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Marin Marais e seus prefácios – Tradução e comentários

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

AUGUSTIN, Kristina [1]

AUGUSTIN, Kristina. Marin Marais e seus prefácios – Tradução e comentários. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 09, Vol. 03, pp. 115-130. Setembro de 2019. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/arte/marin-marais

RESUMO

O objetivo principal desse trabalho é apresentar uma tradução comentada, do francês para o português, dos prefácios do gambista francês Marin Marais, contidos nos cinco volumes de partituras impressas para viola da gamba entre os anos de 1686 e 1725. A proposta de trabalho inclui uma série de notas relacionadas ao contexto histórico da obra, assim como comentários sobre questões musicais e reflexões sobre a tradução propriamente dita, opção de determinadas palavras em detrimento de outras no universo musical.

Palavras chaves: Viola da Gamba, Marin Marais, Música Antiga.

INTRODUÇÃO

Realizar uma tradução é sempre um desafio. Na concretização dessa tarefa foram encontrados dificuldades, desafios e complexidades às vezes insolúveis. A dificuldade aumenta quando a obra em questão tem cerca de 300 anos.

O objetivo principal desse trabalho foi traduzir para o português as instruções e observações feitas por Marin Marais[2] em seus prefácios, contidos nos cinco volumes de partituras impressas para viola da gamba.

Para tal foi necessário estabelecer alguns critérios. Os parágrafos e pontuações originais foram alterados para melhor entendimento na língua portuguesa. O irregular uso das letras maiúsculas no original não foi mantido na tradução. Permaneceram em itálico somente as palavras estrangeiras. Os colchetes ao lado das palavras foram inserções feitas pela tradutora que visam trazer clareza imediata ao texto.

Os símbolos e exemplos musicais foram copiados do original. Procurou-se manter um pouco do layout e diagramação do fac-símile, principalmente nos títulos, nas dedicatórias e no extrato do privilégio real.

Na busca de maior fluência do texto evitou-se longas notas de rodapé. Partiu-se do princípio de que o leitor está familiarizado com a viola da gamba e com os termos técnicos. O recurso da nota de rodapé foi utilizado quando havia uma falta de equivalência cultural ou lexical. Em caso de citações, elas foram inseridas no texto em português e disponibilizadas o texto original na nota de rodapé.

PRIMEIRA PUBLICAÇÃO – LIVRO I, 1686

Peças para viola compostas por Marin Marais músico da Câmara do Rei – Paris: 1686

Ao senhor Lully

Escudeiro, Conselheiro, Secretário da Casa do Rei, da Coroa e das Finanças da França superintendente da Música de sua Majestade

Senhor,

Tendo tido a honra de ser um de seus alunos e estando unido a vós por outras obrigações particulares, eu cometeria uma falta imperdoável se não vos oferecesse provas do que aprendi executando seus conhecimentos e suas admiráveis composições.

Eu vos apresento então essa coleção, ao meu superintendente e benfeitor, bem como ao primeiro homem que já esteve em todos os vários estilos da música. Ninguem questiona seu título.

Os melhores gênios confessam que para vencer nessa profissão [músico] eles não possuem melhor caminho, o mais seguro e fácil, que o estudo de vossas obras.

Todos os príncipes da Europa que desejam ver florescer essa arte em seus estados, não conhecem outro caminho. Mas se algum ser poderoso tiver essas vantagens, eles deixarão sempre algo a desejar. Sois o único a preencher os desejos e serás coberto de glória.

Pelo fato de ter agradado a Louis le Grand [Luis o Grande] e de ter fornecido a posteridade as árias nas quais celebra o nome e as famosas façanhas desse monarca, vossas melodias[3] são as únicas que podem dignamente acompanhar sua imortal história. Elas passarão juntamente com sua história por todas as nações.

