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Gênero feminino e violência sexual: nascer mulher é uma sentença?

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CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

SAVITSKI, Luciana [1], SCHONS, Sandra [2], CORRÊA, Dialison Silva [3]

SAVITSKI, Luciana. SCHONS, Sandra. CORRÊA, Dialison Silva. Gênero feminino e violência sexual: nascer mulher é uma sentença? Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 07, Vol. 10, pp. 56-69. Julho de 2019. ISSN: 2448-0959

RESUMO

Esse artigo tem a pretensão de dialogar sobre a violência sexual contra a criança e o adolescente do gênero feminino. Para tanto se fez necessário o estudo percorrer por pesquisas referentes a direitos humanos e políticas públicas, visto que a violência sexual fere os direitos à liberdade, assim como todos os direitos individuais. Assim, são destacados os aspectos históricos, sociais e culturais dos direitos humanos relacionados à criança e ao adolescente em primeira instância. Para quanto compreender que o Brasil ainda é estruturado em uma cultura adultocentrista e machista, em que o fato de nascer mulher traz insegurança e grande vulnerabilidade a violência sexual, assim como todos os outros tipos de violências. Faz-se necessário a compreensão de como acontece o enfrentamento ao abuso sexual, bem como a eficiência desse enfrentamento em nosso contexto. Desse modo, através de uma revisão bibliográfica, de leis, livros, produções científicas, o presente artigo tem o anseio de compreender as principais características que permeiam a violência sexual infanto-juvenil e de análise das políticas públicas adotadas para que essa violação seja diminuída.

Palavras–chave: gênero feminino, abuso sexual, criança e adolescente, políticas públicas.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o objetivo de analisar a eficiência das leis e políticas públicas referentes à violência sexual praticada contra crianças e adolescentes do gênero feminino. As reflexões que serão feitas têm a pretensão de despertar um novo olhar, assim como novas atitudes, em relação à violação dos direitos da criança e da mulher. O interesse e a importância desse trabalho estão na avaliação da realidade sobre violação dos direitos humanos e em alguns resultados de ações ao longo da história até os dias atuais, envolvendo a população infanto-juvenil do gênero feminino. Ao trabalhar na área de segurança pública, muitos apontamentos são referentes à experiência profissional. Num trabalho contínuo de prevenção e encaminhamentos de crianças em situações de violência é notório que mesmo com a finalidade de guardar cotidianamente os direitos humanos, muito há que se evoluir e conhecer para efetivamente proteger as crianças e adolescentes que têm seus direitos violados. Missão difícil, visto que a violência sexual é multifatorial e não tem classe social específica para ocorrer.1

O trabalho foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica, metodologia que consiste na análise de diversas obras publicadas2. Para tanto, foram utilizadas diversas produções científicas, artigos, livros e leis.

A criança e ao adolescente, no Brasil, fazem parte de um grupo vulnerável, ou seja, uma minoria a qual necessita de mais proteção de seus direitos por parte do Estado. Os direitos desse grupo são derivados principalmente dos Direitos Humanos, que surgiram por necessidade, a partir dos horrores da Segunda Guerra Mundial, em que os Estados tomaram consciência das atrocidades de destruição dos direitos naturais do ser humano. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 tem como principal princípio a dignidade da pessoa humana.3

Em 1959, outro marco na proteção da criança, é a Declaração Universal dos Direitos da Criança4, que no seu princípio II, referência a proteção especial para seu desenvolvimento físico, mental e social:

A criança gozará de uma proteção especial e beneficiará de oportunidades e serviços dispensados pela lei e outros meios, para que possa desenvolver-se física, intelectual, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade.4

Essa legislação apresentada reconhece que a pessoa menor de dezoito anos é um ser humano em desenvolvimento4, que não está plena nem suficientemente pronto para os conflitos da vida, carecendo que as leis o protejam, visto que suas condições mentais e físicas não estão desenvolvidas e se encontram em situação de fragilidade frente ao mundo adulto.

