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Eutanásia e suicídio assistido pelo ponto de vista do estudante de medicina

RC: 134959
492
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/eutanasia-e-suicidio

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

MIYAKE, Guilherme Yuji [1], MATIDA, Giuliana Tortolio [2], OTUBO, Ugo Hoshino [3], SEGAWA, Rafael Seiji [4], MATUZAKI, Renata Yuri Froes [5], HERZER, Ana Beatriz Lemes [6], JÚDICE, Wagner Alves de Souza [7], CINTRA, Raquel Barbosa [8]

MIYAKE, Guilherme Yuji. et al. Eutanásia e suicídio assistido pelo ponto de vista do estudante de medicina. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 12, Vol. 04, pp. 52-69. Dezembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/eutanasia-e-suicidio, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/eutanasia-e-suicidio

RESUMO 

Objetivo: O estudo teve como objetivo geral avaliar o ponto de vista do estudante de medicina sobre a eutanásia e suicídio assistido. Pergunta problema: Para tanto, buscamos responder as indagações: qual a opinião e atitude dos acadêmicos de medicina sobre a eutanásia e o suicídio assistido; mensurar a frequência de estudantes a favor ou contra a eutanásia e/ou ao suicídio assistido; verificar a interferência de crenças religiosas na formação da opinião do indivíduo e comparar as posições dos indivíduos em relação a eutanásia e o suicídio assistido entre os diferentes anos de graduação do estudante. Metodologia: Nesse sentido, o estudo teve um caráter analítico e transversal, com abordagem quantitativa por meio da aplicação de um questionário de 22 perguntas. Foram abordados 145 acadêmicos de medicina do primeiro ao 4 ano. Resultados: Verificamos que, 77,9% eram favoráveis à realização da eutanásia e 66,2% ao suicídio assistido. No entanto, observou-se uma inversão significativa de concordância ao decorrer do período em que se encontrava na graduação. Observamos que estudantes dos anos mais avançados apresentaram menor aceitação da eutanásia e do suicídio assistido. Conclusão: Conclui-se assim que os estudantes no começo do curso de medicina tinham uma maior aceitação das práticas de eutanásia e suicídio assistido, porém ao decorrer do curso notou-se uma inversão desse posicionamento. Uma possível justificativa de mudança de opinião é o fato dos estudantes terem mais contato com os pacientes. Além disso, a partir dos dados analisados, não se pôde estabelecer associação com a crença religiosa e as práticas de eutanásia e suicídio assistido.

Palavras-chave: Eutanásia, Suicídio assistido, Estudante de medicina, Bioética.

1. INTRODUÇÃO

A etimologia da palavra eutanásia vem do grego “eu” que significa bom e verdadeiro, e “thanatos” que significa morte. Portanto, eutanásia corresponde a morte sem dor, abreviando a vida de pacientes com doenças incapacitantes ou degenerativas (OLIVEIRA, 2017). Nesse sentido, o suicídio assistido consiste em práticas realizadas para abreviar a vida de pacientes que estão em sofrimento insuportável e sem perspectiva de melhora. Elas encontram sua base no princípio bioético da autonomia, segundo o qual o paciente tem o direito de decidir quando e onde morrer, e esse ato também pode diminuir seu sofrimento durante o processo de morte (BRANDALISE et al., 2018). Quanto ao consentimento do enfermo, eutanásia pode ser classificada em não voluntária e voluntária, sendo que a primeira acontece sem que se conheça a vontade do paciente, e a segunda em resposta à vontade expressa do doente. A última difere-se do suicídio assistido, uma vez que é executada por médico, enquanto no suicídio assistido o paciente executa a ação final (CASTRO et al., 2016). O estudante de medicina está muito envolvido nesse contexto, visto que, além de reproduzir condutas e conceitos morais de seus professores e preceptores, também construirá valores morais e éticos a partir daquilo que traz da sua história e formação, e a partir daí edificar a sua identidade profissional (MARCHI; HOSSNE, 2012).

A literatura científica, em relação à percepção dos estudantes brasileiros de medicina acerca da eutanásia e do suicídio assistido, apresenta-se escassa. Isto se deve à proibição destes atos no Brasil e aos tabus existentes sobre a morte, visto que a cultura do país faz com que a sociedade não a encare como um processo natural e inevitável, mas sim, com repulsa e medo (RODRIGUES, 2018).  Porém, a eutanásia e o suicídio assistido são temas cada vez mais crescentes, pois há uma tendência de maior aceitação dessas práticas (COHEN et al.,  2012) e (RODRÍGUEZ-CALVO et al., 2019),  visto que há um aumento do número de países que estão legalizando essas práticas nos últimos anos (COHEN et al., 2012) e (RODRÍGUEZ-CALVO et al., 2019), além de ser importante no meio acadêmico para fins de amadurecimento e desenvolvimento de consciência, não somente referente a esse tema, mas de outros temas problemáticos (GONÇALVES; FERNANDES; NEUBAUER, 2015).