Nós já vimos povos cujo barulho de sua grandeza chamou a atenção de locais afastados de nós que retornaram encantados com vossas canções, tanto quanto surpresos com a majestade do herói para o qual vós compusestes. Que fruto o vosso trabalho! Que honra para mim ter um tão ilustre protetor e poder todos os dias vos testemunhar. Pelo meu apego e meu respeito Senhor,

Vosso muito humilde,

Muito obediente e servo, Marais

ADVERTÊNCIA[4]

Buscando adaptar-me as diversas pessoas que tocam a viola da gamba até o presente momento, eu compus peças com mais ou menos acordes. Mas reconheço que essa alternância [ora mais acordes ora menos] não funcionou bem porque as minhas peças não são executadas da maneira tal qual eu as compus. Finalmente decidi imprimi-las da maneira que eu as executo, com todos os ornamentos que devem acompanhá-las.

Considerando que as melodias simples são de agrado da maioria das pessoas, nesse sentido compus várias melodias quase sem acordes. Encontrarão outras que eu coloquei bastante [acordes] e muitas outras completamente plenas de acordes para aqueles que amam a harmonia e que são tecnicamente mais avançados. Encontrarão ainda peças para duas violas da gamba e algumas outras novidades.

Como a delicadeza do tocar a viola consiste em alguns ornamentos próprios a esse instrumento que eu chamo de Tremblement, Batement, Pincé ou Flatement, Port de voix, Plainte, Tenüe, Poussé e Tiré, Coulé de doigt, Doit couché e o Port de Main, eu os indico nas partituras com toda exatidão que me foi possível e os represento com os seguintes símbolos:

La plainte normalmente se faz com o pequeno dedo [4º dedo] e balançando a mão e é indicado por esse sinal.

Port de voix …………….. [apojeatura longa]

O Port de Voix é indicado por uma única e pequena nota fora da contagem do compasso, chamada “nota perdida”. Quando o compasso apresenta várias dessas notas pequenas juntas não pode ser considerado Port e voix, mas certamente um ornamento que pode ser tocado ou não

sem alterar a peça que eu incluo somente para diversificar a performance.

Port de Main [posição da mão esquerda] que faz toda a graça e facilita o tocar. Consiste em arredondar bem os dedos, não tencionar a mão e posicionar o dedão em oposição ao dedo médio. Com a posição confortável da mão os dedos estarão bem posicionados para todos os acordes.

Os números designam os dedos de deverão ser utilizados. Quando não está marcado deverá ser utilizado o Port de Main [dedilhado] de acordo com aquele utilizado nos dias de hoje. Aqueles que adquiriram diferentes dedilhados e julgam difícil mudar, não desistam por causa desse novo estilo [dedilhado]. O importante é tocar as notas corretas do acorde como estão escritas. É também necessário manter a mão direita flexível o que contribui para uma boa arcada e a bela execução.

Extrait du Privilege du Roy[7] (Parte do Privilégio do Rei)

Pela graça e privilégio do rei dado em Versalhes no oitavo dia de junho de 1686, assinado por Bertin, foi permitido ao Senhor Marais de gravar e imprimir o livro Piéces á une et à deux Violes de sua autoria; de vender e cobrar do público, durante o tem e espaço de quinze anos consecutivos. É terminantemente proibido a outros impressores, livreiros, gravadores e outros que queiram imprimir ou vender o dito livro, ou mesmo falsificar. Arcarão com todos os custos, danos e juros, como descrito mais detalhadamente no dito privilégio.

Completa a impressão no 20º dia de agosto de 1686

As cópias foram fornecidas

Em Paris

SEGUNDA PUBLICAÇÃO – 1689

Baixo Continuo para as peças a uma e duas vozes com uma ampliação com várias peças especiais na partitura em grade[8] ao fim dos ditos baixo contínuos

ADVERTÊNCIA

Quando o meu livro foi impresso para o grande público eu tinha a intenção de incluir o volume do Baixo Continuo que é uma parte essencial. Mas como o processo de impressão é muito lento, esse fato me obrigou a privar o público dessa publicação até agora[9]. Eu adicionei cifras para o baixo ser tocado no cravo ou na teorba, instrumento que funciona muito bem com a viola.

No final desse volume poderão encontrar peças adicionais para satisfazer estrangeiros zangados que desejavam minhas peças em grade. Confesso que elas são muito difíceis, mas não são impossíveis de tocar como são as várias outras que tenho visto nesse estilo, que são bonitas somente para serem admiradas no papel.

