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Estado de bem-estar social e neoliberalismo: fundamentos e história

RC: 103988
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CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

ALMEIDA, Elgonzales Magalhães [1]

ALMEIDA, Elgonzales Magalhães. Estado de bem-estar social e neoliberalismo: fundamentos e história. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 06, Ed. 12, Vol. 10, pp. 54-67. Dezembro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/estado-de-bem-estar

RESUMO

O presente artigo faz uma discussão quanto ao contraste existente marcado na formulação do Estado bem-estar social e do pensamento que define a política Neoliberal. Isso porque, ambos os contextos são marcados por interferências sociais e econômicas resultantes de suas particularidades conceituais. Nesse sentido, a pesquisa assume como questão norteadora entender: quais as particularidades da postura neoliberal com o Estado de proteção social ao longo de sua formação histórica? Pontuou-se como objetivo geral dessa investigação demonstrar o contraste existente marcado pela formulação história entre o Estado bem-estar social e o pensamento Neoliberal. Quanto ao trato metodológico, o artigo foi construído a partir de uma pesquisa bibliográfica, recorrendo a um levantamento de referências teóricas, a partir de uma análise de literatura com recorte temporal de 1930, período que se implantou o Estado de Bem-estar Social, perpassando pelo ano de 1947, período em que consiste os primeiros movimentos da política Neoliberal. Como principais resultados a pesquisa demonstrou que o neoliberalismo surge em contraposição ao Estado de proteção social, além de se opor a medidas de políticas sociais disseminadas no período do Estado de proteção social. Percebe-se que existe um jogo de interesses político-econômicos por trás dessa relação. O reflexo disso é evidenciado no campo social e nas ofertas de políticas sociais. Conclui-se que as medidas adotadas pelo projeto Neoliberal só podem ser entendidas, a partir de sua formulação histórica, que permeia o surgimento do Estado de Bem-estar Social.

Palavras-chaves: Estado de bem-estar Social, Neoliberalismo, políticas sociais.

1. INTRODUÇÃO

Partindo das concepções de Santos (2009), onde se afirmou que nenhuma instituição nasce pronta ou imutável, e que todas elas são sim, oriundas de movimentos de uma sociedade e de sua elite política, ver-se a construção de arranjos diferenciados, que vem se construindo ao longo da história, em decorrência das mudanças políticas, econômicas e culturais. Assim, a análise de sua evolução histórica desvenda também o conjunto de forças políticas e sociais que está na sua estrutura, bem como as vitórias e derrotas de diferentes grupos de interesse e de seus ideais no processo de construção institucional de um país.

A discussão acerca de políticas de interesses sociais e a atuação do Estado como provedor, tem sido constante e permeia a história da humanidade. Nesse sentido o presente artigo assume como problema de investigação: quais as particularidades da postura neoliberal com o Estado de proteção social ao longo de sua formação histórica? O questionamento se torna relevante pois nos proporcionará uma noção da origem do pensamento político do estado de bem-estar social e da origem da política neoliberal, dando margem ao entendimento das relações que existem entre os termos, destacando seus contrastes conceituais.

A pretensão dessa pesquisa não é o de conhecer fatos históricos em si, mas sua articulação como fatos políticos e sociais que resultam num processo que, certamente, ainda está em andamento. Por tanto, assume como objetivo deste trabalho demonstrar o contraste existente marcado pela formulação história entre o estado bem-estar social e o pensamento neoliberal.

Para alcance do objetivo proposto e resposta a problemática levantada, fez-se uso de uma abordagem de formulação de dados teóricos, baseado em estrutura de cunho bibliográfico, fazendo referências a ideias de autores como Perry Anderson (1995), Friedrich Hayek (2010), David Harvey (2014), Elaine Rossetti e Ivanete Boschetti (2011). Nisso se propôs apresentar de forma histórica o surgimento e demais particularidades pertinentes as duas categorias políticas-econômicas governamentais.

