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Os contenciosos entre o Império do Brasil e o Império britânico no Segundo Reinado

RC: 27119
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

COSTA, Rafael Rozân Domann da [1]

COSTA, Rafael Rozân Domann da. Os contenciosos entre o Império do Brasil e o Império britânico no Segundo Reinado. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 03, Vol. 03, pp. 78-90. Março de 2019. ISSN: 2448-0959.

RESUMO

Este artigo fala dos contenciosos entre o império do Brasil e o império britânico no período do segundo reinado (1840-1889), com o objetivo de apresentar os principais conflitos ocorridos entre as duas nações nos mais variados segmentos, observando o contexto da época (era vitoriana) para entendermos as posições adotadas pelas duas monarquias. Será confrontada a teoria de que o Império Brasileiro se comportava de uma forma submissa em relação ao Império Britânico, a potência hegemônica na época. Dentre os principais conflitos ocorridos entre os dois países neste período, podemos citar: o conflito em torno da questão tráfico negreiro, a questão Christie, a questão pirara, e o envolvimento do Império Britânico na guerra do Paraguai.

PALAVRAS-CHAVE: Política Externa, Império do Brasil, Segundo Reinado, Tráfico Negreiro, Guerra do Paraguai.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo fala dos contenciosos entre o império do Brasil e o império britânico no período do segundo reinado (1840-1889), com o objetivo de apresentar os principais conflitos ocorridos entre as duas nações nos mais variados segmentos, observando o contexto da época (era vitoriana) para entendermos as posições adotadas pelas duas monarquias. Temos como justificativa dessa pesquisa apresentar as relações com o império britânico no segundo reinado não somente como importantes para o relacionamento bilateral, mas como esses conflitos ajudaram a moldar e desenvolver o próprio império brasileiro. A principal pergunta deste artigo é, até que ponto o império brasileiro era submisso e temente ao poder britânico no período de 1840 a 1889?

Na primeira seção do artigo, serão explicitadas as causas, os antecedentes, e os efeitos da pressão inglesa para banir o tráfico de escravos, veremos a ameaça à soberania brasileira representada pela apreensão de navios negreiros, realizadas pela marinha britânica, em águas brasileiras. Durante toda a década de 1850, Brasil e Inglaterra trocaram farpas diplomáticas ainda envolvendo o tráfico, apesar deste ter ser sido abolido em 1850. Esses desentendimentos levariam a questão Christie, onde veremos as causas e acontecimentos que levaram ao rompimento das relações diplomáticas, bem como o real papel do embaixador William Christie na crise.

Por fim, compreendemos o real papel da Inglaterra na guerra do Paraguai, utilizando-nos da moderna historiografia acerca do conflito, que desmente a antiga acusação de que o imperialismo inglês foi o responsável pelo conflito. Também será abordada a questão do Pirara, na fronteira do Brasil com a guiana britânica.

Ao longo deste artigo será compreendido que o império, especialmente no segundo reinado,nem sempre esteve a mercê dos interesses e vontades britânicas. Mas sim, procurando agir dentro da medida do possível de maneira autônoma, atendendo aos interesses das elites econômicas e da sua opinião publica.

1) CONFLITO EM RELAÇÃO AO TRÁFICO DE ESCRAVOS

Em 1810 a Inglaterra obteve de Portugal além dos tratados de amizade, navegação e comércio, que concediam vantagens alfandegárias aos produtos ingleses importados pelo Brasil, o comprometimento português de encerrar gradualmente o tráfico de escravos. Essa posição inglesa em relação ao tráfico negreiro vinha sendo defendida desde 1807, quando houve a proibição do tráfico para os súditos britânicos. Havia por trás dessa posição em relação ao tráfico negreiro para o Brasil os seguintes interesses: o fato de os produtores de açúcar nas Antilhas britânicas desejam diminuir a concorrência do açúcar brasileiro feito com mão de obra escrava; a concorrência dos chamados “tumbeiros” (nome dado aos navios negreiros em virtude do grande número de negros mortos durante a viagem) no comércio interno africano e a crescente presença inglesa na África, que preferia que os africanos ficassem no continente, trabalhando nas colônias inglesas, ao invés de irem para outro continente. (CARRIJO, 2007).

