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O rural e os temas sensíveis na história e na escola

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

NUNES, Francivaldo Alves [1]

NUNES, Francivaldo Alves. O rural e os temas sensíveis na história e na escola. Revista Cientifica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 11, Vol. 14, pp. 214-220. Novembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/historia/temas-sensiveis

RESUMO

Neste texto procuramos associar as questões que envolvem os estudos sobre o rural como temas sensíveis para se trabalhar na disciplina de história e na escola. Para isso, nos apropriamos de leituras bibliográficas sobre o tema, assim como, dos resultados de discussões que foram estabelecidas sobre a temática. No caso, trata-se de um conteúdo resultante de uma apresentação em formato de conferência, sendo incluídas novas reflexões, considerando os debates estabelecidos. A perspectiva é que ao associar o rural com o que poderíamos reconhecer como temas sensíveis na história e na escola, o que pressupõe investir na construção de um novo conhecimento disciplinar, estamos apostando na necessidade de se trabalhar no ensino com questões que reflitam diretamente as temáticas que recuperem o processo histórico, marcado por eventos traumáticos e violentos.

Palavras-chave: Rural, História, Ensino, Temas Sensíveis.

1. INTRODUÇÃO

Nós poderíamos inicialmente observar, que no exercício cotidiano da docência, sempre pode surgir uma afirmação de aluno que faz o professor ou a professora questionar sua preparação para o exercício da profissão. Será se consigo responder a esta pergunta de forma satisfatória? é logo uma questão que se faz o docente. Nesse sentido, um tema pode gerar uma controvérsia e se tornar mais sensível do que já é, indicando a necessidade de interrogar: quais são esses temas? para quem são sensíveis? com que fins os abordar em aulas de história? são sensíveis em si, ou se tornam sensíveis dependendo do encaminhamento do professor e das necessidades dos alunos? são sensíveis, pois desagradam os interesses de grupos sociais?

Associar o rural com o que poderíamos reconhecer como temas sensíveis na história e na escola, pressupõe investir na construção de um novo conhecimento disciplinar, que agregue questões que reflitam diretamente as temáticas que recuperem o processo histórico, marcado por eventos traumáticos e violentos. Deve ainda promover, a partir desses temas sensíveis um ensino preocupado com a formação de uma consciência histórica, que não apenas permita compreender o presente, mas que se proponha a construir ferramentas de lutas sociais de combate à injustiça, ao preconceito, a violência e a discriminação.

Diante de tão desafiadora proposta, não é possível se conviver com uma história oficial, em que se romantizou os eventos históricos como a dizimação das populações indígenas, a partir do século XVI, ou ainda da escravidão, oficializada até 1888. Colocar na arena dos estudos da história na escola, os temas sensíveis, é abandonar uma história universalista, centrada em homens, etnocêntrica, elitista e preocupada com os objetivos políticos dos acontecimentos. Nesse aspecto, a escola é chamada a ensinar uma história marcada por eventos traumáticos, por ações de injustiça social, por episódios de violência e sofrimento. Acredita-se com isso, que a história escolar pode contribuir no tensionamento das condições que tornaram possíveis o racismo, a violência e a desigualdade e, a partir disso, permita refletir sobre o que nos configura hoje como sociedade e como atuar para superar as mazelas sociais.

Ao posicionar os temas sensíveis na história e na escola, estamos ainda chamando atenção para uma história como um espaço de disputa de projetos de leituras acerca do passado, para construção de uma memória social. Nesse caso, a memória social está sendo pensada na perspectiva de Peter Burke (2000), ou seja, ela é uma disputa em torno do que lembrar e do que esquecer. Sendo assim, esquecer as populações rurais e as situações de desigualdades e violência se constitui em uma estratégia de dominação dos setores vinculados as elites agrárias. Esse setor dominante não quer que se conte a história do rural sobre a perspectiva da violência, do massacre, do latifúndio, da expropriação da terra, dos assassinatos, do desmatamento, da dizimação de grupos indígenas, da expulsão de posseiros e quilombolas. Trata-se de uma memória que não deve vir à tona.

2. A HISTÓRIA, O SENSÍVEL E A CONSCIÊNCIA HISTÓRICA

O processo histórico vivenciado pelas populações rurais no Brasil aponta para temas sensíveis, que não apenas são carregados de emoções, mas politicamente sensível, na medida em que aponta crimes promovidos por setores dominantes no processo de acesso e controle da terra. Nesse aspecto, nos aproximamos das reflexões de Mével e Tutiaux-Guillon (2013), para quem os temas sensíveis podem ser identificados como “questões quentes”, “difíceis”, “vivas” ou “controversas”, “socialmente vivas”. Para as questões do rural, acrescentaríamos a perspectiva de legitimamente necessárias, pois implicaria o confronto de valores e interesses e pode ser para o grupo dominante, um constrangimento na tomada de decisões, principalmente as que não atendem aos interesses da população pobre.