2. O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL

O surgimento do pensamento que compreende o Estado de bem-estar Social ou Welfare State, teve suas primeiras manifestações na Inglaterra, durante a segunda guerra mundial, aproximadamente nos anos de 1940, com o objetivo de se caracterizar como opostas aos regimentos totalitaristas da época, especificamente o Nazismo alemão e o Fascismo italiano. Essa utilização do termo não se perpetuou ao longo da história, e mais recentemente a expressão hoje faz referência as políticas sociais e econômicas adotadas pelos Estados dos países ocidentais. São medidas que tratam de benefícios sociais e de proteção a população, em contraponto as desestabilidades do mercado (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).

A partir de 1941, durante a grande guerra, foi solicitado pelo governo britânico, a criação de uma Comissão Interministerial, liderada por Beveridge, que desenvolveu um estudo a fim de reformular o sistema de seguridade social inglês, o produto final dessa medida ficou conhecido como Plano Beveridge, dando início a uma nova ordem de seguridade social na Inglaterra, porém, só posta em prática a partir de 1946, após cessar os conflitos decorrentes da segunda guerra mundial (SANTOS, 2009).

Entende-se que o Plano Beveridge sugeria a expansão da proteção social a todos os moradores da região da Grã-Bretanha, considerando sempre o parâmetro da necessidade. Logo, os benefícios seriam igualitários, com salvas exceções quanto ao sexo ou ainda ao estado civil, porém as contribuições eram estimuladas de igual valor para todos considerando as particularidades.

Nesse sentido, ocorreu a unificação de todos os setores que versavam sobre seguridade social e criou-se um único serviço a comando do Ministério da Seguridade Social. Buscou-se simplificar a burocracia e as formalidades como dito por Beveridge: “Todos os benefícios em um único carimbo sobre um único documento” (SANTOS, 2009, p. 65).  É percebido que o Plano Beveridge significou um rompimento nos modelos tradicionais de política social inglesa e em curto tempo se propagou pela Europa até os anos de 1950, cedendo a um modelo mais atual voltado as políticas de proteção social, a partir daí propagou-se a denominação de Estado de Bem-estar Social.

Para Jaccoud (2005) o desenvolvimento do Estado de Bem-estar Social passou a ser relacionado ao então processo de industrialização, em decorrência disso viu-se a necessidade de pensar nos problemas sociais causados a partir da implantação da indústria. Durante a segunda guerra mundial, quem se tornou pioneiro com medidas de bem-estar social foi a Grâ-Bretanha, que logo no ano de 1942 estabeleceu medidas que visassem suprir as necessidades sociais tais como na saúde, educação, controle da pobreza, entre outros segmentos, e a partir disso demais países começaram a replicar essas iniciativas.

Segundo Behring e Boschetti (2011), em uma visão baseada em Norman Johnson, entendem que o Estado de Bem-estar Social pode ser definido a partir da experiência iniciada na Inglaterra, devido a uma série de mudanças ocorridas e que através disso pode se defini-lo como sendo a:

(…) introdução de ampliação de serviços sociais em que se incluem a seguridade social, o serviço nacional de saúde, os serviços de educação, habitação, emprego e assistência aos idosos, a pessoas com deficiência e a crianças; a manutenção do pleno emprego; e por fim um programa de nacionalização (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 94).

Na concepção de Mishra (1995, p. 101), os fundamentos do Estado de Bem-estar Social, foram aqueles apontados no Plano Beveridge e que se traduz como a:

Responsabilidade estatal na manutenção das condições de vida dos cidadãos, por meio de um conjunto de ações em três direções: regulação da economia de mercado a fim de manter elevado nível de emprego; prestação pública de serviços sociais universais, como educação, segurança social, assistência médica e habitação; e um conjunto de serviços sociais pessoais; universalidade dos serviços sociais; e implantação de uma rede de segurança de serviços de assistência social.

Embora cada autor tenha sua concepção, é percebido que existe um consenso de interferência estatal no processo de ampliação do Estado de Bem-estar Social. O Estado investe diretamente em ações que alcance a sociedade na medida que suprem, em curto prazo de tempo, os anseios da população, trazendo a ela representatividade e dignidade humana.