Em 1817 a Grã-Bretanha assinou um tratado com Portugal proibindo o tráfico de escravos acima da linha do equador. Este tratado dava aos navios de guerra ingleses o direito de visita e busca nos navios mercantes portugueses, mesmo em tempos de paz. O julgamento dos navios apreendidos deveria ser feito por comissões mistas, e a única prova de culpa aceita era de que houvesse escravos a bordo. (GEBARA, 2004).

Nas negociações pela independência, Portugal e Brasil se comprometeram a extinguir o tráfico negreiro diante da pressão inglesa. Em 1826, o Brasil assinou uma convenção determinando o fim do tráfico em três anos, ou seja até 1830. Em 1831, Dom Pedro 1ª cede à pressão inglesa, e assina uma lei que deveria punir os traficantes e libertar os cativos que fossem apreendidos em navios negreiros. Porém, essa lei foi aprovada em meio à crise política que resultou na abdicação do imperador, acabou não tendo aplicação prática durante o período regencial e a primeira década do segundo reinado, pois havia a pressão da elite escravista que temia um colapso da economia brasileira caso a proibição entrasse em vigor. Soma-se a isso o fato de que o estado brasileiro não era suficientemente forte para coibir os traficantes. (CARRIJO, 2007).

Ao mesmo tempo, os ingleses usando-se dos tratados firmados com Portugal e Brasil, passa a reprimir com o uso da força o tráfico negreiro, incluindo aí a apreensão de navios negreiros, e atacando portos na África usados para esta finalidade. Somente entre 1839 e 1842, 150 navios foram apreendidos na costa africana realizando o tráfico. (CERVO e BUENO, 2013) Muitos eram julgados e condenados no tribunal misto de Freetown, que não contava com a presença de um comissário brasileiro para acompanhar os mesmos. A marinha britânica passou a aumentar a intensidade de seus atos, inclusive em águas brasileiras, o que motivou um sentimento de indignação em relação aos britânicos entre a opinião pública brasileira.

Em 1844 o Brasil se nega a renovar o tratado de 1827, que garantia à Inglaterra a posição de ”nação mais favorecida” no mercado brasileiro, e não somente isso, ainda cria a tarifa Alves Branco, que taxava os produtos importados. Em represália à esta medida, o parlamento britânico aprova em 1845 a lei Bill Aberdeen, uma lei dura que proibia o tráfico de escravos no Atlântico e dava permissão aos navios ingleses de apreender qualquer embarcação que transportassem escravos e a prisão e julgamento dos traficantes segundo as leis inglesas. Essa lei, é um claro exemplo das atitudes unilaterais do imperialismo inglês na era vitoriana.

O efeito colateral dessa lei foi o aumento no preço do valor dos escravos, devido a dificuldade em traficar escravos sem “esbarrar” em navios de guerra da marinha real britânica. O aumento dos preços de escravos fez com que o risco de ser pego fosse compensado pela oportunidade de lucros maiores. (VITORINO e DORIGO, 2011). Estimativas apontam que 712 mil escravos tenham entrado no Brasil.entre 1830 e 1850, ilegais segundo a própria legislação brasileira.(CARRIJO, 2007.)