Benoit Falaize (2014, p. 228), incorpora outra dimensão importante para os temas sensíveis. No caso, informa que um tema de ensino é sensível, quando é uma questão para a sociedade, observa-se presente nas mídias e se constitui como objeto de controvérsia, na medida em que está relacionado aos debates da disciplina ou, ainda, quando determinada questão é delicada em sala de aula, ou quando o próprio professor pode ser colocado em dificuldade, no que diz respeito aos conhecimentos necessários para ensinar, ou em função das reações dos alunos. Verena Alberti (2014, p. 2) aponta a dimensão da controvérsia para destacar que a abordagem dos temas sensíveis implica o reconhecimento de injustiças que foram cometidas no passado contra pessoas ou grupos, provocando o choque de diferentes versões do passado ensinado na sala de aula com memórias familiares ou comunitárias.

As proposições de uma dimensão controversa para os temas sensíveis, apontadas anteriormente, nos aproxima da perspectiva de uma história que deixa de ser aprendida como a mera absorção de um bloco de conhecimentos linearmente apresentados, para surgir diretamente da elaboração de respostas a perguntas que são construídas a partir do acesso ao acervo de conhecimentos acumulados em diálogo com as demandas da sociedade e suas relações marcadas por questões controversas. Trata-se, como destaca Rüsen (2001, p. 44), de uma relação entre conhecimento e sociedade em que a história “pode ser apropriada produtivamente pelo aprendizado e se tornar fator de determinação cultural da vida prática humana”.

Aqui se reivindica a superação de um formato disciplinar como um amontoado de informações, sendo ministradas aos alunos sem maiores contextualizações e relações com a sua experiência de vida, geralmente tendo como consequência, o desinteresse. Nesse sentido, o conhecimento histórico escolar deve estar atento à realidade da escola, o que pressupõe expressar significado para a vida dos alunos. A história ensinada colabora, portanto, para a construção de uma consciência que se estabelece na relação dinâmica entre experiência do tempo e o processo da vida humana, mas que é caracterizada pela tensão, mediada pelas circunstâncias dada pela vida, mas que se propõem em orientar os indivíduos, articulando as suas decisões com a experiência pessoal e a aprendida dos livros de história (RÜSEN, 2001 p. 59).

A proposta, portanto, é pensar e refletir os conteúdos estabelecidos pela disciplina de história, e aqui apresentamos a necessidade dos temas sensíveis que envolvam os estudos das populações que ocupam as áreas rurais do Brasil, pois entendemos que é nesta relação entre os conteúdos e a experiência de vida, que se estabelece o processo de formação de uma consciência da história como instrumento de transformação da sociedade. Em outras palavras, os temas sensíveis podem facilitar na capacidade reflexiva de ir além dos conteúdos em direção a assuntos de maior profundidade, fazendo com que ocorra por parte do aluno um processo de desnaturalização da própria história. Onde, o que antes parecia desconexo passa a fazer sentido, pois consegue de uma maneira especializada se localizar temporalmente, assim como refletir sobre a ideologia dominante na sociedade.

Assim, se há motivos que levam o homem a voltar o seu olhar para o passado é esse, de dar sentido à vida, ou seja, compreender-se socialmente. Diante das mudanças de si mesmo e de seu mundo, os indivíduos se sentem na necessidade de estabelecer um quadro interpretativo de tais mudanças, para justamente se orientar no fluxo do tempo e realizar as intenções do seu agir. Nesse sentido, a história rural ensinada na escola, ao recuperar aspectos vinculados a violência, ao latifúndio, a expropriação e ao desmatamento, por exemplo, não apenas aproxima o conteúdo escolar da realidade dos alunos, como ainda os posiciona na sociedade e na arena da luta social, sem contar, que pode oferecer ferramentas necessárias de enfrentamento aos problemas vivenciado pelas populações do campo.

Outro aspecto a se destacar nesse processo é que a própria disciplina da história tem avançado em seus debates e consequentemente a didática da história tem sido por essa influenciada, uma vez que, com o advento de abordagens voltadas para compreensão do cotidiano, das relações de trabalho e exploração, da violência no campo e latifúndio, como nos adverte Lorene dos Santos (1997, p. 32), algumas mudanças têm alterado os rumos dessa disciplina, na qual “se abre a possibilidade de um sistema de ensino, mais rico, plural, multifocal e abrangente da compreensão histórica principalmente sob a ótica dos oprimidos”.