O Welfare State, comumente utilizado em diversas literaturas para definir aqueles países que adotaram e seguiram a ordem de adoção de políticas sociais em prol da população, foi fortemente influenciado pelo pensamento implantado pela crise de 1929, sobretudo pelas ideias keynesianas. Contudo, é fácil de se encontrar referências a esse termo como sinônimo de Estado de Bem-estar Social ou Estado-providência, principalmente nas literaturas brasileira que discutem sobre esse período histórico. Para Behring e Boschetti (2011), tais expressões são utilizadas para designar o ato de regulação estatal na área social e econômica, embora muitos a utilizem sem o real sentido da expressão.

Embora cada Estado-nação tenha sua aplicabilidade do termo e suas particularidades terminológicas, ver-se que a relação entre o termo inglês Welfare State traduz seu significado com maior compreensão e nos permite entender que se trata da incorporação de ações de responsabilidade do Estado em manter a regulação do mercado, a fim de manter o equilíbrio da oferta e da demanda além de garantir a proteção social através de projetos aos cidadãos em situações de dificuldades socioeconômicas.

No que compreende a discussão apresentada, entende-se que o Estado de Bem-estar Social ou Welfare State é definido como aquele que traz para si a responsabilidade de garantir proteção social a toda população, regulando fortemente os sistemas de saúde, educação, habitação, providencia e assistência social. Além de sistematizar as relações de trabalho e salários, podendo ainda garantir renda em caso de desemprego ou de quaisquer impossibilidades que o comprometa.

No que compreende as bases econômicas do estado de bem-estar social é percebido que as inconstâncias do mercado no pós-guerra foram a base da reformulação das políticas de proteção econômica e social que permitiu o desenvolvimento do Estado de Bem-estar Social. Nesse sentido, a reconstrução da Europa após o período conflituoso de guerra foi rigorosamente baseada nas teorias econômicas de John Maynard Keynes, que defendia uma interferência radical do Estado na forma de dirigir a política econômica da época.

Na concepção de Keynes ao invés de um mercado livre e altamente competitivo baseado em uma filosofia de livre comércio, simbolizando a essência do liberalismo econômico onde o mercado livremente se regula sem que haja interferência econômica direta do Estado, a não ser de proteger os direitos dos proprietários, se propunha a geração do pleno emprego a partir de um planejamento de base econômica com interferência direta do Estado, esse por sua vez, deveria fazer investimentos públicos na produção industrial, assim garantiria geração de renda e bem-estar social. Nesse entendimento, na concepção de Camargo (2003, p. 34), “se todos trabalhassem haveria renda para que todos consumissem. Assim criar-se-ia um ciclo vicioso de produção e consumo que garantiria o funcionamento do capitalismo.”

Destaca-se então que o Estado não atuaria apenas na questão da produção, injetando recursos, esse deveria ainda regular as ações referente as relações de trabalho além de oportunizar serviços básicos que atenda a população. Tais medidas fariam com que os indivíduos trabalhassem e tivessem a garantia de uma renda mínima, e assim estariam livres para consumir bens e serviços oferecidos pelo mercado. De acordo com Anderson (1995), os serviços públicos não foram excluídos dessas mudanças, esses também gerariam emprego sendo assim mais um campo de atuação a população, dinamizando ainda mais a economia.

Segundo Camargo (2003), o modelo proposto por Keynes já estava sendo adotado nos Estados Unidos desde 1930 pelo então presidente da época Franklin Delano Roosevelt, e tinha-se como meta acabar com a resseção econômica gerada a partir da quebra da Bolsa de Nova York. Já na Europa, houve considerável êxito econômico dessas medidas adotadas, pois construiu-se um ciclo de produção e consumo e fez com que a economia europeia se destacasse no cenário econômico ocidental. Essa realidade foi percebida a partir de uma representatividade financeira que ficou conhecida por muito tempo como “Anos de Ouro”, esse período perdurou até os anos de 1970.

A indústria não ficou de fora desse então modelo econômico defendido nas ideias de Keynes. O segmento industrial passou a operar em um sistema de produção em massa, que a princípio foi posta em prática na fábrica americana de automóveis Ford, em meados no século XX. Na concepção de Santos (2009, p. 69), “o princípio era a produção em massa para consumo em larga escala”, ou seja, o foco estaria em produzir mais com baixo custo. Essa medida resultaria em ganhos significativos de elevada escala de produtividade.

