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O vestido de noiva e seu valor simbólico: Tradição e inovação no século XXI

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

DAGOSTIN, Isabel Lima [1], CARVALHO, Liliane [2]

DAGOSTIN, Isabel Lima. CARVALHO, Liliane. O vestido de noiva e seu valor simbólico: Tradição e inovação no século XXI. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 12, Vol. 06, pp. 105-137. Dezembro de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/historia/vestido-de-noiva

RESUMO

De caráter bibliográfico e exploratório, este artigo aborda aspectos como a tradição e a inovação, nos arranjos culturais, sociais e ideológicos ao longo dos séculos, que permearam os vestidos de noiva até a contemporaneidade. Busca então analisar a relação entre tradição e modernidade simbolizada no vestido da noiva, percebendo de que forma casar em tempos modernos, principalmente no século XXI, tornou-se um espaço de legitimação de prestígio social. Para além dos estudos históricos sobre o vestido de noiva, escolheu-se analisar a grife Vera Wang como um ícone deste universo simbólico. Vestindo nomes internacionalmente famosos e figuras da cultura pop, a grife se sobressai pelo discurso da exclusividade e autenticidade de suas criações. Mas pergunta-se: até que ponto, de fato, consegue através do alinhamento entre tradição e moda criar e inovar para construir uma nova moldura para a figura da noiva do século XXI?

 Palavras-chave: Vestido de noiva, grife, valor simbólico.

1. INTRODUÇÃO

“Lá vem a noiva, de véu e grinalda, vestida de branco” – esta frase de uma música popular traduz de maneira rápida o vestuário tradicional que marcou as noivas ocidentais desde meados do século XIX até a atualidade. Mas ao contrário desse conceito tradicional dos vestidos de noiva, forjados como modelo de feminilidade na Era Vitoriana, pode-se perceber que o estilo vigente seguiu, ao longo dos séculos XX e XXI, o ritmo da cultura, da economia e da política vivenciadas em cada década. Moda e tradição ajudaram a condicionar, num vestido, os sonhos, a realidade e valores estéticos de diferentes gerações.

Os modelos tradicionais de união já não traduzem os valores familiares que se diversificaram nas últimas décadas junto com as lutas sociais. Assim, a famosa frase “e foram felizes para sempre”, anunciada nas cerimônias de casamento em que o foco das atenções invariavelmente estava na noiva como símbolo máster do ideal familiar, perdeu seu sentido de eternidade, pois foi reconfigurada pela facilidade de obter o divórcio, resignificando o casamento, antes tido como instituição indissolúvel. Ironicamente, ao mesmo tempo em que a instituição é colocada em xeque, o cerimonial ganhou glamour hollywoodiano. Neste contexto, o vestido tornou-se inclusive o personagem principal de reality show internacional, marcando o seu protagonismo na sociedade do espetáculo. Assim, este artigo busca analisar a relação entre tradição e modernidade simbolizada no vestido da noiva, percebendo de que forma casar em tempos modernos, principalmente no século XXI, tornou-se um espaço de legitimação de prestígio social. Para além dos estudos históricos sobre o vestido de noiva, escolheu-se analisar a grife Vera Wang como um ícone deste universo simbólico.

De caráter bibliográfico e exploratório, este artigo aborda aspectos como a tradição e a inovação, nos arranjos culturais, sociais e ideológicos ao longo dos séculos, que permearam os vestidos de noiva até a contemporaneidade. Além disso, fez-se um estudo sobre a grife Vera Wang e suas criações, buscando entender como reestrutura e moderniza o vestido tradicional. A escolha de Vera Wang se deu por seu reconhecimento internacional neste campo onde, vestindo nomes internacionalmente famosos e figuras da cultura pop, a grife se sobressai pelo discurso da exclusividade e autenticidade de suas criações. Mas pergunta-se: até que ponto, de fato, consegue através do alinhamento entre tradição e moda criar e inovar para construir uma nova moldura para a figura da noiva do século XXI?

2. ENTRE A MODA E A TRADIÇÃO: CONTEXTUALIZANDO HISTORICAMENTE

O vestido de noiva, juntamente com o corpo feminino, protagoniza uma simbiose que manifesta discursos e representações de feminilidade, prestígio e poder no meio social contemporâneo. É possível visualizar os anseios sociais impressos neste corpo vestido, tornando-o visível no campo dos valores simbólicos ao longo do tempo histórico, operando as relações entre o coletivo social e a individualidade. Segundo Sant´Anna (2005, p.1) “o vestir é campo privilegiado da experiência estética, permitindo na apropriação dos objetos da vestimenta o usufruto de uma infinidade de signos que operam a subjetividade de cada sujeito, diariamente”. É neste sentido que a moda se promove como sistema culturalmente ativo na sociedade contemporânea, estabelecendo paradoxos entre tradição e inovação que se exprimem de maneira óbvia nos vestidos de noivas.

Visando a moda como manifestação cultural, Lipovetsky (1991) assinala que o individualismo dá uma maior importância à moda como paródia lúdica na sociedade contemporânea. Assim, a característica plural das sociedades ocidentais se integra aos inúmeros formatos que os casamentos podem e são praticados, gerando uma diversidade de variações em que os vestidos de noiva se apresentam entrelaçados com a busca da própria distinção entre si. Entre os valores estéticos de uma época e a individualidade, a moda cria a inovação que individualiza ao mesmo tempo em que a massifica, paradoxalmente padronizando corpos e sentidos sociais (LIPOVETSKY, 1991). Dessa forma, o corpo juntamente com o modelo é carregado de valores simbólicos, construídos socialmente. Worsley (2010, p.12) afirma que “o vestido de noiva é o traje mais caro, glamoroso e especial que uma mulher irá vestir em toda a sua vida. É também uma importante demonstração de estilo tanto da noiva quanto do estilista”. A busca pelo poder social através da posse dos elementos que configuram a novidade, que foi instituída por um ato de criação e legitimada pela assinatura do criador, é configurada pelo prestígio que se materializa no vestido socialmente reconhecido.

Ainda segundo Worsley (2010), tradicionalmente o vestido branco representou honra e virgindade por parte da noiva e suas formas tradicionalmente se associam com deusas, rainhas e santas. Mas no século XXI tornou-se um ícone com diversas possibilidades estéticas. Podendo ser envolvido de significados pelo ritual sagrado do matrimônio ou apenas ser instrumento de sedução em uma celebração sem compromisso eclesiástico, os vestido de noiva historicamente acompanhou as lutas sociais que reconfiguraram os papéis de gênero, mas não saiu da cena familiar, delineando novos discursos de feminilidade, entre a novidade e a tradição, por todas as décadas dos séculos XX e XXI.