2. VIOLÊNCIA SEXUAL: MULTIFATORES

A violência sexual contra a criança e o adolescente se configura:

“[…] como todo ato ou jogo sexual, relação hétero ou homossexual entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente, tendo por finalidade estimular sexualmente esta criança ou adolescente ou utilizá-la para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa”.5

O abuso sexual contra a criança e o adolescente ocorre principalmente no ambiente intrafamiliar. Pais, padrastos, tios, irmãos, vizinhos são os principais agressores. Neste sentido, o local que mais acontece à agressão é o próprio lar6. Assim, com essa proximidade a criança tem grande dificuldade de denunciar, e quando se têm suspeitas, muitas vezes a mãe ou outro familiar são negligentes e coniventes, visto o agressor ser o provedor de sustento para aquela família ou por causa da relação afetiva, ou seja, não aceitar que o autor do crime seja punido.

Por causa de uma cultura de adultocentrismo, em que o adulto tem domínio abusivo sobre a criança, bem como a relação afetiva entre os envolvidos, muitos sinais de violência sexual são acobertados pela família. Segundo o livro A Menina e a Adolescente no Brasil7 “No caso do agressor ser parente da vítima, torna-se ainda mais difícil já que ambos têm uma relação afetiva e de dominação (do adulto sobre a criança)”.7 Assim, a criança se cala, muitas vezes por não ter o discernimento do que está acontecendo com seu corpo ou naquela vivência de abuso, bem como pela relação de confiança que o agressor estabelece antes de começar a violentar.

Inclusive na exploração sexual o corpo de adolescentes é mais caro, ou até em algumas regiões são identificados leilões de adolescentes virgens.8

A exploração sexual de crianças e adolescentes ocorre por meio de práticas de violência baseadas na força e na dominação/exploração do mercado para fins de lucro, fortalecidas pelo patriarcalismo construído ideologicamente pela ordem masculina em contraparte à ordem feminina, e pela ordem familiar, espaço privado de reprodução ideológica dos sistemas de valores culturais da sociedade, em que se cristaliza a noção de propriedade, da tradição e da moral. Apud 9

Os fatores como o psicológico, a falta de consistência médica, ameaças, o medo das consequências, a falta de credibilidade do relato, suborno, vergonha, ou até mesmo a defesa psicológica da criança, após o trauma do abuso sexual, pode levá-la a negar todo o fato. Esses fatores influenciam totalmente no desfecho positivo das situações de violência intrafamiliar. E de certo modo, devido à sociedade aceitar o machismo, assunto abaixo discutido, o autor é “perdoado” pela família e até pela sociedade.8

2.1 CULTURA DE VIOLÊNCIA DO GÊNERO FEMININO

Ao longo da história podemos analisar que as vítimas em maior potencial são do gênero feminino. Existem muitos casos de vítimas do gênero masculino, inclusive são situações mais difíceis de serem diagnosticadas, por causa da cultura machista intrínseca na sociedade. Contudo, essa mesma sociedade machista vê a mulher desde criança com certo sentimento de propriedade, em que se pode violá-la. Sentimento esse herdado da história, em que somente o homem tinha pátrio poder sobre a esposa e os filhos.

A fragilidade das mulheres produzidas nas relações de gênero que foram se construindo por meio de discursos machistas e patriarcais aponta a maior vulnerabilidade de meninas em relação às violências de qualquer natureza, devido sua condição de mulher. Nessa mesma sociedade, essas meninas vitimadas são culpabilizadas pelas violências que sofrem, tendo seus comportamentos cobrados de acordo com as condutas e os comportamentos ensinados e esperados para meninas e mulheres. Apud 10

O modo cultural que meninas são ensinadas traz reflexos até a vida adulta, inclusive é responsável e justifica o grande número de violência doméstica contra a mulher. A mulher é doutrinada a ser submissa, cuidadora, frágil não somente no sentido fisiológico, mas também na personalidade, na sociedade e nas relações.10 Não obstante, a única fragilidade imputada ao homem é a sexual. Ele se torna frágil somente neste contexto, em que cabem inúmeros argumentos para sua falta de controle ao atender seus desejos sexuais, não importando se ele faça o uso de violência para atender seus desejos.