A lógica desse processo industrial era, entre outros pontos, de fragmentar o processo de produção, onde se priorizava movimentos precisos da mão de obra humana, assim não haveria perda de tempo, de matérias e de produtividade. Estimularia o consumo por parte dos trabalhadores através de acordos coletivos, em troca haveria uma política de compensação equivalente à sua produtividade.  Um exemplo disso era a propaganda disseminada pelos canais de mídia onde se estimulava o consumo de bens duráveis, de base industrial tais como: geladeiras, máquinas de lavar roupas entre outras.

Ao cessar dos anos 1970, passado aproximadamente 50 anos do chamado “Anos de Ouro”, o então Estado de Bem-estar Social foi sendo posto em questionamento. Fatores como o envelhecimento da população, as baixas taxas de natalidade e a longa perspectiva de vida – gastos em decorrência de aposentadorias e derivados -, a incidência de redução de postos de trabalho – decorrente do avanço tecnológico, gerando uma queda significativa de arrecadação tributária sobre os salários dos trabalhadores -, recaíam sobre o tesouro estatal, e o Estado seria obrigado a manter os programas sociais em meio as dificuldades que se apresentariam.

Ainda no período de 1970, a economia mundial entra em crise em decorrência do choque do petróleo e das constantes taxas de redução econômica. Tais acontecimentos foram determinantes para que se buscasse novos horizontes comerciais, ultrapassando as demarcações territoriais dos Estados-nação, dando início a uma nova ordem mundial econômica, a chamada globalização. Para Gorz (1999) a chamada globalização teria ocorrido pelo conflito entre os interesses do Estado e os interesses do Capital. Logo, percebeu-se que o Estado estava sendo capaz de colaborar com a expansão do Capital na mesma intensidade que aconteceu no pós-guerra com as medidas keynesianas.

A inserção tecnológica transformou o modo de produção industrial, os meios de comunicação e de transporte. Expandiu-se largamente as relações de comércio exterior e consequentemente do capital. Nesse cenário surge a Organização Mundial do Comércio (OMC), instituição voltada a redução das barreiras que impedem a livre articulação comercial de trocas internacionais de bens e serviços.

Em meios as mudanças de desterritorialização do capital financeiro e pela busca de novos acordos comerciais externos e para enfrentar a volatilidade do capital, adotou-se uma estratégia mais conservadora e radical, que seria a diminuição dos gastos do Estado.  Essa postura mais neoliberal fez com que o Estado de Bem-estar Social fosse visto como oneroso, inflacionário, ou ainda, contrário ao crescimento econômico. A saída seria suprimi-lo o máximo possível e para que isso acontecesse seria necessário transferir a prestação de serviços sociais para terceiros, ou seja, agentes privados sendo financiados pelos próprios usuários (BASTOS, 2016).

Na concepção de Standing (1999), o período de regulação exercido pelo Estado foi cedendo espaço para a era da regulação pelo mercado. Diante desse cenário, de mudanças econômicas e sociais, ver-se como respostas dos governos nos últimos anos do século XX e início do século XXI, a reconsideração do pensamento e postura do Estado de Bem-estar Social proposto nos modelos do Plano Beveridge, mesmo que esse tenha sido essencial para a disseminação de políticas de proteção social existentes nos países capitalistas, porém o pensar mais voltado a postural de afastamento das intervenções estatais do campo econômico, tem ganhado força durante os últimos anos do presente século.

3. O ESTADO NEOLIBERAL

Para se entender o pensar teórico que sustenta o Neoliberalismo é preciso compreender que esse não se configura como um simples resgate a postura liberal clássica difundida por John Locke. Nesse pensar Paulani (1999) demonstra, segundo o pensamento de Lock, que o liberalismo está ligado à filosofia dos direitos naturais. Prioriza-se a tolerância política e religiosa, exige o direito de defesa contra o arbítrio e prega que os homens nascem livres, tanto quanto nascem racionais. Anderson (1995) também traz a orientação de não associar o Neoliberalismos a um pensar pautado nas ideologias liberais, onde ele mesmo afirma que esse deve ser visto como fenômeno distinto do simples liberalismo clássico do século passado.

