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A decisão razoável: Uma análise sobre o dever do judiciário em respeitar a divisão administrativa de competências no SUS

RC: 46749
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

REIS, Reisson Ronsoni dos [1]

REIS, Reisson Ronsoni dos. A decisão razoável: Uma análise sobre o dever do judiciário em respeitar a divisão administrativa de competências no SUS. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 03, Vol. 01, pp. 100-110. Março de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/decisao-razoavel

RESUMO

O presente trabalho analisa a posição do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal com relação ao dever do Poder Judiciário em respeitar a divisão administrativa de competências no SUS, sob pena de não cumprirem os magistrados com seus deveres funcionais e legais, o que resultaria, a longo prazo, na falência do Estado. Busca-se demonstrar que não basta verificar a solidariedade dos entes, é necessário que sejam razoáveis para que o resultado seja eficiente (efetivo e economicamente viável). Para isso, pesquisam-se os enunciados do CNJ e a posição do STF sobre o tema, utilizando-se o método dedutivo sobre a pesquisa bibliográfica, doutrinária e jurisdicional. Com base nisso, conclui-se que uma decisão judicial dissociada da atual posição do CNJ é irrazoável e contrário ao dever constitucional de um magistrado, enquanto desrespeitar uma decisão do STF resulta em uma decisão não apenas ineficiente, como ilegal, pois fere princípios legalmente instituídos para o serviço público, que é o serviço prestado por um juiz.

Palavras-chave: Conselho Nacional de Justiça, Supremo Tribunal Federal. divisão administrativa de competências no SUS.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por tema a análise da posição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que o Poder Judiciário respeite à divisão administrativa de competências no SUS, apesar da solidariedade entre os entes, em especial no que tange à existência de benefícios para o paciente e para o Erário.

Por esse motivo, a pesquisa justifica-se ante a necessidade de serem conhecidos os efeitos negativos das decisões judiciais envolvendo procedimentos do SUS, por melhor que sejam as intencionadas que lhes fundamentem, de modo a demonstrar para a magistratura a razoabilidade da posição do CNJ e do STF no que toca a um tema que deve ser tratado com técnica e não emoção.

Como objetivo, portanto, tem-se que este estudo visa analisar se há obrigatoriedade no cumprimento dos enunciados do CNJ e na posição do STF sobre Direito à Saúde.

Diante disso, o trabalho é dividido em três capítulos, sendo o primeiro responsável por compreender os motivos pelos quais Estados existem, de modo a esclarecer quais a força motriz que deve reger seus atos; o segundo, por entender as funções dos magistrados e a relação que possuem com a manutenção do sistema estatal para proporcionar saúde e garantir vida; e, o terceiro, por estudar o raciocínio por trás dos enunciados do CNJ em matéria de Direito Sanitário, e do Tema nº 793 do STF.

Por hipótese, parte-se do princípio de que as decisões do CNJ e do STF são a posição mais justa existente, do ponto de vista do Direito Administrativo, para as partes da triangulação processual, e com maiores condições de resultar na efetividade que os juízes esperam para suas determinações.

Para tanto, utilizou-se o método dedutivo, baseado em pesquisa bibliográfica e doutrinária, bem como com a análise dos enunciados do CNJ e a posição pacificada pelo STF.

1. DA FUNÇÃO PRIMORDIAL DO ESTADO E DA RAZÃO PELA QUAL EXISTE

Partindo-se do pressuposto que toda sociedade surge da busca de um bem, e que a reunião de homens só existe ou se mantém enquanto for possível com ela se alcançar e proteger tal bem (ARISTÓTELES, 2006), dever-se-á assumir que o Estado existe em virtude de existir um bem que mantenha a coesão dos indivíduos firme a ponto de fazer dele um povo, haja vista que o povo é um dos atributos da constituição do Estado (FOUCAULT, 1999).

Logo, o Estado existe enquanto existir uma ou mais sociedades constituindo seu povo, e essas sociedades existem enquanto existir ou enquanto os interesses convergirem para um bem comum, ou enquanto a união for capaz de garantir os frutos do bem almejado.

Nesse sentido, é sabido que o povo constitui o elemento vivo do Estado (PORTELA, 2011), portanto, sem que se garanta a vida de um povo, o Estado perde sua razão de ser, e, sendo assim, a vida é um bem a ser perseguido pela sociedade, o que faz da segurança a função primordial do Estado.

Rousseau (2017) defendeu que o Estado existe para, da soma das forças dos indivíduos, criar uma pessoa pública capaz de proteger os bens de todos aqueles que lhe emprestam a força, o que constituiria um pacto por meio do qual a sociedade seria mantida.