O abuso de meninas vai além de um impulso incontrolável, trata-se do uso do poder, o qual o homem culturalmente exerce sobre o gênero feminino10.

Neste sentido, a violência sexual contra meninas não é impulsionada por um ato de descontrole de um homem com transtorno mental que não consegue conter os seus desejos –como o discurso da pedofilia muitas vezes o representa. Do contrário, há um investimento constante para que os homens se sintam legitimados a terem os seus “impulsos” atendidos por meninas, educadas para a submissão e para a docilidade. 10

Na criação da Lei nº 8.069 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente -ECA11, está incluso a criação do Conselho Tutelar. Em cada município brasileiro tem-se a obrigatoriedade da existência do Conselho Tutelar, que é o órgão colegiado formado para o atendimento a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, maus tratos, violência. O Estatuto da Criança e do Adolescente11 prevê o Conselho Tutelar como zelador de direitos:

Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei. 11

Após constatar a violação de direitos, o Conselho Tutelar tem a atribuição, conforme o artigo 136, parágrafo IV, de encaminhar a situação para o Ministério Público para que seja avaliada a necessidade de interferência da justiça.11 Sendo um trabalho de imensa responsabilidade, pois demanda muito domínio dos direitos assegurados, bem como a abordagem as situações de um modo que cause o menor dano possível na vida daquela criança ou adolescente.

Mesmo após diversas garantias de direitos à criança e ao adolescente, no Brasil, estes ainda continuam sendo um grupo extremamente sensível a diversas violências. A violência sexual contra a criança do gênero feminino viola direitos quanto a sua dignidade, individualidade, liberdade e desenvolvimento. De acordo com Chauí12, a “[…] violência é entendida como uso da força física e do constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo contrário à sua natureza e ao seu ser. A violência é violação da integridade física e psíquica, da dignidade humana de alguém”. 12

As consequências às vítimas de abuso sexual na infância perduram a vida toda, com diversos prejuízos em seu desenvolvimento. Sequelas físicas, psicológicas que se não forem tratadas adequadamente trazem consequências negativas em cadeia, afetando toda a sociedade. O Estatuto da Criança e do Adolescente11 prevê a proteção integral deste grupo. Em seu artigo 3° determina:

Art 3°. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.11

Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente11 delega à família, ao Estado e a sociedade em geral efetivar com total prioridade os direitos inerentes a esse grupo.

Art . 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. 11

Contudo, não é o que se presencia no dia a dia, em que os índices de violência variam de modo crescente. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base nos dados levantados do Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan), de 2011 a 2014, 70% dos casos de abuso sexual registrados são contra crianças e adolescentes13, sendo que do índice das crianças, 74,2% são do gênero feminino e quando dos abusos registrados contra adolescentes atingem 92,4% do gênero feminino.14 No artigo 17° do ECA11 garante o direito ao respeito:

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. 11

A violação dos direitos acontece de modo desenfreado, visto ao silêncio que a criança e a sua família adotam quando se trata de violência sexual. Como a violência sexual é multifatorial e envolvem aspectos culturais, sociais, econômicos e políticos, apresentando raízes nas relações sociais de classe, gênero e etnia, Leal1 enfatiza que “a violência sexual é um fenômeno social, multifacetado e de enfrentamento complexo, pois demanda análise profunda das variáveis que o compõem”.1

3. ALGUMAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO

Para o Centro de Referência, Estudos e Ações Sobre Crianças e Adolescentes15, os fundamentos para toda ação política estão nos direitos humanos. E tem como perspectiva de prevenção de situações de risco, a mobilização e conscientização de toda a sociedade.