O pensamento neoliberal tem origem em 1945 em um momento marcado pelo pós-guerra, onde o capitalismo começava a se firmar como hegemonia, principalmente no que compreende os países norte americanos e os europeus. É nesse cenário que o neoliberalismo surge como um tratar de cunho teórico e político, e que pretendia se opor a postura do Estado intervencionista pregado e difundido pelo Welfare State (ANDERSON 1995).

A base teórica desse pensar foi a obra “O Caminho da Servidão” de Friedrich Hayek, publicada no ano de 1944 onde se buscou romper com quaisquer que fossem as limitações dos mecanismos de mercado, em exclusividade se tais limitações partissem do Estado. Como afirma Hayek (2010), se tratava de uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política. Pensando nisso, objetivou-se impedir que o Partido Trabalhista inglês assumisse o poder, já que se estava vivendo um período eleitoral na Inglaterra em 1945. Hayek temia que a social-democracia conduzisse o Estado a um desastre, comparado ao nazismo alemão, ou seja, “uma servidão moderna”.

Já no ano de 1947, enquanto o Estado de Bem-estar Social se propagava na Europa, Hayek organizou um encontro na estação de Mont Pèlerin, situada na Suíça. Na oportunidade reuniu-se vários opositores ao estado de bem-estar e das propostas intervencionistas do então presidente norte-americano Franklin Roosevelt, propostas essas que ficou conhecida como New Deal. Participaram do encontro: Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, Ludwig Von Mises, Walter Eupken, Walter Lipman, Michael Polanyi, Salvador de Madariaga, entre outros. O principal objetivo dessa reunião era o combate as ideias keynesianas e aos assistencialismos solidários do Welfare State, e ainda, preparar terreno para uma nova abordagem capitalista sem a intervenção direta do Estado na economia (ANDERSON 1995).

Na concepção de Hayek (2010) o segmento empresarial havia adquirido prejuízos incalculáveis, e que boa parte dos lucros, que seriam vitais para o sucesso dos empreendimentos, foram abocanhados pelos direitos adquiridos pelos sindicatos e pela organização trabalhista. Daí a necessidade de uma interferência direta ao modelo de Estado-protetor. A partir disso estava criado o modelo neoliberal de economia do Estado, onde se propagava a diminuição do poder dos sindicatos e consequentemente dos operários. Ao Estado caberia regulamentaria a moeda.  O Estado pouco participaria em investimentos em políticas sociais, elevando o rigor orçamentário, tributário, restauração dos lucros das empresas e, por conseguinte, assumiria uma postura de responsabilidade social a população.

O Estado Neoliberal assume uma proposta de fácil compreensão quanto ao seu entendimento teórico. De acordo com Harvey (2014, p. 75), o pensamento neoliberal “deve favorecer fortes direitos individuais à propriedade privada, o regime de direito e as instituições de mercado de livre funcionamento e do livre comércio”.  É percebido que a ideia é garantir direitos que favoreçam a liberdade individual, essa sendo vista como essencial ao sucesso institucional, econômico, político-social.

A estrutura a qual é pautada o ideário neoliberal está firmada em obrigações contratuais acordadas livremente entre indivíduos em âmbito de mercado, e caberia ao Estado validar os acordos estabelecidos e proteger a liberdade individual de cada um aos estabelecimentos de acordos firmados. Nem que para isso fosse necessário utilizar a força e a violência como forma de garantir os direitos individuais.

“A santidade dos contratos e o direito individual à liberdade de ação, de expressão e de escolha têm de ser protegidos. O Estado tem, portanto, de usar seu monopólio dos meios de violência para preservar a todo o custo essas liberdades” (HARVEY, 2014, p. 75). Entende-se assim que o Estado teria que se impor por meio da supremacia do seu poder monopolista para a todo o custo preservar a liberdade individual de se construir relações comerciais.