Vestidos de noiva, num sentido atualmente reconhecido do termo, remontam  ao século XIX. É neste século que se inicia a construção visual e simbólica do vestido de noiva num sentido tradicional. Até então não haviam elementos ou cores que fossem facilmente reconhecidos no simbolismo do cerimonial, valendo as cores vistosas e o luxo dos tecidos e acessórios como diferencial da ocasião. A noiva, em fins do século XVIII e início do século XIX, foi inspirada numa deusa clássica. O motivo da cor branca não era por preceito religioso e sim porque as deusas eram assim representadas nas estátuas antigas em mármores brancos ou róseos cujas cores originais foram lavadas pelo tempo. O neoclassicismo e o movimento higienista, cada um segundo suas próprias necessidades, ajudaram a instaurar o branco como cor do luxo, da limpeza estética e social. Somente na Era Vitoriana (reinado da Rainha Vitória na Inglaterra) a cor passou a simbolizar a virgindade nas cerimônias religiosas de casamento. No início do século, que se estende de 1800 até 1830, os vestidos de noiva feitos de algodão branco e bordado a fio de prata lisa era uma grande ousadia, e escolher um branco estrelado era ainda maior. Essa moda, assim como as suas ideologias se originavam da França (TEIXEIRA,1996).

O vestido era com cintura subida próximo ao busto as vezes marcada com cetim, com um decote grande feito com tecido de cetim ou apenas franzido, manga curta de balão, saia direita na frente e franzida atrás formando cauda (figura 01). Na parte inferior da saia era formado por fita de cetim ou rendado, seus acessórios incluíam véus e leques (TEIXEIRA,1996). O modelo seguia a moda corrente francesa e o estilo ficou conhecido como Império. Em tempos contemporâneos é símbolo de elegância, simplicidade e conforto, sendo constantemente revisitado por noivas modernas que buscam o alongamento da silhueta e o minimalismo das linhas, eliminando os excessos e mantendo apenas o que é essencial no traje.

Figura 1: vestido neoclassicismo.

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/473229873316720406/. Acesso em março de 2020.

Em 1840 a Rainha Vitória se casa com o seu primo Alberto de Saxe Coburgo-Gotha, alterando o modo de vestir das noivas ao inaugurar um segundo romantismo, que será a imagem visual dominante do século XIX, com armações sob a saia para dar volume e a saia imensamente rodada por cima (TEIXEIRA,1996). O corpo do vestido era justo terminando em bico na frente com decote grande arredondado e mangas curtas. Possuía aplicação de folho de seda no corpo e nas mangas formando florais com uma saia bem franzida, o complemento do vestido era véu, grinalda, luvas, lenços e aplicação para os cabelos (figura 2). Esse ainda hoje é um dos estilos mais convencionais da composição do traje e as noivas contemporâneas ainda usam flores como enfeites para os cabelos, sejam estes feitos em coques, tranças ou até o mesmo penteado ao estilo da Rainha Vitória, com tiaras ou arranjos. Da mesma forma, a silhueta bem marcada foi revisitada ao longo de todo o século e reforçada nos anos 1950 e 1980, tornando ainda forte o formato em ponta do espartilho e a saia em formato de sino.

Figura 2: vestido da Rainha Vitória.

Fonte: http://papelconvite.com.br/blog/o-incomparavel-vestido-da-noiva/vestido-da-rainha-vitoria-em-exposicao-foto-reproducao/. Acesso em 25 de março de 2020.

Da mesmo forma que no estilo Império, o vestido romântico seguia os ditames da moda corrente, exprimindo nos volumes das mangas e quadris, na cintura marcada e no decote, a moda romântica do século XIX e o reforço necessário das curvas femininas para os jogos de sedução dos salões movimentados pela novidade das valsas. Segundo Teixeira (1996, p.62), “o vestido era semelhante a vestido de baile e os decotes eram não só permitidos como desejados, mesmo na Igreja. O formato adapta-se à silhueta da moda, isto é, as saias são enormes com um volume provocado pela armação interior – crinolina”. O vestido era composto por duas peças, com o corpete muito justo e espartilhado, além da crinolina, a aparência romântica acentua o valor da grinalda.

A partir de 1853, com o casamento de Napoleão III com a Imperatriz Eugênia de Montijo, a cor branca e as mantilhas de renda reforçam o simbolismo de virgindade. A novidade estava no uso dos cetins e das sedas moirée com efeitos de textura marmorizada. Esse modelo de vestido se estende até 1860 desta vez armado com barba pelo interior e aberto atrás, decote redondo bem fechado, frente e costas cortado aos panos terminando em bico e a saia bem franzida na frente e atrás (TEIXEIRA,1996).

Em 1870 surge a “tournure”, uma armação interior em forma de gaiola que fazia exagerar o volume do traseiro e para onde se devia focar o olhar: manifestação social do desejo, expressando no traje uma grande sobrecarga ornamental (TEIXEIRA,1996). Como é possível observar na figura 3, as revistas de moda femininas traziam as propostas das modas correntes para os vestidos de noiva.

Figura 3: Vestido de noiva nas revistas femininas de 1870 – 1875.

Fonte: http://www.kajani.pl/Ryciny.html. Acesso em 20 março de 2020.

As vestes nupciais aparecem muito decoradas, utilizando grande variedade de pequenos bouquet colocados a cintura, ao ombro e no cabelo. As flores de laranjeira em forma de cera vêm dar origem ao ramo de noiva (figura 4). O pequeno bouquet colocado no peito passa para as mãos da noiva substituindo o leque e o livrinho de oração; esse período da cultura cosmopolita foi chamado de “belle époque” (TEIXEIRA,1996). A silhueta da “belle époque”, de gola alta, tinha que aspirar que a linha do pescoço fosse semelhante à da cintura e isso se dava pelos espartilhos.

Figura 4: As flores acompanham o traje 1890 – 1895.

Fonte: http://www.kajani.pl/images/ryciny/1882ifz-k2.JPG. Acesso em 20 março de 2020.

Na atualidade, os estilos de moda seguidos pelo século XIX são constantemente relidos nos vestidos de casamento. Do império de cintura alta aos espartilhos, crinolinas e armações que salientam o traseiro, todos fazem parte do leque de opções tradicionais dos vestidos de noiva.