A pressão por parte da diplomacia inglesa, os cruzadores britânicos estavam apreendendo embarcações em águas brasileiras, pondo em risco a soberania brasileira, e o fato de o estado brasileiro estar bem mais fortalecido do que nas décadas anteriores, fez com que em 1850 fosse aprovada a lei Eusébio de Queirós proibindo definitivamente o tráfico de escravos para o Brasil

Porém, as reclamações de ambos os lados ainda perduraram durante toda a década de 1850, com os ingleses requerendo indenizações por uma série de perdas aos navios de sua majestade no valor de 300 mil libras esterlinas, e os brasileiros exigindo indenizações pelos barcos e cargas apreendida pela marinha real britânica. (CERVO e BUENO, 2013)

2) A QUESTÃO CHRISTIE

Durante a década de 1860 ocorreram incidentes entre Brasil e Inglaterra que levaram ao extremo do rompimento de relações diplomáticas entre os dois países. Foi a chamada questão Christie, em referência a William Dougal Christie, diplomata inglês na época ministro plenipotenciário no Rio de Janeiro. Para compreendermos esse contencioso, precisamos relembrar a pressão inglesa sobre o tráfico de escravos no Brasil, e as suas atitudes unilaterais, como apreender embarcações e tripulações brasileiras que estivessem traficando escravos. Havia também reclamações britânicas referentes a perdas após 1826 no valor de 300 mil libras esterlinas. Disso tudo resultou uma comissão mista formada com o intuito de tratar dessas questões pendentes. Porém, o Brasil frequentemente reclamava que apenas os interesses britânicos eram levados em consideração, resultando no fracasso dessa comissão. Isso se somou as dificuldades que as monoculturas brasileiras sofrem para entrar no mercado inglês, criando um clima de sentimento antibritânico no Brasil. Em 1859, chegou ao Rio de Janeiro o novo embaixador britânico, William Dougal Christie, este era um adepto do chamado ”velho estilo”, que repudiava conceitos como reciprocidade e igualdade no relacionamento com as outras nações. (POGGIO, 2008).

Christie era um adepto da chamada “diplomacia das canhoneiras”, que usava a força militar (daí o termo canhoneiras), para mediar as relações com as nações divergentes de seus interesses. Já, no Rio de Janeiro ele passou a acusar as autoridades de terem sido coniventes com a importação de escravos após 1831, e a defender a emancipação dos escravos entrados no país a partir desta data.

No início do mês de junho de 1861 o navio inglês Prince of Walles naufraga na costa da província do Rio Grande do Sul. Dias depois do ocorrido, o cônsul britânico foi vistoriar a área do naufrágio acompanhado de autoridades brasileiras, e constatou que a carga do navio havia sido pilhada pelos habitantes locais, e só foram encontrados quatro corpos de todos os tripulantes do navio. Christie, então, passou a acusar as autoridades locais de terem feito vistas grossas a pilhagem do navio, e de ter assassinado os tripulantes (nunca provado), e escondido seus corpos. Aos olhos da embaixada britânica, isso configurava um pretexto para requerer uma indenização. O embaixador inglês também solicita que o comandante das ações navais no Atlântico Sul, Richard Warren, enviasse um navio de guerra para “auxiliar” o cônsul Vereker durante o inquérito ( VIEIRA, 2010.)

Na noite de 24 de junho do mesmo ano, outro acontecimento veio a deteriorar ainda mais o relacionamento entre as duas nações, marinheiros da fragata britânica HMS Emerald, se desentenderam com os tripulantes de um bote do tráfego do porto do Rio de Janeiro. Durante o confronto o soldado do batalhão naval Vicente Ramos Ferreira foi ferido e lançado ao mar. (POGGIO, 2008).

O ministério dos negócios estrangeiros brasileiro exigiu que os marinheiros responsáveis fossem levados a julgamento por autoridades brasileiras. Devido a má vontade dos ingleses em entregar os acusados pelo crime, o governo brasileiro passou a cobrar diretamente de Londres, uma medida. A crise estava assumindo um tom cada vez mais exaltado.

