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Intervenção promotora de literacia em saúde para a autogestão da dor crônica

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

FERRARI, Maria Fernanda Muniz [1], DAHER, Donizete Vago [2], MORAES, Érica Brandão de [3], ANTUNES, Juliane de Macedo [4], FONTES, Bárbara Ventura [5], GERALDO, Marina de Almeida [6], BRAGANÇA, Mayara Marques [7], FECURY, Amanda Alves [8],  DENDASCK, Carla Viana [9], DIAS, Claudio Alberto Gellis de Mattos [10]

FERRARI, Maria Fernanda Muniz et al. Intervenção promotora de literacia em saúde para a autogestão da dor crônica. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 09, Ed. 11, Vol. 01, pp. 261-276. Novembro de 2024. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/literacia-em-saude, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/literacia-em-saude

RESUMO

Literacia em saúde é a capacidade de obter, entender e usar informações sobre saúde e bem-estar para tomar decisões informadas. Com ela  os pacientes que convivem com dor crônica terão benefícios no autogerenciamento dos sintomas relacionados ao ampliarem seus conhecimentos. Objetivo: Compreender as percepções de pacientes que convivem com dor crônica e fazem uso prolongado de opioides, sobre o ganho de literacia em saúde para a autogestão da mesma. Metodologia: Estudo qualitativo, exploratorio-descritivo, conduzido pelas diretrizes do Consolidated Reporting of Qualitative Research (COREQ). Desenvolvido entre fevereiro e março de 2024, na Clínica da Dor do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, com 21 pacientes que integram o Programa ConheceDor, que convivem com dor crônica, adultos, de ambos os sexos, eleitos pela disponibilidade para participar de grupos focais. Projeto aprovado pelo CEP, com assinatura do TCLE por todos. Depoimentos submetidos análise de conteúdo de Bardin, gerando três categorias: “Conhecimento apreendido para a autogestão frente a dor crônica”; “Em busca de qualidade de vida: estreita relação entre novos aprendizados e limitações impostas pela dor crônica” e  “Me conhecendo melhor para uma vida melhor: experiências positivas geradoras de satisfação e autoestima”. Resultados: A faixa etária que prevaleceu foi de 33 a 79 anos, sendo 57% do sexo feminino e 43% masculino. Quanto à escolaridade, 35% com ensino médio, 28% ensino fundamental 2, 17% ensino fundamental 1, 15% nível superior e 4% educação infantil. As categorias sinalizaram:  A estreita correlação entre ganho de literacia em saúde e aumento da qualidade de vida. Evidenciou-se amplo apoio afetivo por parte dos profissionais de saúde, compreendendo esse apoio como necessário para a aquisição e retenção do aprendizado, principalmente ao que se refere às limitações impostas pela dor crônica; e que a experiência positiva junto ao Programa ConheceDOR contribuiu para mantê-los aderidos ao tratamento, seguros na autogestão da dor. Conclusão: As ações de literacia em saúde desenvolvidas pelo Programa ConheceDor mostraram ser eficazes na melhoria da autogestão da dor crônica, são promotoras de ganho de qualidade de vida em pacientes em uso prolongado de opioides. Ações que podem ser replicadas em contextos semelhantes.

Palavras-chave: Dor Crônica, Letramento em Saúde, Promoção da Saúde, Analgésicos opioides.

1. INTRODUÇÃO

O interesse na aquisição de conhecimentos em saúde enquanto possibilidade para a atuação mais efetiva dos usuários em seus cuidados de saúde tem crescido de forma exponencial nas últimas décadas (Mantwill, Diviani, 2019; Coughlin et al., 2020; Nutbeam, Lloyd, 2021).

O conceito de Literacia em Saúde (LS) surge em 1974 num artigo intitulado Health Education as Social Policy, intimamente ligado às questões de promoção de saúde, mas na atualidade assume-se também como ferramenta fundamental para navegar nos sistemas de saúde, cada vez mais complexos (Kickbusch, Wait, Maag, 2006).

