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Acessibilidade e envelhecimento: análise de calçadas e passeios públicos no município de Juazeiro do Norte

RC: 10819
357
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/acessibilidade-e-envelhecimento

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

JUNIOR, Francisco Rodrigues de Sousa[1], FLORO, Elisângela Ferreira[2]

JUNIOR, Francisco Rodrigues de Sousa. FLORO, Elisângela Ferreira. Acessibilidade e envelhecimento: análise de calçadas e passeios públicos no município de Juazeiro do Norte. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Edição 06. Ano 02, Vol. 01. pp 439-455, Setembro de 2017. ISSN:2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/acessibilidade-e-envelhecimento, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/acessibilidade-e-envelhecimento

RESUMO

O direito de ir e vir e a acessibilidade fazem parte de uma série de direitos de qualquer cidadão. Com base nisso, e tendo em vista o crescimento da população idosa no Brasil, observa-se a necessidade de garantir que haja condições básicas de acessibilidade que venham a assegurar o direito de ir e vir deste público. A construção de calçadas com acessibilidade faz parte do conjunto de elementos que compõem o direito de locomoção dos idosos. Por este motivo, elegemos como objeto de estudo desta pesquisa as relações existentes entre envelhecimento, passeios públicos e acessibilidade para a população idosa, nos passeios públicos do município do Juazeiro do Norte. Como objetivo geral, visamos analisar quais são os elementos nas calçadas que acarretam dificuldades para os idosos se locomoverem de forma autônoma. Os dados foram coletados, analisados e interpretados a partir do método observacional e comparativo e, com bases nos resultados, pôde-se verificar que ainda há muito que se fazer para tornar acessível as calçadas e passeios do município do Juazeiro do Norte.

Palavras-chave: Infraestrutura, Acessibilidade, Inclusão social.

1. INTRODUÇÃO

A maioria das calçadas brasileiras não oferecem condições admissíveis para a locomoção dos pedestres, situação que é efeito de práticas de muitos anos em que normas básicas de acessibilidade foram desconsideradas. Em razão disto, as calçadas não possuem as condições básicas para oferecer locomoção segura, ainda mais, para pessoas com mobilidade reduzida ou com deficiência.

A acessibilidade das calçadas é uma questão de grande importância, não só para que os idosos consigam utilizá-las, mas, para toda a população, tais como: crianças, jovens, adultos e pessoas com deficiência. Quando as calçadas não estão adequadas, todos sofrem. A calçada ideal compõe-se de: dimensões adequadas, inclinação correta, revestimento certo, regularidade, rebaixamentos e sinalização para a locomoção a pé, entre outros.

Os projetos de mudanças das calçadas devem ser desenvolvidos de forma crescente e permanente. O que foi construído de forma inacessível em séculos, décadas não se corrige em anos, meses, muito menos em alguns dias.  É fundamental um longo período de esforço e de campanhas educativas para estimular o processo de transformações das calçadas em ambientes seguros e acessíveis.

A sociedade precisa ser mobilizada em volta deste tema, para compreender que construções de passeios e calçadas em desconformidade com as normas causam inacessibilidade e ocasionam riscos para a segurança dos pedestres. O processo de transformação das calçadas em locais seguros e acessíveis é demorado, mas deve sem dúvida, ser objeto de estudo do processo de formação dos profissionais que atuam na área da construção civil, pois isto pode estimular a construção de espaços seguros, que venham promover a democratização e efetivação do direito de ir e vir.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

O envelhecimento da população é uma preocupação de diversos países que se veem diante da necessidade da criação de políticas públicas para atender o crescente número de idosos, pois este é um fato que, simplesmente, não pode mais ser ignorado. Olhar para os idosos, significa olhar para nós mesmos no futuro.

Significa ainda que, com a população envelhecendo, o número de pessoas com deficiência aumentará, visto que com o passar do tempo a predisposição para adquirir alguma deficiência aumenta. De acordo com dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE), como mostra o Gráfico 1, o número de pessoas com pelo menos uma deficiência aumenta de acordo com a idade do indivíduo.

Gráfico 1 – Pessoas com pelo menos uma deficiência por idade. Fonte: CENSO IBGE 2010: Cartilha da pessoa com deficiência, 2010.
Gráfico 1 – Pessoas com pelo menos uma deficiência por idade. Fonte: CENSO IBGE 2010: Cartilha da pessoa com deficiência, 2010.