A primeira suíte [p.72] foi composta em modo sustenido F-ut-fá [Fá# menor] que é muito agradável para a viola e também muito comum no alaúde. Aqueles que não quiserem tocar o baixo nesse modo [tonalidade] podem tocar facilmente em G, re, sol [Sol menor] um semitom acima. A viola deverá ser afinada de F-ut-fá sustenido [Fá#] para G-ré-sol do cravo. A peça também poderá ser tocada em Lá-mi-lá [lá menor, uma terça menor acima do F#] sendo somente necessário afinar a viola adequadamente. A Fantasie que é em Si-fá-si [Si menor] pode ser transposta uma terça acima [ré menor] sem problema.

Essas recomendações estão ultrapassadas quando as revejo nos dias e hoje. Na França todos transpõem tão facilmente para tons e semitons. Por último, eu recomendo esse método para aqueles que quiserem fazer uso dele. Eu compus e escolhi essas tonalidades porque gosto delas ao invés de transpô-las. Acredito que essas peças são mais “falantes” nas tonalidades que eu escolhi para elas.

O argumento do baixo [Ground] sobre o qual vocês poderão encontrar 24 variações me foi dado por um estrangeiro com a condição de criar essas variações, o que me proporcionou muito prazer. Esse Ground me pareceu muito bom: ele modula no fim para menor e é tocado o tempo todo enquanto a viola toca as variações.

A última peça é no modo natural. Não é difícil exceto pela quantidade de acordes. Mas essa peça e as outras que se seguem foram escritas expressamente para aqueles que têm muita experiência na viola.

TERCEIRA PUBLICAÇÃO – LIVRO II, 1701

Peças para viola compostas por Marin Marais músico da Câmara do Rei – Paris: 1701

A sua Alteza Real Senhor Duque de Orleães[10]

Senhor

Toda a Europa conhece as qualidades heroicas de Vossa Alteza Real e sabe do vosso bom gosto e delicadeza para as Belas Artes, entre as quais, a Música, sempre teve uma posição tão distinta e os maiores príncipes foram honrados por sua proteção. Eu me lisonjeio então, senhor, que Vossa Alteza Real não desdenhará essa nova coleção que eu tomei a liberdade de vos dedicar. A bondade que me foi concedida e a permissão ao iniciar essa obra, me estimulou a trabalhar intensamente, ainda mais que as peças do meu primeiro livro não vos desagradaram. Ficarei muito feliz, senhor, se essas peças aqui receberem a mesma consideração. Que elas possam me dar a honra de assegurar, Vossa Alteza Real, o profundo respeito ao qual eu vos tenho

Senhor

de Vossa Alteza Real

o mais humilde e

muito obediente servo

M. Marais

ADVERTÊNCIA

Devo confessar que esse segundo livro deveria ter vindo à luz há muito tempo. Mas, como eu queria adicionar o livro do baixo continuo a esse volume, sobre o qual eu me dediquei ao máximo, e como o processo de impressão é muito lento, não me foi possível publicá-lo antes.

As peças foram trabalhadas de outra maneira, se forem comparadas as do primeiro livro. Tive a intenção de torná-las aptas a serem tocadas em qualquer instrumento como o órgão, cravo, teorba, alaúde, violino e flauta alemã. Eu me atrevo a ficar lisonjeado por ter conseguido e confesso que tive sucesso após ter experimentado com esses dois últimos instrumentos. A linha do baixo contínuo é bastante melodiosa, o que facilita muito aqueles que se darão ao trabalho de adaptar para seus instrumentos.

Eu procurei deixá-las simples para extrair facilmente a linha melódica, no entanto encontrarão várias peças como Preludes, Allemandes, Gigues onde existem grandes vazios [intervalos] próprios para a viola da gamba.

Faz-se necessário observar o baixo continuo a fim de preencher [os intervalos] com a mais graciosa e apropriada linha melódica que for possível: isso será muito bom. Nas melodias superiores eu escrevi linhas simples que não precisam desses cuidados.