Durante o mesmo momento de ilustração, Cury (2009) descreve que Voltaire e Frederico II da Prússia compreendiam que o poder de um soberano e, por consequência, do Estado, deriva das pessoas, sendo dever deste a provisão da felicidade para essas pessoas que no governante depositam sua fé.

Derivando dessa relação, a obra Anti-Maquiavel resolve o dilema sobre amor e ódio como sustentáculo do poder estatal, dizendo que tal não reside nem em um, nem em outro, mas sim no respeito que o representante do Estado não apenas deve ter, mas deve ser digno de sua posse (PRÚSSIA, 1998).

Nesse ínterim, o Estado deve ser capaz de promover segurança para os cidadãos, função que não existe se a Administração não for capaz de adotar medidas justas, haja vista que é dever do Estado a imposição da justiça (ROTERDÃ, 1998).

Com base nisso, tem-se que a finalidade dos Estados consiste em proteger seus súditos, e, caso não consiga, perde a razão de ser. Por tal questão, tem-se que, para que se possa compreender o que seria uma decisão razoável à luz da repartição de competências no SUS, é necessário que se verifique como a República Federativa do Brasil planejou, em sua Carta Política, cumprir o referido papel.

Preambularmente, tem-se que a matriz do texto magno invoca para o Estado brasileiro o dever de garantir a segurança e a justiça, o qual possui sua defesa assegurada normativamente pelo disposto no “caput”, do artigo 5º, da Constituição Federal.

Por consequência, o Brasil assegura a seu e àqueles em seu território o direito à vida, o que tem relação com a existência física do ser humano, com acepção negativa, por meio da qual o Estado é impedido de ir de encontro à vida de seu povo, e uma acepção positiva, que se traduz no dever de manutenção de um mínimo existencial (NOVELINO, 2016).

O direito à vida, portanto, é o primeiro direito que necessita ser assegurado para que o Estado exista, motivo pelo qual é conhecido como direito fundamental de primeira dimensão, uma vez que dele derivariam todos os demais tipos de direitos, os quais seriam inócuos caso não existisse um ser humano para gozá-los (LENZA, 2011).

Todavia, a primeira dimensão não traduziria toda a expressão do direito à vida na magnitude em que é conhecido hoje, haja vista que lhe faltava algo que garantisse que as pessoas não apenas existiriam, mas que existiriam de forma digna, ou seja, que vivessem para além da reles sobrevivência, e nesse sentido o fundamento da república em epígrafe, que, no artigo 1º, inciso III, de sua Carta Política defende a vida com dignidade (NOVELINO, 2016).

Tal questão gera uma segunda necessidade, o direito à saúde, uma vez que não se pode viver de modo pleno sem saúde, motivo pelo qual se fez necessária a ampliação do olhar estatal sobre os seus deveres.

2. DO PAPEL DA MAGISTRATURA NA MANUTENÇÃO DO SISTEMA DE SEGURANÇA ESTATAL À VIDA E À SAÚDE

O direito à saúde, nesse sentido, nasce como um direito fundamental de segunda dimensão, ou seja, um direito vinculado não mais ao indivíduo, mas a toda sociedade, motivo pelo qual o Artigo 6º da Constituição Federal batizou-o de direito social.

Enquanto direito social, o direito à saúde possui uma difícil concretização, haja vista que, por depender de atitudes positivas da Administração para fins de sua promoção, passar a ter precisão de disponibilidade orçamentária (LENZA, 2011).

Considerando, então, que a efetividade do direito à saúde depende das capacidades do Erário, a Carta Magna previu, em seu artigo 196, que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Essa previsão, que a priori não parece oferecer solução para a problemática envolvendo a capacidade econômica do Estado para resolver questões sanitárias, esconde, em seu bojo, a resposta para a encruzilhada.

O artigo 196 dispõe que a Administração deve estruturar a forma com que o direito à saúde será efetivado, o que deve ocorrer, com base no princípio da eficiência, previsto no artigo 37, “caput”, da mesma norma, da forma economicamente mais vantajosa para o Estado, fazendo o máximo com o mínimo, como discorre Carvalho Filho (2015) ao tratar do duplo viés da eficiência.

Por esse motivo, a leitura que concilia o referido princípio ao comando do artigo 196 está na de que o Poder Público deve criar um mecanismo por meio do qual proveja o acesso à saúde a todos, o que, com base no artigo 6º, do Decreto-Lei nº 200/67, só pode ocorrer quando há divisão entre os Entes, cada um assumindo a quantidade e a complexidade para a qual possui recursos disponíveis para suprir, o que igualmente está previsto nos artigos 197 e 198 do texto magno.