De acordo com o Decreto n. 6449, de 25 de agosto de 2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. Para ABNT (2015) uma pessoa com mobilidade reduzida, é aquela que, temporária ou permanente, tem limitada a sua capacidade de se relacionar com o meio e de utilizá-lo. Entende-se por pessoa com mobilidade reduzida aquela com deficiência, a idosa, a obesa e a gestante, entre outros.

O Brasil está entre os países onde a população mais envelhece, segundo a Organização Mundial de Saúde o número de pessoas com mais de 60 anos quase que triplicará até 2050 (SORDI, 2015). Além disto, conforme a população envelhece, aumentam as dificuldades de mobilidade, sendo necessário investir em infraestrutura para atendê-la e garantir o direito à acessibilidade.

Uma noção, em números, do aumento da população mundial idosa nos é dada pelo Fundo de População das Nações Unidas que relata:

O envelhecimento populacional é uma das mais significativas tendências do século XXI. Apresenta implicações importantes e de longo alcance para todos os domínios da sociedade. No mundo todo, a cada segundo 2 pessoas celebram seu sexagésimo aniversário – em um total anual de quase 58 milhões de aniversários de 60 anos. Uma em cada 9 pessoas no mundo tem 60 anos de idade ou mais, e estima-se um crescimento para 1 em cada 5 por volta de 2050: o envelhecimento da população é um fenômeno que já não pode mais ser ignorado (FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2012).

O Brasil promulgou a Lei n. 10.741, de 01 de outubro de 2003, que dispôs sobre o Estatuto do Idoso, a fim de garantir direitos básicos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária à população idosa. Esta Lei aborda o direito de ir e vir do idoso no Inciso III do Art. 38, quando determina que locais públicos destinados a idosos devem assegurar “a eliminação de barreiras arquitetônicas e urbanísticas, para garantia de acessibilidade” (BRASIL, 2003).

Mas, ainda estamos distantes de assegurar este direito, seja por falta de conhecimento técnico, pelos altos custos da obra ou mesmo pela demora do poder público em regulamentar normas padronizadas para a acessibilidade.

No Brasil, apenas na década de 1980, com a promulgação da Lei n. 7.405, de 12 de novembro de 1985, surgem as primeiras orientações sobre a colocação do Símbolo Internacional de acesso em todos os locais e serviços que permitam sua utilização por pessoas com deficiência. No mesmo ano, várias prefeituras do Brasil criaram orientações para normatizar a construção de calçadas acessíveis.

Em âmbito nacional, a Norma Técnica n. 9050/2015 orienta também a construção acessível de calçadas, fazendo distinção entre os conceitos de ambiente acessível e adaptado. Para a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT, 2015), o ambiente é acessível quando permite “possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para a utilização com segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos” (ABNT, 2015). Já o ambiente adaptado é aquele “espaço, edificação, mobiliário, equipamento urbano ou elemento cujas características originais foram alteradas posteriormente para serem acessíveis” (ABNT, 2015).

Um ambiente acessível ou adaptado promove a acessibilidade, que é definida pela ABNT (2015) como a “possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para a utilização com segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano”, por parte dos cidadãos.

Neste sentido, uma calçada acessível é aquela que oferece segurança e autonomia ao usuário. Conforme a Lei n. 9.503 de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e as normas da ABNT n. 9050/2015 (2015, p. 2), uma calçada é a “parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de veículos, reservada ao trânsito de pedestres”.

No Juazeiro do Norte, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU/JN) determina o Código e Obras e Posturas, a Lei n. 2571, de 08 de setembro de 2000 em seu Capítulo IV (Artigos n. 91 a 100) estabelece parâmetros para a construção das calçadas no município, orientando que haja: revestimento antiderrapante e inexistência de elementos que dificultem a circulação dos pedestres. Quanto à declividade, determina-se o mínimo de 2% e máximo de 3%, sendo proibida a construção de degraus ou batentes, no sentido longitudinal da calçada, em logradouros com declividade inferior a 20% (vinte por cento). Quando se trata de logradouros com “declividade superior a 20% (vinte por cento) a altura máxima do degrau ou batente será de 0,18m, e quando for necessário mais de um degrau, a largura mínima deste será de 0,30m” (PDDU/JN, 2000).