Desta vez eu não incluí peças para duas violas, preferi suprimi-las em prol da maior atenção que dediquei à linha do baixo continuo não sendo capaz de negar a satisfação daqueles que me honraram com tal solicitação. Atualmente muitas pessoas estão gostando desse estilo.

Como essas novas peças ganharam alguns novos sinais que não estão no meu primeiro livro, faz-se necessário que eu os explique aqui, cada um de acordo com o seu uso. Serão encontrados pequenos pontos em diferentes situações, vejam a seguir os seguintes exemplos.

Exemplo

Página 1. Prelude

Os pontos em cima ou abaixo das notas com ligaduras significam que, com uma única arcada, as notas devem ser articuladas como se elas fossem produzidas por diferentes golpes de arco. Esse efeito é obtido pressionando ligeiramente o dedo que está em contato com a crina do arco.

Exemplo

12ª Couplet des Folies

D’Espagne

Os pontos que estão acima das notas não ligadas significam que cada nota tem que ser tocada égalle [mesma duração rítmica], ao invés de pontuar da primeira nota para a segunda como é feito normalmente. Nesse movimento [12ª variação], mesmo que as notas não estejam marcadas com pontos é para serem tocadas égalle. Algumas peças solicitam essa acentuação naturalmente, como as Allemandes. Eu marquei com pontos os locais onde podem gerar algumas dúvidas sobre esse aspecto inclusive na parte do baixo continuo. Esses pontos são usados amplamente pelos estrangeiros.[11]

Exemplo

Página 11 Caprice

Esses pequenos pontos dispostos desta forma representam “pequenas notas perdidas” entre um grande intervalo que podem ser tocadas ou não.

Exemplo

Página 11 Caprice

Os pontos significam que se deve preencher a lacuna do baixo até o soprano no sentido de não se fazer um som ruim. Deverá ser tocado um acorde de terça maior ou menor e as vezes, dependendo da situação, uma quinta ou sexta. Quando esses pontos não estiverem marcados você deve ainda observar essa regra, uma regra geral e essencial a harmonia.

Os pontos acima dos números significam as cordas que devem ser pressionadas de acordo com o número de pontos que está sobre o numeral. Isso que dizer que se o numeral for 2 e tiver três pontos, será a terceira corda a ser tocada e assim por diante. Não confundir com doigt couché [pestana] com primeiro dedo. Os pontos assim do lado sinalizam o primeiro dedo deitado em pestana. Quando os pontos estão em cima do número “1” isso quer dizer que é preciso colocar o primeiro dedo sobre a segunda corda.

Eu me servi desses pontos de vários modos para evitar uma grande variedade de sinais que poderiam causar embaraços. Quando observado as diferentes posições desses pontos, eu espero que o público não desaprovará essa novidade pela facilidade que eles encontrarão.

O pequeno circulo encontrado em diferentes lugares significa a corda aberta ou solta e é muito útil para determinar o uníssono com a corda solta [e com a corda presa].

As notas com duas hastes designam a melodia simples e sua variação [diminuição], como pode ser visto no baixo continuo do meu primeiro livro.

Quanto aos outros sinais que demonstram os ornamentos corriqueiros, são os mesmos daqueles relacionados no primeiro livro.

Extrait du privilege du Roy [Parte do Privilégio do Rei]

Pela graça e privilegio do rei dado em Versalhes no vigésimo dia de novembro de 1692, assinado por Bertin, foi permitido ao Senhor Marais gravar e imprimir suas peças vocais assim como instrumentais, a uma e várias vozes que ele compôs, de vender e cobrar do público, durante o tem e espaço de doze anos consecutivos. É terminantemente proibido a outros impressores, livreiros, gravadores e outros que queiram imprimir ou vender o dito livro ou mesmo falsificar ou extrair alguma coisa. Terão de arcar com uma multa de 1.500 libras e todos os custos, danos e juros, como descrito mais detalhadamente no dito privilégio.