Em junho de 1862, outro fato veio a se somar a essa crise. Na Tijuca, perto da cidade do Rio de Janeiro, três marinheiros ingleses são presos. Estes alegaram que foram brutalmente presos pela polícia carioca, sem nenhum real motivo. Porém, as testemunhas brasileiras afirmam o contrário: os marinheiros estavam bêbados, molestaram uma mulher, tentaram desmontar um cavaleiro e agrediram verbalmente uma sentinela. Os marinheiros acabaram soltos depois de uma noite no cárcere. Christie, preferiu acreditar nos marinheiros, e começou a preparar represálias. (VIEIRO, 2010.).

Em 5 de dezembro de 1862, o embaixador inglês emitiu três notas. Na primeira considerava o governo brasileiro corno culpado pelo sumiço da carga do Prince of Wales, assim, estipulando uma indenização de 6.525 libras esterlinas pelo carregamento, pelas provisões e pelo frete do navio. Na segunda, Christie exigiu uma série de medidas que punissem ou censurassem os brasileiros envolvidos na prisão dos marinheiros ingleses. Na última nota, o embaixador estipulava o dia 20 de dezembro como data limite para que o governo imperial brasileiro desse uma resposta às duas notas anteriores. (POGGIO, 2008.)

Com a negativa referentes às suas notas, Christie então deu ordens para bloquear o porto do Rio de Janeiro, e que a esquadra britânica aprisionasse navios mercantes brasileiros, até que o montante da indenização fosse ressarcido. O bloqueio sobre a capital do império durou de 31 de dezembro de 1862 até 6 de janeiro do ano seguinte. Ao final desse período cinco embarcações brasileiras haviam sido apreendidas. Durante essa crise, o império usou de forma ardilosa a propaganda contra o embaixador Christie, utilizando ele de bode expiatório pelo relacionamento conflituoso entre as duas nações. Quando na verdade as rusgas entre as duas monarquias já vinham de longa data.(POGGIO, 2008.)

O Brasil não podia fazer muito mais que protestar uma indenização pelas embarcações apreendidas e aceitar pagar a indenização pelo Prince of Wales. O Brasil também pediu ao rei Leopoldo I da Bélgica que arbitrasse a questão dos marinheiros que haviam sido presos. Diante da pressão pública que havia contra o embaixador Christie, este é substituído no cargo. Em virtude da recusa inglesa em pagar as indenizações pelas embarcações brasileiras, e formalizar um pedido de desculpas pela violação do território nacional, o Brasil cortou relações diplomáticas com Londres em maio de 1863.(CERVO e BUENO, 2013)

Em 21 de junho, o rei Leopoldo decidiu o litígio em favor do Brasil, alegando que a marinha britânica não havia sido constrangida no caso dos marinheiros presos. A questão Christie não pode ser entendida como a historiografia tradicional ensina, que a crise foi um momento isolado na relação entre os dois países, ocasionado única e exclusivamente pela atuação intransigente de um embaixador bufão. Ela deve ser compreendida como a conclusão de urna série de eventos que se arrastavam desde o primeiro reinado, como a questão do tráfico de escravos. Muito embora, Christie fosse a pessoa menos indicada para lidar com o difícil relacionamento bilateral, ele não cumpriu nada mais nada menos que a política fortemente imperialista de seu país. Que vinha de uma série de intervenções em países estrangeiros como a China (guerra do ópio), a Índia, e a Grécia (questão Don Feliciano). (POGGIO, 2008.).

Cabe destacar que o máximo de força que o Brasil poderia demonstrar para a própria opinião pública brasileira (que exerceu forte pressão sobre os acontecimentos), foi o rompimento das relações diplomáticas com a maior potência da época, ainda que já se previa que seria por pouco tempo, em virtude dos fortes laços que uniam os dois países. As relações só foram reatadas em setembro de 1865, já durante a guerra do Paraguai, quando Edward Thomton, representante inglês na Argentina, realocado para o brasil, apresentou credenciais a Dom Pedro II. No seu discurso de apresentação, Thomton, exprimiu o sentimento da rainha Vitória em manter boas relações com a monarquia brasileira, e a não intenção de ofender sua legitimidade. O pedido de desculpas vindo da maior potência da época, representou uma grande vitória da diplomacia brasileira no período imperial. (MARTINS, 2003).