Em uma análise hermenêutica clássica, lastreada no elemento sistemático, a interpretação desses dispositivos deve ser feita de forma conjunta, e não isoladamente, uma vez que a Constituição Federal é um corpo uno e indivisível dentro do qual todas as normas devem ser lindas de forma global e integrada (LENZA, 2011).

Não obstante, a interpretação com base na máxima efetividade da norma, que envolve a relação entre efeitos e dispositivo (LENZA, 2011) também beneficiaria a lógica supracitada, uma vez que ao se dividir as atribuições, potencializar-se-ia a busca de soluções por haver um responsável por encontrá-las, excluindo-se a possibilidade do Ente economicamente mais forte eximir-se de sua responsabilidade ante o recaimento da cobrança sobre o Ente teoricamente mais fraco.

Sendo nesse momento, então, que se deve avaliar o papel do julgador nesse sistema, de modo que se compreenda a importância deste para a efetividade da medida que determinar e o sucesso de um sistema do qual depende a existência do próprio Estado, uma vez que interferências equivocadas do ponto de vista prático, mesmo que asseguradas do ponto de vista jurídico, podem acarretar falência do conjunto de Poderes que constituem um Estado.

Segundo Roterdã (1998, p. 402), o príncipe deve exigir de seus funcionários os mesmos padrões de integridade que ele próprio exige, ou muito próximo deles, não podendo apenas nomear juízes, mas se garantir de que executem escrupulosamente suas tarefas.

Isso porque um magistrado negligente com seus deveres arruína até o mais sofisticado sistema jurídico (ARISTÓTELES, 2006), haja vista que a ordem social é mantida pela esperança de justiça, a qual, se não correspondida corrói a estrutura do Estado.

Considerando, nesse sentido, que os Estados são os príncipes da contemporaneidade, e que, no Brasil, tal poder é limitado por um magno texto, verificar o que a Constituição da República Federativa do Brasil dispõe sobre a judicatura faz-se necessário.

O artigo 95 da norma em comento estabelece as garantias da magistratura, que, por sua vez, deveriam assegurar um juízo pautado na moralidade administrativa do “caput”, do artigo 37, interpretação a que se chega com o uso da hermenêutica clássica, ou seja, a de que cada artigo deve ser lido conjuntamente com os demais, e não de forma isolada, pois, se assim o fosse, teríamos uma ditadura judicial, ferindo o equilíbrio entre os Poderes.

Não se pode esquecer, nesta pequena observação, que a ideia é não permitir que um único Órgão legisle, execute ações estatais e julgue as causas, ou seja, constituir um sistema de freios e contrapesos (LENZA, 2011), por meio do qual um magistrado poderia julgar a norma, por meio da elasticidade interpretativa, mas não contra a lei, pois não teria poder nem para criá-la, assim como não possui para executá-la.

A interpretação, então, é fixada em suas decisões, as quais devem ser justas, haja vista que oriundas de um Poder geralmente denominado, de forma genérica, como Justiça, porém, a justiça administrativa, como substrato da moralidade (CARVALHO FILHO, 2015) está relacionada a dois princípios implícitos da constituição, o da proporcionalidade e o da razoabilidade, que, conjuntamente, traduzem-se como uma exigência de que as decisões judiciais considerem os deveres de cada um e que se exija de cada um conforme esses deveres (COUTO, 2015).

Sendo assim, é possível que se diga que, em matéria tanto de direitos fundamentais individuais quanto sociais, os juízes são obrigados a considerar todas as elementares envolvendo o caso concreto, e não apenas o caso concreto, pois um processo não é um mundo abstrato e desconexo do mundo real – cada decisão judicial acaba por produzir efeitos na ordem, e esses efeitos não devem ser lesivas ao Estado no que toca a organização dos Poderes, e a efetividade de suas normas independentemente do lapso temporal.

3. DA RAZOABILIDADE DOS ENUNCIADOS 08, 13, 46, 60 E 76 DO CNJ, EM MATÉRIA DE DIREITO SANITÁRIO, E DO TEMA 793 DO STF

Cabe iniciar o terceiro capítulo com uma nota sobre o que seria o Conselho Nacional de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Aquele é encontrado no artigo no inciso I-A, do artigo 92, da Constituição (Órgão do Poder Judiciário), enquanto este, além de constar no inciso I do mesmo dispositivo, também aparece em um rol de artigos que começa a partir do artigo 101 do texto magno.