Impressão completa no 20º dia de outubro de 1701

As cópias foram fornecidas

Em Paris

QUARTA PUBLICAÇÃO – LIVRO III, 1711

Peças para viola compostas por Marin Marais músico da Câmara do Rei – Paris: 1711

AO PÚBLICO

Esse terceiro livro é dedicado ao público que me honra a quase trinta anos executando minhas peças. Eu espero que ele [o público] terá a bondade de prestar atenção a todos os cuidados que tomei nessa obra, que não teve outro objetivo que lhe agradar.

O grande número de peças curtas e fáceis de execução que compõe essa obra é uma prova que eu quis satisfazer as diversas instâncias que por tantas vezes, de todas as partes, reiteraram seu agrado após o meu segundo livro.

Contudo, pensei que deveria adicionar algumas peças fortes e cheias de acordes com muitas cordas duplas, para contentar aqueles que são mais avançados na viola. Enfim: o aumento de alguns sinais que não estão nos meus dois livros anteriores e que são essenciais para as minhas peças devem persuadir ao público que nada negligencie para merecer a bondade que ele me honrou até aqui. Gostaria de expressar minha gratidão com a dedicação que lhe dedico.

Marais

ADVERTÊNCIA

As mais belas peças perdem infinitamente seus efeitos, charme se elas não são executadas num estilo que lhes são próprias. Não sendo capaz de dar uma ideia desse estilo próprio me servindo apenas das notas eu fui obrigado a fornecer novos sinais capazes de demonstrar minha vontade aqueles que tocarão minhas peças.

O sinal [letra “e”] significa que é preciso inflar (enfler) o golpe de arco apoiando mais ou menos sobre a corda conforme a demanda da peça. As vezes sobre o começo do tempo de uma nota ou sobre o valor do ponto [nota pontuada]. Desta maneira damos alma as peças que sem esse efeito seria muito uniforme.

O outro sinal que se encontra ao lado dos acordes, sinaliza que é necessário separá-los começando pelo baixo e continuando até a parte superior, o que podemos chamar de Arpejando. Esse efeito é essencial em algumas obras para guitarra e Moulinet.[15]

Em relação às outras marcas, não falarei aqui me lisonjeando que aqueles que quiserem obter o meu terceiro livro poderão se servir do primeiro e do segundo onde os sinais serão explicados.

Chamo atenção que os dois pontos ao lado do número quatro significa que será preciso deitar o quarto dedo [da mão direita] assim como fazemos com o primeiro dedo [pestana]: mas isso acontece raramente.

Ainda se faz necessário advertir o público que a maioria das peças que compões esse terceiro livro podem ser tocados em vários outros instrumentos como teorba, guitarra, flauta transversa, flauta doce e oboé sendo necessário apenas escolher por um desses instrumentos.

Extrait du privilege du Roy [Parte do Privilégio do Rei]

Pela graça e privilégio do rei dado em Fontainebleau no dia 17 de outubro de 1705, assinado pelo Conde, foi permitido ao Senhor Marais de gravar e imprimir suas peças tanto vocais como instrumentais, a uma e várias vozes que ele compôs, de vender e cobrar do público, durante o tem e espaço de dez anos consecutivos. É terminantemente proibido a outros impressores, livreiros, gravadores e outros que queiram imprimir ou vender as ditas peças de música ou mesmo falsificar ou mesmo extrair alguma coisa, a pena de 1.500 libras de multa, todos os custos, danos e juros, como descrito mais detalhadamente no dito privilégio.

Impressão completa no dia 15 de abril de 1711

As cópias foram fornecidas

Em Paris

QUINTA PUBLICAÇÃO – LIVRO IV, 1717

Peças para viola compostas por Marin Marais músico da Câmara do Rei – Paris: 1717

Para satisfizer aos diferentes gostos do público amante da viola, eu decidi dividir este quarto livro em três partes e diversificar as peças, a fim de que cada um possa encontrar aquela que lhe convier melhor.

Na primeira parte eu tive o cuidado de trabalhar para aquelas pessoas que preferem as peças difíceis[18] [fáceis], peças simples, cantantes, sem muitos acordes. Na segunda parte, aqueles que são avançados na viola encontrarão peças que, num primeiro momento, parecerão de grande dificuldade, mas com um pouco de atenção e prática elas se tornarão familiares. Eu as compus principalmente para exercer a habilidade daqueles que não gostam de peças fáceis e que frequentemente estimam obras de difícil execução.