Em relação à largura das calçadas, o (PDDU/JN, 2000, p. 44) não estabelece uma medida unificada, contudo, determina que a “uniformidade da largura deverá ser mantida, conforme tipologia viária, em toda a extensão da calçada”.

No que concerne às normas da ABNT (1986), a calçada é um mobiliário urbano classificada na categoria de circulação e transporte, sendo mobiliário urbano todos os objetos ou elementos integrantes da paisagem urbana, de natureza utilitária ou não, implantados mediante autorização do poder público.

A calçada é dividida nas seguintes partes: faixa de serviço, faixa livre e faixa de acesso. Na faixa de serviço fica o espaço reservado à colocação de árvores, rampas de acesso, postes, sinalização de trânsito e mobiliário urbano. Na faixa livre não pode haver nenhum obstáculo, pois é destinada à livre circulação do pedestre. Já na faixa de acesso, podem ser colocadas rampas, toldos, propaganda e mobiliário móvel, como mesas de bar e floreiras, desde que não impeçam o acesso aos imóveis. Na Figura 1, apresentamos as partes de uma calçada e a metragem recomendada:

Figura 1 – Faixas que compõem uma calçada acessível com respectivas dimensões mínimas (m). Fonte: Autoria própria (2017).
Figura 1 – Faixas que compõem uma calçada acessível com respectivas dimensões mínimas (m). Fonte: Autoria própria (2017).

A Figura 1 representa o desenho considerado ideal para as calçadas, podendo então, ser considerada como um desenho universal para este tipo de construção. De acordo com as Diretrizes do Desenho Universal na Habitação de Interesse Social do Estado de São Paulo, o desenho universal tem sete princípios: uso equitativo; uso flexível; uso simples e intuitivo; informação de fácil percepção; tolerância ao erro (segurança); esforço físico mínimo e dimensionamento do espaço para acesso e uso abrangente.

O desenho universal da calçada (Figura 1), atende aos princípios básicos da acessibilidade e segurança, em se tratando da locomoção dos idosos pelos passeios públicos da cidade.

Contudo, sabemos que as calçadas brasileiras não atendem aos princípios básicos de acessibilidade, o que nos motivou a investigar como quais as principais dificuldades de acessibilidade nas calçadas que margeiam uma igreja do Bairro Salesianos, no município de Juazeiro do Norte, tendo em vista o fluxo de idosos no local.

Com esta investigação visamos observar se pessoas com mais de sessenta anos estão tendo o direito de locomoção assegurado, conforme preza o Estatuto do Idoso, ou seja, se o envelhecimento está se dando de forma digna, pois muitas vezes o direito de ir e vir é dificultado pela construção de espaços públicos com barreiras arquitetônicas.

3. MATERIAIS E MÉTODOS

Juazeiro do Norte é uma cidade localizada no interior cearense, conhecida nacionalmente por suas atividades religiosas, sendo que estas foram responsáveis pelo desenvolvimento da própria cidade. Nisto reflete que a maioria da população, cerca de 90,4% (CENSO/IBGE) se considera católica.

Quanto à população com mais de 60 anos, de acordo com CENSO/IBGE (2010), o Salesiano é o bairro do município com o maior número de idosos.  Deste modo levando-se em consideração o grande número de idosos e o fato de que estes, por tradição, frequentam rituais religiosos, decidiu-se, estudar as calçadas e passeios das ruas que margeiam a Igreja Sagrado Coração de Jesus (Figura 2) por ser este um ponto bastante frequentado por idosos.

Figura 2 - Planta de situação da Igreja Sagrado Coração de Jesus (sem escala). Fonte: Autoria própria, (2017).
Figura 2 – Planta de situação da Igreja Sagrado Coração de Jesus (sem escala). Fonte: Autoria própria, (2017).

A pesquisa que desenvolvemos, quanto à natureza, é básica porque visou construir conhecimentos que permitissem a reflexão por parte dos profissionais da construção de edifícios sobre as necessidades de projetar ambientes acessíveis, especialmente, no que concerne às calçadas. Segundo Gerhardt e Silveira (2009, p.35), a pesquisa básica “envolve interesses universais”, daí sua importância, ao discutir temas sociais.