No final do século XIX e início do século XX, o estilo Belle Époque acentuava as curvas do Art Nouveau no corpo feminino. Os costureiros optaram por dar volume aos braços nas chamadas “mangas presunto” e este modelo foi repetido nos trajes de noiva como tendência para expressar o acerto na moda, mesmo que a família fosse da classe mais modesta (TEIXEIRA, 1996). O modelo desenha uma diagonal acentuada e aparelhada pela renda, formando um corpo em S, e a saia tem a forma de um sino ou de uma pétala virada para baixo, evocando a aparência de uma flor e configurando a imagem idealizada da mulher. Neste corpo espartilhado, o cetim e a renda deslizam com as noivas (figura 5).

Antes da Primeira Guerra Mundial o estilo mudou para um movimento mais geométrico, formas depuradas sendo continuas até a década de 1930. Tudo era motivo de inspiração para enriquecer o mercado da moda do século XX, e destacar o impacto causado pelo exotismo do sabor oriental pela Revolução Cultural Chinesa. As túnicas nupciais repetem os estilos asiáticos, adaptados às texturas e aos gostos ocidentais e europeus; com cortes retos sem destacar muito à silhueta, decote redondo com gola alta e manga pelo cotovelo (Figura 6).

Figura 5: Vestido manga presunto.

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/AdhsokAR7bl66SI-oM8sEM9CXokp3u-OH3DZpTOL2iD83sWHb3wbWz8/. Acesso em 25 de março de 2020.

Foi no contexto da Primeira Guerra Mundial que as mulheres expandiram o acesso ao mercado de trabalho e lutaram pelo direito ao voto e pela igualdade, dinamizando as lutas por oportunidades que se estenderam pelo século XX. Essas mulheres socialmente forjadas pela guerra, não queriam mais a “linha princesa” condicionada pelo constrangimento dos espartilhos e da “tournure”. Inicia-se uma revolução na moda refletindo o desejo da emancipação feminina: a tendência de igualdade entre os sexos e o amor livre surgiram após a mulheres substituírem a força de trabalho masculina em várias áreas, obtendo independência econômica.

Figura 6. Vestido de 1910.

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/229472543499866473/ . Acesso em 25 de março de 2020.

Depois de quase 20 anos de Arte Nova, se esgotou o interesse nas linhas orgânicas, abrindo caminho para o surgimento de novas formas. A emancipação da mulher, a tendência de igualdade entre os sexos e o amor livre surgiram após as mulheres substituírem a força de trabalho masculina em várias áreas, obtendo independência econômica. Na moda feminina houveram mudanças radicais e passou-se a buscar uma linha mais funcional, mudando o estilo para um movimento mais geométrico, com formas depuradas sendo contínuas até a década de 1930. A reação contra os exageros de curvas veio com o “Art Déco” que se caracterizou por uma geometria acentuada de formas aerodinâmicas, retilíneas, simétricas e ziguezagueantes. A moda feminina aderiu com suas saias retas e curtas e cabelos à “la garçonne” também em linha reta. As mulheres, que haviam ocupado o lugar dos homens na Primeira Guerra Mundial, faziam agora questão de mostrar sua independência. (BOUCHER, 2010)

Na moda corrente e, consequentemente, nos vestidos de noiva, os seios achatados, as cinturas baixas e as linhas geométricas, tornaram andrógenos os corpos femininos. Segundo Nery (2004, p.211), “a silhueta reta feminina simplificou e se assemelhava a um tubo, os vestidos ficaram muito curtos e a cintura baixou até os quadris e os chapéus “cloche” em forma de penico, quase cobriam os olhos”. Os vestidos de noiva também ficaram curtos para a grande cerimônia, no qual o joelho é apenas aflorado pela moda, a cauda é cortada geometricamente em retângulo e rebate no chão; os tecidos mais usados foram o tule, o cetim e o crepe da China. A figura da mulher, um tanto andrógena sem as tradicionais curvas, é composta por uma maquiagem considerada audaciosa para a época, com o retoque das sobrancelhas e a boca pintada em forma de coração (figuras 7). Este estilo característico dos “Anos Loucos” tem baixa aceitação na contemporaneidade, não tendo significativas releituras ao longo das últimas décadas.

A cintura não existe e a roda do grande retângulo é apanhado do lado esquerdo, as vezes feito aos panos com pregas. Corte simples sem expressão por ser branco, mas que também foram executados em outras cores e texturas, como tecido crepe ou tafetá de seda creme. A graciosidade se dá pelas mangas que são compridas e justas que terminam num ligeiro enviesado que ondula. O decote era em forma de barco na frente e atrás. Acompanhando o look para completar, véu e toucado. E a revolução da moda da mulher nessa época era a maquiagem com os cabelos curtos (TEIXEIRA,1996).

Figura 7: Vestido de noiva de 1920.

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/819303357186083125/. Acesso em 26 de março de 2020.

No contexto dos anos 1930, o militarismo reforçou a estrutura em T nos corpos: quadris estreitos e ombros largos. Neste contexto de crise, iniciado com a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929, o luxo era ditado pelo cinema americano e peles e tecidos luxuosos, claros e brilhantes, como seda e cetim, se tornaram os diferenciais da época. Nos vestidos de noiva usou-se muito o cetim cor pérola ou o veludo de seda branco, e a principal característica é o modo como o tecido foi colocado para ser cortado: o corte em viés tornava-o mais feminino e maleável acompanhando as curvas da mulher. Esse método cortado aumenta a capacidade de se moldar e adaptar às medidas da noiva, acompanhando uma imensa cauda (TEIXEIRA, 1996). O corpo cortado com cintura subida formando um bico, decote drapeado na frente e quadrado atrás, a manga era comprida e justa com pinças no ombro, saia cortado aos panos em viés com costura central e atrás prolongando em cauda (Figura 8). Símbolo de elegância e sensualidade, o que vai constituir a qualidade da noiva nessa época é majestade, glamour e drapeados para adquirir impacto num contexto de recessão econômica.

Na simplicidade do entre guerras, a roupa prática substituiu o modismo. O tailleur, que compõe um casaco com uma saia ou calça, virou um costume universal da mulher, com ombros largos. Enquanto durou a guerra não houve grandes criações na moda, os chapéus sofreram racionamento e foram substituídos pelos lenços (turbantes) de cabeça virando um símbolo da época em todas as camadas da população.

Figura 8. Vestido de noiva 1930.