3) A QUESTÃO PIRARA E O ENVOLVIMENTO BRITÂNICO NA GUERRA DO PARAGUAI

3.1) A QUESTÃO PIRARA

Outro contencioso teve parte ao norte do Brasil, na fronteira com a Guiana britânica. Tudo começa com a missão Schomburgk, que teve esse nome pelo fato de ser comandada pelo alemão Robert Schomburgk. Entre 1835 e 1842, quando trabalhava para a Royal Geographic Society (Grã-Bretanha) produziu um vasto levantamento de campo, visitando partes da Guiana, da Venezuela, e do norte do Brasil. Esse documento despertou um grande interesse por parte do império britânico, que passou a exigir a posse do território a leste dos rios Cotingo e Tacutu, afirmando que eram terras originalmente pertencentes aos holandeses, passadas para o domínio britânico em 1814.

Em 1838, o missionário protestante Youd, estabeleceu-se junto de alguns seguidores na região do pirara, próxima de minas de pedras preciosas, na época povoada por indígenas e brasileiros. Youd foi expulso por ordem do presidente da província do Pará e o distrito de pirara foi ocupado por forças brasileiras, porém estas permaneceram pouco tempo no local, pois tiveram de se retirar devido a ameaça de uma força militar inglesa mais numerosa enviada pelo governador da Guiana, atendendo a ordens do governo britânico. Em 1842, as forças inglesas se retiraram da região, mediante a promessa do governo brasileiro de transformar a região em zona neutra sob a posse dos índios, e sem tropas em nenhum dos lados da fronteira. A disputa em torno dos limites dessa região só teve término em 1904, quando o rei Victor Emanuel III da Itália, definiu que dos 33.000 quilômetros em disputa,13.370 ficariam com o Brasil e 19.630 seriam cedidos a Grã-Bretanha. (MARTINS, 2003).

3.2) A GUERRA DO PARAGUAI

Um dos temas que mais polêmica gera sobre a guerra do Paraguai é a que fala sobre a participação da Inglaterra no conflito. Para compreendermos o conflito, em geral precisamos conhecer as suas três principais historiografias. Primeiramente temos a versão tradicional brasileira, que vê o conflito como o resultado dos projetos expansionistas e megalomaníacos do ditador Francisco Solano Lopez, contra as outras nações do cone sul. No Paraguai temos a visão de que o conflito foi uma agressão de vizinhos poderosos a um país pequeno e frágil. Essa teoria foi endossada principalmente pelo ditador paraguaio Fernando Stroessner, que pretendia se apresentar como continuador da obra de Bernardino Caballero, fundador do partido Colorado paraguaio, e oficial de confiança de López durante a guerra. Na década de 1960, surgiu entre os historiadores de esquerda, como o argentino León Pomer, a versão de que o conflito foi motivado pelo imperialismo inglês. Segundo essa teoria o Paraguai era um país de pequenos proprietários rurais, que se mantinha livre da dependência externa inglesa, diferentemente da Argentina e do Brasil, que eram espécies de ”vassalos” da Inglaterra, fazendo com que a Inglaterra passasse a buscar a destruição dessa pequena nação que desafiava seus interesses.Essa teoria foi muito usada nos anos 60 e 70 quando se acreditava que os problemas da América Latina resultaram da exploração imperialista, primeiramente os ingleses, depois os americanos.(FAUSTO, 2012)

Recentemente, urna nova leva de pesquisadores, especialmente Francisco Doratioto e Ricardo Salles, procuram entender a guerra do Paraguai como parte do processo de formação dos estados do cone sul, e a sua constante busca por assumir uma posição dominante no continente .(FAUSTO, 2012)