No estado do Paraná, o Ministério público e entidades estaduais firmaram um Pacto Infância Segura16. O Pacto deve articular políticas públicas dos sistemas de justiça, saúde, segurança pública, educação e assistência social e traçaram algumas medidas. Entre elas, a regulamentação da Lei Federal 13.431/2017, que trata da proteção aos direitos de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de16; a escuta especializada, em que se cumpre com protocolo e profissionais adequados para a escuta do relato de violência da criança vítima16; prevenção através de programa de televisão voltado a temática violência sexual, bem como a de crimes sexuais cibernéticos contra a criança e o adolescente.16

No Brasil, de ano em ano, é disseminado no dia dezoito de maio o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, instituído pela Lei 9.970 de 17 de maio de 200017, como marco da proteção desde grupo. Com intensa divulgação dessa temática, a Lei17 instiga que a sociedade brasileira tenha noção de que a proteção infanto-juvenil é dever de todos. Essa data foi escolhida pelo “crime Araceli”, Araceli Cabrera Sanche,smenina de oito anos que foi sequestrada, estuprada, morta e carbonizada por alguns jovens de classe média alta em Vitória – ES, no dia 18 de maio de 1973. Crime que até hoje está impune. 18

Desde 1995, o Brasil criou a Rede de Proteção Social19, que mais tarde englobou a Bolsa Família, a partir da Lei n° 10. 836, de nove de janeiro de 200419, com principal objetivo de minimizar as desigualdades sociais, fazer com que as crianças frequentem as escolas, diminuir a pobreza extrema. O Brasil, com essa Lei, beneficiou e oportunizou um novo despertar das crianças e adolescentes, com a obrigatoriedade de frequência escolar:

Art. 3o A concessão dos benefícios dependerá do cumprimento, no que couber, de condicionalidades relativas ao exame pré-natal, ao acompanhamento nutricional, ao acompanhamento de saúde, à frequência escolar de 85% (oitenta e cinco por cento) em estabelecimento de ensino regular, sem prejuízo de outras previstas em regulamento. 19

Porquanto, a escola ainda é um dos poucos espaços que se pode expandir a cidadania. Para Chauí20, a cidadania se define pelos princípios da democracia, constituindo fundamentalmente conquista e solidificação social e política. A democracia é baseada na ideia de […] “cidadania organizada em partidos políticos, e se manifesta no processo eleitoral de escolha dos representantes, na rotatividade dos governantes e nas soluções técnicas para os problemas econômicos e sociais”20. Contudo, Chauí20, expõe que a organização da democracia que resulte em cidadania passa por algumas formas, entre elas, a criação de direitos, uma vez que “[…] a democracia surge como o único regime político realmente aberto às mudanças temporais, uma vez que faz surgir o novo como parte de sua existência […]”20

Assim, incluída na democracia, a sociedade brasileira,

[…] não um simples regime de governo – é democrática quando, além de eleições, partidos políticos, divisão dos três poderes da república, respeito à vontade da maioria e das minorias, institui algo mais profundo, que é condição do próprio regime político, ou seja, quando institui direitos e que essa instituição é uma criação social, de tal maneira que a atividade democrática social realiza-se como uma contra-poder social que determina, dirige, controla e modifica a ação estatal e o poder dos governantes.20

Assim, Ribeiro, Ferrani e Reis21 reconhecem que: “Atualmente, a noção de cidadania requer que os membros da sociedade, reconhecidos como cidadãos de acordo com um marco legal democraticamente estabelecido, possuam o direito à liberdade, à participação, à garantia da vida, à sobrevivência e ao bem-estar”.21 Para Lima et al 22, a cidadania é colocada em risco quando não existe o cumprimento integral das leis que protocolam, definem e garantem os direitos humanos.

No caso dos riscos à cidadania, incluem-se aqueles que, por ação ou omissão da sociedade ou do Estado (Art. 98 do ECA), resultem em lesão ao direito e que se constituam em violação da qual pode resultar um fator desfavorável ao desenvolvimento. Incluem-se as situações que se desencadeiam em processos de exclusão social, nos moldes abordados por Zaluar (1997), como uma manifestação de injustiça distributiva que se revela quando pessoas são sistematicamente excluídas dos serviços e das garantias oferecidas ou asseguradas pelo Estado, pensadas como direitos de cidadania. Em tais contextos a vitimização pela violência se constitui para crianças e adolescentes em situações de riscos. Et al22