O CNJ possui como finalidade a de zelar para que os juízes cumpra com seus deveres funcionais, estando descrito no inciso II, do §4º, do artigo 103-B, da Constituição Federal, que tais obrigações envolvem aquelas próprias para a Administração, segundo o “caput”, do artigo 37, em que pese não possa modificar decisões jurisdicionais (NOVELINO, 2016, p. 685-8).

Doutra banda, ao STF compete a guarda da Carta Política pátria, com poderes para reformar decisões jurisdicionais, bem como para orientar as decisões de hierarquia inferior no Organograma do Poder Judiciário fixando suas próprias posições (LENZA, 2011, p. 662-9), uma vez que as decisões proferidas em recurso extraordinário, admitidas com repercussão geral, possuem ‘eficácia expansiva’, devendo ser observadas pelos demais órgãos do Poder Judiciário (NOVELINO, 2016, p. 701), o que, por sua vez, alinha-se ao princípio da eficiência, haja vista que acelera o processo, poupando a sobrecarga da Suprema Corte e das Cortes primárias e secundárias, padronizando o entendimento.

Encerradas as notas, tem-se que, se a posição do CNJ não tem o poder de alterar decisões jurisdicionais, pode, pelo menos, orientar os magistrados no sentido de respeito ao princípio da moralidade administrativa, e, portanto, de alertar para a importância do princípio da razoabilidade.

O STF, por outro lado, tem a capacidade que falta ao CNJ, e pode modificar a posição de outras instâncias quando afetam matéria constitucional, balizando com sua posição as decisões dos demais Tribunais, as quais, quando consonantes com a sua própria, franqueiam à magistratura o caminho para que sejam eficientes, uma vez que, quando destoam da decisão do Supremo, tornam-se menos efetiva e mais custosa, pois geram recursos e, em matéria de saúde, demandas regressivas para ajustar o equívoco quanto à triangulação processual.

O Enunciado nº 08 do CNJ, de 18 de março de 2019, inova ao estabelecer um dever aos magistrados ao afirmar que nas apreciações judiciais sobre ações e serviços de saúde devem ser observadas as regras administrativas de repartição de competências entre os entes federados, o que é principiologicamente razoável e, consequentemente, constitucionalmente moral.

Na mesma linha de raciocínio, o STF, em 23 de maio de 2019 fixou a tese de que:

Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

Logo, os juízes devem orientar seu posicionamento no sentido de que, apesar da solidariedade, existe uma descentralização entre os entes e uma hierarquização entre suas respectivas obrigações, a qual deve ser prioritariamente reconhecida pelo juízo, sob pena de causar dano à Administração, o que está nítido na colocação determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro, pois, ao equivocar-se, o magistrado pode prejudicar a parte errada e, subsidiariamente, passa a ter o dever de remendar o problema anterior, de modo a evitar maiores danos aos Poderes, inclusive ao Judiciário, pois tal posição nas primeiras instâncias ensejaria uma demanda regressiva e, consequentemente, mais prejuízos a já sobrecarregada Themis.

Analisando, sem o viés constitucional, a posição do STF também envolve o princípio da desconcentração, previsto no artigo 6º, do Decreto-Lei nº 200/1967, tal como o do planejamento, motivo pelo qual existe a divisão administrativa de competências, uma vez que não há sentido razoável em fazer com que todos os entes façam tudo em matéria da saúde, podendo um ente diretamente responsável fazê-lo, haja vista que essa postura levaria aos entes com menor capacidade econômica serem sobrecarregados até a inoperância, o que seria contrário à função de um magistrado, como visto.

No mesmo sentido, o Enunciado nº 13 do CNJ orienta sobre procedimentos que podem ser adotados pelos juízes para compreender o SUS antes de decidir sobre o direcionamento de sua decisão em demanda envolvendo insumo salutar, de modo a evitar prejuízos desnecessários e, portanto, ser razoável.

Consoante a isso, o Enunciado nº 46 do CNJ determina que a magistratura tem o dever de analisar pedidos de transferências hospitalares dentro dos limites da pactuação, dos protocolos procedimentais e da priorização clínica, haja vista que as decisões judiciais não constituem um novo leito especializado, mas tão somente retiram o paciente de sua posição em dada fila para passar na frente de outro.

Nesse sentido, cabe destacar que o pensamento o Direito não socorre os que dormem, em matéria de Saúde, poderia ser escrito como o Direito mata os que dormem, pois, quando irrazoavelmente se decide de forma distinta da determinada por CNJ e STF, escolhesse salvar o reclamante em detrimento de todos aqueles que silenciaram seu desejo de viver para Themis.