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/610800768200195692/. Acesso em 27 de março de 2020.

No início da década de 1940 os vestidos de noiva se expressavam na linha romântica e não era de se exibir muitos luxos por questões financeiras que a guerra causou. As cores eram em branco ou em tom pastel. Com a crescente moda do tailleur, os vestidos na parte de cima passaram a imitar ternos. A característica do traje é a divisão da silhueta em duas partes: a saia levemente plissada cortada em viés muito fina e o corpo em cima justo de outra textura e material (cetim) aberto na frente, onde desenha formas mais redondas e curvilíneas prolongando para os lados, o decote é redondo igualmente acompanhado de uma gola também redonda, a manga é comprida e justa acompanhada de véu e grinalda (Figura 9). Essa divisão é bastante original e inovadora, já que então, a regra da noiva era o vestido inteiro (WORLEY, 2010).

Figura 9. Vestido de 1940.

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/830491987519810173/. Acesso em 27 de março de 2020.

Com o final da guerra o costureiro Christian Dior em 1947, para incentivar as indústrias têxteis criou vários looks de saias. As curvas voltam no mundo pós Segunda Guerra e voltaram a reinar os babados e saias amplas, as cinturas de vespa e dos bustos marcados (BOUCHER, 2010). Os anos 1950 são a década do desejo intenso de viver e consumir. Ditado pelo american way of life, este contexto é definido por um modelo de família patriarcal e retorno do feminino aos padrões tradicionais de casamento com seus filhos baby boomers. Assim, as curvas que foram esquecidas desde a Belle Époque voltam agora assinalando este feminino socialmente convencionado.

Neste contexto, o new look de Dior, com os quadris largos, seios pontudos e cintura fina, convence as noivas que começam a gozar dos benefícios da paz e da prosperidade financeira (TEIXEIRA, 1996). No início dos anos 1950, os vestidos de noiva eram de cetim e seda, branco ou cor pérola; seus modelos se caracterizaram por ter corpo justo com pences cortados na cintura; pequeno decote, manga comprida e justa ou modelo três quartos franzidas na parte superior; renda guipure ou renda mecânica faziam parte do complemento do vestido. O elemento principal eram as saias godês que, dependendo do modelo, se prolongavam em grandes caudas.

Figura 10. Vestido de casamento de Grace Kelly com o Príncipe Rainier III.

Fonte: https://cinemaclassico.com/curiosidades/casamento-grace-kelly/. Acesso em 28 de março de 2020.

Seguindo as linhas do New look da época, um dos grandes ícones em termos de vestido de noiva foi o usado por Grace Kelly, atriz de cinema dos Estados Unidos, ao se casar com o Príncipe Rainier III em abril de 1956. Sintetizando o espírito romântico, que idealiza o papel da princesa para as meninas e seu companheiro como o príncipe encantado, Kelly tornou-se Princesa de Mônaco com o casamento. Assim, seu vestido tornou-se a epítome do romantismo para noivas, assinalando a entrada em grande estilo numa nova vida.

Sendo um ícone da moda, o traje é referenciado até a atualidade com os mesmos materiais e formato do vestido, do toucado, do véu e dos pequenos detalhes do vestido sendo executado em tule e renda. Seu vestido era de corpete de renda, fixado de pérolas e ajustado na cintura; com abotoamento frontal, decote de gola alto fechado, manga comprida justa de renda (figura 10). A saia era plissada com armação interior de tule; na cintura aplicação de cinto formado da mesma seda até a altura do busto, cauda enorme na saia do vestido acompanhado do véu e um toucado bordado com pérolas, flores de laranjeira e renda bordada (WORSLEY, 2010). Suas linhas são tão atuais, numa proposta de feminilidade que ainda atende dentro da plataforma dos vestidos de noiva, que a duquesa Kate Middleton se casou com a realeza britânica em pleno século XXI, com um vestido que, segundo a imprensa da época, teria sido inspirado no de Grace Kelly.

Apesar dos valores tradicionais ditados na década, despontava ali as sementes da revolução jovem. Inspirados nas estéticas jovens que tomaram as ruas, surge o prêt-à-porter, que significa “pronto a vestir” e foi criada pelo estilista francês J.C. Weil, no final de 1949, depois do fim da Segunda Guerra Mundial, foi o auge da democratização da moda, que libertou a confecção da imagem ruim associada ao dia-a-dia, ampliando e crescendo esse campo de ação no mundo todo, diante da queda da alta costura. Foi numa época em que a arte abstrata representava uma nova expressão de liberdade interpretando quase sem motivos figurativos. Assim, uma moda jovem começou a vigorar querendo se diferenciar da moda usada pelas “peruas”, que viviam o retrato do seu dia-a-dia deixado pela Segunda Guerra Mundial. Esse conceito foi responsável pela democratização da moda, se adequando as necessidades dos consumidores e revolucionando a produção industrial na fabricação química em fibras sintéticas, poliéster e acrílicas, criando roupas em grande escala com qualidade, praticidade e variedade de estilos e preços. A prêt-à-porter começou a ditar novas tendências, e a alta costura deixou de ser a única criadora e lançadora de moda. (COSGRAVE, 2012)

A moda jovem deste período retoma as linhas geométricas e tubolares, fizeram desaparecer a cintura e o busto, com o cinto escorregando pelos quadris. Os vestidos ficaram mais estreitos e curtos, calças cigarrete três quartos, suéteres, t-shirts, jeans e paletós folgados com uma paleta de cores forte e delicadas das mais variadas (LOUISE, 2004). Inicia-se uma estética despojada associada a juventude, que introduzem aos anos 1960, uma década conhecida pelo excesso do poder aquisitivo que levou à comercialização de ídolos públicos, de James Bond aos Beatles como jamais visto. A moda feminina era decidida pelos teens e twees que se deu pelos vestidos mini, numa mistura de Era Espacial com Pop Art. Existia uma diversidade de trends de vários estilistas que encurtaram as saias mais do que fizeram os anos 1920, e afastaram o ideal feminino da suavidade. As tendências de estilo eram duras e geométricas e, como nem todas as mulheres podiam adotar a minissaia, surgiram as capas longas. Com a fabricação das fibras sintéticas, as peças tornaram-se cada vez mais leves e resistentes (BOUCHER, 2010).

A revolução pop atingiu os vestidos de noiva, influenciados tanto pelo traje cotidiano como pelo estilo gipsy soft. A principal característica dos vestidos de noiva era a utilização do cetim branco luminoso e mangas curtas ou raglã; nas cabeças eram usadas coroas e a sutileza dos toucados (WORSLEY, 2010).

