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A Resistência Patrimonialista na Administração Pública Brasileira por Meio dos Cargos em Comissão e Funções de Confiança

RC: 8382
256
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/administracao/administracao-publica

CONTEÚDO

GONÇALVES, Adilson Oliveira [1]

GONÇALVES, Adilson Oliveira. A Resistência Patrimonialista na Administração Pública Brasileira por Meio dos Cargos em Comissão e Funções de Confiança. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Edição 02, Ano 02, Vol. 01. pp 565-586, Maio de 2017. ISSN:2448-0959

RESUMO

A administração pública brasileira passou por diversos períodos até que se tornasse legitimo instrumento a serviço da sociedade. Contudo, ainda hoje guarda estreitas relações negativas com o passado. Durante o período colonial, por meio da metrópole portuguesa, entre outras coisas, nela foi internalizada a cultura administrativa da tomada do bem público pelo privado, caracterizada pela inexistência de fronteiras entre o bem público e privado. O patrimonialismo, sistema de organização político-social-econômico que deu sustentação a cultura da tomada da coisa pública pelo privado, de forma mais latente até final do século XIX, sustentou privilégios e direitos a particulares em detrimento da sociedade como um todo, principalmente com negociatas de cargos públicos como forma de atender interesses pessoais e barganhas políticas. Durante nossa “Primeira República” foram agregados àquela cultura novos elementos que configurariam nosso sistema particular cunhado de clientelismo e coronelístico, composto de ações deletérias que corroeram as bases da nossa incipiente administração pública. No decorrer da década de trinta do século XX; a sociedade brasileira, com pouco organização, mas ávida por direitos – trabalhistas, sociais e políticos – praticamente exigiu a reorganização da nossa administração pública.

A engenharia administrativa nacional teve início com a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) no final daquele decêndio. Erigido nos moldes da teoria racional-legal proposta pelo sociólogo alemão Max Weber, o órgão foi responsável pelas grandes mudanças administrativas ocorridas no aparelho estatal brasileiro.  A profissionalização dos agentes públicos, balizada pela racionalidade, legalidade das leis e a busca pela eficiência administrativa passaram a fazer parte da nossa administração pública. Dentre as inovações trazidas pelo órgão, podemos citar a obrigatoriedade de concursos para ingresso nos serviços públicos. Procedimento que não eliminou, mas, inibiu a possibilidade de se oferecer cargo ou função pública como moeda de troca por favores. Contudo, as lacunas deixadas nas últimas constituições nacionais evidenciaram a possibilidade de se manter vivos resquícios das velhas práticas de negociatas no setor público. Mesmo sendo de suma importância para auxiliar nos trabalhos dos altos escalões da administração pública, as funções de confianças e cargos em comissão, da forma que está prevista em nossa constituição vigente, abrem demasiadas possibilidades de transações obscuras no setor público. Situação possível devido a não obrigatoriedade de se nomear agentes públicos pelo sistema de mérito, por exemplo. Dessa forma, analisaremos se o inciso V do artigo 37 da constituição vigente é uma lacuna legal, do ponto de vista jurídico, para que atores políticos e/ou gestores públicos mantenham vivas as velhas práticas patrimonialistas na administração pública brasileira, por meio de nomeações para cargos em comissão e funções de confiança. Este trabalho está organizado da seguinte maneira: 1 Resumo; 2 Introdução; Desenvolvimento; Conclusão e referência.

Palavras-chave: Eficiência, Cargos em Comissão, Funções de Confiança, Patrimonialismo, Racional Legal.

1. INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas tem sido latente a preocupação dos gestores públicos nacionais em consolidar o Estado brasileiro como referência administrativa em relação a serviços prestados à população. Levando em consideração nossa administração nos períodos compreendidos entre colônia, Império, república velha, Era Vargas e a reforma gerencial de 1995 são perceptíveis às mudanças ocorridas no setor. Este trabalho tem como objetivo contribuir para área de estudos relacionados a inserção de agentes públicos na administração pública brasileira por meio de nomeações.

A administração pública brasileira enfrenta um grande desafio que é oferecer ao cidadão um serviço público eficiente e de qualidade, num momento onde as mudanças político-sociais e econômicas ocorrem numa velocidade já mais vista na história da humanidade. Impulsionada pelos avanços tecnológicos é plausível e necessária à exigência de mudança cultural administrativa para atender demandas do cidadão como receptor principal do serviço público.

Segundo Mendes, et.al., (2010, p. 960), mesmo com limitações acerca do assunto, a Constituição Imperial de 1824 já trazia referências a Administração Pública, igualmente a republicana de 1891, mesmo que singularmente, abordava aos cargos e funcionalismo público e assuntos pontuais ao desenvolvimento do país. A carta magna de 1988 trouxe, ainda de acordo com o autor a   “principiologia do regime jurídico administrativo brasileiro”.