A literacia em saúde é entendida, assim, como a capacidade de obter, entender e usar informações sobre saúde e bem-estar para tomar decisões informadas. Envolve habilidades cognitivas e sociais, como: compreender informações escritas e orais sobre saúde, encontrar e avaliar informações confiáveis sobre saúde, usar informações de saúde para tomar decisões informadas, comunicar-se efetivamente com profissionais de saúde e navegar pelo sistema de saúde (De Jesus et al., 2024; Peres et al., 2021; People, 2020).

Muitos governos reconhecem a sua importância, e nações como a China, os Estados Unidos (EUA), Portugal, Reino Unido, dentre outros, incluem a Literacia em Saúde nas suas estratégias de saúde pública com propósito de trabalhar a promoção em saúde tendo os usuários e famílias como co-responsáveis pelos cuidados em saúde (Tan, Liu, Shao, 2017; People, 2020; Portugal, 2010).

A dor crônica, objeto de reflexão neste artigo,  representa um problema de saúde crônica global de grande significância, afetando um expressivo número de pessoas em todo o mundo. Cerca de 20% da população mundial sofre de dor crônica. No Brasil, calcula-se que a prevalência de dor crônica varie entre 29,3 a 73,3%, tendo afetado mais mulheres que homens e o local mais prevalente é a região dorsal/lombar (Vasconcelos, Araujo, 2018).

Para o autogerenciamento eficaz da dor crônica, a literacia em saúde faz-se necessária e imprescindível na medida em que auxilia o usuário na compreensão das informações sobre dor, entendimento de suas causas, sintomas e opções de tratamento para sua condição. Além disso, contribui para a tomada de decisões informadas, comunicação mais efetiva com profissionais de saúde, auxiliando, também, no autogerenciamento da dor e, consequentemente, na melhoria dos resultados de saúde (Kim et al., 2022).

Programas de acompanhamento multiprofissional que visam aumentar a LS são essenciais para melhorar os resultados de saúde dos pacientes que convivem com dor crônica. Este estudo tem como objetivo compreender as percepções de pacientes que convivem com dor crônica, fazem uso prolongado de opioides e que integram o Programa ConheceDOR, sobre o ganho de literacia em saúde para a autogestão da mesma.

2. METODOLOGIA

Os dados foram coletados pela equipe de enfermeiras da Clínica da Dor, que atuam no Programa ConheceDOR, sendo uma delas a coordenadora do estudo.

Caracteriza-se por um estudo qualitativo, do tipo exploratório-descritivo e com caráter analítico-interpretativo, que foi conduzido de acordo com as diretrizes do Consolidated Reporting of Qualitative Research (COREQ), que recebeu uma pontuação total de 28 no checklist COREQ, indicando um alto nível de conformidade com os padrões de relatos  recomendados (De Jong et al., 2021).

O estudo foi desenvolvido por meio de um trabalho de campo entre os meses de fevereiro e março de 2024, com usuários atendidos no Programa Multidisciplinar denominado ConheceDOR. Este Programa foi implementado por profissionais de saúde na Clínica de Dor do Instituto Nacional de Traumato Ortopedia (INTO), município do Rio de Janeiro e sua meta é o acompanhamento de pacientes com dor crônica e no qual são trabalhadas, por meio de dinâmicas participativas, estratégias de aumento da literacia em saúde para a gestão do autocuidado.

A abordagem qualitativa em pesquisa possui como meta aprofundar a compreensão de um determinado fenômeno, buscando explorar suas nuances e significados. (Conde, Carvalho, 2023).

O estudo foi realizado no Rio de Janeiro, na Clínica da Dor do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia. Esse Instituto está inserido na Administração Direta do Ministério da Saúde, vinculada à Secretaria de Atenção Especializada à Saúde – SAES.

Participaram de grupos focais, 21 pacientes contactados pessoalmente pela pesquisadora. São eles adultos, de ambos os sexos, que foram escolhidos por conveniência a partir da sua disponibilidade para participar dos grupos focais.

Dos 21 participantes, 57% são do sexo feminino e 43% masculino, com idade média de 54,8, onde 35% possuí ensino médio e 28% ensino fundamental 2. Todos oriundos do estado do Rio de Janeiro.