A história do Paraguai como nação independente remonta a década de 1810, quando a elite local desvinculada de Buenos Aires, na época capital do vice-reinado do prata, passou a viver de uma forma autônoma, o que fez com que Buenos Aires passasse a fechar o acesso paraguaio ao rio da prata. Diante dessa medida, o ditador paraguaio José Gaspar Francia se declara presidente perpétuo e isola o Paraguai do mundo exterior. Ele também expropria bens da igreja e de parte da elite que apoiava Buenos Aires. Durante o governo Francia o Paraguai continuou a ser um país com altos níveis de analfabetismo e miséria, onde as terras estavam nas mãos do estado que utilizava mão de obra escrava e de prisioneiros.(FAUSTO, 2012, p. 210). Após a morte de Francia, assume o poder Carlos Solano López ,que conseguiu obter o reconhecimento da independência do Paraguai junto a diversas potências europeias, juntamente com os Estados Unidos e o império do Brasil Ele procurou também fomentar a criação de empreendimentos capitalistas como alto-fornos, ferrovias e linhas de telégrafo. Além de enviar seu filho, Francisco Solano López, a Inglaterra para comprar material bélico. Carlos López afirmava que o bom relacionamento com o império brasileiro era vital para assegurar a manutenção da soberania paraguai em relação a Buenos Aires. (WERNECK e GONÇALVES, 2009)

Com a morte de Carlos López, assume a presidência seu filho, Francisco Solano López, que decide seguir adiante com o processo de abertura do Paraguai ao comércio exterior, buscando investimentos no estrangeiro, em especial na Inglaterra. Aqui se desfaz a teoria de que o Paraguai não estava aberto ao capitalismo internacional, e que a guerra teria sido provocada pelos ingleses para forçar o país a fazer parte do mercado capitalista. Pois, se já havia presença de capital estrangeiro nessa época, não faz sentido afirmar que o país não estava inserido no capitalismo internacional ainda que de uma forma mínima. López, também, sonhava em criar uma terceira força na região do Prata, reunindo Paraguai, Uruguai, Corrientes, Entre Rios, e quiçá, as missões Rio-Grandenses. Impedindo assim as intervenções imperialistas dos grandes, Brasil e Argentina. Buscando este objetivo, López invade o território brasileiro e a província argentina de Corrientes com o intuito de chegar ao Uruguai. E assim se iniciou a guerra. (CERVO e BUENO, 2013.)

A Inglaterra manteve sua posição neutra durante o conflito, embora o governo britânico, tomasse medidas desfavoráveis à tríplice aliança. Como quando em 2 de março de 1866, apresentou em seu parlamento o tratado secreto que institui a aliança entre Brasil, Uruguai e Argentina.(MARTINS, 2003.). Cabe, também salientar, a impossibilidade da hipótese de que a Inglaterra tenha exercido pressão diplomática sobre o Brasil, para que este entrasse na guerra. Pois desde 1863 (ver questão Christie), as relações entre os dois países estavam suspensas, vindo a serem reatadas apenas depois de iniciado o conflito.

O império do Brasil obteve dos Rothschild de Londres, empréstimos que foram usados para manutenção da máquina de guerra brasileira, apesar de rompidas as relações diplomáticas entre os dois países. (CERVO e BUENO, 2013.) De um modo geral, os ingleses não tinham interesses ou meios para instigar um conflito na região, pois isto poria em risco seus investimentos em ambos os países beligerantes. Porém os mesmos acabaram aproveitando as oportunidades surgidas, como a concessão de empréstimos e a venda de material bélico para ambos os lados do conflito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisamos durante todo este artigo, a importância que uma série de conflitos econômicos, sociais, territoriais e diplomáticos, tiveram nas relações bilaterais entre os dois países, e na própria consolidação e desenvolvimento do império brasileiro.