Com o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes23, foi pressionada a mudança da legislação sobre os crimes sexuais, trazida com a Lei nº 12.015/0924 que representou um passo importante no sentido da adequação legal ao enfrentamento da violência sexual. Suas principais alterações foram: a vítima era somente a mulher, e passou a abranger também o homem; foram criados aumentos de pena em razão da idade da vítima; alguns tipos novos foram criados considerando a situação de vulnerabilidade da vítima; a ação penal no caso da vítima menor de 18 anos passou a ser pública incondicionada; foi instituído o segredo de justiça como regra nos processos que apuram esses crimes.24

Em 2013, o Brasil fez a Publicação da segunda revisão do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes23, em que traçou o plano nacional e incluiu seus objetivos nos orçamentos públicos. Para tanto, esse tema ainda não é cuidado pelos principais segmentos do Estado. Vemos poucas discussões na efetivação das leis existentes, na proteção e garantias dos direitos da criança e adolescente. O que mais se destaca, de assuntos voltados aos menores no Brasil, é a diminuição da maioridade penal, e se sabe que as soluções exigem mudanças bem mais profundas.

Sobre as políticas públicas e discussões sobre a violência sexual, Leal9 afirma:

Essa discussão nos remete a revelar a defesa frágil e de pouca sustentabilidade do paradigma de defesa dos direitos da criança e do adolescente pelo Estado, pela família e pela sociedade e, por outro lado, a fragilidade dessas instituições para incorporarem temas específicos e de status privado (tabu), como a violência sexual de crianças e adolescentes, no contexto de violação de direitos humanos.9

Quando as autoridades de segurança pública, professores e até a família se deparam com situações de crianças violentadas, percebe-se grande insegurança sobre as medidas a serem tomadas. A rede de proteção infanto-juvenil criada na maioria dos municípios, que inclui a Assistência Social, Conselho Tutelar, Ministério Público, Órgãos de Segurança Pública devem trabalhar harmonicamente para que os prejuízos à vítima sejam minimizados.

Ao se tratar de situações de vulnerabilidade, a assistência social entra como uma política pública que alcança a complexidade das multideterminações que a violência sexual contra meninas tem. Para o Conselho Federal de Psicologia25, “A assistência social passa, então, a ser definida como política social pública, que encontra um locus no campo dos direitos humanos ao ser assumida como responsabilidade do Estado tanto na qualificação das ações e dos serviços quanto na universalização dos acessos. ”.25

A proteção especial da Assistência Social25 é acionada quando a família não consegue mais cumprir sua função de proteção, a menores, idosos, deficientes ou mulheres. Ela atua em graus de complexidades, que podem ser média ou alta.

A proteção social especial deve ser organizada para acolher e atender usuários e famílias com direitos ameaçados ou violados e que estão, portanto, vivenciando situações de maior complexidade, que exigem atuação interdisciplinar, multiprofissional e especializada que, na maioria dos casos, requer acompanhamento individual e/ou em grupo, e a intervenção, em geral, deve ser conjunta, com outras organizações atuantes na Rede de Proteção Social e no Sistema de Garantia de Direitos.25

Para o Conselho Federal de Psicologia25, o marco no enfrentamento da violência sexual foi o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Infanto-Juvenil em 2000, o plano definiu alguns eixos: análise da situação, mobilização e articulação, defesa e responsabilização, atendimento, prevenção e protagonismo infanto-juvenil25. E assim de acordo com esses eixos, “No âmbito da Proteção Social Especial, um dos serviços especializados oferecidos no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) é o Serviço de Proteção Social a Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual e suas famílias.”.25

O atendimento psicossocial é um instrumento fundamental para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes, que tem como referência básica os princípios de prioridade absoluta, por ser sujeitos de direitos e em condição peculiar de desenvolvimento. Configura conjunto de atividades e ações psicossocioeducativas, de apoio e especializadas, desenvolvidas individualmente e em pequenos grupos (prioritariamente), de caráter disciplinar e interdisciplinar, de cunho terapêutico – não confundir com psicoterapêutico –, com níveis de verticalização e planejamento (início, meio e fim), de acordo com o plano de atendimento desenvolvido pela equipe. 25