Os grupos focais aconteceram durante meses de fevereiro e março de 2024, em uma sala de reuniões do Ambulatório de Dor crônica, com total privacidade, em dias de consultas médicas, visando facilitar a logística de deslocamento dos mesmos. Ao todo foram realizados 7 grupos focais, com participação de 2 a 4 pessoas em cada, e com duração média de 30 a 60 minutos.

Estavam presentes durante os encontros, além dos pacientes participantes, a pesquisadora principal (enfermeira), os colaboradores da pesquisa (02 enfermeiras, 01 fisioterapeuta e 01 psicóloga) e 01 residente de enfermagem.

Foram utilizadas perguntas orientadoras para direcionar os grupos focais, sendo elas: 1 – Conte-nos sobre sua experiência com dor crônica e o uso de opioides; Sua trajetória antes, durante e após inserção no Programa e como era e como ficou sua qualidade de vida. E, por fim, como percebia seu nível de conhecimento sobre sua condição e sobre seu tratamento após ingresso no Programa ConhceDOR.

As questões orientadoras dos grupos foram testadas previamente por meio de testes piloto com os dois primeiros grupos e pequenos ajustes foram feitos.

Os encontros foram gravados em sua totalidade, com posterior transcrição para a análise, armazenados em um arquivo no Documentos GoogleⓇ. Durante a operacionalização dos grupos focais foram, também, realizadas observações seguidas de anotações em diário de campo.

O conjunto de dados apreendidos nos grupos focais, foram os mesmos submetidos a análise de conteúdo de Bardin, gerando três categorias que expressam o pensamento do coletivo de participantes: “Conhecimento apreendido para a autogestão frente a dor crônica”; “Em busca de qualidade de vida: estreita relação entre novos aprendizados e limitações impostas pela dor crônica”; e “Me conhecendo melhor: Experiências coletivas geradoras de satisfação e autoestima”.

Os dados foram analisados pelo grupo de pesquisa. As citações dos participantes foram apresentadas para ilustrar os achados, com identificação codificada e numerada para preservar a privacidade e o sigilo dos mesmos.

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina da UFF, atendendo a Resolução 466/2012 que rege as pesquisas com seres humanos, e foi aprovada, com CAAE: 65245022.3.0000.5243. Sendo aprovada também, pelo Centro Coparticipante (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia), com CAAE: 65245022.3.3001.5273. Com aplicação do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram do estudo 21 pacientes, integrantes do Programa ConheceDOR, sendo que a faixa etária que prevaleceu foi de pacientes de 33 a 79 anos, sendo 57% do sexo feminino e 43% masculino. Todos oriundos do Estado do Rio de Janeiro. Quanto à escolaridade, 35% deles possuem o ensino médio, sendo o que prevaleceu. Os demais: 28% ensino fundamental 2 (6° ao 9° ano), 17% ensino fundamental 1 (1° ao 5° ano), 15% com nível superior e 4% com apenas educação infantil.

As três categorias produzidas foram: Categoria 1: “Conhecimento apreendido para a autogestão frente a dor crônica”; Categoria 2: “Em busca de qualidade de vida: estreita relação entre novos aprendizados e limitações impostas pela dor crônica”; e Categoria 3: “Me conhecendo melhor para uma vida melhor: experiências positivas geradoras de satisfação e autoestima.

3.1 CATEGORIA 1 – CONHECIMENTO APREENDIDO PARA A AUTOGESTÃO FRENTE A DOR CRÔNICA

Foram recorrentes os relatos destacando que os novos conhecimentos apreendidos geraram maior segurança para lidar com quadro de dor crônica.

“Sim. Muito importante conhecer bem sobre meu quadro de saúde. Porque tem coisas que a gente não tem um conhecimento exato, né? E esse Programa tá me dando mais conhecimentos de tudo, até para eu administrar melhor a minha dor.” P4

“É, mas esse projeto é muito bom porque, assim, educa a gente, assim, você não fica descontrolado, você passa a conhecer e administrar o que sente e se sente mais seguro. Então, no tempo que eu vim pra cá, eu fiquei com mais conhecimentos com certeza… Tô administrando melhor e tudo mais, sabe? […] Então vir aqui ajuda muito.” P06