Nesse sentido, é observado a supervalorização das iniciativas privadas. Os empreendimentos comerciais são vistos como ações de geração de riquezas, estimula-se o surgimento de novas tecnologias. Essa postura, faria com que aumentasse o poder de compra da população, proporcionando assim, uma melhoria no padrão de vida de todos, pois se a situação econômica de um determinado lugar se sobressai, toda a população é beneficia com isso, é o que o autor chama de “efeito multiplicador”. Logo, o pensamento neoliberal sustenta que o controle da pobreza, seja ele local ou mundial, poderia ser mais eficiente se agisse através dos livres acordos de mercado e de comércio.

Um fator que correlaciona a essa liberdade individual e atuação do Estado em assegurar a liberdade individual, diz respeito ao processo de privatização. Partindo do entendimento de Harvey (2014), o qual descreve que a postura neoliberal é particularmente favorável a promoção da privatização de ativos, mas para isso é preciso entender a pertença ao direito a propriedade, pois sua ausência configura ainda uma barreira a ser superada por vários países em situação de desenvolvimento. A derribada desses empecilhos tenderia, segundo o autor, a melhoria da situação econômica e de bem-estar social.

A questão da propriedade nos remete muito ao pensamento lockeano que acreditava na propriedade como sendo um direito natural e inviolável. Baseado nisso, surge a ideia do contrato social, que para Lock, se concretizaria no ato da transição do estado de natureza para o estado civil. Estariam preservadas a propriedade e a comunidade de conflitos internos e externos. Ao Estado caberia, entre outras atribuições, o de media-los (LOCK, 2006).

No pensando de Harvey (2014, p. 76) “o reconhecimento e a atribuição de direitos de propriedade são tidos como a melhor maneira de proteger as pessoas da chamada “tragédia dos bens comuns”. Entende-se que a regulação estatal em garantir o direito à propriedade e as livre relações comerciais evitaria que os indivíduos agissem baseado em seus próprios interesses, comprometendo o bem-estar coletivo. A exemplo, o autor cita a questão da superexploração por uma minoria aos bens comuns de todos, como a questão da terra e da água. Nesse sentido, setores antes gerenciados pelo Estado teriam que ser passados a gestão privada, desregulando-se de medidas estatais.

Como dito por Hobbes (2003), em que o estado de natureza é um estado de guerra, insegurança e violência. Em que o homem é altamente competitivo, ver-se que a competição entre indivíduos é considerada uma virtude para o mercado.

A competição – entre indivíduos, entre empresas, entre entidades territoriais (cidades, regiões, países, grupos regionais) – é considerada a virtude primordial. Naturalmente, as regras de base da competição no mercado têm de ser adequadamente observadas. Em situações nas quais essas regras não estejam claramente estabelecidas, ou em que haja dificuldades para definir os direitos de propriedade, o Estado tem de usar seu poder para impor ou inventar sistemas de mercado (como a negociação de direitos de poluição) (HARVEY, 2014, p. 76).

É percebido no texto acima que a competição para as relações de mercado é primordial, porém elas devem ser minuciosamente estudas, para que não haja conflitos, mas caso venha acontecer, em decorrência da obscuridade das regras sociais, o Estado tem que agir a fim de estabelecer novos sistemas de intervenção. Por tanto, entende-se que o processo de privatização e de desregulação combinariam em uma maior agilidade burocrática, elevando a produtividade. Mas para isso, seria preciso que o Estado neoliberal buscasse persistentemente reorganizações internas e novos arranjos institucionais que melhorasse sua posição competitiva como entidade diante de outros estados no mercado global.

Desse modo, é percebido o pensamento neoliberal como um corpo teórico-político que surge no século XX com o intuito de restabelecer as bases do pensamento liberal sobre novos pressupostos, principalmente visando combater o intervencionismo estatal típico do consenso keynesiano do pós-guerra mundial (HARVEY, 2014).

Embora haja um entendimento limitado que direciona o pensar neoliberal ao pleno domínio do setor público pelo setor privado, em decorrência da onda de privatização que diversos países, inclusive o Brasil, sofreu a partir da década de 1990, associa-se o termo, também ao fato de opor-se as medidas do Estado de Bem-estar Social e as questões protecionistas desse período, além das questões de livre mercado e sua regulação. (FONSECA, 2005).