De acordo (FAORO, 2001, p. 34 e MAGALHÃES, 2011, p. 28) nossa administração pública, assim como seus vícios, tem origem no modelo de dominação exercido pela metrópole portuguesa às suas colônias.

Para Paiva (2006, p. 21-28), de um lado, a transgressão às leis sancionadas pela coroa era prática corriqueira quando estavam em jogo os interesses de particulares. Por outro à leniência da coroa em relação à dominação do particular exercida sobre o bem público corroborava igualmente com seus proveitos próprios, uma vez que para manutenção de seus privilégios era preciso fechar os olhos para aquelas práticas (AVRITZER, 2008, p. 212).

Segundo (ABRUCIO et.al., p. 29) havia duas formas de administração no Brasil ainda no período colonial. Uma tinha característica centralizadora, com controle administrativo relacionado ao comércio ultramarino e grande proximidade com a igreja católica, a qual por meio dos jesuítas garantia a uniformidade do modo colonizador com forte ênfase no Estado “particular” em detrimento da sociedade. Já a outra, mantinha como marca a forma descentralizada de administrar circunstância que privilegiava o poder local, o qual era exercido de forma patrimonialista nas câmaras municipais e nas capitanias hereditárias.

Dois aspectos são de suma importância para nosso trabalho. Primeiro, que de acordo com Holanda (1995, p. 146), entender que nossa administração púbica já nasce com fortes resquícios do modo patrimonialista de Portugal governar suas colônias e que o Brasil, mesmo após sua independência e constituição de uma administração própria, não deixou de ser um estado patrimonialista. Segundo, que hoje ainda é muito latente os resquícios daquela realidade administrativa em nossa administração pública, cenário este ainda marcado pela   corrupção, malversação, nepotismo, etc.

Funções de confiança e cargos em comissão no Brasil se mostram relevantes quanto a necessidade de agentes públicos da alta gestão poder trabalhar com recursos humanos de sua confiabilidade, contudo, despertaram vários estudos alimentados pelo ceticismo acerca do modo de inserção desses trabalhadores no aparelho estatal, prática que é vista por muitos autores como resquícios maléficos do velho sistema de administração pública colonial. A qualidade do serviço desempenhado por esses trabalhadores também faz parte de uma gama de discussões, já que, não há uma legislação clara quanto aos requisitos para admissibilidade e nem normas especificas quanto à avaliação desses servidores públicos, uma vez que o dispositivo constitucional apenas menciona a destinação a “atribuições” de direção, chefia e assessoramento.

A busca pela igualdade de oportunidades quanto à inserção do trabalhador no serviço público já era uma preocupação mundial, consubstanciada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789 (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO) resultado das ideias e interesses presentes nos insurretos vencedores na revolução Francesa no mesmo ano.

A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos. (Artigo 6º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão)

Esses princípios ecoaram por diversos países, passando a fazer parte de muitas constituições democráticas pelo mundo, consoante, no Brasil não foi diferente. Do rol de princípios constitucionais relacionados à administração pública trabalharemos com o da eficiência. Este ordenamento foi introduzido no texto constitucional vigente pela Emenda 19/98, como meio de garantir resultados finalísticos satisfatórios para os cidadãos (MENDES et al, 2010, p. 969).

Ele consolida a obrigação de que os gestores dos bens públicos pratiquem a boa administração, atuem de modo a economizar recursos e desenvolvam atividades laborarias sempre em busca de resultados satisfatórios em detrimento da malversação (DI PIETRO, 2001. p. 83). Embora, que pesem as benesses administrativas trazidas pelo princípio analisado, Gabardo (2003, p. 19) chama atenção para os perigos do uso irrestrito da norma, a qual não pode se sobrepor aos demais princípios administrativos como meio e justificativa para o alcance de resultados. De acordo com o autor, o principio deve sempre estar em consonância com os demais ordenamentos, afim de evitar abusos (grifo nosso).

A criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) foi acima de tudo uma ação para profissionalizar o serviço público e enfrentar aquela cultura deletéria para a administração pública nacional. Com a promulgação da nossa constituição vigente diversos princípios balizadores das tomadas de decisões por gestores públicos foram consubstanciados e entre eles temos, especificamente, o artigo 37 que traz um rol de normas as quais devem ser seguidas para garantia da igualdade prevista na declaração supracitada e permitir boa qualidade do serviço público prestado ao cidadão.

Contudo, atualmente, regida pelo inciso V do artigo 37 da Constituição brasileira vigente, nossa administração pública admite a inserção de agentes públicos sem a necessidade de concursos públicos, situação agravada pela não necessidade legal, do ponto de vista jurídico, de habilidades laborais, inerentes às ou cargos de chefia, direção e assessoramento, previstos no texto constitucional. Este ordenamento abre possibilidades de resgate das velhas práticas administrativas do passado.

De tudo exposto, concluímos que a exigência de concursos para inserção na administração pública brasileira busca, além de se constituir uma administração regida pela igualdade de oportunidades, também contribui para a diminuição das velhas ações administrativas utilizadas no período colonial, que, em menor escala, ainda encontra guarida no texto constitucional.