“Eu acho importante, inclusive eu tenho uma amiga que operou aqui, ela tá com muita dor, aí eu conversei com ela pra falar com o médico, o médico indicou a Clínica da Dor, ela vai começar a participar. E eu falei, assim, olha, você vai ficar sabendo melhor de se cuidar, vai ganhar qualidade de vida… pra mim melhorou muito, assim, oitenta , noventa por cento. Porque a gente não sabe, né, não sabe como fazer quando surge um problema…” P20

O conhecimento construído no coletivo e dialogado pelo grupo permite que os pacientes compreendam melhor seu quadro e seus sintomas relacionados à dor. Sentem-se mais seguros e as tomadas de decisões passam a ser com base no conhecimento adquirido/informado. Passam a ‘dominar’ o seu tratamento e adotam comportamentos que promovem o autocuidado e que ampliam sua segurança. Os depoimentos contrastam o antes e o depois dos conhecimentos adquiridos e destacam a positividade do mesmo. Ficou evidenciado que a literacia em saúde (LS) constroi o diferencial no manejo do cuidado de saúde.

Corroborando com diferentes pesquisadores, reafirmamos que o conhecimento capacita os pacientes a se tornarem parceiros ativos em seus cuidados de saúde. Ao entender sua condição, eles podem comunicar melhor seus sintomas e preocupações aos profissionais de saúde, resultando em planos de tratamento mais personalizados e eficazes. O conhecimento também reduz a ansiedade e o medo associados à dor crônica, permitindo que os pacientes enfrentem sua condição com maior confiança e controle (Marris et al., 2021).

O conhecimento é, desse modo, fundamental para a autogestão da dor crônica, pois permite que os pacientes compreendam, analisem e compartilhem suas experiências de dor, socializam informações e estratégias que acessam no Programa e que agora no grupo as colocam disponíveis para outros que vivenciam experiências similares.

O aumento da literacia em saúde envolve, pois, fornecer aos pacientes informações claras e compreensíveis sobre sua condição, opções de tratamento e estratégias de enfrentamento (Marris et al., 2021). Isso permite que compreendam sua dor e seus gatilhos; tomem decisões informadas sobre seu tratamento; adotem comportamentos que promovam o autocuidado; se comuniquem, efetivamente, com os profissionais de saúde.

Ao capacitar os pacientes com novos conhecimentos e habilidades por meio do aumento da literacia em saúde, os profissionais de saúde podem promover a autogestão da dor e melhorar a qualidade de vida dos pacientes com dor crônica.

3.2 CATEGORIA 2 – EM BUSCA DE QUALIDADE DE VIDA: A ESTREITA RELAÇÃO ENTRE NOVOS APRENDIZADOS, APOIO RECEBIDO E LIMITAÇÕES IMPOSTAS PELA DOR CRÔNICA

Os encontros no Programa ConheceDOR e os muitos saberes e compartilhamento de experiências (tanto com os profissionais de saúde como com outros colegas que também vivenciam a dor crônica), fazem surgir relatos de resiliência diante das limitações, mas não de  tristeza.

“Eu compreendo que vou ficar com essa dor eternamente. Eu, depois que aprendi aqui, tenho mais cuidado em relação à minha mão, eu tento poupá-la. Eu utilizo mais a direita, se eu tiver que pegar algum peso, eu tento pegar com o braço direito. Eu tento poupar a mão direita o máximo que eu posso. É isso.. O tanto de apoio que vem recebendo aqui me ensinou a reconhecer a minha limitação…Viverei com ela, mas buscando ser alegre e ter qualidade de vida.” P8

“Aqui aprendi muito, muito… E todos os esclarecimentos me fizeram ver e buscar adaptações, tentar fazer algo diferente, isso é muito importante o que vocês fazem com a gente. Porque o remédio eu tomo já há seis anos, tomei vários medicamentos diferentes pra combater a dor, né? E remédio, né, seria receita, seria um tentar amenizar, mas a palavra, o afeto que vocês nos dão, o incentivo, isso tudo, nos ajuda a aceitar, a ficar mais  feliz..” P9