Figura 11: Despojamento juvenil na simplicidade das linhas dos anos 1960.

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/784118985101469325/. Acesso em 29 de março de 2020

O decote em forma de barco discreto, optando mais pela simplicidade de linhas mínimas e deixando de lado o desejo de aparato que caracterizava os anos 1950. A parte de trás do vestido é mais comprido que forma a cauda, bem longa e rastejante e a sua dimensão impõe majestade ao andar durante a passagem da noiva. Para os cabelos curtos cortados de forma geométrica, linha rebelde da época (figura 11).

Com a diversidade de estilos jovens e as indústrias da Alta Costura e Prêt-à-porter, a ampliação de estilos será mais intensa do que em outras épocas, ampliando as possibilidades do discurso de moda na estética dos vestidos de noiva. Mesmo os vestidos mini, suprassumo da rebeldia juvenil, fizeram sua aparição no mais convencional dos eventos familiares: as bodas (figura 12).

Figura 12: Casamento de Sharon Tate e Roman Polanski, em 1968.

Fonte:https://www.vogue.pt/estilo/personalidades/detalhe/so_com_o_veu.html?utm_campaign=Echobox&utm_medium=Social&utm_source=Facebook. Acesso em 29 de março de 2020.

Uma outra linha de vestido que surgiu no final da década de 1960, foi o formato sino que formava leves e ondulados leques na barra, tecido de tafetá seda branca ou composto por tule e organza. O decote era pequeno as vezes com aplicação de cós alto, conforme a moda corrente da época (TEIXEIRA, 1996). Manga podia ser comprida ou curta, a saia com linha êvase. Essa linha de vestido se desprendia das lantejoulas, missangas e vidrilhos, o que era desejável para uma noiva que queria ser discreta e luminosa (figura 13).

Figura 13: Vestido de noiva dos anos 1960 em linha evasê.

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/455215474829917122/. Acesso em 29 de março de 2020.

Nos anos 1970, movimentos pela paz e pela diversidade dinamizadas por jovens e grupos socialmente minoritários, como mulheres, negros, LGBT e imigrantes, revolucionam a sociedade, a cultura e a moda. Contra a Guerra e o consumo excessivo que caracterizam o american way of life, entra em foco o étnico como inspiração, assim como a natureza para uma vida mais simples e saudável. Surgiu uma nova atmosfera mais calma e comportada. O étnico e a volta à natureza, com a preocupação com a saúde e um estilo de vida mais simples, fizeram com que grandes costureiros olhassem para o bem-estar do corpo, lançando tecidos de caimento suave e criando trajes folgados superpostos, agradáveis de usar, como tecidos de algodão fino estampado com pequenos motivos florais e chapéus de palha. (LOUISE, 2004).

Os casamentos ainda se remetem para a necessidade de manter condições de impecabilidade e alinhamento, mesmo na época das grandes mudanças sociais. Assim, os anos 1970 “são marcados, simultaneamente por diversas tipologia de vanguarda e pelo início do revivalismo que está normalmente relacionada com o aproximar do fim do século e, neste caso, do milênio”. (TEIXEIRA,1996, p.152). A novidade da década reforça um neo-romantismo que traz as rendas e as nervuras de seda evocadoras das blusas usadas no início do século.

Figura 14: Com ou sem véu, despojamento, renda e tule marcaram a novidade dos vestidos de noiva dos anos 1970.

Fonte: https://comunidade.casamentos.com.br/forum/vestidos-de-noiva-de-decadas-passadas-1900-a-1990-decada-70-1970–t616587Acesso em 01 de abril de 2020.

O corpo é justo com gola alta, mangas de punho alto, acrescido de saia redonda e franzida, com um corte muito simples. Era a personagem camponesa simbolizando o retorno a natureza e do estilo de vida mais simples e livre. Os penteados eram cabelos lisos, soltos ou cacheados; era usado cada vez menos maquiagem, mostrando uma beleza juvenil no aspecto natural do rosto, podendo ou não ser emoldurado por véu e coroa de flores na cabeça (figura 14).

A década de 1980 foi marcada pelo espirito da competição. A moda se pautou tanto pela novidade como pela convivência dos modelos retrô, num exagero que tornou a silhueta mutante e quase invisível debaixo de um grande volume de tecidos. Os vestidos em geral ganharam cortes tanto retos quanto amplos, os cabelos cacheados e selvagens; no contraponto, boinas, quepes e gorros deram às cabeças um formato pequeno; as maquiagens passaram a ser mais forte para os lábios e olhos. As mulheres muito mais informadas sobre a moda em andamento começavam a criar seu próprio estilo (BOUCHER, 2010).

Nos vestidos de noiva, a preferência foi pelos modelos principescos (faustoso e rico), com a ideia de ser rainha por um dia que se instalou na mentalidade burguesa. A expressão dominante residia nas mangas desenhando duas imensas formas arredondadas de ambos os lados do corpo (TEIXEIRA, 1996). De resto o vestido apresenta fortes indícios românticos, com corpete que termina em ponta ao gosto oitocentista, bordados e pérolas, tecidos luxuosos, tudo volumoso e exagerado (figura 15). Este estilo foi reforçado pelo casamento do príncipe Charles com a jovem Lady Diana, em junho de 1981 no Reino Unido, e que foi considerado o “casamento do século” e televisionado para o mundo todo. A estilista foi Elizabeth Emanuel, que criou num vestido épico com imensas mangas bufantes e babados em muitos metros de tafetá. O vestido era justo na frente com bordados e pérolas, decote redondo com babados e laços; a manga de balão armada com pregas unidas no punho com babados e aplicação de renda guipir; a saia rodada plissada com armação interior de tule e na barra aplicação de renda, acompanhado de uma cauda enorme de tafetá com renda guipir nas bordas e com véu do mesmo comprimento da cauda.

O vestido da princesa Diana marcou a década, reforçando nos casamentos um estilo barroco que caracterizou a década. Já os anos 1990 abandonaram a linha retrô.  A moda, o cinema, a música e a tecnologia já anunciavam o fim de uma era e o início de um novo século, assinalando a globalização da última década do século passado.

Figura 15. Vestido de Noiva de Lady Daiana em 1981.

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/384354149427157473/. Acesso em 02 de março de 2020.