Doravante, nosso objetivo é analisar se o dispositivo constitucional em estudo é uma lacuna legal, do ponto de vista jurídico, para a perpetuação das práticas patrimonialistas na administração pública brasileira, principalmente por permitir a inserção de servidores públicos de capacidade profissional duvidosa, ou seja, sem qualificações pessoais e profissionais, atributos essências para se alcançar o princípio constitucional da eficiência.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 PATRIMONIALISMO

Max Weber é considerado um dos grandes expoentes da teoria patrimonialista. Este autor trouxe para o centro da discussão a relação poder/ dominação como legitimidade do autoritarismo exercido pelo governante por meio da obediência dos governados. De acordo com Lopes (2009, p.12), este tipo de poder se funde na autoridade tradicional do governante. Nela o autoritarismo favorece o mandonismo e a dominação os quais são validados pelo costume, pela tradição. É a consolidação da ideologia de que sempre foi assim. Tudo isso contribuiu e contribui para a não diferenciação entre a coisa pública e privada. Este pernicioso cenário não se limitava apenas as relações particulares, mas, também se reproduzia na esfera da administração pública. As nomeações para os quadros dela, neste sistema, são provenientes das relações de parentesco ou de confiança entre senhor e súdito, além de possibilitar ao governante tratar a res-pública como particular.

Não menos importante é a obra de Raymundo Faoro “Os Donos do Poder – Formação do patronato brasileiro ” –  Apesar dela não seguir a linha de pensamento de Max Weber (Faoro, p. 10) seu ensinamento algumas peculiaridades chamam atenção e merecem destaques. Para esse autor, patrimonialismo sé dá numa estrutura diferente do feudalismo – modo de organização social-política que predominou na Europa durante a idade média – por ser uma ordem que tem alicerces na burocracia estatal, não nos moldes moderno, mas de apropriação de cargos públicos.

A organização administrativa, judiciária e econômica estava sobre a égide de uma camada social dominante a qual o autor chama de “estamento” (FAORO, p. 58). Fazer parte deste estamento requeria alguma capacidade econômica e/ou habilitações profissionais. Ainda de acordo com o autor, os estamentos floresciam geralmente em regiões onde o mercado não dominava integralmente a economia.

Para Sorj (2006, p.12-13) patrimonialismo é uma instituição e o termo foi muito empregado no Brasil para caracterizar práticas de tomada da coisa pública pelo privado por políticos, funcionários públicos e setores privados que se apropriavam dos recursos do Estado em proveito próprio. Para o autor o conceito está associado genericamente às culturas ibéricas ou mediterrâneas e que suas características não são estáticas, se moldando em cada sociedade e no tempo.

A divisão do território em capitanias hereditárias evidenciava a não distinção entre público e privado, e os muitos poderes dados aos donatários serviram para a manutenção dos privilégios distribuídos pela coroa: “administração, jurisdição, e rendimentos formam as três ordens que estão na base do governo dos capitães donatários no Brasil e que lhes são transferidos, avultando-se a justiça sobre os demais” (BARBOSA, 2006, p. 41).

De acordo com Paula (2007, p. 107) a dominação patrimonial agregada à dominação burocrática deu origem ao patrimonialismo burocrático, condição onde o conhecimento técnico passou a dominar o cenário econômico. Já o patrimonialismo político emergiu da fragilidade da participação dos indivíduos no sistema político o que favorecia a compra da participação política das lideranças locais pelos detentores do poder político, criando vínculos entre elas, as quais eram aliciadas por meio de promessas de concessões de cargos públicos, inclusive.

2.2 CLIENTELISMO E CORONELISMO

No brasil os fenômenos clientelismo e coronelismo têm seu potencial operativo em alta durante a República Velha ou Primeira República (1889-1930). De acordo com Nunes (1997, p. 27) o clientelismo se desenvolveu na zona rural e a proximidade entre as famílias possibilitou a formação de redes de contatos e relações que permitiram a sobrevivência do sistema. Neste emaranhado humano, ainda de acordo com o autor, o clientelismo se caracteriza pela relação de proximidade entre líderes locais, definidos como coronéis e beneficiários dos favores deles definidos como clientes pelo sistema de troca generalizada, tudo definido assim:

O clientelismo repousa num conjunto de redes personalistas que se estendem aos partidos políticos, burocracias e cliques. Estas redes envolvem uma pirâmide de relações que atravessam a sociedade de alto a baixo. As elites políticas nacionais contam com uma complexa rede de corretagem política que vai dos altos escalões até as localidades. Os recursos materiais do Estado desempenham um papel crucial na operação do sistema; os partidos políticos – Isto é, aqueles que apoiam o governo – tem acesso a inúmeros privilégios através do aparelho do Estado. Estes privilégios vão desde a criação de empregos até a distribuição de outros favores como pavimentação de estradas, construção de escolas, nomeação de chefes e serviços de agencias, tais como distrito escolar. E o serviço local de saúde. Os privilégios incluem, ainda, a criação de símbolos de prestígio para os principais “corretores” dessa rede, favorecendo-os com acesso privilegiado ao centro de poder. (NUNES, 1997, p. 32)

