos ao erário municipal.

A sentença da ACP não reconheceu qualquer imoralidade, ilegalidade e nem lesão ao erário e foi julgada improcedente, mas chegou a ser reformada através de recursos propostos nas diversas instâncias do Judiciário, até a interposição do RE nº 656.558, em 2011 (BRASIL, 2011).

Em que pese não ter havido deliberação em plenário até a presente data, o Ministro relator Dias Toffoli proferiu seu voto em 2017, quando teve início o julgamento, no sentido de reestabelecer a sentença que afastou a improbidade administrativa, propondo a seguinte tese com repercussão geral:

a) É constitucional a regra inserta no inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, que estabelece ser inexigível a licitação para a contratação dos serviços técnicos enumerados no art. 13 dessa lei, desde que i) preenchidos os requisitos nela estabelecidos, ii) não haja norma impeditiva à contratação nesses termos e iii) eles tenham natureza singular e sejam prestados por profissionais ou empresas de notória especialização, inclusive no que tange à execução de serviços de consultoria, patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas.

b) Para a configuração da improbidade administrativa, prevista no art. 37, § 4º, da Constituição Federal, faz-se necessária a presença de dolo ou culpa, caracterizados por ação ou omissão do agente, razão pela qual, não havendo prova do elemento subjetivo, não se configura o ato de improbidade administrativa, em qualquer uma das modalidades previstas na Lei nº 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa. (BRASIL, 2011)

4.3 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE Nº 45/2016 – AJUIZADA PELO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

Outro julgado de grande destaque sobre o tema é a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 45, proposta em 2016 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que tem por objeto os artigos 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993. (BRASIL, 2016)

O Conselho Federal da OAB propôs a referida ADC na intenção de pacificar o entendimento sobre o tema, uma vez que a subjetividade dos critérios legais levava a disparidades quanto ao enquadramento dos serviços advocatícios nas hipóteses de inexigibilidade de licitação. A ADC pretendia evitar a insegurança jurídica trazida pela frequente ocorrência de interpretações díspares, inclusive em relação ao mesmo caso concreto, pelas diferentes instâncias do Poder Judiciário.

Em linhas gerais, a ADC Nº 45 pautava-se nas seguintes alegações:

i)a confiança entre advogado e cliente torna a relação única, o que inviabiliza a competição; ii) o Estatuto da Advocacia e o Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil repudiam a mercantilização da profissão, de maneira que a competição de advogados em processo licitatório fere as normas que regulam a profissão; iii) a contratação direta de advogado pelo administrador se enquadra no campo da discricionariedade, afastando a improbidade do ato; iv) a singularidade do serviço e a notória especialização são intrínsecos à atividade advocatícia, e não podem ser aferidos através de competição objetiva entre os candidatos (BRASIL, 2016).

Além disso, ressaltava o fato de que muitos municípios brasileiros de pequeno porte não possuem corpo jurídico próprio, e se defrontam com eventuais necessidades de serviços advocatícios em circunstâncias que não comportam a realização de licitações – ocasiões em que se viam desamparados juridicamente.

O julgamento da ADC Nº 45 não foi concluído ainda, mas sua votação iniciou-se no Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal em 16 de outubro de 2020, quando foi disponibilizado o voto do relator, Ministro Roberto Barroso. Seu voto propôs a fixação da seguinte tese:

(…) São constitucionais os arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, desde de que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar: (i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com o praticado pelo mercado. (BRASIL, 2016).

Observe-se que a tese proposta pelo Ministro Barroso na ADC Nº 45 repetiu o teor do voto proferido por ele próprio no Inquérito nº 3.074/SC, em que vincula a constitucionalidade dos arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993 à observação de dois parâmetros que não constam no texto legal. Em termos práticos esta tese teria os efeitos contrários dos desejados pelo Conselho Federal da OAB com a propositura da ADC Nº 45/2016, que visava conferir maior robustez e ampliar a aplicabilidade dos artigos 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, declarando-os constitucionais. Mas, ao contrário, o que se viu foi um aumento no rigor para a decretação da inexigibilidade de licitação na contratação de serviços advocatícios, uma vez que, além da demonstração do enquadramento do caso concreto aos critérios legais, a Administração Pública deverá demonstrar que os integrantes do Poder Público não estão aptos a prestar os serviços, e que o preço contratado é compatível com o praticado pelo mercado (BRASIL, 2020).