“Então, eu tava num ponto de já não querer vir mais, porque quando você ouve a palavra crônica, o que que te sugere? O fim?? …É uma coisa que não tem mais solução…, ali é só ladeira abaixo, então na minha mente eu só ia definhar[…] Não tinha mais solução pra mim e vcs me reergueram e com o programa eu vi que tem como eu ter uma vida normal, alegre, sabendo aceitar e ter uma vida como eu sempre tive, respeitando a limitação do meu corpo[…].” P17

O acompanhamento regular é fundamental para os pacientes que vivenciam a  dor crônica e que usam opioides rotineiramente. Os ensinamentos oportunizam aprendizados, os profissionais oferecem apoio de forma singular, ouvem e acolhem de forma contínua. Esses acompanhamentos permitem, também, que os profissionais de saúde avaliem a eficácia do tratamento, a adesão e identifiquem limitações ou quaisquer efeitos colaterais ou problemas ligados ao uso de opioides. A partir daí traçam estratégias de educação com orientações e suporte para ajudar todos os pacientes a gerenciarem sua dor e a manejar o uso de opioides de forma segura e eficaz (Dowell, Haegerich, Chou, 2016; Elbers et al., 2022).

Além disso, os acompanhamentos regulares oferecem um espaço seguro para os pacientes discutirem seus desafios e preocupações relacionados à dor e ao uso de opioides. Os profissionais de saúde podem fornecer apoio emocional, validar as experiências e ajudar a desenvolver mecanismos de enfrentamento das limitações e um viver mais saudável. Isso, como já dito, melhora a adesão ao tratamento, reduz a ansiedade e promove uma melhor qualidade de vida.

O acompanhamento regular de pacientes com dor crônica e em uso de opioides é, pois, essencial pois possibilita trabalhar ações de promoção à saúde, a ampliar a literacia em saúde e a construir o autogerenciamento. Ao se envolverem regularmente com os pacientes, os profissionais de saúde podem avaliar a literacia em saúde, identificando aqueles com baixa literacia em saúde para, em seguida, fornecer recursos e apoio adicionais. Os profissionais de saúde podem, também, fornecer educação aos pacientes, com informações claras, objetivas e compreensíveis sobre a sua condição, as opções de tratamento e estratégias de autocuidado. E, podem ainda promover o autogerenciamento, capacitando os pacientes com habilidades e confiança para manejar a sua dor de forma eficaz.

3.3. CATEGORIA 3 – ME CONHECENDO MELHOR PARA UMA VIDA MELHOR: EXPERIÊNCIAS POSITIVAS GERADORAS DE SATISFAÇÃO E AUTOESTIMA

Pacientes satisfeitos e seguros são mais propensos a manter-se aderido ao tratamento, relatando melhores resultados tanto na parte física como mental e, assim, discorrem sobre ganho de qualidade de vida. A satisfação pode ser influenciada por vários fatores, incluindo a comunicação eficaz com os profissionais de saúde; com o sentir-se respeitado, apoiado e compreendido; pelo acesso a tratamentos e recursos adequados e com o envolvimento no processo de tomada de decisão. E assim se expressaram os pacientes em seus depoimentos:

“…Pode ser diferente?! Eu acho maravilhoso o programa, a proposta de  aprender mais sobre dor crônica e, além disto estar entre pessoas que nos apoiam, nos esclarecem e que nos ajudam faz toda a diferença. Eu o indicaria sim para muitas pessoas. Estou muito satisfeito.” P2

“… Sim, eu aprendo muito e estou muito satisfeito. Que os ensinamentos possam ser ampliados para outros pacientes também, pois tem muita gente precisando, entendeu?” P3

“Sim, sim… Outras pessoas precisam dessa experiência de receber e dividir conhecimentos. Já falei pra minha amiga para vir conhecer o Programa e tudo que ele ensina, pois ao conhecer mais diminuímos nossos medos.” P19

“Eu indicaria para muitos outros pacientes este espaço onde cada vez mais aprendo, sinto-me satisfeita e mais segura.. Muito, muito positiva minha experiência, tá valendo a pena.” P20

Programas multiprofissionais que trabalham na perspetiva interdisciplinar para a autogestão e melhor manejo da dor crônica, onde estão incluídas estratégias de aumento da LS, têm demonstrado melhorar em muito a satisfação de cada um dos pacientes. Pode-se listar diferentes motivos pelos quais os pacientes podem ficar satisfeitos com esses espaços que tem como um de seus propósitos o aumento da LS: a atenção abrangente que recebem; o facilitado acesso à equipe multiprofissional; a redução da ansiedade e da depressão; e a melhora da função física e do empoderamento cognitivo do paciente. Ou seja, através da ampliação dos conhecimentos há expressivo ganho de qualidade de vida (Lewis, Bean, 2021).