Quanto aos objetivos, trata-se de uma pesquisa descritiva, visto que as análises realizadas objetivaram relatar a situação das calçadas do município do Juazeiro do Norte, comparando a situação encontrada com a situação ideal, recomendada pelo desenho universal, e em conformidade com a norma n. 9050/2015. Segundo Pradanov e Freitas (2013, p. 52), “nas pesquisas descritivas, os fatos são observados, registrados, analisados, classificados e interpretados, sem que o pesquisador interfira sobre eles, ou seja, […] não são manipulados pelo pesquisador”.

Em razão da pesquisa envolver um problema de ordem técnica e social, elegemos a combinação do método observacional e do método comparativo, como estratégia para aprofundar o estudo sobre a acessibilidade para idosos nas calçadas de Juazeiro do Norte. Conforme a metodologia científica, os métodos de procedimentos podem ser combinados com o “objetivo proporcionar ao investigador os meios técnicos, para garantir a objetividade e a precisão no estudo dos fatos sociais” (GIL, 2010, p. 15).

Na pesquisa social, pode haver necessidade de combinação de métodos de investigação científica porque

Nem sempre um método é adotado rigorosa ou exclusivamente numa investigação. Com frequência, dois ou mais métodos são combinados. Isso porque nem sempre um único método é suficiente para orientar todos os procedimentos a serem desenvolvidos ao longo da investigação (PRADANOV; FREITAS 2013, p.36).

No que concerne aos procedimentos técnicos (que indicam como os dados foram coletados), a pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa de levantamento de dados e empírica (de campo). Tanto procedemos à observação direta do local onde ocorre o fenômeno da falta de acessibilidade, quanto realizamos o levantamento de dados por meio de questionários aplicados aos idosos que sofrem dificuldades de locomoção ocasionadas pela falta de acessibilidade nas calçadas de Juazeiro do Norte.

O levantamento de dados não exige que toda a população seja investigada, pois a partir de dados estatísticos é possível selecionar, por meio de procedimentos estatísticos “uma amostra significativa […] que é tomada como objeto de investigação. As conclusões obtidas a partir dessa amostra são projetadas para a totalidade do universo (GIL, 2010, p. 35).

Tendo em vista as considerações sobre a metodologia de pesquisa, selecionamos como universo as calçadas que margeiam a Igreja Sagrado Coração de Jesus através do seguinte quadrante de ruas: Avenida Padre Cícero, Rua Santa Clara, Rua Célia Sobreira e Rua Pio X.

A amostragem selecionada, correspondeu a uma calçada de cada rua que margeia o quadrante da Igreja Sagrado Coração de Jesus. O critério para seleção das calçadas a serem observadas não foi aleatório, mas decorreu da observação realizada no intervalo de tempo entre o início e o término da missa, conforme o pesquisador observava mais dificuldades de o pedestre idoso circular sobre a calçada. A estes pedestres idosos também aplicamos um questionário fechado, cujas questões visavam identificar as principais dificuldades de locomoção ocasionadas pela inadequação das calçadas às normas técnicas e ao desenho universal. Foram aplicados dez questionários ao público de ambos os sexos com idades compreendidas entre 60 e 82 anos. Além disto, realizou-se a coleta de medidas nas referidas calçadas a fim de comparar os dados com os dispostos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, analisou-se o material empregado e a projeção da calçada, conforme o desenho técnico e os protocolos (formulários) do documento intitulado Calçadas do Brasil, este documento propõe a atribuição de valores em uma escala de 0 a 10, nos seguintes itens: irregularidades, degraus, inclinação, largura da calçada, rampas de cadeirantes, presença de obstáculos na faixa livre, iluminação da calçada, paisagismo e arborização, por fim, sinalização de pedestres, o Protocolo Calçadas do Brasil segue em anexo.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Após a seleção do universo e da amostragem, trabalhamos, especificamente com a análise de quatro calçadas que compõem as ruas que margeiam a Igreja Sagrado Coração de Jesus, conforme imagens apresentadas abaixo:

Figura 3 – Situação das calçadas que oferecem dificuldades à locomoção dos idosos no quadrante que margeia a Igreja Sagrado Coração de Jesus, no Bairro Salesianos, no município do Juazeiro do Norte. Fonte: Autoria própria (2017).
Figura 3 – Situação das calçadas que oferecem dificuldades à locomoção dos idosos no quadrante que margeia a Igreja Sagrado Coração de Jesus, no Bairro Salesianos, no município do Juazeiro do Norte. Fonte: Autoria própria (2017).