Assim o atendimento é caracterizado pela assistência física, jurídica, psicológica, econômica e social de todos os indivíduos envolvidos na situação de violência sexual. E essa atenção ao atendimento caracteriza-se por um conjunto de ações internas do CREAS e dos demais serviços da rede para reduzir os danos aos envolvidos e a transformação de situações que podem deixar crianças e adolescentes em situações de maior vulnerabilidade para a prática de violência.25

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto sobre a violação de direitos da criança e do adolescente, referente à violência sexual contra o gênero feminino, se faz necessário criar uma consciência de olhar para a criança como um sujeito de direitos. A violência sexual não tem uma única causa, nem tão pouco atinge somente uma classe social. Contudo, é comprovado que quanto mais vulnerável é a classe social, mais exposta à violência ela está. A situação de pobreza facilita a entrada de outros problemas, incluindo a prostituição.

A integralidade é uma dimensão que o Estatuto da Criança e do Adolescente expõe diversas vezes, assim devemos prezar pelo desenvolvimento físico, intelectual, psíquico, moral, espiritual desse grupo. Visto que, a maioria das situações de violência sexual no Brasil, de modo alarmante, é praticada contra crianças e adolescentes, e de modo gritante contra o gênero feminino.

O abuso sexual traz diversos desdobramentos negativos a vida da vítima e consequentemente a sociedade, tais como, gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis, depressão, dificuldade de aprendizagem. Os transtornos físicos e principalmente psicológicos devem ser tratados por uma equipe multidisciplinar que dê condições a essa vítima de voltar para seu meio sem prejuízos a seu desenvolvimento, e isso inclui o extermínio do preconceito que existe das vítimas de violência sexual.

Mesmo com inúmeras organizações não governamentais, com leis, tratados, discussões, mulheres continuam sendo violentadas, trazendo a reflexão de que devemos superar a cultura do sexo e da dominação do gênero masculino sofre o feminino. Pois, em diversas vezes a sociedade julga a menor em situação de prostituição, sem valor e que elas provocam tal situação, em que o homem que sustenta a exploração não tem nenhuma responsabilidade. Está intrínseco em nossa cultura que a única fragilidade que o homem tem é a sexual. Contudo, mudanças culturais são lentas e o Brasil tem carência de mais políticas públicas efetivas que protejam estas em sua integralidade.

Este trabalho não pretende encerrar esta discussão, pois a sociedade contemporânea precisa valorizar a infância e a adolescência das mulheres, fortalecendo os direitos e garantias. Faz-se necessário um olhar que contemple mudança cultural, em que a violência contra criança e adolescente não seja imperativa aos olhos dos adultos, nem tão pouco admitida. Fazer com que os autores sejam punidos, pois devido a maioria dos abusos acontecerem no contexto familiar acabam sendo acobertados. E nessa mudança cultural as diversas instituições da sociedade são responsáveis. Assim, com discussões e atitudes a formação de uma sociedade cidadã plena não seja utopia, bem como o fato de nascer mulher no Brasil não seja mais uma sentença de passar a vida tendo direitos fundamentais violados.

REFERÊNCIAS

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5. AZAMBUJA, Maria Regina de Fay, violência sexual intrafamiliar: é possível proteger a criança? Textos e Contextos. Porto Alegre. 2006. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa? id = 321527158011>. Acesso em 10 fev. 2019.

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8. FALEIROS, Vicente de Paula. A violência sexual contra crianças e adolescentes e a construção de indicadores: a crítica do poder, da desigualdade e do imaginário. CECRIA, Brasília, 1997. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/9091/1/ARTIGO_ViolenciaSexualContraCriancas.PDF>. Acesso em 15 de fevereiro de 2019.

9. LEAL, Maria Lúcia Pinto. Mobilização Das Ongs no Enfrentamento À Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes no Brasil / Maria Lucia Pinto Leal. Brasília. Editora Universidade de Brasília. 2014. 388p.