A literacia em saúde capacita os pacientes a entenderem e gerenciarem sua condição, o que pode levar a uma co-responsabilização, maior sensação de controle e aumento da satisfação. Aprender a autogerir a sua  dor exige apoio contínuo por parte dos profissionais de saúde ou dos círculos/redes sociais. Para ajudar ainda mais no processo de autogestão, os profissionais podem melhorar a autoeficácia através do aumento do conhecimento do paciente sobre a dor crônica, utilizando o estabelecimento de metas e encontrando maneiras de um indivíduo ter acesso ao apoio contínuo, seja do profissional ou através de programas de grupo (Spink, Wagner, Orrock, 2021).

A autogestão da dor, faz parte de uma abordagem biopsicossocial com o objetivo de mudar crenças que podem perpetuar a dor. A autogestão é introduzida por profissionais de saúde ou programas de gestão da dor, utilizando intervenções de autogestão o que inclui, dentre outras estratégias, o aumento da literacia em saúde, pois para assumir um papel ativo na autogestão há necessidade do aumento da compreensão sobre processos determinantes da dor crônica, como mecanismos, fatores exacerbantes e elementos psicossociais, além da utilização do tratamento farmacológico e não farmacológico (Kim et al., 2022).

Mediante o resultado apresentado de 100% de satisfação dos pacientes, podemos inferir que o movimento de integrar estratégias para o aumento da literacia em saúde em programas multidisciplinares para dor crônica, contribui com melhores resultados de saúde; maior satisfação do paciente; redução dos custos de saúde: melhor qualidade de vida, assim como pode contribuir para a redução do uso de opioides, pois a literacia em saúde pode capacitar os pacientes a usar opioides com segurança e eficácia, reduzindo o risco de uso indevido e dependência. Desse modo, implementar feedback com os pacientes para avaliar seus conhecimentos ajuda a melhorar continuamente a experiência do mesmo, contribuindo para a personalização do atendimento.

Investir em programas de literacia em saúde para pacientes com dor crônica em uso prolongado de opioides é um investimento bastante seguro para o futuro desses pacientes, e para as políticas públicas. Ao fornecer-lhes as ferramentas cognitivas e o apoio necessários, estamos contribuindo para que os mesmos vivam suas vidas de forma mais saudável, com maior qualidade de vida, além de contribuir para a redução dos gastos com serviços de saúde.

4. CONCLUSÃO

As intervenções baseadas em literacia em saúde (LS) demonstraram eficácia na promoção da autogestão da dor crônica entre pacientes em uso prolongado de opioides. Os depoimentos dos participantes revelam uma alta taxa de satisfação, destacando o valor percebido dessas intervenções.

Ao desvelar as experiências e opiniões dos pacientes sobre o conhecimento adquirido por meio do Programa, buscou-se elencar os pontos fortes e as áreas passíveis de melhoria nestas ações, as quais contribuíram para o refinamento de intervenções já realizadas, tornando-as mais eficazes.

O objetivo destas ações multidisciplinares de ampliação do conhecimento dos pacientes vai além do saber manejar a dor crônica em si, mas ajuda os pacientes a otimizarem o funcionamento da vida diária, aumentando o bem-estar social, físico e psicológico.

O aumento do conhecimento e das habilidades dos pacientes, conforme evidenciado pelo bom aprendizado, contribuiu de forma a capacitá-los a tomar decisões informadas sobre seu tratamento e a adotarem estratégias eficazes de autocuidado. Isso foi gerador de uma maior sensação de segurança e de controle sobre sua condição de saúde.

Ao melhorar e/ou ampliar a literacia em saúde dos pacientes, evidenciou-se que a mesma produziu empoderamento dos mesmos, tornando-os parceiros ativos de seus cuidados. Assim, relatam estes pacientes em seus depoimentos, que se sentiram capazes de se comunicar efetivamente com os profissionais de saúde, participando de decisões referentes ao seu tratamento, assim como sobre o gerenciamento, mais eficaz, de sua dor.