Diante desse tema, é possível observar que ele remete não apenas ao conceito de vida e morte, mas também aos direitos humanos e à empatia, já que a eutanásia e o suicídio assistido são práticas que devem ser avaliadas com extrema cautela e de forma individual, pois, de um lado tem-se a profunda convicção de não matar, e do outro a de não insistir na agonia e no sofrimento, apenas adiando a morte daquele indivíduo por egoísmo próprio. Isso acontece, pois, um dos maiores problemas relacionados à aceitação da morte no Brasil é graças à cultura ocidental, que faz com que a sociedade não encara a morte como algo natural e inevitável, e sim com medo e abominação (RODRIGUES, 2018).

O presente estudo teve como objetivos: (1) avaliar a opinião e atitudes dos acadêmicos de medicina sobre a eutanásia e o suicídio assistido; (2) analisar a frequência de estudantes a favor e contra a eutanásia e/ou ao suicídio assistido; (3) verificar a interferência de crenças religiosas na formação da opinião do indivíduo; (4) comparar as posições dos indivíduos em relação a eutanásia e o suicídio assistido.

2. METODOLOGIA

Trata-se de um estudo analítico e transversal, com abordagem quantitativa. Para o presente estudo, a amostra foi constituída de acadêmicos do curso de medicina da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) através da aplicação de questionário, sendo as respostas coletadas em 2021.

Com o objetivo de obter um nível de confiança de 95% com uma margem de erro amostral de 5%, foram aceitas as respostas de todos os participantes, considerando uma amostra de 145 estudantes de um total de 360 alunos de medicina das turmas do 1º ao 4 º ano da UMC, com 40 alunos de cada turma de um total de 90 por turma. Ademais, não foram selecionados randomicamente os 40 alunos de cada turma, mas foram aceitos os primeiros 40 que responderam o questionário, após esse número, o questionário foi encerrado para a determinada turma.

Como critério de inclusão, foram escolhidos indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos, sendo esses obrigatoriamente acadêmicos do curso de medicina matriculados na UMC e que aceitaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos os participantes que não aceitaram o TCLE, além dos que abandonaram a pesquisa por desconforto e/ou que não responderam a pesquisa até o final do questionário.

Foi utilizado um questionário de caráter voluntário, que foi distribuído pela internet por meio da plataforma Google Forms. O questionário foi composto der 22 perguntas acerca da opinião de cada participante sobre suicídio assistido e eutanásia, sendo constituído de 6 questões sociodemográficas, 7 questões adaptadas do estudo “Suicídio assistido e eutanásia na perspectiva de profissionais e acadêmicos de um hospital universitário”  (BRANDALISE et al. 2018) e 9 questões adaptadas do estudo “Atitudes em relação a eutanásia e suicídio medicamente assistido em estudantes universitários espanhóis” (RODRÍGUEZ-CALVO et al., 2019).

Utilizou-se o programa Microsoft Excel 2019 para tabulação e análise dos dados, sendo ela conduzida de forma descritiva estabelecendo as frequências centrais e as medidas de dispersão. Foi realizado o teste de Kruskal-Wallis e o Qui-quadrado ambos com nível de significância de 95%.

As perguntas 3 até a 15 (escala Likert) foram analisadas individualmente por meio do teste de Kruskal-Wallis comparando-se as contagens de entrevistados para cada variável independente (período e religião). Quanto à estatística descritiva, por se tratar de dados que obedecem a escala Likert, esses foram apresentados em forma de Moda, indicando a resposta de maior número de observações. Foi assumido valor de p menor ou igual a 0,05 para indicação de ocorrência de relação bem como diferenças nos valores de contagem de entrevistados entre níveis das variáveis independentes. Os participantes foram divididos em 4 grupos, de acordo com a sua turma, do primeiro ao quarto ano do curso de medicina.

A análise e a discussão dos dados coletados foram realizadas dividindo as questões em dois grupos sendo um que tratava do conhecimento das leis e outro da opinião dos estudantes sobre o tema.

O estudo foi avaliado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade de Mogi das Cruzes sob protocolo CAAE número 40375020.5.0000.5497 obtendo parecer de aprovação número 4.615.423.