Como podemos perceber a relação entre clientelismo e coronelismo se aproxima muito da definição de Paula (2007) que o caracteriza como patrimonialismo político.    Aquela relação está profundamente relacionada ao sistema patriarcal de governo, onde detentores de posses de terras se aproveitam da ignorância e necessidades dos beneficiários (LEAL, 2012 p. 47) para prove-los de favores que serão honrados às custas do Estado.  A manutenção das desigualdades é ponto fulcral para a operacionalização do complexo relacional humano apresentado. Diferente do patrimonialismo, o funcionamento do agrupamento se dá, principalmente, fora da esfera estatal, mas sempre dependente dela.

Ainda referente aqueles sistemas, lideranças locais gozam de prestígios garantidos pelos políticos, pois, são potenciais mantenedores dos votos de cabresto, muito importante e necessário no período eleitoral. Nele lideranças locais concentradas no interior do país negociavam favores na administração pública em troca de votos e não raras vezes dinheiro para suprir necessidades básicas dos clientes.

Logo podemos perceber que clientelismo e coronelismo apesar de terem se desenvolvidos dentro da república brasileira, seus elementos constitutivos guardam profundas relações com o patrimonialismo reinante no período colonial.

2.3 ESTADO DE PRIVILÉGIOS

Segundo Paiva (2006, p. 25-26), no sistema jurídico do antigo regime o direito não decorria especificamente das leis vigentes, mas sim, da capacidade de líderes locais em fazer valer suas vontades, em detrimento da sociedade em geral. O autor cita três espécies de direito que operavam concomitantemente na sociedade europeia medieval moderna, a saber: o direito comum temporal, o canônico e o direito dos reinos que representava a vontade dos soberanos. A esse rol de ordenamento jurídico operando em simultaneidade a literatura em análise dá-lhe o nome de pluralismo jurídico.

Ainda de acordo com o escritor o direito comum era quem permitia que as práticas locais se tornassem direitos e que junto com o direito canônico traziam mais problemas que soluções, já que havia muitas contradições nos direitos em jogo. As decisões eram tomadas tendo como balizador mais o poder em jogo e menos a justiça:

A incerteza do direito não é igualmente boa ou má para todos. Normalmente, serve os mais poderosos, os que têm mais capacidade de influenciar, de subordinar um litígio durante anos em tribunal ou, pura e simplesmente, de se estribarem no parecer de um letrado por sua conta para desobedecerem ao direito estabelecido (PAIVA, 2006, p. 26).

O direito, assim, consistia num mecanismo de desordem social e real, já que, de um lado parte da sociedade era privilegiada, causando prejuízos diversos à outra e do outro, as leis criadas pela coroa eram instáveis e passiveis de descumprimento por parte daqueles que se beneficiavam de normas particulares em detrimento das leis gerais que imperavam por meio de ordenamentos previstos em estatutos, cidades e municípios, ou seja, os interesses locais em muitos casos prevaleciam sobre os demais.

Com a vinda da família real para o Brasil (1808) a coroa fez prevalecer, analisando as três formas de direitos citadas anteriormente, o direito dos reinos. Aquele onde as vontades da realeza prevaleciam sobre todas as demais. Embora, Avritezer (2008, p. 210), constate que se a coroa não contemporizasse possibilidades de lucros por parte dos funcionários ligados à sua administração, ela sequer encontraria candidatos ao cargo. Desse modo, temos uma forte indicação de corrupção consentida pelo governante, o que neste momento já não é nenhuma novidade.

Faoro (2001, p. 33-34) confirma o que temos constatado ao longo do trabalho em relação aos nossos colonizadores:

Na monarquia patrimonial, o rei se eleva sobre todos os súditos, senhor da riqueza territorial, dono do comércio o reino tem um dominus, um titular da riqueza eminente e perpétua, capaz de gerir as maiores propriedades do país, dirigir o comércio, conduzir a economia como se fosse empresa sua. O sistema patrimonial, ao contrário dos direitos, privilégios e obrigações fixamente determinados do feudalismo, prende os servidores numa rede patriarcal, na qual eles representam a extensão da casa do soberano (FAORO, 2001, p. 36).

Numa visão holística, relativa ao patrimonialismo, percebemos que a tomada da coisa pública pelo privado não é um fenômeno genuinamente brasileiro, mas que, muito da herança administrativa pública deixada pela metrópole portuguesa para o Brasil contribuiu para que aquelas práticas se repetissem sistematicamente em nossa administração pública.