No mesmo sentido, a solidariedade entre os entes em matéria de saúde, não pode servir, segundo o Enunciado nº 60 do CNJ, de escusas ao juiz para que não busque direcionar ou redirecionar o processo contra o ente administrativamente responsável em benefício daqueles cuja responsabilidade deriva exclusivamente da solidariedade.

Concomitantemente, as decisões judiciais envolvendo fornecimento de medicamentos e de serviços de saúde deverão, a luz do Enunciado nº 76 do CNJ, apresentar fundamentação sobre as consequências práticas da decisão e as dificuldades do gestor, não devendo apenas se fundar em valores abstratos, o que se alinha aos artigos 20 e 22 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, e, se os juízes não estão obrigados perante o CNJ a serem razoáveis em suas decisões, estão obrigados pela Constituição a cumprirem as leis em sentido amplo, o que incluiria a LINDB, motivo pelo qual a posição do CNJ tem sua obrigatoriedade reforçada nos enunciados supracitados, sob pena de ferir o equilíbrio entre os Poderes ao não analisar as capacidades da gestão e, assim, levar à ruína do Estado.

Cabe destacar que, um Estado arruinado ou falido administrativamente não terá condições de manter um sistema de saúde, nem as demais facetas da segurança que está obrigado por fundamento a providenciar, tampouco os custos de um Poder Judiciário, haja vista que na ruína de deterioram os sistemas de controle, e com a deterioração destes, a arrecadação de recursos que mantém o funcionamento de toda a estrutura.

CONCLUSÃO

Ante o exposto, partindo-se do pressuposto de que a posição do STF e do CNJ em matéria de repartição de competências no SUS é justa no sentido administrativo, ou seja, constitucionalmente moral por apresentar a razoabilidade esperada de um magistrado, tem-se que, quando um juiz as segue, está primando pela manutenção do Estado e pela eficiência de suas decisões para os fins a que se destinam.

Com isso, tem-se que há obrigatoriedade do magistrado em seguir os ditames do CNJ e do STF em matéria de saúde, porque seguem os princípios da razoabilidade, o qual está atrelado ao princípio constitucional da moralidade.

Ao mesmo tempo, o raciocínio esboçado pelos Órgãos judiciais elencados acima atendem também ao princípio constitucional da eficiência, uma vez que, quando não atendido, fere o motivo pelo qual juízes e o Estado existem, podendo em consequência arruiná-lo de forma a colapsar todo o sistema.

Ademais, as decisões do CNJ e do STF estão diretamente relacionadas ao princípio da legalidade, de modo que também a esse princípio estão subordinados os magistrados, que devem julgar conforme as normas e com base na hermenêutica clássica ou sistêmica, primando igualmente pela hermenêutica que produza um sistema sustentável, sob pena de não haver sistema, no campo material, para ser protegido por suas decisões.

REFERÊNCIAS

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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28a Ed. São Paulo: Atlas, 2015.

COUTO, Reinaldo. Curso de Direito Administrativo. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

CURY, Fernanda. A Vida e O Pensamento de Voltaire. São Paulo: 4D, 2009.

FÓRUM DA SAÚDE. Enunciados da I, II e III Jornadas de Direito da Saúde – CNJ. Belo Horizonte, 2019. Disponível em: <http://ejef.tjmg.jus.br/enunciados-das-jornadas-do-direito-da-saude-do-cnj/>. Acesso em 16 dez. 2019.

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso: aula inaugural no Collège de France,  pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Laura Fraga de Almeida Sampaio (trad.).  05ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

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LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 11a Ed. Salvador: Juspodivm, 2016.

PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 3a Ed. Salvador: Juspodivm, 2011.

PRÚSSIA, Frederico II da. O Anti-Maquiavel. Carlos Eduardo de Soveral (trad.). In.: Conselhos aos Governantes. V.15. Brasília: Senado Federal,1998.

ROTERDÃ, Erasmo. A Educação de um Príncipe Cristão. Vanira Tavares de Souza (trad.). In.: Conselhos aos Governantes. V. 15. Brasília: Senado Federal, 1998.

ZIMMER JÚNIOR, Aloísio. Curso de Direito Administrativo. 3a Ed. São Paulo: Método, 2009.

[1] Graduado em Direito, com láurea acadêmica, pela ULBRA/Gravataí. Especialista em Direito Militar pela Universidade Cândido Mendes, em Direito Administrativo, Direito Constitucional e Direito Civil pela Faculdade Dom Alberto. Mestrando em Direito das Relações Internacionais e da Integração na América Latina pela Universidad de la Empresa/Montevidéu.

Enviado: Janeiro, 2020.

Aprovado: Março, 2020.

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Reisson Ronsoni dos Reis

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