Assim, os vestidos de noiva continuam seguindo uma linha romântica, porém sem o exagero nas mangas, seguiu uma nova gama de linha de vestidos por estilistas confeccionados que apresentam uma variedade tipológica de conjuntos com a vantagem de serem adquiridos por preços mais acessíveis, conjugando o melhor preço com a melhor peça. As possibilidades de estilo nos vestidos de noiva dos anos 1990 foram imensas. Literalmente todos os estilos anteriores foram relidos, pois havia uma maior dinâmica de atender ao gosto pessoal das noivas, sem seguir uma moda padronizada. Dessa forma, muito do luxo dos anos 1980 podem ser vistos ainda nesta década, mas a novidade do período ficou por conta do minimalismo: as linhas simples, tecidos e cabelos lisos, tudo compondo um visual discreto cujo maior referencial foi a estadunidense Carolyn Bessette-Kennedy (figura 16), quando casou com John Kennedy Junior, considerados parte da aristocracia política americana.

A partir da última década do século XX, a assinatura dos estilistas criadores dos vestidos de noiva passou a ganhar maior destaque nos eventos de casamento. Ganhando identidade própria, o vestido de noiva passa a vigorar numa relação paradoxal de importância com a própria cerimônia, na medida em que esta perde seu caráter religioso e eterno, tornando-se uma celebração social de rito social e familiar de passagem. Assim, o casamento inicia sua escalada como um dos maiores eventos de manifestação social em que se exibe prestígio e poder, manifestados pelo aparato do evento, pelos ambientes escolhidos, pelo vestuário assinado, pelas exibições públicas de expertise dos noivos, madrinhas e padrinhos.

Figura 16: Vestido de Carolyn Bessette-Kennedy em 1996.

Fonte: https://caras.sapo.pt/famosos/2020-09-21-10-visuais-de-noiva-que-marcaram-a-decada-de-1990/#&gid=0&pid=9. Acesso em 03 de abril de 2020.

Quando ricos e famosos, tudo será noticiado nas mídias digitais e impressas; quando pessoas comuns, ainda assim terão divulgação online. Plataformas como o Youtube, hoje permitem que conheçamos casamentos do mundo todo, vendo em detalhes desde a preparação do evento até a partida para a lua de mel. Neste grande reality show, o figurino adequado pede a assinatura do costureiro para legitimar o prestígio pessoal e familiar.

Neste contexto, diferentes estilistas, como Oscar De La Renta e Carolina Herrera entre outros, fogem de suas linhas costumeiras e passam a assinar vestidos de noiva para celebridades. Criando para nomes como Victoria Beckham, Uma Thurman e o clã Kardashian, Vera Wang desponta como grife de reconhecimento internacional para noivas, assinando os vestidos das mais famosas e badaladas personalidades das últimas décadas.

3. VERA WANG E A INOVAÇÃO NOS VESTIDOS DE NOIVA COMTEMPORÂNEOS

As pretensões culturais sempre vão depender das condições econômicas e técnicas e da capacidade de produzir um conjunto de fatores que determina a moda em qualquer época. Hoje sabemos que a moda virou um grande negócio e que é preciso que se reinvente novidades no setor para que essa fonte não se acabe. A boutique de grife de Vera Wang, por exemplo, sobrevive com sucesso pois vende seu talento com um marketing inteligente, pois a explosão da mídia e das redes sociais impôs o badalado como regra. Segundo Lipovetsky (1991), na sociedade moderna a novidade, “tornou-se fonte de valor mundano, marca de excelência social; é preciso seguir “o que se faz” de novo e adotar as últimas mudanças do momento: o presente se impôs como o eixo temporal que reage uma face superficial, mas prestigiosa da vida das elites. (LIPOVETSKY, 1991). As tendências ditam o claro ou o escuro, o gritante ou o delicado, o extravagante ou o discreto. Mesmo que algumas cores continuem tendo seu valor convencional, como a branco, cor principal para as noivas, mas o sentido simbólico mudou com a mudança social das últimas décadas. Não mais símbolo de pureza e inocência, o branco no vestido de noiva tornou-se apenas convencional e tradicional, mantendo-se presente entre as cores usadas nos casamentos do século XXI.

Vera Ellen Wang é uma designer de moda americana, com ascendência chinesa, que cursou a faculdade de moda e estilismo em Paris. Seu noivado foi o que definiu o futuro de sua carreira: Wang desejava um vestido único e, insatisfeita com a falta de opções nos vestidos de noiva, decidiu desenhar seu próprio vestido. Confiante na sua carreira de estilista, no ano de 1990 e com a ajuda do pai, abriu sua boutique no luxuoso hotel Carlyle, na Madison Avenue em Nova York. Wang é conceituada por seu jeito audacioso e único de criar peças, tornando-se referência para tanto para noivas modernas quanto para celebridades como Mariah Carey, Jenniffer Lopez, Sharon Stone, Victoria Beckham, Avril Lavigne e muitas outras personalidades famosas.

A Grife de Vera Wang se destaca pela ousadia, a riqueza de detalhes, a elegância e o luxo. Os vestidos são feitos o que há de mais fino e rico, sempre dando ênfase as sedas, aos tules, brocados, pedrarias, pérolas e rendas, mantendo assim o uso de materiais tradicionais desse tipo de traje, mas nos seus desfiles são vistas as cores vermelho e preto, bem inovadores, além dos delicados vestidos tradicionais de princesas, que algumas noivas não abrem mão. Segundo diferentes publicações online, a dramaticidade nos vestidos de noiva é uma característica marcante das peças de Wang.

Nos tempos atuais, a tradição dos vestidos está atrelada as significações de consumo. Segundo a própria Vera Wang (LIMA, 2019) “eu me vejo com uma verdadeira modernista. Mesmo quando faço um vestido tradicional, dou um toque moderno. E recorro ao passado para pesquisar. Preciso saber o que veio antes para poder quebrar as regras”. Conhecida como a rainha dos casamentos do tapete vermelho, Wang é a referência para pensar a relação entre moda e tradição em vestidos de noiva desde que iniciou na década de 1990. Escolheu-se aqui como referência os vestidos das famosas que usaram Vera Wang, pois estas ajudaram na maior divulgação da relação entre o tradicional e o moderno através de sua visibilidade, aumentando o capital simbólico da grife Vera Wang, na medida que aumentam o capital de prestígio social. O capital simbólico seria então,

uma dádiva atribuída àqueles que possuem legitimidade para impor categorias do pensamento e, portanto, uma visão de mundo. Propriedade de poucos, o capital simbólico e o capital social são recursos conquistados à custa de muito investimento, tempo, dinheiro e disposição pessoal. (BOURDIEU, 2004, p.10)

A assinatura do estilista define um valor distintivo ao vestido de noiva, conferindo o prestígio do criador à noiva que o veste. Da mesma forma, numa espécie de transferência de aura, o prestígio da noiva legitima o do criador. Via de mão dupla, os prestígios de ambos se reforçam mutuamente, aumentando o capital de prestígio social de ambos. Esse poder de distinção pode ser exercido por um grupo que ocupa determinada posição na estrutura social, onde a importância de exibir-se equivale a possibilidade de acesso ao consumo. Todos que terão acesso a celebração da boda, seja por estarem presentes ou por meios midiáticos, identificarão o prestígio da grife pelo conhecimento de sua importância simbólica.