Nessa segunda parte, encontrão ainda peças descritivas que certamente agradarão, mas somente quando encontrados o estilo e andamento adequado devido a uma falta de linha melódica. Nos Rondos procurei variar os refrãos o máximo que me foi possível. Encontrarão, talvez, alguns de grande dificuldade. Neste caso podem omiti-los e substituí-los por aquele refrão que cada um julgar ser o melhor para si próprio.

Os compositores perceberão que em algumas peças a quatro vozes, eu passei por cima das regras usuais. Por exemplo, na Arabesque [peça nº 80, pág. 83] eu subi com todas as vozes juntas na segunda variação. Eu tomei essa liberdade porque o efeito pareceu-me agradável e em todo caso, essa liberdade facilita a posição da mão no instrumento.

A terceira parte, de caráter singular, foi composta por peças para três violas, algo ainda não feito na França. De fato, as peças no final do meu primeiro livro não são que a duas violas. O baixo contínuo adicionado deriva da primeira ou segunda viola, ao invés que essas peças aqui são sempre a três vozes diferentes. Essas mesmas, na ausência de duas violas, podem ser tocadas por violinos ou violas sopranos ou até mesmo por flautas transversas. Podemos ainda misturar um instrumento com outro, como flauta transversa com violino ou viola soprano fazendo assim um agradável conjunto de câmara.

Eu não pude recusar a forte insistência de várias pessoas e inclui aqui minha segunda Musette do terceiro livro, devido à parte extra que eu compus depois dele ter sido impresso.

Não repetirei nesse volume os sinais de ornamentos dos meus livros anteriores; estou persuadido que todos os conhecem. Eu me contentarei somente em chamar atenção para as notas com duas pernas que são para marcar o uníssono [nota com corda solta e corda presa]. Eu marquei várias, mas elas poderão ser realizadas em vários outros locais que eu não as marquei, usando de discernimento e observando que seja sempre sobre uma mínima ou semínima ou ainda semínima pontuada. Talvez sobre colcheias, mas isso é muito raro.

Como algumas pessoas reclamaram que, nos meus livros anteriores, não existe diferença entre a linha curva que separa a primeira parte de uma peça da segunda parte[19] e entre a linha curva da ligadura para arcada, procurei então mudar à minha maneira de escrever e me servirei da forma antiga usada em tempos passados. O editor utilizou algumas vezes de marcas diferentes, mas todas significam a mesma coisa.

QUINTA PUBLICAÇÃO – LIVRO V, 1725

Peças para viola compostas por Marin Marais músico da Câmara do Rei – Paris: 1725

ADVERTÊNCIA

Esse quinto livro que hoje tenho a honra de apresentar ao público deveria ter vindo à luz a mais de um ano. Mas como a gravação é um processo muito lento e o gravador tem estado ocupado com várias obras ao mesmo tempo, isso retardou a execução de meu projeto.

As peças que compõem esse volume estão divididas de uma forma que eu espero serem do agrado geral. O objeto de minha atenção é satisfazer a cada um. Para atingir tal objetivo comecei todas as minhas suítes com peças fáceis e melódicas. Em seguida encontrarão as peças difíceis com mais ou menos acordes cujos os títulos receberam uma borda/moldura ornamentada que as distingue das peças fáceis.

Exemplo da borda do título das peças mais difíceis.

Eu inseri várias peças descritivas[20] porque foram recebidas favoravelmente hoje em dia. Os diferentes títulos as indicarão facilmente quais são essas peças sem ser preciso que eu os indique.

Eu me contentarei somente em explicar alguns lugares como a palavra Sec [seco]. É uma palavra que explica a si própria, que diz respeito aos acordes, normalmente arpejados do baixo até o soprano. Onde eu marquei en plein, quer dizer que é necessário escutarmos todos os sons ao mesmo tempo ao invés de separá-los. Mas normalmente encontramos um inconveniente que é o de colocar muita pressão nas cordas. Para evitar isso, não coloque o arco muito próximo ao cavalete, mas sim uns três ou quatro dedos acima dele porque [nessa região] as cordas são menos tensas e apoie os dois dedos na crina do arco.

