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O círculo na educação através da dança circular, uma breve reflexão

RC: 123327
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/circulo-na-educacao

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

URBANO, Maria Angélica [1]

URBANO, Maria Angélica. O círculo na educação através da dança circular, uma breve reflexão. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 08, Vol. 01, pp. 110-117. Agosto de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/circulo-na-educacao, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/circulo-na-educacao

RESUMO

Este artigo tem como objetivo fazer uma reflexão sobre a contribuição das Danças Circulares na Educação; assim como a proposta de ensino através do movimento e das relações estabelecidas em roda. Para isso, segue o embasamento na metodologia contemporânea do ensino das Danças Circulares a partir dos estudos do bailarino Bernhard Wosien na década de 70 e reflexões a partir dos escritos de Kaká Werá e Ailton Krenak sobre o modelo de vida atual. A inquietação deste estudo é dentro do contexto de vida atual e das práticas observadas em sala de aula a partir de pesquisas vivenciadas desde 2010 no ensino das Danças Circulares em escolas. É possível mudar as linhas retas e enfileiradas que fazem parte do cotidiano em diversas escolas para uma proposta de círculo e um corpo mais ativo em sala de aula? Este estudo apresenta um caminho para que esta dinâmica do círculo esteja cada vez mais presente no contexto escolar.

Palavras-chave: Educação, Arte, Danças Circulares.

INTRODUÇÃO

A nossa história é construída por meio das memórias que trazemos, dos antepassados que honramos, dos caminhos que vão tomando novas formas a cada ano. Isto, permeado de emoções e sentimentos que tomam conta de nós. Mas esse formato de vida em que nos dividimos entre o trabalho e a sobrevivência, não nos permite lembrar que é possível viver além de uma produção capitalista ou dividir o cotidiano entre ir ao mercado, cumprir necessidades sociais e burocráticas e ter prazeres/experiências  na arte, com a natureza, ou simplesmente não fazer nada. O discurso recorrente de não ter tempo em uma sociedade extremamente produtivista e imediatista é preocupante. Nós vivemos em um planeta que está a cada dia dando sinais de mudanças climáticas, que já nos afetam diretamente e colocam em risco o futuro da humanidade e de outras espécies.  Essas reflexões estão presentes no livro “O amanhã não está à venda” de Ailton Krenak que foi lançado em 2020. A realidade virtual, com a criação contínua  de novos  produtos e recursos tem cada vez mais diversificado as relações intersubjetivas, porém, sem um tempo e espaço para as reflexões éticas decorrentes. Entretanto, nossos olhares estão se acostumando à dismorfia ao naturalizar fotos com filtros, apresentar hábitos e histórias idealizadas numa tentativa de disfarçar ou, até mesmo, negar o que se é.

É dentro desse recorte da realidade que este texto tem o intuito de fazer uma breve reflexão sobre as necessidades do nosso tempo em relação  à educação e os benefícios que as Danças Circulares podem proporcionar, dentro do contexto escolar em termos de saúde, bem estar físico, emocional e espiritual. Elas são conhecidas pela acessibilidade e integração que promovem, atuando diretamente no corpo e no espírito, em uma tentativa de lembrar que as relações podem e devem ir além do universo on-line, que  inclusive se intensificou com a pandemia da covid-19. Krenak em seu livro “A vida não é útil”, escreve:

É incrível que esse vírus que está aí agora esteja atingindo só as pessoas. Foi uma manobra fantástica do organismo da Terra tirar a teta da nossa boca e dizer: “Respirem agora, quero ver. (KRENAK (2020, p.2)

A partir destas reflexões sobre o momento atual, como as danças circulares foram e são utilizadas no contexto cultural e educacional? Para responder a essa pergunta, será feita uma introdução a este tema e logo em seguida será apresentado um modelo de como esta atividade pode contribuir e enriquecer o dia a dia escolar, a partir de estudos do precursor do movimento, Bernhard Wosien e de sua filha Maria Gabriele Wosien, relacionados a práticas em sala de aula.

O CÍRCULO  E A DANÇA CIRCULAR

Há muito tempo, o formato em círculo remonta a simbologias ancestrais que  vivenciamos e, ao mesmo tempo, nos influenciam direta e indiretamente pelos movimentos cíclicos que  estão presentes na vida humana. As estações do ano, as fases da lua, o caminho do sol desde o amanhecer. O dia e a noite, entre dormir e acordar, o pulsar do coração,  o subir e descer das marés,  a rotação dos planetas dentro do sistema solar, entre outros. Estes movimentos despertam  e priorizam o sentimento de união.