3. RESULTADOS

O grupo amostral foi constituído de 145 estudantes de medicina, sendo 75,17% mulheres e 24,13% homens. Foram questionados 40 estudantes de cada ano do 1º ao 3º ano, totalizando 120 alunos. Para o 4° foram entrevistados 25 alunos (FIGURA 1).

Figura 1) Distribuição dos alunos por gênero e ano letivo

Distribuição dos alunos por gênero e ano letivo.
Fonte: autores.

A partir dos testes Kruskal-Wallis (KW test) e Qui-quadrado, verificamos que o nível de conhecimento sobre eutanásia ou suicídio assistido não variou entre os anos de graduação sendo valores de p de 0,8609 e 0.6766, respectivamente. Além disso, a religião declarada não foi um fator preponderante para o conhecimento sobre eutanásia ou suicídio assistido, obtendo-se valores de p de 0,2524 e 0,1479, respectivamente (TABELA 1).

Tabela 1) Avaliação do conhecimento sobre eutanásia e suicídio assistido em função do ano letivo do participante

  Resp. Período p-valor*
1º ano 2º ano 3º ano 4º ano KW test χ2
Conhecimento Eutanásia Não 1 1 1 0 0,8609 1
Sim 29 34 34 24
  Resp. Período p-valor
1º ano 2º ano 3º ano 4º ano KW test χ2
Conhecimento Suicídio Assistido Não 6 10 8 8 0,6766 0,6849
Sim 24 25 27 16

 Análise de contingência (frequência observada de cada resposta) e estatística associada a cada um dos testes, Kruskal-Wallis (KW test) e Qui-quadrado (χ2) com nível de significância de 95%. Fonte: autores.

Tabela 2) Avaliação do conhecimento sobre eutanásia e suicídio assistido em função da religião declarada pelo participante

  Religião p-valor
Agnóstico/ateu Católica Espírita Protestante/evangélico KW test χ2
Conhecimento Eutanásia 0 3 0 0 0,2524 0,3051
27 50 23 21
  Religião p-valor
Agnóstico/ateu Católica Espírita Protestante/evangélico KW test χ2
Conhecimento Suicídio Assistido 3 15 9 5 0,1479 0,1462
24 38 14 16

Análise de contingência (frequência observada de cada resposta) e estatística associada a cada um dos testes, Kruskal-Wallis (KW test) e Qui-quadrado (χ2) com nível de significância de 95%. Fonte: autores.

A partir das análises de contingência, verificou-se a presença de outliers, não detectando dados discrepantes que pudessem tendenciar a análise estatística, assim, os entrevistados que não responderam quaisquer perguntas por não se sentirem à vontade foram excluídos da análise. Dessa forma, foram excluídas as respostas dos participantes que não se sentiram à vontade em responder as perguntas que constituíram as Tabelas 1 e 2. Analisando os resultados, observou-se que não havia correlação entre o ano letivo (Tabela 1) ou religião (Tabela 2) com o conhecimento sobre eutanásia e suicídio assistido.

De acordo com a FIGURA 2, observamos que o conhecimento prévio sobre o conceito de eutanásia foi maior (97,5%) do que em relação ao conceito de suicídio assistido (74,19%).

Figura 2) Porcentagem dos alunos que possuíam conhecimento prévio dos conceitos de eutanásia e suicídio assistido

Porcentagem dos alunos que possuíam conhecimento prévio dos conceitos de eutanásia e suicídio assistido
Fonte: autores.

Observamos que, independentemente da religião declarada pelo participante, o conhecimento prévio sobre eutanásia foi maior (média de 98,58%) do que o conhecimento prévio sobre suicídio assistido (média de 80,07%).

Figura 3) Relação entre religião e conhecimento dos conceitos de eutanásia e suicídio assistido

Relação entre religião e conhecimento dos conceitos de eutanásia e suicídio assistido
Fonte: autores.