Não posso deixar de repetir aqui a extrema necessidade de completar as lacunas dos acordes como eu expliquei no meu segundo livro. Contudo existem alguns lugares que isso não pode ser feito. Portanto muita atenção para evitar o som ruim. Esse preenchimento das lacunas [com acordes] está marcado com pontos em cima das notas formando acordes de terças maior ou menor, sextas, quintas ou quintas falsas [diminutas].

Eu também utilizei desses mesmos pequenos pontos para passagens ao invés de notas [com a dimensão normal]. Eu deixo a opção de os fazer ou não, ou ainda a opção de se servir da versão simples.

Exemplo na peça intitulada Lês Amusements, pg. 98, no 8º compasso, após a barra de repetição

Faz-se muito necessário que eu explique aqui a peça Le Tact [página 109]. Ela é tão particular e pode ser tocada de duas maneiras. A primeira de acordo com a intenção que eu a compus, que consiste que cada nota seja “martelada”[21] com um dedo da mão esquerda sem qualquer participação da mão direita [uso do arco]. Todos os quatros dedos podem ser utilizados de acordo com a situação e com as notas.

Esta primeira maneira é muito difícil e cansativa porque cada golpe do dedo tem que ser audível. Aqueles que já tiveram contato com a Teorba ou Alaúde terão mais possibilidade de sucesso do que os outros, a menos que adquiram essa técnica praticando muito. A segunda maneira que essa peça pode ser executada é tocá-la como todas as outras peças de viola [com o arco] e eu a reescrevi no fim do livro [página 110].

As palavras traisné ou filé significam a mesma coisa e não é necessário explicá-los, eles são auto-implicativos.[22]

CONCLUSÃO

A parte mais significativa da produção musical de Marin Marais que temos conhecimento hoje é representada por uma coleção de cinco livros para viola da gamba publicados durante um período de 39 anos, entre 1686 e 1725.  Esses livros reúnem mais de 550 composições para uma, duas e três violas baixo acompanhadas por uma baixo continuo.

Dos cinco livros do gambista apenas os três primeiros iniciam com uma dedicatória. Em seguida segue um prefácio intitulado Avertissement que se trata de um texto inicial destinado a esclarecer o leitor. Eles apresentam informações importantes referentes a execução de suas obras, como as explicações dos símbolos utilizados e aborda questões como andamento, tonalidades e instrumentação.

Historicamente, os cinco livros de Marin Marais são o testemunho do pleno florescimento e desenvolvimento de uma tradição musical francesa para viola da gamba. Superam em número, em variedade musical e amplitude de expressão instrumental a produção de qualquer outro compositor contemporâneo de seu tempo.

REFERENCIAS

AUGUSTIN, Kristina. Marin Marais (1656-1728). De sapateiro a músico do rei. Revista Mirabilia 27. Jun-Dez 2018. Disponível em: https://www.revistamirabilia.com/sites/default/files/pdfs/27.06.pdf . Acesso 20 maio 2019. ISSN 1676-5818.

GORDON, J. Kinney. Prefacio. In Marin Marais Six Suites for Viol and Thoroughbass. Middleton: A-R Editions, 1976.

GAMMIE, Ian. Marin Marais Translated. Inglaterra: Corda Music Publications, 1989.

MARAIS, Marin. Piéces de Violes a une et deux violes. Paris: L’auteur, Jean Hurel, 1686.