Assim, para falar de moda e tradição nos vestidos de noiva, nada melhor que as criações de Vera Wang. Optou-se por apenas alguns dos nomes mais famosos e midiáticos que vestiram suas obras desde a década de 1990, assinalando a importância da grife e, desta forma, mostrando o poder de influência que seu nome têm como modulador de tendências nessa área, considerando o princípio da cópia prestigiosa (LIPOVETISKY, 1989).

Antes mesmo das mídias digitais abalarem o universo da informação massificada, em 1993, ainda no início da grife, Vera Wang vestiu uma das divas mais badalada do show business da época, Mariah Carey. Apesar da década ter inovado com o minimalismo, o mais característico do período foi a combinação mangas bufantes, corpete bordado e saiote tipo bolo (figura 17). Nota-se, no entanto, um equilíbrio na composição que a torna muito mais sutil que a década de 1980.

Figura 17: Mariah Carey e Tommy Mottola, em 1993.

Fonte: https://glamurama.uol.com.br/no-dia-do-aniversario-de-vera-wang-9-famosas-que-se-casaram-usando-suas-criacoes/ 27 março de 2020.

A outra famosa noiva desta década foi a Spice Girl Victória Beckham que, em 1999, casou com o famoso jogador de futebol David Beckham. O modelo era feito de cetim e levava decote moderno, seguindo uma linha que é mantida como proposta até a atualidade (figura 18). Referência do mundo da moda, Victória ajudou a cimentar, no final da década, a importância do nome de Vera Wang.

Figura 18: Victória Beckham, em 1999.

Fonte: https://glamurama.uol.com.br/no-dia-do-aniversario-de-vera-wang-9-famosas-que-se-casaram-usando-suas-criacoes/ 27 março de 2020.

Outro nome com reconhecimento social, Ivanka Trump, filha do magnata Donald Trump, casou-se em 2009 usando um vestido feito com rendas Lyon e Chantilly e inspirado no icônico vestido de noiva usado por Grace Kelly, que se casou em 1956. Seu vestido tinha corpete justo e rendado na parte superior de gola alta, com uma saia rodada de armação de tule acompanhado de uma imensa cauda (figura 19).

Das famosas Kardashian, a primeira a vestir Vera Wang, ainda em 2009, foi Khloé Kardashian, quando casou com o famoso jogador da NBA Lamar Odom. Khloé Kardashian usou 2 vestidos de Wang na ocasião: um para a cerimônia religiosa e outro para a festa. Segundo as notícias da época, a noiva pediu que o vestido fosse elegante, charmoso e sensual. Um cinto na cor lilás, uma das cores preferidas de Khloé, trouxe um toque de modernidade, quebrando com o branco absoluto. Para fechar o look, Khloé escolheu um véu comprido, mas não muito longo, e usou os cabelos soltos e ondulados (figura 20). Na recepção, um segundo vestido mais ao estilo minimalista anos 1990: leve em cetim, com decote em V no busto e nas costas, detalhe de pedras nas alças e um drapeado ao longo da cintura da noiva. (figura 21)

Figura 19: Ivanka Trump e Jared Kushner, em 2009.

Fonte: https://glamurama.uol.com.br/no-dia-do-aniversario-de-vera-wang-9-famosas-que-se-casaram-usando-suas-criacoes/ 27 março de 2020.

Da mesma forma que a irmã Khloé, a socialite Kim Kardashian quando casou em 2011 com o jogador Kris Humphries, vestiu  Vera Wang. Dessa vez, 3 vestidos brancos foram usados em todo e evento. O primeiro, usado na cerimônia, era um vestido linha princesa tomara-que-caia de renda, deslumbrante e sensual ao mesmo tempo (figura 22). Seu vestido possuía uma silhueta bem marcada formando um bico na frente e saia em linha princesa todo estruturado em tule e com volume, remetendo aos vestido tradicionais românticos. valorizava suas famosas curvas. Os cabelos foram presos em um coque clássico e um longo véu com flores bordadas em sua barra.

Para a primeira dança dos noivos, foi usado um segundo modelo, num estilo sereia com muito volume na barra. O corpo ajustado realçava as famosas curvas da socialite (figura 23). Por fim, o último vestido foi usado na hora de cortar o bolo e para aproveitar a última parte da festa. Inspirado nas clássicas atrizes de cinema dos anos 1930, o modelo em cetim era justo ao corpo e mais solto na base. (figura 24)

Figura 20: Khloé Kardashian, em 2009.

Fonte https://noivasdetroia.wordpress.com/tag/khloe-kardashian-vestido-de-noiva/ 27 março de 2020.

Figura 21: Khloé Kardashian. Recepção de casamento, em 2009.

Fonte https://noivasdetroia.wordpress.com/tag/khloe-kardashian-vestido-de-noiva/ 27 março de 2020.

Figura 22: Kim Kardashian e jogador Kris Humphries, 2011.

Fonte: https://enfimnoivei.com/casamento-kim-kardashian/. Acesso em 18 de maio de 2020.

Figura 23: Kim Kardashian. Vestido da dança, em 2011.

Fonte https://noivasdetroia.wordpress.com/tag/khloe-kardashian-vestido-de-noiva/ 27 março de 2020.

Figura 24: Kim Kardashian. Recepção de casamento, em 2011.

Fonte https://noivasdetroia.wordpress.com/tag/khloe-kardashian-vestido-de-noiva/ 27 março de 2020.

Outra famosa que vestiu Wang foi Alicia Keys quando se casou com Kasseem Dean em 2010 (figura 25). A cantora usou um vestido marcado abaixo do seio e de um ombro só, inspirado nas vestes das deusas gregas do início do século XIX. Com o cabelo preso e adornado com arco poderoso de diamantes. Vera Wang juntou detalhes ricos dando um toque de modernidade ao estilo de época.