4.4 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 6569 – AJUIZADA PELA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Lei nº 14.039 teve sua constitucionalidade questionada na ADI 6569, proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), sob a alegação de que a inclusão do art. 3-A no Estatuto da Advocacia visava, na verdade, suprimir uma das condições exigidas pela Lei nº 8.666/1993 para validação da contratação direta por inexigibilidade de licitação (BRASIL, 2020).

Sustenta a Conamp que a Lei nº 14.039/2020 ofende diversos princípios constitucionais. Além disso, o conceito de que o vínculo de confiança entre contratante e contratado torna os serviços advocatícios singulares somente deve ser aplicado na esfera privada, pois a Administração Pública deve se ater aos critérios técnicos e objetivos expressos na lei (BRASIL, 2020).

A ADI nº 6.569 ainda não foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Constituição Federal brasileira proclama que os Agentes Públicos devem conduzir suas funções com total aderência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Como uma das formas de garantir a aderência a esses princípios, determina que as obras, serviços, compras e alienações em geral, devem ser contratadas mediante regular processo de licitação pública.

A Lei de Licitações e Contratos, contudo, prevê que a licitação é inexigível nos casos em que há impossibilidade de competição. E uma dessas hipóteses é a contratação de serviços técnicos especializados, nos quais se incluem os serviços advocatícios.

Pode-se dizer, então, que o Poder Público tem o poder discricionário para contratar diretamente serviços advocatícios. Faz-se necessário ressaltar que este poder discricionário tem limites, não podendo ser confundido com a arbitrariedade. A discricionariedade exige que o administrador público mantenha o respeito à ordem jurídica, ponderando a conveniência e oportunidade inerentes à situação específica e obedecendo aos princípios gerais da administração, com a finalidade de alcançar o melhor interesse público. Neste sentido a discricionariedade, ainda que permita certa liberdade ao administrador, requer obediência à lei – o que é observado no caso em tela, já que a própria legislação prevê os serviços técnicos especializados de advogado dentre as hipóteses em que a licitação é inexigível.

Também é possível afirmar que os serviços advocatícios são singulares, pois são marcados pela orientação particular do profissional. É certo que o trabalho advocatício é trabalho intelectual, que carrega altas doses de individualidade do profissional, impedindo sua comparação com de outros profissionais da área. Assim, é tarefa impossível determinar se um profissional é melhor do que o outro com base apenas nos seus títulos ou na maneira de peticionar. Neste sentido, a presunção de singularidade do serviço advocatício foi incorporada ao arcabouço jurídico brasileiro pela Lei nº 14.039/2020.

Ademais, o Código de Ética e Disciplina da OAB determina a incompatibilidade da advocacia com qualquer procedimento de mercantilização da profissão. Por outro lado, o Estatuto da Advocacia estabelece que a adoção de qualquer conduta incompatível com a advocacia constitui infração disciplinar. Assim, a concorrência de advogados entre si, em processos licitatórios, os sujeitaria às penalidades previstas nas normas que regem a advocacia.

Conclui-se, então, que a realização de licitação para a contratação de serviços advocatícios contraria a sobriedade, moderação e discrição que devem pautar a conduta e o trabalho do advogado.  Portanto, o processo licitatório não guarda compatibilidade com a atividade advocatícia. A possibilidade de admissão de licitação entre advogados traria muitas consequências negativas para a classe, tais como a infração de dispositivos ético-disciplinares, o fim da liberdade e da independência de toda a classe e, por fim, o aviltamento da advocacia, profissão que tem o papel constitucional de assegurar a justiça e garantir patamares dignos de justiça social.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 mar. 2021.

_______. Lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666cons.htm>. Acesso em: 12 mar. 2021.

_______. Lei nº 8.906 de 04 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8906.htm>. Acesso em: 12 mar. 2021.

_______. Lei nº 9.784 de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9784.htm>. Acesso em 12 mar. 2021.

_______. Lei nº 14.039 de 17 de agosto de 2020. Altera a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da OAB), e o Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946, para dispor sobre a natureza técnica e singular dos serviços prestados por advogados e por profissionais de contabilidade. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14039.htm>. Acesso em: 12 mar. 2021.