___________. Basse Continue du Piéces de Violes a une et deux violes Paris: Jérôme Bonneuil, 1689.

___________. Pièces de Violes du second Livre. Paris: Henri de Baussen, 1701.

___________. Basse Continue du second Livre de piéces de Violes. Paris: Henri de Baussen, 1701.

___________. Pièces de Violes du troisième Livre. Paris: Hurel, 1711.

___________. Basse Continue du troisième Livre de piéces de Viole. Paris: Hurel, 1711.

___________. Pièces a une et a trois Violes du quatrième livre. Paris: Hurel, 1717

___________. Basse-continues du quatrième Livre de piéces a 1 et III Violes.Paris: Hurel, 1717.

___________. Pièces de viole du Cinqième Livre. Paris: Sr. Boivin, 1725.

___________. Basse-continues du Cinqième Livre de piéces de Viole. Paris: Sr. Boivin, 1725.

THOMPSON, Clyde H. Marin Marais’s Pieces de Violes. In: The Musical Quarterly. Inglaterra: Oxford University Press, Vol. 46, No.4, pp. 482-499, outubro, 1960.

APÊNDICE – REFERÊNCIAS DE NOTA DE RODAPÉ

2. Biografia do gambista ver AUGUSTIN, Kristina. Marin Marais (1656-1728). De sapateiro a músico do rei. https://www.revistamirabilia.com/sites/default/files/pdfs/27.06.pdf

3. No original “Vos chants”. Normalmente a palavra “chant” é traduzida como canto. No século XVII poderia ser usada para designar a linha do soprano ou a melodia principal. Mas no contexto do texto optou-se pela palavra melodias.

4. A melhor tradução da palavra francesa para o português é Advertência. Mas, hoje, no Brasil, essa palavra é mais utilizada no sentido de repreensão. No contexto da obra Avertissement tem o sentido de aviso ou observação.

5. É um vibrato realizado com dois dedos: o primeiro dedo pressiona a nota real da partitura enquanto o segundo dedo efetua uma ligeira pressão logo após o traste. Com isso a afinação fica ligeiramente mais alta gerando um efeito mais intenso em relação ao vibrato tradicional que é mais discreto devido ao uso dos trastes.

6. É um vibrato com um único dedo. É usual o gambista liberar o polegar da mão esquerda que pressiona o braço do instrumento com a finalidade de ter a mão e pulso livre para aumentar o apoio e balanço do dedo, ampliando a intensidade desse ornamento.

7. Todas as obras para serem impressas e divulgadas no antigo regime deveriam receber uma aprovação dos sensores reais. Era uma forma de controle do texto, das ideias e proteção contra falsificação.

8. Na época era uma prática imprimir as obras a várias vozes em volumes separados. Logo, no caso das peças de Marais: um volume para a viola solista e outro volume para o baixo contínuo.

9. Esse livro, eu chamei de segunda publicação, porque foi impresso três anos depois do livro I. Contém a linha do baixo contínuo para acompanhar a voz solista do primeiro livro. Mas ao final apresenta algumas danças na grade, isto é, a voz solista e a voz do baixo juntas na mesma página.

10. Philippe de France, duc d’Orléans (1640- 1701) foi o irmão mais novo de Luís XIV.

11. Estrangeiros podem ser todos aqueles que não sejam franceses ou aqueles que não são da cidade de Paris.

12. É uma prisão do estado que funcionou nos anos de 1674 e 1780.

13. É uma das fontes mais antigas de Paris.

14. Règle d’or, era o símbolo dos editores de música Imbault et Bailleux. Nesse contexto era a sede dos editores.

15. Não foi encontrado referência sobre esse instrumento. Os tradutores ingleses, Gammie e Gordon, também não apresentaram tradução para esse instrumento deixando o nome no original francês no texto.

16. É uma prisão do estado que funcionou nos anos de 1674 e 1780.

17. É uma das fontes antigas de Paris.

18. Parece que o autor se enganou ao escrever “difíceis”. Não faz sentido algum com o texto que se segue.

19. Ele deve estar se referindo a questão da volta ou como hoje usamos o jargão “casa 1” e “casa 2”.

20. No original Pièces de Caracteres. A expressão foi traduzida como ”peças descritivas” porque Marais optou por títulos que descrevem a temática da peça em si.

21. Pizzicato martelado com a mão esquerda.

22. Essas palavras equivalem a “arrastar” o tempo, ir diminuindo o andamento: o equivalente a ritardando ou rallentando em italiano.

[1] Doutora em Música.

Enviado: Julho, 2019.

Aprovado: Setembro, 2019.

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