Há um registro em uma gruta, em Palermo, Itália, datada de 8000 aC, que se trata de um um desenho  de pessoas dançando em círculo, nomeado de Roda de Addaura. Paul Bourcier  escreveu no livro “História da Dança no Ocidente”, a respeito da representação mais antiga da dança de grupo em harmonia com o universo:

O movimento vai da direita para a esquerda, ou seja, é o da direção dos grandes astros, o sol e a lua. Deve-se reconhecer uma dança cósmica? A resposta não cabe ao domínio da constatação. Sem aventar hipóteses gratuitas, contentar-nos-emos em observar que todas as rodas espontâneas, mesmo as das crianças de nossos dias, giram na mesma direção. (BOURCIER, 2001, pág. 8-9)

A dança reverbera o movimento para expressar emoções, sentimentos e manifesta a cultura do povo.  Roger Garaudy (1913,p 16) em seu livro  “Dançar a Vida”, escreve “ A dança é então um modo total de viver o mundo…” Isto em consonância com as relações que são estabelecidas entre os seres humanos em conexão com o lugar onde vivem e simultaneamente com o universo. Maria Gabriele Wosien, em seu livro “Ponto de quietude e mundo em movimento”, escreve:

Na história das danças culturais, o homem, o microcosmo, sempre entendeu seu corpo e sua vida como o símbolo das relações mais complexas, como imagem e o reflexo de grandes ciclos de tempo e a maneira como uma divindade determina o destino. Wosien  (2021, p. 27)

O QUE  SÃO DANÇAS CIRCULARES?

As Danças Circulares, este movimento contemporâneo conforme conhecemos,  tiveram sua origem com a pesquisa de um bailarino, artista das Artes Cênicas e das Artes Plásticas, que teve seu percurso como artista criador, chamado Bernhard Wosien (1908-1986), nascido na antiga Prússia Oriental. Ele também estudou as danças folclóricas, danças meditativas e foi com a sua visita em Findhorn, norte da Escócia, na década de 1970,  que se deu o início desse movimento,  o qual se tornou mundialmente conhecido, inclusive no Brasil desde 1984 e vem ganhando espaço por sua dinâmica simples, cooperativa e inclusiva.

A dança, para Wosien, em toda a sua riqueza de formas e diversidade de estilos, tornou-se a base de toda a sua existência, desde o momento em que ele pôde vivenciar as danças folclóricas, reconhecendo os passos como dialetos dos povos e a espontaneidade, em harmonia com os rituais celebrados em cada cultura. Dentro do seu percurso como pesquisador, ele associou a música e a dança aos mistérios da vida:

O Compasso representa a visão espiritual do todo, a clareza e a ordem. O ritmo responde pela vitalidade, pela tensão, pelo pulsar do fluxo sanguíneo e a melodia representa o lado verdadeiramente humano, seu querer da alma e seus sentimentos, em todas as nuances.  (WOSIEN, Bernhard, 2000, p.14)

Observa-se assim, a necessidade de experimentar as danças para compreendê-las no corpo e então, perceber o seu efeito terapêutico e de cura. A música, a dança e a arte podem ser caminhos de encontro com o sentido existencial, consigo e com o outro. 

DANÇA CIRCULAR NA EDUCAÇÃO

A dança em círculo pode ser uma poderosa ferramenta de trabalho na escola.  A arte, através dos movimentos, pode auxiliar o despertar para as relações e provocar uma mudança na organização do próprio espaço de aprendizado, uma vez que ainda é muito comum encontrarmos as carteiras enfileiradas e os alunos sentados na maior parte do tempo. A  ligação entre o espaço escolar, o indivíduo e suas relações com os outros no meio ambiente  onde vive, pode trazer a consciência de que tudo está interligado. Pode-se aprender com cada disciplina somente para decorar e  fazer uma avaliação, ou pensar que há significado maior para esse conhecimento adquirido ao longo de vários anos?  Podemos refletir um pouco sobre o nosso dia a dia na escola e a importância do processo da experiência como forma de aprendizagem, pensando no corpo em movimento. Uma aluna ou um aluno que entra às 7h na escola e fica até, por volta de uma hora da tarde, passa pelo processo de aprendizado, em sua maior parte, sentada (o) em uma cadeira.

Através de cada vivência, nosso cérebro registra informações em  um processo complexo, que envolve a formação de novas memórias. Portanto, é muito importante que haja estímulos para as crianças, um deles é o movimento. Mas qual é o tipo de movimento ou interações que fazemos?

A partir das relações vivenciadas, desenvolvemos um modo de nos expressarmos.  Neste mundo cada vez mais tecnológico,onde o aprendizado se dá, em sua maioria, por meio de leituras, perdemos uma relação importante com a natureza. O mundo virtual trouxe inúmeros avanços, podemos “estar” em diversos lugares  sem ao menos sair de casa. Mas é importante pensar sobre como essa relação tem se estabelecido. A foto de uma árvore na internet nos traz a lembrança da existência da mesma, mas ela não tem nenhuma função  a não ser representá-la.