10. SPAZIANI, Raquel Baptista. MAIA Ana Cláudia Bortolozzi. Violência sexual contra meninas: entrelaçamentos entre as categorias gênero, infância e violência. Seminário Internacional: Fazendo Gênero Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017. Disponível em:< http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1498262409_ARQUIVO_Trabalhocompleto_RaquelBaptistaSpaziani.pdf> Acesso em: 7 fev. 2019.

11. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. 1990. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm>. Acesso em 14 fev. 2019.

12. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 7ª ed. São Paulo: Ática, 2000.

13. IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Estudo analisa casos notificados de estupro. 23 de maio de 2014. Disponível em: < http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=21849> Acesso em: 15 fev. 2019.

14. CERQUEIRA. D. COELHO. D. S. C. FERREIRA. H. Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das Notificações no Sistema de Saúde entre 2011 e 2014. Texto para discussão. IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Rio de Janeiro, jun. 2017. Disponível em: < http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2313.pdf> Acesso em: 15 fev. 2019.

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16. MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ. Pacto Infância Segura. Prevenção e combate a crimes contra a criança. Governo Estadual do Paraná, 21 de fevereiro de 2019. Disponível em: <http://www.comunicacao.mppr.mp.br/arquivos/File/ASCOM/Pacto_pela_Infancia_Segura_FINAL_1.pdf > Acesso em 24 fev. 2019.

17. BRASIL. Lei nº 9. 970, de 18 de maio de 2000. Institui o dia 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9970.htm> Acesso em 14 fev. 2019.

18. REDE NACIONAL PRIMEIRA INFÂNCIA. 18 de maio: uma data de reflexão. 21 de maio de 2013. Disponível em: < http://primeirainfancia.org.br/18-de-maio-uma-data-de-reflexao/> Acesso em 17 de fevereiro de 2019.

19. BRASIL. Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Cria o Bolsa Família e dá outras providências. 2004. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.836.htm > Acesso em 25 fev. 2019.

20. CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. Em: Crítica e emancipação: Revista Latino Americana de Ciências Sociais. Ano 1. 1 jun. 2008). Buenos Aires : CLACSO, 2008. ISSN 1999-8104. Disponível em: <http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/secret/CyE/cye3S2a.pdf> Acesso em 16 de fevereiro de 2019.

21. RIBEIRO, M. A.; FERRIANI, M.G.C.; REIS J. N.; Violência sexual contra crianças e adolescentes: características relativas à vitimização nas relações familiares. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2004. Disponível em: < https://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S0102311X2004000200013&script=sci_arttext&tlng=es >. Acesso em 15 de fevereiro de 2019.

22. LIMA. J. W. et al. Violência Sexual Infantojuvenil: o que dizem os documentos do juizado? Estudos Interdisciplinares em Psicologia, Londrina, v. 5, n. 1, p. 2-24, jun. 2014. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/pdf/eip/v5n1/a02.pdf> Acesso em: 15 fev. 2019.

23. BRASIL. Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Brasília, maio de 2013. Disponível em: <http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/sedh/08_2013_pnevsca.pdf> Acesso em: 14 fev. 2019.

24. BRASIL. Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009. Altera o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5o da Constituição Federal e revoga a Lei no 2.252, de 1o de julho de 1954, que trata de corrupção de menores. 2009. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12015.htm > Acesso em 15 fev. 2019.

25. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Serviço de Proteção Social a Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual e suas Famílias: referências para a atuação do psicólogo / Conselho Federal de Psicologia. – Brasília: CFP, 2009. 92 p.

[1] Graduanda e Letras Libras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE-Licenciada em Educação Física pela Universidade do Contestado- UnC. Especialização em Gestão Pública com ênfase em Direitos Humanos e Cidadania; Planejamento e Avaliação de Políticas Sociais da UEPG – Universidade Estadual de Ponta Grossa.

[2] Bacharel em Psicologia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC-Especialização em Gestão Pública com ênfase em Direitos Humanos e Cidadania; Planejamento e Avaliação de Políticas Sociais da UEPG – Universidade Estadual de Ponta Grossa.

[3] Tecnólogo em Gestão Pública pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.

Enviado: Maio, 2019.

Aprovado: Julho, 2019.

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Luciana Savitski

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