Para realizar a análise das condições das calçadas da Figura 3, fundamentamo-nos no protocolo de Calçadas do Brasil: um documento criado para avaliar a situação das calçadas em vários países. Tal protocolo visa analisar cada calçada em nove quesitos atribuindo-se notas de 1 a 10, conforme maior ou menor grau de acessibilidade.

Dentre os nove itens que fazem parte do protocolo de Calçadas do Brasil, deixamos de avaliar os três últimos: iluminação, paisagismo e sinalização, porque, respectivamente: a) a pesquisa foi realizada durante o dia (não permitindo uma análise adequada sobre a iluminação); b) nenhuma das calçadas que compõem o universo de pesquisa possui arborização projetada, e c) a faixa de sinalização de pedestres que é escassa no local.

Assim, analisamos os seguintes itens: irregularidade do piso, presença de degraus, inclinação, largura e rampa.

Quanto à irregularidade do piso, as calçadas A e D, atingiriam, conforme o protocolo Calçadas do Brasil, as notas de 1 a 4, configurando suas péssimas condições para o fluxo seguro de pedestres. O rejunte do piso da calçada A é irregular, sendo propício a quedas e problemas no deslocamento de cadeirantes devido ao alto índice de trechos com aclives. A calçada D possui trechos em péssima conservação, apresentando ladrilhos soltos, espaços preenchidos com cimentação elevada e declives que favorecem o desequilíbrio dos pedestres e a dificuldade de deslocamento de cadeirantes.

A calçada B possui o piso mais regular e se os critérios de acessibilidade se resumissem a isto, receberia uma das maiores pontuações presentes no protocolo Calçadas do Brasil. Contudo, no quesito inclinação, o declive/aclive (conforme posição do transeunte) é acentuado, favorecendo o risco de deslizes e quedas. As calçadas podem ter inclinação desde que não seja superior ao recomendado por norma. A inclinação pode ser longitudinal e neste caso a inclinação se dá ao longo de seu comprimento ou transversal quando a inclinação se dá no sentido da largura da calçada. Entretanto a inclinação longitudinal da calcada B é superior ao indicado pela norma que deve ser de 2% para superfícies internas e 3% para pisos externos. Contudo, a calçada B possui uma inclinação de 60%, isto significa que para cada metro de calçada, ocorre uma elevação de 0,6m. Nestas circunstâncias, se for o caso de descida, ocorre o fenômeno da aceleração da cadeira de rodas exigindo que o cadeirante gaste um esforço físico imenso para controlar a velocidade ampliada pela inclinação da rampa. Se fosse caso de subida, a tarefa seria do mesmo modo dificultada para o cadeirante conseguir subir pela rampa.

No caso de um idoso estar transitando pela calçada B, poderia perder o controle vindo a cair na descida em razão de propícios escorregos, e para subir esta calçada, seria necessário mais esforço para vencer o aclive. Logo, no item inclinação, a calçada B receberia a pontuação 5, pois sua estrutura implica na circulação dos pedestres com nível de dificuldade acentuado.

Apesar de em todas calçadas haver problemas de irregularidades, degraus e inclinação, identificamos, como fator constante que mais limita a acessibilidade a largura das calçadas, cujas dimensões são inferiores aos 1,20 m (de faixa livre) desejáveis, conforme desenho universal.

Este é o caso emblemático da calçada C que possui uma elevação construída no “espaço de acesso” (inexistente) entre o ponto comercial e a área livre do pedestre. Esta elevação ocupa o espaço do livre fluxo de pedestres, visto que a largura da calçada mal possui as dimensões mínimas exigidas pela acessibilidade, subliterando ainda mais o espaço para circulação livre de pedestres.

A calçada C possui apenas 1,07 m, sendo que a elevação de acesso à edificação reduz a largura da calçada em 0,39 m logo, restando-lhe apenas 0,68 m. Esta calçada não possui condições mínimas para a circulação de cadeirantes, pessoas com andadores ou aquelas que precisam de apoio de um acompanhante.