Por fim evidenciou-se, ainda, que os pacientes experimentam maior satisfação, melhor qualidade de vida e resultados de saúde aprimorados. Esta intervenção educativa tem o potencial de reorientar a vida dos pacientes com dor crônica em uso prolongado de opioides, fornecendo-lhes as ferramentas e o apoio necessário para gerenciar sua condição de saúde de forma eficaz e viver vidas plenas e satisfatórias.

A promoção da literacia em saúde para autogestão da dor crônica em pacientes em uso prolongado de opioides tem implicações significativas para a sociedade, profissionais e sistemas de saúde. Desse modo, investir na promoção da literacia em saúde é essencial e imprescindível para melhorar os resultados de saúde, reduzindo custos e criando uma vida mais saudável e uma sociedade mais produtiva.

REFERÊNCIAS

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NOTA

Nosso relatório identificou a presença de inteligência artificial para correção gramatical e ortográfica. No entanto, os autores informaram que não a utilizaram. Os autores se responsabilizam pelo material.

[1] Enfermeira líder na Clínica da Dor do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia. Doutoranda do Programa Acadêmico em Ciências do Cuidado em Saúde da UFF; Mestrado Profissional em Ensino na Saúde pela UFF; Especialização em Qualidade em Saúde: Gestão e Acreditação, pela PUC/RJ; Certificação em Liderança de Inovação pela STARTSE University, em parceria com a Tel Aviv University; Graduada em enfermagem pela Universidade Federal Fluminense (UFF). ORCID:  0000-0001-6606-8938. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7885384530021011.

[2] Orientadora. Professora Titular da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa da Universidade Federal Fluminense. Pós-Doutorado em Saúde Pública / UERJ / ESEnfC- Coimbra-Portugal; Doutorado em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (FCM-UNICAMP); Gerontologia Interdisciplinar; Mestrado em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Especialização em Metodologia do Ensino Superior; Administração de Serviços de Enfermagem; Graduação em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Federal do Espírito Santo. ORCID: ORCID: 0000-0001-6249-0808. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6800822152435035.

[3] Coorientadora. Doutor em Ciências da Saúde pela Escola de Enfermagem da USP. ORCID: 0000-0003-3052-158X. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2265220151524135.

[4] Doutora em Ciências do Cuidado em Saúde. ORCID: 0000-0002-9763-8291. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7421580619108901.

[5] Mestrado. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4501-6669. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7300404201270143.

[6] Especialização. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7012-7291. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6268558688194374.

[7] Graduação em Enfermagem. ORCID: https://orcid.org/0009-0007-2067-1636. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7926720679377637.

[8] Biomédica, Doutora em Doenças Tropicais, Professora e pesquisadora do Curso de Medicina do Campus Macapá, Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), e do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde (PPGCS UNIFAP), Pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPESPG) da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). ORCID: 0000-0001-5128-8903. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/9314252766209613.

[9] Doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Doutorado em Psicologia e Psicanálise Clínica. Mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestrado em Psicanálise Clínica. Graduação em Ciências Biológicas. Graduação em Teologia. Atua há mais de 15 anos com Metodologia Científica (Método de Pesquisa) na Orientação de Produção Científica de Mestrandos e Doutorandos. Especialista em Pesquisas de Mercado e Pesquisas voltadas a área da Saúde. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2952-4337. Lattes: https://lattes.cnpq.br/2008995647080248.

[10] Biólogo, Doutor em Teoria e Pesquisa do Comportamento, Professor e pesquisador do do Instituto de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Amapá (IFAP), do Programa de Pós Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT IFAP) e do Programa de Pós Graduação em Biodiversidade e Biotecnologia da Rede BIONORTE (PPG-BIONORTE), polo Amapá. ORCID: 0000-0003-0840-6307. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/8303202339219096.

Material recebido: 28 de junho de 2024.

Material aprovado pelos pares: 29 de julho de 2024.

Material editado aprovado pelos autores: 14 de novembro de 2024.

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Maria Fernanda Muniz Ferrari

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