Ou seja, é a possibilidade de levar o aluno a pensar e se repensar a partir de seu cotidiano e das suas experiências, estabelecendo relações e diálogos entre o “seu” mundo e o conhecimento disponível e a ele apresentado, utilizando-se assim, das possibilidades criadas por essas novas formas de se pesquisar e aprender história. Por isso, o entendimento do conceito de consciência histórica se faz importante nesse contexto, pois é a partir da compreensão de conceitos como este que se abrem as possibilidades para tratarmos de questões e as relacionarmos com os conteúdos aplicados em sala de aula.

O rural e temas sensíveis seguem na esteira das lutas de diferentes grupos em busca de legitimidade para suas histórias e memórias. Junto a isso, os grupos buscam ampliar a representação política, e a luta por direitos faz emergir demandas indenitárias. Recuperar os temas sensíveis pode, portanto, incluir grupos na agenda pela legitimação de suas demandas e inclusão nas políticas públicas, ou seja, é uma luta que reivindica lembrar, manter viva uma memória e reparar o silêncio e as simplificações na narrativa histórica.

Assim, na esteira de uma experiência social em que temos um rural marcado pela diversidade e pela luta, em que muitos eventos resultaram em massacre e extermínios, que se tem provocado debates sobre o currículo da história ensinada de forma que se possa construir materiais didáticos, rituais comemorativos e práticas curriculares na perspectiva da justiça e do direito social. Emergem, nesse contexto, novas abordagens e conteúdos que promovem uma ruptura com o passado da história escolar, marcado por um currículo que escamoteia as lutas sociais no campo. Ao mesmo tempo, temos uma situação nova aos professores que orientam suas aulas por demandas do tempo presente.

A escola pública está inserida em um contexto sensível em função da violência, das desigualdades sociais, das lutas pelo reconhecimento de grupos não visibilizados na história nacional. Nesse aspecto, pensar os temas sensíveis é colocá-los com base em questões vivas para a sociedade, controvérsias na historiografia, temas constrangedores para determinados grupos sociais, difíceis no contexto da escola, de forma que possam produzir esperança nas salas de aula através de uma consciência histórica transformadora. Não se trata somente de outra forma de se aproximar dos conteúdos de História, mas de considerar os sujeitos para os quais se ensina História e seus contextos de vida, marcados pela violência e pela desigualdade social, além do contexto de quem ensina, marcado pelas perseguições e pela desumanização. Pressupõe mais ainda, acreditar que esses sujeitos serão capazes de transformar a sociedade e combater as desigualdades nas áreas rurais.

3. APONTAMENTOS CONCLUSIVOS

Os temas sensíveis podem revelar que temos uma história agrária caracterizada pela violência contra os trabalhadores rurais. Um espaço de expropriação da terra que se apresenta pelo uso da força. Quer dizer, temos um conjunto de agentes que atuam de forma violenta nestes espaços como forma de garantir e ampliar suas áreas de ocupação, em muitos casos de forma irregular. Trata-se, portanto, de uma história marcada por conflitos e violências.

A outra característica da história agrária brasileira é que, quando o Estado resolve aparecer, quase sempre aparece para defender, o que se tratam das defesas dos interesses de fazendeiros, latifundiários e grandes proprietários de terra. Temos, entretanto, uma atuação do Estado quase sempre marcada pela defesa dos interesses de uma elite agrária, em detrimento dos trabalhadores rurais.

O resultado desse desequilíbrio de força é um espaço agrário caracterizado pelo conflito e a violência, como se apontou. Poderíamos citar aqui dezenas de assassinatos de trabalhadores rurais, principalmente no Pará, que é um dos estados mais violentos do Brasil, principalmente vinculadas às ações que geram a morte de trabalhadores rurais. Como destaque, o assassinato da irmã Dorothy Stang, em Anapu, no ano de 2005, ou do casal de extrativista José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, em Nova Ipixuna, em 2011.

Ao que se observa um conjunto de eventos que geraram essa violência no campo ganha ainda pouco espaço nos materiais e currículos vinculados ao ensino de história. A história de tema sensível pode colocar esses temas nos manuais e narrativas de história.

REFERÊNCIAS

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[1] Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense.

Enviado: Outubro, 2022.

Aprovado: Novembro, 2022.

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Francivaldo Alves Nunes

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