Vimos como a tarifa Alves Branco impactou diretamente a balança comercial, uma vez que foram aumentadas as tarifas sobre os manufaturados importados, que consequentemente tiveram uma menor procura devido ao maior preço no mercado, o que aumentou a procura dos produtos nacionais. È notável a importância do barão do Mauá como o primeiro grande industrial do império, as suas associações com créditos e empresas britânicas para criar projetos inovadores no país, e os seus subsequentes desentendimentos com os ingleses, constituem parte importante no desenvolvimento industrial brasileiro, e nas relações entre as duas coroas.

Analisamos ainda como a questão negreira teve um impacto negativo nas relações bilaterais. A histórica luta inglesa contra o tráfico de escravos, frente às dificuldades do império brasileiro referentes a coibir o tráfico negreiro, que de fato não possuía a força necessária para dissuadir os poderosos traficantes de escravos que contavam com o apoio das elites nacionais que temiam um colapso econômico no caso de uma proibição. Vimos que após a proibição começaram a surgir queixas de ambos os lados referentes ainda a questão negreira, disso resultou em fracasso uma comissão mista para analisar as reclamações. Chegamos, então, na famosa questão Christie em que se chegaria ao ponto mais baixo na relação entre as duas nações com o rompimento das relações diplomáticas, decisão tomada pelo império brasileiro em virtude de uma série de acontecimentos principiados no naufrágio do navio inglês Prince of Wales. Durante a narrativa dos fatos, é frisada a atuação do embaixador William Christie, para então concluirmos que ele de fato não causou a crise sozinho, como os cronistas da época afirmavam, pois, os desentendimentos entre as duas nações vinham de longa data.

Também, explicamos qual foi a real participação do império inglês na guerra do Paraguai, apresentando as três principais historiografias do conflito e rebatendo a teoria que afirmava que o Paraguai era uma nação de pequenas propriedades rurais e indústrias naturais, não vinculado ao capitalismo internacional. Este país, segundo esta teoria, era para os ingleses um mal exemplo de independência econômica para seus vizinhos sul americanos, portanto o imperialismo inglês teria seus “vassalos”, Brasil e Argentina, contra a frágil nação independente dos seus interesses. Conseguimos mostrar que a realidade paraguaia era o oposto a esse “faz de conta”, ou seja, era um país atrasado, com analfabetismo, integrado ao capitalismo internacional de uma forma mínima (porém integrado), e governado por uma ditadura. Sendo a guerra o pico de uma cadeia de eventos na formação dos países da Prata e suas relações de poder, não tendo o imperialismo inglês provocado este conflito. Apresentamos também, a questão territorial do Pirara, na divisa com a Guiana britânica, de uma forma resumida pois o contencioso que se iniciou no final da década de 1830, só foi resolvido na república (1904) por arbitramento.

Concluímos que, não, o império brasileiro nem sempre se submeteu aos interesses britânicos, pois os diversos contenciosos aqui mostrados explicitam uma política de discordâncias com o império do britânico em uma série de áreas e interesses. Chama-nos a atenção o fato de que muitos historiadores ainda considerem o império brasileiro como um simples vassalo dos desejos britânicos, especialmente em relação a guerra do Paraguai, que mostramos nesse artigo como uma das evidências dessas falácia. Porém, temos que admitir que o império teve de dirigir uma política bilateral evitando o conflito e vez por outra cedendo à pressão inglesa (como no caso do tráfico de escravos), pois, afinal de contas, a Inglaterra era a maior e mais poderosa nação do mundo.

BIBLIOGRAFIA

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DORATIOTO, Francisco Fernando. Maldita Guerra. Cia das Letras, 2002.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. EDUSP, 2012.

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WENECK DA SILVA, José Luis; GONÇALVES, Willians. Relações Exteriores do Brasil I (1808 – 1930). Vozes, 2009.

[1] Graduando de Relações Internacionais, Acadêmico de Relações Internacionais.

Enviado: Julho, 2018.

Aprovado: Março, 2019.

 

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Rafael Rozân Domann da Costa

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