Ao se analisar a concordância pelos alunos sobre as leis atuais no país que proíbem a prática de eutanásia e suicídio assistido observamos uma inversão significativa de comportamento no decorrer dos anos da graduação, uma vez que o valor de p obtido foi de 0,0037 (FIGURA 4). Verificamos que, no início do curso, a maior parte dos entrevistados respondeu majoritariamente a alternativa que “Concordavam Parcialmente” em relação as Leis que proibiam a eutanásia e o suicídio assistido. Com o decorrer do curso, percebeu-se um declínio no número de alunos que responderam “Concordavam Parcialmente” com a proibição e um aumento dos que responderam “Discordo totalmente” com a proibição. Analisando-se os dados relativo ao quarto ano, a frequência observada para a resposta “Concordo Parcialmente” foi muito menor que a esperada, temos o círculo de diâmetro maior em vermelho, -2,2 a maior diferença negativa, enquanto em “Discordo totalmente” o número observado é muito maior do que o esperado. Dessa forma, verificamos uma correlação negativa entre “Concordo parcialmente” e o quarto ano (linha x coluna), e uma correlação positiva entre “Discordo totalmente” e quarto ano. Por outro lado, verificou-se correlação positiva entre “Concordo parcialmente” e o primeiro ano, e uma correlação negativa entre “Discordo totalmente” e primeiro ano, o que denota a inversão de opinião do aluno em função do ano do curso.

Figura 4) Correlograma de avaliação da relação entre a opinião dos discentes de Medicina ao longo do curso sobre ​as leis do Código Penal Brasileiro que proíbem a prática da eutanásia e do suicídio assistido

 

Correlograma de avaliação da relação entre a opinião dos discentes de Medicina ao longo do curso sobre as leis do Código Penal Brasileiro
Fonte: autores.

Os valores apresentados representam a diferença entre o valor observado (FO) e o esperado (FE), que são os valores de frequência utilizados no teste Qui-Quadrado. A barra ao lado correlaciona esses dados, variando de 3.38 até -2.2, ou seja, a maior diferença positiva, azul entre FO e FE, é de 3.38. Azul indica valor positivo, FO>FE, ou seja, o valor observado a partir das respostas dos estudantes foi maior do que o valor esperado pelo teste, assim, quanto mais forte for a cor azul, expressa quantitativamente pela barra lateral, mais positiva é a relação entre o observado e o esperado. Da mesma forma, vermelho representa um valor negativo em que FO<FE. O diâmetro do círculo é diretamente proporcional à magnitude do valor. Quanto mais azul e maior o diâmetro do círculo, maior é a magnitude da parcela de respostas de observados perante o esperado. Em resumo, os Resíduos positivos estão em azul e sinalizam uma associação positiva entre linha e coluna. Resíduos negativos estão em vermelho e sinalizam uma associação negativa entre linha e coluna.

Na Figura 5, observa-se que a maioria dos alunos se submeteriam aos procedimentos de eutanásia (64,83%) e de suicídio assistido (53,79%) caso tivessem uma doença terminal na qual estivesse sofrendo. Quando o papel é invertido e os alunos estão na situação de médico atendendo a pacientes com doença terminal na qual estivessem sofrendo, a aceitação de realizar os procedimentos de suicídio assistido e eutanásia foram maiores, sendo 62,07%, 64,14%, respectivamente. No entanto, ainda nesse contexto, apenas para o suicídio assistido o 4° ano apresentou um posicionamento desfavorável, sendo que 40% dos alunos dessa turma não forneceriam ao paciente os medicamentos para o suicídio assistido.

Figura 5) Atitudes que os estudantes tomariam em situações hipotéticas em relação a eutanásia e o suicídio assistido

Atitudes que os estudantes tomariam em situações hipotéticas em relação a eutanásia e o suicídio assistido
Fonte: autores.

A) Se uma lei que permitisse o suicídio assistido fosse aprovada no Brasil, e se você fosse portador de uma doença terminal, em que estivesse sofrendo fisicamente ou psicologicamente, você cometeria o suicídio assistido? B) Se uma lei que permitisse a eutanásia fosse aprovada no Brasil, e se você fosse portador de uma doença terminal, em que estivesse sofrendo fisicamente ou psicologicamente, você solicitaria a eutanásia? C) Se uma lei que permitisse o suicídio assistido fosse aprovada no Brasil, você forneceria os medicamentos para um paciente cometer o suicídio assistido? D) Se uma lei que permitisse a eutanásia fosse aprovada no Brasil, você aplicaria os medicamentos para acelerar a morte de um paciente?

Na figura 6, analisamos as respostas dos estudantes sobre a legalização da prática do suicídio assistido e da eutanásia e acerca da autonomia sobre a própria morte. Observamos que há uma concordância no que diz respeito a legalização das práticas de eutanásia e o suicídio assistido, sendo que 80% dos estudantes eram a favor da legalização da eutanásia e 71,03% a favor da legalização do suicídio assistido. Em relação ao questionamento da autonomia sobre a própria morte, verificamos que 84,83% dos estudantes optariam pela preservação da autonomia do paciente, deixando-o decidir livremente sobre sua própria morte.