_______. Projeto de Lei nº 10.980 de 2018. Acrescenta os § 3º e 4§ ao art. 3º da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, para dispor sobre a natureza singular
e notória dos serviços advocatícios. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node01phz4nlvmgvjuvee0bpgg0fz6249966.node0?codteor=1692460&filename=Tramitacao-PL+10980/2018 >. Acesso em: 12 mar. 2021.

_______. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade. Direito Constitucional e Administrativo. Ação Declaratória de Constitucionalidade. Arts. 13, V e 25, II da Lei nº 8.666/1993. Contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública por inexigibilidade de licitação. ADC Nº 45, Distrito Federal, 2016, Relator: Ministro Roberto Barroso. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/dl/stf-forma-maioria-dispensa-licitacao.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2021.

_______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, proposta pela ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO – CONAMP, em face da Lei nº 14.039, de 17 de agosto de 2020, que “Altera a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da OAB), e o Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946, para dispor sobre a natureza técnica e singular dos serviços prestados por advogados e por profissionais de contabilidade. ADI 6.569, Distrito Federal, 2020,
Relator: Ministro Edson Fachin. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=6012103>. Acesso em: 12 mar. 2021.

_______. Supremo Tribunal Federal. Inquérito. Imputação de crime de inexigência indevida de licitação. serviços advocatícios. Rejeição da denúncia por falta de justa causa. INQ 3.074, Santa Catarina, 2010, Relator: Ministro Roberto Barroso. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=264181779&ext=.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2021.

_______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. Aborda o requisito da singularidade nas contratações de serviços técnicos pelo Poder Público para atuação junto aos Tribunais de Contas a partir do Recurso Extraordinário (com repercussão geral reconhecida pela Corte Suprema). Recurso Extraordinário nº 656.558, São Paulo, 2011.
Relator: Ministro Dias Toffoli. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE656558DT.pdf > Acesso em: 12 mar. 2021.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 31ª.. edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2017.

KNOPLOCK, Gustavo Mello. Manual de Direito Administrativo: teoria, doutrina e jurisprudência: questões de concurso comentadas. 3ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier; 2009

LIMA, Vergilio Mariano de. Singularidade e notória especialização. Os monstros nas licitações. In: ConJur – Consultor Jurídico [on-line], nov. 2007. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/10617/singularidade-e-notoria-especializacao>. Acesso em: 09 mar. 2021.

MEIRELLES, Hely Lopes; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito administrativo brasileiro – 42. ed. / atual. até a Emenda Constitucional 90, de 15.9.2015. – São Paulo: Malheiros; 2016

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30a edição revista e atualizada. São Paulo: Malheiros; 2013.

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Resolução nº 02/2015. Aprova o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. 2015. Disponível em: < https://www.oab.org.br/arquivos/resolucao-n-022015-ced-2030601765.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2021.

APÊNDICE – REFERÊNCIA DE NOTA DE RODAPÉ

3. Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: (…) VI – condições para participação na licitação, em conformidade com os arts. 27 a 31 desta Lei, e forma de apresentação das propostas; (…) (BRASIL, 1993)

4. Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

(…) IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;

(…) 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. (…) (BRASIL, 1999)

5. Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena – detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público. (BRASIL, 1993)

6. Art. 34. Constitui infração disciplinar:

(…)

IV – Angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros; (BRASIL, 1994)

7. Art. 7º É vedado o oferecimento de serviços profissionais que implique, direta ou indiretamente, angariar ou captar clientela. (CONSELHO FEDERAL DA OAB, 2015)

[1] Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense/RJ; Acadêmica do Curso de Especialização em Administração Pública na Universidade Federal Fluminense/RJ; Tecnóloga em Processamento de Dados pela Pontifícia Universidade Católica/RJ.

[2] Orientador. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP), Especialista em Direito Público pela Universidade Gama Filho (UGF), Especialista em Gestão de Ciência e Tecnologia pela FIOCRUZ, Graduado em Direito pela Faculdade da Cidade (RJ).

Enviado: Março, 2021.

Aprovado: Abril, 2021.

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Rosália Tavares Braga Telles Ribeiro

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