Na concepção de Moraes (2001) o Neoliberalismo pode ser classificado em três frentes no que compreende as ações de políticas sociais, a saber: focalizar – dar pela substituição a política de acesso universal pelo acesso de seleção -; descentralizar – os processos operacionais, transferindo responsabilidades antes regulada pelo Estado, para o setor privado -; e por último, o privatizar – consiste na transferência de bens públicos para a iniciativa privada.  De certa forma, esses três pontos regem a prática do pensar neoliberal, ganhando forças a partir da disseminação dessa divisão por meio da mídia, dos partidos políticos, demais organizações patronais, também pelas universidades, instituições de pesquisa e até mesmo por movimentos sindicais e pela sociedade civil.

É nesse sentido que entendemos o neoliberalismo como movimento político do capital com finalidades de dominar a ordem econômica e política em esfera mundial. Assim, os custos desse reformular neoliberal ficariam a cargo das classes populares dos países mais afetados pela política neoliberal, os quais sentiriam maior impactos em vista dos seus direitos de cidadãos, passando assim, a ficarem sujeitos a ausência de políticas que assegurasse o mínimo de dignidade de direitos em prol de uma qualidade de vida.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contrate existente entre as diretrizes do Estado de Bem-estar Social e da política Neoliberal é evidenciada ao longo de sua construção histórica. Embora ambas tenham sido formuladas em um período de tempo relativamente próximo, quase em paralelo, cada uma assume uma postura distinta quanto a atuação do Estado nas questões sociais e econômicas.

O Estado de Bem-estar Social ou Welfare State idealiza uma gestão estatal baseada nos princípios do pensamento de Keynes, onde se propagava a intervenção do Estado diretamente na economia, a ponto de regular a dinâmica do movimento econômico, tais como a geração de emprego, as movimentações de mercado, no que compreende a demanda de bem e serviços, entre outros pontos apontados no decorrer desse artigo. Esse estágio da política mundial configurou-se em proposta de assistencialismo com comum acordo com as propostas de crescimento econômico, sob mediação estatal.

Já no que compreende o Estado Neoliberal, leva-se em consideração um retorno ao pensamento liberal, porém com suas variações, essas mais voltadas a questão econômica e de mercado. Nessa perspectiva, entende-se que o neoliberalismo veio como estratégia de contraposição as ideias keynesianas, difundidas pelo Estado de Bem-estar Social, além de ser contrário a regulação estatal. Apoia-se o livre comércio, ver a concorrência como fator essencial para movimentação das relações de mercado, e dá força ao setor privado, além de retirar-se da responsabilidade quanto as questões sociais.

Em respostas as particularidades da questão norteadora desse artigo, percebeu-se que a postura neoliberal com o Estado de proteção social ao longo de sua formação histórica, pode ser respondida por entender que em comparação aos dois períodos políticos apresentados aqui, demonstra-se que o contraste existe entre ambas as ideologias. Entende-se que, tanto o Estado de bem-estar social quanto o projeto neoliberal são intensões políticas distintas e que precisam ser entendidas a partir de sua construção histórica para poder ser compreendida. Pontuou-se, a partir de um recorte temporal, as construções histórias que norteiam cada uma das duas situações inerente ao Estado.

Por fim, pode-se afirmar que a discussão acerca dessa temática não se esgota aqui, é preciso perceber que essa relação ainda é bastante atual e geradora de conflitos. Será preciso acompanhar os desdobramentos dessas particularidades a fim de se alcançar um ponto de equilíbrio aceitável, que una as questões sociais, econômicas sob o poder do Estado de forma que uma classe social não se contraponha a outra.

REFERÊNCIAS

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[1] Mestre em Desenvolvimento Socioespacial e Regional. Pós-graduado em Gestão pública. Bacharel em Administração Pública. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2434-6527

Enviado: Dezembro, 2021.

Aprovado: Dezembro, 2021.

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Elgonzales Magalhães Almeida

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