Para as crianças, o brincar já é uma descoberta de si e do mundo. As relações que se estabelecem nas brincadeiras trazem aprendizados além de técnicas ou estudos, traz a vivência de relações. Se isso é potencializado na natureza, o real ganha significado. Ao ler autores indígenas como Ailton Krenak e Kaká Werá Jecupé podemos perceber a conexão entre a vida como um todo. A natureza não está desconexa das ações cotidianas de cada pessoa, tudo está interligado e, por esse motivo, não há razão em desconectar-se. Essa sabedoria ancestral já deveria fazer parte de nós, inclusive estar presente no ambiente escolar.

A partir desta reflexão, vamos direcionar o olhar para alguns propósitos da dança em círculo. Nas Danças Circulares podemos encontrar danças folclóricas ou contemporâneas. Atualmente há um número grande de danças coreografadas e que podem ser encontradas nas rodas mais diversas, inclusive nas escolas. Ao pensar na potencialidade em dançar culturas de povos diferentes, o aprendizado se amplia. Uma vez que a dança traz a cultura de um povo que está relacionada a um modo de viver, a uma região e uma infinidade de ensinamentos. Mesmo que haja uma cultura hegemônica, dominante, ela não pode acabar com todas as camadas e diversidades culturais. E nisso, as Danças Circulares podem auxiliar e trazer uma vivência a partir de sonoridades diferentes, com músicas de diversas partes do mundo e, também, a possibilidade de poder experimentar corporalmente os movimentos de cada cultura.

Para se organizar em círculo, todos devem estar na mesma distância do centro. Por isso, na Dança Circular, utilizamos um centro de roda, um elemento para indicar um ponto central e nele estão presentes elementos que podem ser compreendidos e vivenciados em múltiplas dimensões, por exemplo, o centro dentro do círculo. O sentido físico dele é para garantir que a roda esteja redonda em torno de um ponto de referência e a todo momento  lembrar a posição inicial. O sentido filosófico do círculo chama a atenção para a visão do conjunto onde todos estão equidistantes, são iguais, e cada um com sua individualidade tem a mesma importância e é fundamental para o grupo. O sentido espiritual da relação do centro com o círculo lembra a ligação entre o céu e a terra numa conexão espírito e matéria, ambos necessários para o equilíbrio do ser.  Na escola, esse aprendizado a partir da vivência da roda pode ter um significado mais amplo, porque cada aluno pode perceber o lugar que ocupa, sentimento de pertencimento, e reconhecer o outro sem que seja dito qualquer palavra. Não há necessidade de pedir silêncio e sim, mostrar que ao ouvir a música, é possível perceber o pulso, ritmo e integrar ao movimento. Um exemplo comum se dá em uma dança em que todos precisam ir para o centro. É necessário perceber que, para que a roda permaneça em harmonia, todos devem ir juntos. Se um aluno avança mais que o outro, a roda se desfaz. Trazer essa percepção onde todos estamos juntos pode ser estendida para a vida. Não é necessário dizer e sim, ampliar o olhar para o movimento que se faz em grupo.   Se todos estamos juntos neste planeta, a harmonia se dá pelo respeito de que estamos em união.

Portanto, pode-se concluir que a Dança Circular, a partir das vivências apresentadas em círculo e os estudos relacionados nos livros aqui mencionados, pode contribuir com as relações estabelecidas na escola, favorecendo o desenvolvimento de tais aspectos dentro da educação em seu papel transformador em consonância com a vida, em meio ao tempo no qual vivemos.

REFERÊNCIAS

BOURCIER, Paul. História da dança no Ocidente. 2 ed. Tradução: Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

GARAUDY,Roger. Dançar a vida.Tradução Antonio Guimarães Filho e Glória Mariani. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Krenak, Ailton. A vida não é útil. ; pesquisa e organização Rita Carelli. — 1a ed. — São Paulo : Companhia das Letras, 2020.

Krenak, Ailton. O amanhã não está à venda. Editora: Companhia das Letras Ano: 2020.

JECUPÉ, Kaká Werá. A terra dos mil povos: história indígena do Brasil contada por um índio. São Paulo: Peirópolis, 2020.

WOSIEN, B. Dança um caminho para a totalidade. São Paulo: Ed. Triom, 2000.

[1] Graduada em Letras, Pós graduada em Teatro- Educação Mozarteum, Mestranda Unesp Marília. ORCID: 0000-0003-1001-8549.

Enviado: Julho, 2022.

Aprovado: Agosto, 2022.

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Maria Angélica Urbano

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