2.4 ADMINISTRAÇÃO BUROCRÁTICA

Diversas são as formas de poderes entre governantes e governados no mundo, cada qual com suas formas especificas de relacionamentos.  Para nosso estudo nos alicerçaremos nos ensinamentos do sociólogo alemão; Max Weber. O proeminente autor define três tipos de dominação: A tradicional (patriarcalismo, feudalismo e patrimonialismo), carismática e racional legal (burocrática) (KALBERG, 2010, p. 132). Para o autor a dominação racional legal está centrada na figura da autoridade ocupante do cargo e não na pessoa, e sua autoridade é legitimada por leis e regulamentos impessoais, tudo relacionado ao cargo. Portanto, mesmo que haja mudança de autoridade esta deve permanecer com o sucessor.

No Brasil a administração racional legal, uma das formas de dominação, passa a ocorrer de forma sistêmica apenas após o fim do período denominado República Velha (1989/1930). Mesmo após a proclamação da república a administração pública brasileira era permeada pelas velhas práticas patrimonialistas existente na administração colonial brasileira (PAULA, 2007, p. 105-106; SORJ, 2006, p.14).

A criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) no final da década de trinta foi acima de tudo a busca racional pela profissionalização do serviço público brasileiro por meio da minimização do Estado patrimonialista reinante em nossa administração (TORRES, 2004, p. 149).

Com o fim da república velha aquele modelo administrativo também entrou em declínio. Por não acompanhar as mudanças sociais ocorridas pelo mundo, ele não mais atendia aos anseios de uma sociedade que deixava de ser oligárquica para ser regida pelas transformações trazidas pela incipiente, mas continua industrialização (LOPES, 2008, p. 209). Camponeses e nordestinos desterraram-se e se juntaram aos muitos trabalhadores urbanos que dava nova vida a cidade, mudando sobremaneira as relações, principalmente, de trabalho por meio dos sindicatos. Tudo isso foi muito importante para o desenvolvimento de nossas cidades, principalmente as da região nordeste e sudeste, mas, contudo, não podemos deixar de considerar a falta de estrutura administrativa pública para atender esta nova demanda social.

Visando a constituição de um corpo burocrática profissional, regido pelos princípios weberianos da racionalidade e da meritocracia (MARTINS e PIERANT, 2006, p. 285), o então presidente Getúlio Dornellas Vargas engendrou ações na administração pública que atendesse aos desejos dessa nova sociedade. Rompe com a sistematização patrimonialista, e já em 1931 criou a Comissão Permanente que centralizou, assim, o processo de compras para o governo.

Outras ações importantes podem ser consideradas: padronização dos vencimentos (1935), normas para ascensão entre cargos, princípio de méritos na carreira, normas para classificação de cargos (1936), obrigatoriedade da realização de concursos para funcionários públicos (1937), fazendo com que a igualdade de oportunidades e mérito, prevista na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (LONGO, 2007, p. 60) prevalecesse.

Tendo como finalidade a “modernização do aparelho estatal” (MAGALHÃES, 2011, p. 36), por meio do Decreto-lei nº 579 de 30 de julho de 1938, foi criado o DASP e no mesmo ano entra em vigor o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis, além de ser regulamentada a obrigatoriedade de concursos para admissão de agentes públicos. Fechando o ciclo de importância deste órgão também podemos considerar como relevante a criação da comissão de orçamento do ministério da fazenda.

Por tudo apresentado, o DASP representou a consolidação do Estado weberiano, não eliminando as velhas práticas patrimonialistas (CARDOSO, 2011, p. 49), mas, no que pode, dificultou a sustentação sistemática dele, onde a tomada do bem público pelo privado limitou-se a grotões específicos.

Cabe esclarecer que a previsão de nomeações a cargos públicos por meio de aprovação em concurso já era prevista na Constituição de 1967 (CF, art.95, 99, 3º). Todavia, o ordenamento que daria sustentação e legitimidade ao Estado burocrático apenas entraria em cena na segunda metade da década de oitenta com a promulgação da vigente Constituição da República Federativa do Brasil. Com as garantias administrativas constitucionais positivadas, especificamente, no artigo 37 que determinou os princípios regentes basilares da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, tudo com o fito de bem cuidar da “res pública”. Coube aos legisladores e gestores públicos do país criarem mecanismos para garantir esse cuidado.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Entretanto, o parágrafo V do mesmo artigo constitucional prevê o exercício de atividades com funções de confiança e cargos em comissão, sem a necessidade de concurso público.

[…] V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

Estes mecanismos de “contratação” têm criado, para a administração pública, situações diversas das previstas no caput do artigo em questão. Segundo Oliveira (2007, p. 287), esses cargos constituem uma “administração paralela” que garantem demasiada autoridade a pessoas investidas na função por questão partidária, amizade ou corrupção, facilitando privilégios. Situação completamente adversa aos princípios da moralidade, impessoalidade e eficiência, constante no mesmo artigo.

Antes de mais nada, “a administração paralela” viola o princípio da legitimidade; afinal, essas “autoridades que abrem portas” não foram eleitas por ninguém, não estão no serviço público legitimados por qualquer processo decorrente de concurso público ou demonstração de mérito (OLIVEIRA, 2007, p. 291).