Embora a calçada A possua a largura mais adequada do que a calçada C, não podemos considerá-la ideal para o fluxo de pedestres. A calçada A possui a largura de 1,50 m. Contudo, a presença do poste (que possui 0,53 m) reduz a faixa de livre para 0,97 m. A árvore ocupa ainda mais espaço (0,73 m), deixando a área livre da calçada com apenas 0,77 m fato que impede o fluxo livre de pedestres com andador, cadeirantes ou pedestres que necessitam de acompanhante. Já as calçadas B e D são as que possuem largura mais adequada para permitir o fluxo de pedestres, sendo 1,75 e 1,20 m, não fosse a irregularidade do piso, que é propício a quedas devido ao índice de trechos com aclives conforme, já descrito anteriormente. A calçada D possui um desnível de 10 cm, sendo que a norma determina uma altura de apenas meio centímetro.

Para conhecermos as percepções dos idosos sobre as dificuldades de locomoção nas calçadas que margeiam a Igreja Sagrado Coração de Jesus, realizamos a aplicação de questionários, conforme os critérios apresentados na metodologia. Quando indagados sobre o fato de terem ou não facilidade de locomoção nas calçadas que margeiam a igreja Sagrado Coração de Jesus, os idosos afirmaram, que possuem muita dificuldade de locomoção, conforme representado no Gráfico 2.

Gráfico 2 – Grau de dificuldade enfrentada pelos idosos ao se locomover nas calçadas.
Gráfico 2 – Grau de dificuldade enfrentada pelos idosos ao se locomover nas calçadas.

Embora o questionário possuísse três escalas de valor (fácil, difícil e muito difícil), os idosos não reconheceram nenhum dos espaços apresentados na Figura 3 como de fácil locomoção.

Entre as principais dificuldades de locomoção que estavam relacionadas a esta pergunta, observou-se as irregularidades do piso, que ocasionam tropeços e quedas, o que os estimulam a descer calçada e transitar pela rua.

Quando questionamos aos idosos se eles têm o hábito frequente de descer a calçada e caminhar pela rua, 90% afirmaram que têm este hábito, por considerarem que possuem menos riscos de queda na rua do que na calçada. Mesmo considerando o risco de concorrer com o espaço dos carros e sofrer atropelamentos, ainda assim, muitos idosos reafirmaram que possuem tal hábito.

Gráfico 3 – Percentagem de idosos que já foram obrigados a descer da calçada e transitar pela rua. Fonte: Autoria própria (2017).
Gráfico 3 – Percentagem de idosos que já foram obrigados a descer da calçada e transitar pela rua. Fonte: Autoria própria (2017).

Entre os diversos motivos relatados pela maioria dos idosos que os obrigaram a descer das calçadas para transitar pela rua destacam-se: presença de obstáculos como postes, árvores, desníveis e calçadas inclinadas devido em muitos casos haver rampas de acesso de veículos e até mesmo a altura das calçadas.

Conforme observamos durante a entrevista, foi constante verificar a presença de idosos transitando pelas ruas, conforme podemos observar na Figura 4:

Figura 4 - Idosa transitando pela rua, por sentir-se mais segura do que nas calçadas. Fonte: Autoria própria (2017).
Figura 4 – Idosa transitando pela rua, por sentir-se mais segura do que nas calçadas. Fonte: Autoria própria (2017).

Assim, observamos na prática a desconsideração das necessidades específicas dos pedestres, em especial, daqueles que requerem cuidados específicos para se locomoverem com segurança, indicando que nem mesmos os locais de alto trânsito de idosos são adequados a este público.

Gráfico 4 - Percentagem de idosos que possuem ou não alguma dificuldade de locomoção. Fonte: Autoria própria (2017).
Gráfico 4 – Percentagem de idosos que possuem ou não alguma dificuldade de locomoção. Fonte: Autoria própria (2017).

Dos idosos que afirmaram apresentar algum problema de locomoção relataram possuir artrite, artrose, reumatismo e osteoporose que são doenças degenerativas que afetam a mobilidade. Estas dificuldades pessoais, quando acrescidas pelos problemas decorrentes da falta de estrutura adequada das calçadas, torna-se um fator limitante para o direito de ir e vir, pois muitos idosos, acabam sendo “educados” para conceituarem a rua como um lugar perigosos, o que ocasiona isolamento social, quando este deixa de frequentar o espaço público por se sentir mais seguro, vivendo apenas no ambiente privado do lar.