Figura 25. Alicia Keys e Kasseem Dean.

Fonte: https://glamurama.uol.com.br/no-dia-do-aniversario-de-vera-wang-9-famosas-que-se-casaram-usando-suas-criacoes/. Acesso em 19 de maio de 2020.

Figura 26: Lily Aldridge e Caleb Followill.

Fonte:  https://glamurama.uol.com.br/no-dia-do-aniversario-de-vera-wang-9-famosas-que-se-casaram-usando-suas-criacoes/. Acesso em 19 de maio de 2020.

Também em 2011, a modelo Lily Aldridge, angel da Victoria Secrets, casou-se com o vocalista da banda Kings of Leon, Caleb Followill. Com um vestido Vera Wang. A angel usou um vestido tomara que caia rendado, num estilo de uma noiva sofisticada e minimalista. Este estilo minimalista, originário da década de 1960 e retomado nos anos 1990, mantem-se atual e ao gosto muitas noivas de hoje.

Para além dos vestidos de eventos reais, há ainda os filmes e séries usando suas peças para figurino. Destacam-se os usados por Fran Donoll, em “O Casamento dos Meus Sonhos” (2001); pelas duas protagonistas em “Noivas em guerra” (2009); a personagem Blair Waldorf, em “Gossip Girl” (2007 – 2012); e Madeleine Stowe, em “Revenge” (2011). Isso citando os mais conhecidos. Em todas as produções, renda, tule, drapeados e babados são a marca registrada, estabelecendo a relação entre moda e tradição que compõe o estilo não só da grife, mas da atualidade.

Atualizando a composição visual, mas apostando em elementos tradicionais que distinguem o vestido de noiva dos vestidos de festa convencionais, Vera Wang consegue aliar moda e tradição. Sua assinatura tornou-se demonstração de poder e prestígio entre as noivas famosas, reforçando o consumo hedonista. Como explica Lipovetsky (2007, p.96):

Durante mais de dois séculos, o moderno processo de emancipação do indivíduo realizou-se pelo direito e pela política, pela produção e pela ciência; a segunda metade do século XX prolongou essa dinâmica pelo consumo e os meios de comunicação de massa. Destruição das práticas tradicionais, alienação e descrença, vida à la carte, investimento excessivo nos gozos privados: organiza-se uma nova cultura, na qual o consumismo, os cultos do corpo e do psicologismo, as paixões por autonomia e realização individuais fizeram da relação consigo mesmo uma dimensão dotada de um relevo excepcional. Narciso é sua figura emblemática.

A experiência emocional de usar um vestido assinado pela estilista Vera Wang é uma forma válida de explicar o consumo, principalmente para o traje de um evento importante como o matrimônio. A grife estimula esse consumo emocional, na medida que cobre de prestígio e glamour um dos momentos tradicionalmente mais emblemáticos da vida social das mulheres. Possuir a grife é revestir-se de sentidos que ultrapassam a história individual, permitindo que haja uma resignificação do indivíduo a partir dos simbolismos culturais que a marca possui e agrega. O capital simbólico da grife legitima o poder de consagrar da qual o criador e a grife se revestem e, com Vera Wang, moda e tradição consagram a atualidade das noivas deste início de século.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sonho e glamour: este é o universo que permeia as noivas e celebridades famosas na Grife de Vera Wang no desejo de consumo dos seus vestidos. A ressignificação da cultura das aparências das décadas anteriores é o que provoca a comunicação estética no dia do casamento, pois a noiva idealiza seu vestido dos sonhos e Vera Wang procura trazer a imagem do passado diante da nova vida que se iniciará o vestido como natural e legítimo. Através do aperfeiçoamento da modelagem e do tecido se torna detentora de um capital simbólico com valor agregado de desejo de consumo para além do produto.

Através de pesquisas bibliográficas, buscou-se mostrar aqui umas das mais antigas tradições ainda em uso pela busca da legitimidade no espaço social através da Grife. A cultura da noiva gera segurança para buscar novas criações e decisões estéticas do vestido de noiva que é a base da linguagem visual, é resgatar aquilo que foi moda e aperfeiçoar o que já existiu fazendo novas criações dos valores culturais.

Pensando nesse contexto, tive a motivação de comprovar a hipótese confrontando as décadas passadas através de imagens trazendo para a contemporaneidade esses arranjos sociais de linguagem no século XXI, dinamizados pelo individualismo moderno e pela sociedade do consumo. A grife de Vera Wang mostra que na contemporaneidade um vestido de noiva não é apenas um vestido, é todo um universo que o compõe, o justifica e nele se realiza.

REFERÊNCIAS

BOUCHER, François. História do Vestuário no Ocidente. São Paulo: Cosac & Naify, 2010.

BOURDIEU, Pierre. A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. São Paulo : Zouk, 2004.

COSGRAVE, Bronwyn. História da indumentária e da moda. São Paulo: Editora Gustavo Gili, 2012

LAVER, James. A Roupa e a Moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

LIMA, Cláudia. Aos 70 anos, Vera Wang continua sendo a rainha dos casamentos e dos red carpets. Disponível em: https://vogue.globo.com/semidade/noticia/2019/06/aos-70-anos-vera-wang-continua-sendo-rainha-dos-casamentos-e-dos-red-carpets.html. Acesso em junho de 2020.

LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

MATTOS, Maria de Fátima; BONADIO, Maria Cláudia. História e Cultura de Moda. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2011.

NERY, Marie Louize. A evolução da indumentária: subsídios para criação do figurino. Rio de Janeiro: Ed. Senac Nacional, 2004.

SOUZA, Ana Carolina. Vestida de sonhos: o universo simbólico das noivas Gesoni Pawlick no século XXI. Trabalho de conclusão de curso. Udesc 2010. Disponível em: http://sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000000/000000000010/00001071.pdf. Acesso em março de 2020.

SVENDSEN, Lars. Moda: uma filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

TEIXEIRA, Madalena Brás (Org). Traje de noiva: 1800 a 2000. Lisboa: Ministério da Cultura: Instituto Português de Museus, 1996.

WORSLEY, Harriet. O vestido de noiva. São Paulo: Publifolha, 2010.

[1] Pós-graduação.

[2] Orientadora. Mestrado em História.

Enviado: Novembro, 2020.

Aprovado: Dezembro, 2020.

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