Não menos diferente aduz Santos (2009, p. 11) o qual constata contratações públicas fora do sistema de mérito na burocracia brasileira e também apura o grande número de admissões baseadas na confiança, o que para o autor, resume-se na troca de favores entre o detentor do poder político e correligionários políticos locais, exatamente por se constituírem em relações clientelistas, potencializadas pela falta de concursos públicos.

Santos (2009) verifica ainda a falta de preocupação dos “padrinhos” em prover essas funções ou cargos com profissionais qualificados, e apesar de não mencionar, estes “lapsos” são características inerentes ao fisiologismo (NUNES, 2003, p. 11), que este autor considera, na prática, a mesma coisa que clientelismo e patrimonialismo.

Trilhando nos caminhos do sistema fundamentado no mérito pessoal de Santos (2009) tomamos como orientadora sua ideia de que: “A eficiência depende, em parte, de um corpo profissional e contínuo, imune às interferências e as influências políticas diretas”.  Situação totalmente adversa a constatada na administração pública do pais.

Se de um lado a constituição vigente permitiu a instrumentalização do Estado para garantir a democratização do acesso ao serviço público pelos ditames da lei, eliminando favorecimentos e propiciando aos gestores públicos trabalhar com um corpo técnico e qualificado (MEIRELLES, 2007, p. 436). Do outro a expansão sem controle dos cargos e funções comissionados no país passaram a atender aos interesses dos partidos políticos que fazem das instituições nacionais espaços propícios a “negociatas” (ABRAMO, 2007. p. 15 apud, SANTOS, 2009, p. 12).

De acordo com as literaturas analisadas verifica-se que existem controvérsias, na prática, em relação aos termos; funções de confiança e cargos comissionados. Borges (2012. p. 50) identifica que os termos “funções de confiança e cargos comissionados” são na verdade atividades laborais públicas e que tanto um como outro são partes integrantes do mesmo processo, que é desenvolver atividades profissionais baseadas na confiança de quem nomeou o ingressante ao cargo.

A autora também aduz que as características inerentes aos dois conceitos demonstram está proposição: são voltados para o serviço público, tem apenas vinculo transitório com a administração pública, suas ações estão relacionadas especificamente a funções de direção, chefia e assessoramento.  Para a Procuradora, a qual sugere no trabalho a uniformização e alteração de nomenclatura para “funções comissionadas ou gratificadas” (2012, p.47), o que define os termos funções de confiança e cargos comissionados é o verbete “confiança”. Na mesma direção caminha Mello (2007, p. 293), que entre outros atributos, também elenca o fator “confiança” como condição para o preenchimento dos cargos comissionados.

Como ordenamento identificamos que a lei nº 8.112 de 11 de dezembro de 1990 previa em seu artigo 27, incisos V e VI as penalidades disciplinares de “destituição de cargo em comissão e destituição de função comissionada”. Também de suma importância foi a Emenda constitucional 19/98 a qual trouxe diversas alterações para o âmbito administrativo público, mas que para o nosso trabalho damos relevo ao inciso I do artigo 37 da constituição vigente, o qual é taxativo na previsão das atividades laborais de “cargos, empregos e funções públicas”, deixando claro que há distinção normativa e na prática quanto às terminologias constitucionais função de confiança e cargos comissionados.

Porquanto, tomando como base os ensinamentos de Alexandrino e Paulo (2009, p. 276) podendo concluir que o termo “função” ganha maior relevância neste arcabouço literário por estar presente em ambos os conceitos e que realmente os termos se misturam; sintetizado assim pelos autores que nos dá uma reposta técnica acerca do assunto: “uma vez que todo cargo encerra um conjunto de atribuições, pode-se concluir que não existe cargo sem função, entretanto, podem existir funções sem um cargo específico correspondente, como é o caso das funções de confiança.”.

2.5 COMPETÊNCIAS

De acordo com Longo (2007, p. 192) a inserção de agentes públicos em funções diretivas deve ser precedida de avaliação que comtemple indivíduos com exatas competências para assunção da função ou cargo, pois, é fator preponderante quando no desenvolvimento das atividades relacionadas a tomadas de decisão. O autor elenca um rol de habilidades que deve possuir um aspirante a cargos diretivos, justamente pela complexidade administrativa inerente as funções ou cargos desta natureza.

Das habilidades não técnicas apontadas, cita alguns atributos idiossincráticos, tais como, “motivação, traços de caráter, conceitos de si mesmo, atitudes ou valores, destrezas e capacidades cognitiva e de conduta”, habilidades que transcendem o conhecimento técnico e são importantes para as funções e cargos em análise.

Cenário que melhor delineado fica nos ensinamentos de Bitencourt (2002, p. 232, apud Bitencourt, et. al. 2013, p. 47) ao teorizar acerca do entendimento de competências.