Quando indagados se possuíam alguma informação sobre a existência de regras para a construção de calçadas, mais de 70% dos entrevistados afirmaram não ter informação sobre o assunto, conforme demonstrado no Gráfico 5.

Gráfico 5 – Percentagem de idosos que sabem ou não que existem normas sobre a construção de calçadas acessíveis. Fonte: Autoria própria (2017)
Gráfico 5 – Percentagem de idosos que sabem ou não que existem normas sobre a construção de calçadas acessíveis. Fonte: Autoria própria (2017)

O desconhecimento da existência de parâmetros para a construção de calçadas é um fator agravante porque os idosos não percebem que a sociedade civil também é responsável em contribuir para que as cidades, no caso, as calçadas sejam espaços mais democráticos, mais frequentados e fruídos, se assim for o desejo da população.

A falta de acessibilidade na construção de calçadas é um problema social para pedestres, em especial os idosos. Conforme Lamounier (2015) é preciso enxergar as calçadas como questão de saúde pública, não mais só de acessibilidade. Além disso, é necessário salientar que a acessibilidade não é um conceito somente ligado aos deficientes.

Gráfico 6 – Percentagem de idosos que sabem ou não que as calçadas são destinadas ao pedestre e que isto é disposto em lei?. Fonte: Autoria própria (2017)    
Gráfico 6 – Percentagem de idosos que sabem ou não que as calçadas são destinadas ao pedestre e que isto é disposto em lei?. Fonte: Autoria própria (2017)

Este último indica claramente a inobservância da importância do pedestre ao se construir as calçadas, visto que as construções observadas nesta pesquisa apresentam irregularidades no que concerne a obediência às normas. Além disto, metade dos idosos entrevistados desconhecem a importância de si mesmos enquanto pedestres e o desconhecimento de leis que dispõem sobre suas construções.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos no campo tanto através da comparação entre a Norma Brasileira Regulamentadora (NBR) e os dados reais quanto os obtidos com a aplicação dos questionários demonstraram que as calçadas que margeiam a igreja do bairro são incapazes de atender adequadamente os idosos, que em suas respostas diagnosticaram diversos fatores que tornam tais calçadas inacessíveis.

Apesar de o público alvo deste estudo ser os idosos, isto não significa que uma calçada acessível possa ser usufruída apenas pelos mesmos. É preciso repensar a infraestrutura de nossas cidades e atuar principalmente na conscientização dos proprietários e construtores visto que a calçada é responsabilidade do proprietário do imóvel, e isto só é possível com disponibilidade de informação.

Nem sempre se constrói algo inacessível por mero desleixo, a desinformação a cerca do tema é comum, visto que muitas prefeituras não investem na conscientização e até mesmo a autoconstrução é incapaz de perceber a importância do tema. É preciso então educar primeiramente a fim de tornar os construtores e proprietários conscientes da importância deste tema para se posteriormente aplicar medidas punitivas a fim de que seja implantado gradativamente a construção de passeios públicos e calcadas acessíveis a todos e consequentemente para o público idoso.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2015.

_______. NBR 9283: Mobiliário urbano. Rio de Janeiro, 1986.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 7.405, de 12 de nov. de 1985. Torna obrigatória a colocação do ‘’Símbolo Internacional de Acesso” em todos os locais e serviços que permitam sua utilização por pessoas portadoras de deficiência. Brasília, 1985.

______. BRASIL. Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulga a convenção internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência e seu protocolo facultativo, assinados em nova york, em 30 de março de 2007. Brasília, 2009.

______. Casa Civil. Lei nº. 10441, de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o estatuto do idoso e dá outras providências. Brasília, 2003.

______. Casa Civil. Lei nº. 9503, de 23 setembro 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Brasília, 1997.

CENSO/IBGE. Cartilha do Censo 2010: pessoas com deficiência. Disponível em: <http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/cartilha-censo-2010-pessoas-com-deficienciareduzido.pdf >. Acesso em: 25 mar. 2015.

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GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo. Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. 120 p.

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[1] Graduado em construção de edifícios pelo IFCE e pós-graduando em gestão de projetos pela FAVENI.

[2] Doutora em educação pela UNESP e professora do IFCE.

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Francisco Rodrigues de Sousa Junior

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