[…] o processo contínuo e articulado de formação e desenvolvimento de conhecimento, habilidades e atitudes, onde o indivíduo é responsável pela construção e consolidação de suas competências (auto desenvolvimento) a partir da interação com outras pessoas no ambiente de trabalho, familiar e /ou em outros grupos sociais (escopo ampliado), tendo em vista o aprimoramento de sua capacitação, podendo, dessa forma, adicionar valor às atividades da organização da sociedade e a si próprio (auto realização).

Ao dissecarmos as obras, concluímos que reunidas todas as condições apresentadas num aspirante à função ou cargo público teremos, in tese, um promissor candidato a desenvolver satisfatoriamente as funções de assessoramento, direção ou chefia. Ocorre que conforme o artigo 20 da lei nº 8.112 de 11 de dezembro (Brasil, 1990) há claras exigências para nomeação de servidores públicos efetivos (assiduidade, disciplina, capacidade de inciativa, produtividade e responsabilidade), prevendo, inclusive, avaliação de desempenho para eles, iniciativas pessoais que corroboram com os atributos previstos por Longo e Bittencourt et.al. Já para os cargos e funções de livres nomeações não há previsão legal, como requisito obrigatório, daquele tipo, para esses agentes públicos.

É oportuno esclarecer que, por haver previsão constitucional para indicação de servidores para as funções de direção, chefia e assessoramento, juridicamente, podemos dizer que o ato de nomeação é um ato vinculado por haver previsão em lei, a qual é taxativa em relação a obrigações e deveres no momento da tomada de decisão. Outrossim, as escolhas daqueles que ocuparão o cargo pretendido ou em vacância é um ato discricionário (MELLO, 2006, pg.18) do qual o agente possuidor de competência administrativa, conta com significativa margem de liberdade para apreciação.

Ainda que constatado o interesse público (conveniência) e se o momento é adequado para tomada de decisão (oportunidade) (GASPARINI, 2009, p. 97) é evidente que aquela liberdade deve ser limitada, nunca podendo se afastar dos princípios administrativos constitucionais e por isso, devem ser rechaçar de assumir as funções, principalmente os ineptos e tabaréus.

2.6 CARGOS COMISSIONADOS NO BRASIL

Tratando-se de leis, os cargos comissionados no Brasil datam do início da década de cinquenta, lei nº 1.711 de 28 de outubro (BRASIL, 1952), passando para a década seguinte com a lei nº 3.780 de 12 de julho (BRASIL, 1960), sem uma legislação definitiva para a resolução do problema de remuneração e critérios de seleção desses funcionários. Embora haja outros dispositivos normativos que foram revogados, tal assertiva se confirma numa minuciosa análise da lei 11.526 de 04 de outubro (BRASIL, 2007), especificamente no tocante a fixação da remuneração dos cargos e funções em comissão da administração pública federal direta, autarquia e fundacional, relacionada aos cargos de direção e assessoramento superior (DAS).

Nela há revogação de inúmeros dispositivos, inclusive medida provisória, o que evidencia o grande problema que foi a normatização do assunto. Contudo, podemos considerar o texto constitucional vigente o indutor de ordenamentos diversos para a resolução do problema, considerando a autonomia dos Estados quanto à regulamentação do assunto.

De acordo com o trabalho do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2011, p. 91) – Burocracia e Ocupação no Setor Público Brasileiro – Em 2011 existiam na estrutura administrativa do Poder Executivo Federal mais de 84 mil cargos, funções e gratificações de confiança, sendo que aproximadamente 25% consistiam em cargos de direção e assessoramento superior (DAS) nos níveis 5 e 6, onde as escolhas e nomeações eram de prerrogativas do presidente da república.

Cabe esclarecer que os mencionados níveis de ocupação se referem a cargos gerenciais que devem ser preenchidos por pessoas ilibadas e de notável conhecimento comprovado, dada à importância das atividades a desempenhar. Esta proposição foi recepcionada pelo Plano Diretor do Aparelho de Reforma do Estado (PDARE/1995) como meio de se chegar à administração pública gerencial (PRESIDENCIA DA REPÚBLICA, 1995).

Contudo, Pacheco (2008, apud, IPEA, 2011, p. 93) evidencia sua preocupação em relação à qualificação desses agentes empossados na função de direção de órgãos públicos no país:

Novas pesquisas são necessárias para aferir se os ocupantes dos cargos de DAS 5 e 6 possuem as qualificações e competências que a função de direção requer. Entendemos que o preenchimento desses postos por pessoas adequadamente qualificadas demonstra, de certa forma, a intenção de um governo em zelar pela eficiência da máquina pública.

Outra análise importante é o trabalho do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: perfil dos Estados brasileiros, 2013 (IBGE, 2014, p. 16), De acordo com o documento, no período de 2012-2013 houve um aumento percentual de 9,9% no número de ocupantes de cargos comissionados no país. Ainda de acordo com a fonte analisada, no mesmo período na administração direta houve um aumento de funcionários públicos sem vínculo permanente de 15,0% e de 12,3% dos ocupantes de cargos comissionados. Na administração indireta apesar de haver um decréscimo de servidores de diversas categorias, o de ocupantes de cargos comissionados obteve um aumento substancial, dados os decréscimos dos demais, de 3,9%.

Tabela 1 – Número de cargos comissionados na administração direta no Brasil por regiões -2013 e total no Brasil. Fonte: Adaptado IBGE, 2014 – Perfil dos Estados Brasileiros 2013.

REGIÕES TOTAIS POR REGIÃO
Norte  5.655
Nordeste 7.359
Sudeste 12.185
Sul 1.540
Centro Oeste 4.893
TOTAL NO BRASIL 31.632

A tabela mostra a distribuição dos cargos comissionados na administração direita em diversas regiões do país. Torna-se evidente o maior número desses profissionais concentrado na região sudeste, seguida pela região nordeste. Ainda de acordo com o trabalho em análise, existem no Brasil, apenas na administração direta 31.632 ocupantes de cargos na situação de comissionados.

Em 2016 o Tribunal de Contas da União (TCU) desenvolveu o trabalho “Mapeamento de riscos na contratação de funções de confiança e de cargos em comissão”. Nele, foram levados em consideração os riscos da investidura de agentes indicados para funções de confiança (FC) e cargos em comissão (CC) na Administração Pública Federal (APF). Fizeram parte da amostra estatística 278 unidades jurisdicionadas, composta pelo Poder Legislativo, Judiciário e Executivo.

A amostragem revelou que:  25% dos servidores ocupam FC e 5% CC, distribuído da seguinte forma: Poder legislativo: 79%, Judiciário: 56% e Ministério Público da União (MPU) 44%, sem distinção entre FC e CC. Também restou provado que do total 60% são ocupados por servidores efetivos e 40% sem vínculo com a administração, mostrando ainda que no legislativo 97% corresponde a FC e CC sem vínculo efetivo com aquela administração.

Em relação aos gastos com pagamento de salário, são gastos 3,47 bilhões de reais por mês com a contratação de FC e CC.

Que pese a importância dos números apresentados, para o nosso trabalho é de suma importância trazer em relevo a avaliação dos riscos a administração este tipo de contratação.

A auditoria também avaliou os riscos inerentes aos processos de escolha e indicação de ocupantes dos cargos comissionados, entre os quais investidura em FC e CC de pessoa que não possui os requisitos e as competências necessários e conflito entre interesses públicos e privados das pessoas com essas funções. Também foram observados casos de FC e CC de pessoa enquadrada nas hipóteses de nepotismo ou com impedimentos legais e existência de comissionados cujas atribuições não são de direção, chefia ou assessoramento. (Tribunal de Contas da União)

O tribunal ainda constatou que instituições com menos agentes alocados nos cargos ou funções analisadas tendem a ser mais efetivas, menos burocráticas e de menor custo.

Desse modo, a análise do TCU legitima nosso trabalho que foi desenvolvido com a finalidade de mostrar que as práticas corrosivas da nossa sociedade ainda estão muito vivas na administração pública brasileira. Que o “câncer” da tomada da coisa pública pelo particular ainda reina com muita energia pelos mesmos canais de outrora: política, justiça e governo.

CONCLUSÃO

Como colônia portuguesa podemos conceber que nossa administração pública ainda guarda nocivas práticas que outrora a permearam de modo sistemático e pernicioso. Por tudo apresentado podemos inferir que a forma precária que se dá a inserção de agentes públicos para a composição de cargos comissionados e funções comissionadas no aparelho estatal favorece as velhas práticas administrativas do tempo imperial, sendo um empecilho ao desenvolvimento duma administração pública voltada para a eficiência e interesses coletivos, como o almejado na reforma gerencial de 1995, justamente por ser um cenário propício as relações teorizadas por Nunes (2013, p. 11) – clientelísticas, de favores, dada a privilégios em detrimento da tão almejada eficiência, como mencionado por Santos (2009).

Destarte, apesar das limitações já aventadas anteriormente, este trabalho tem como finalidade ser instrumento de aporte para um estudo maior acerca do assunto abordado, possibilitando aos interessados na matéria um direcionamento de estudos que possam provocar nas autoridades e políticos o sentimento de necessidade de mudanças para que possamos no futuro consolidar no país uma cultura administrativa voltada para o oferecimento efetivo de serviços públicos de qualidade à população, começando por rigorosos critérios de inserção e avaliação daqueles agentes públicos, sempre levando em consideração se os ocupantes de cargos diretivos no país possuem competências especificas de direção (IPEA, 2011. p. 94) e nunca se esquecendo que o Interesse público deve nortear todas ações administrativas praticadas. (MENDES, 2010, p. 961)

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[1] Bacharel em Gestão de Políticas Públicas pela Escola de Artes Ciências e Humanidades/ USP. Pós-Graduado em Gestão Pública pela Universidade Nove de Julho/UNINOVE. Especialista em Administração Pública.

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Adilson de Oliveira Gonçalves

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