Figura 6) Opiniões dos estudantes de medicina acerca da legalização da prática da eutanásia e suicídio assistido e autonomia sobre a própria morte

Opiniões dos estudantes de medicina acerca da legalização da prática da eutanásia e suicídio assistido e autonomia sobre a própria morte
Fonte: autores.

4. DISCUSSÃO

Segundo Brandalise et al. (2018), no setor da saúde, os cuidados estão em um longo processo de humanização principalmente no que tange a dor e sofrimento dos vulneráveis que se encontram no final de suas vidas, assim, o atual estudo verificou as opiniões e atitudes de estudantes de Medicina em relação a eutanásia e suicídio assistido.

De acordo com a nossa análise, a maioria dos estudantes já tinham conhecimento do que era a eutanásia (p=0,8609) e suicídio assistido (p=0,6766) antes de responderem esse estudo. Isto provavelmente se deve ao fato de matérias como Bioética, Medicina Legal e Ética Médica estarem inclusas no currículo destes alunos desde o 1º ano de graduação. Porém, em uma questão sobre o conhecimento da atual da lei que aborda esses procedimentos, nem todos mostraram ciência sobre o tema, sendo que apenas 12,41% tinham total conhecimento e 24,13% não possuíam noção alguma. Esta lei, constatada no Artigo 121 do Código Penal, pune a prática da eutanásia, quer seja ativa quanto passiva (BRASIL, 1940). Assim, denota-se que apesar desses estudantes apresentarem ciência dos conceitos questionados, poucos foram aqueles que mostraram conhecimento sobre a atual legislação brasileira pertinente ao tema de estudo.

Sobre situações hipotéticas, os estudantes tiveram uma posição favorável quando foram questionados se caso uma lei que permitisse o suicídio assistido fosse aprovada no Brasil e fossem portadores de uma doença terminal, em que estivesse sofrendo fisicamente ou psicologicamente, cometeriam o suicídio assistido. Contudo, quando ocorre a inversão de papéis médico-paciente, quando se colocam no papel do médico oferecendo a possibilidade do suicídio assistido para seu paciente, observa-se um crescimento na parcela favorável.

Em situação hipotética em que o participante se considera paciente ou profissional médico com quadro de doença terminal solicitante de eutanásia ou suicídio assistido, verificamos pequena diferença dentre as duas situações. Sendo paciente 64,83% solicitariam eutanásia ou suicídio assistido, sendo médico 64,14% fariam essa opção, estando com doença terminal. Diante desse prisma, percebe-se que, em uma mesma cena, quando os papéis de médico e paciente se invertem, as porcentagens apresentam uma variação muito pequena de 0,69%, o que implica dizer que provavelmente o médico faria pelo seu paciente o que gostaria que fizessem por si, considerando as circunstâncias de suicídio assistido e eutanásia.

Ao serem questionados sobre os pacientes poderem decidir livremente sobre sua morte, os estudantes apresentaram maior aceitação para essa autonomia, demonstrando novamente que as escolhas do paciente devem ser respeitadas. Nesse sentido, em um estudo belga, verificou-se que 90,4% dos médicos concordaram com a prática da eutanásia (BRANDALISE et al. 2018). O estudo de Rodríguez-Calvo et al. (2019), mostrou que os estudantes de medicina, em sua maioria, consideram a autonomia do paciente superior à vida. Segundo Junqueira (2012), a autonomia é a capacidade que cada pessoa tem de gerenciar sua própria vontade e só se torna possível quando é dado ao paciente a liberdade de decidir, sem pressões externas que limitem seu veredito.

Quando os alunos foram questionados sobre o médico ajudar alguém a morrer, se assim for solicitado, observou-se que 64,14% concordam com essa prática e a fariam caso um paciente com doença terminal solicitasse, e quando questionados sobre a legalização da eutanásia 80% foram a favor. Esses resultados estão em concordância com dados de outros países nos quais há maior taxa de aceitação de criação de leis mais favoráveis à autonomia de escolha pessoal sobre a própria morte, seja ela por meio da eutanásia ou suicídio assistido (BRANDALISE et al. 2018).

O presente estudo encontrou respostas favoráveis para as práticas do suicídio assistido e eutanásia. Assim, quando comparamos com universitários de medicina de outros países como Espanha temos os seguintes resultados positivos: 75% têm uma atitude de aceitação em relação a eutanásia e 54% em relação ao suicídio assistido (RODRÍGUEZ-CALVO et al., 2019). Os estudantes mexicanos apresentaram um posicionamento favorável (52%) para o suicídio assistido (LORIA et al., 2013) e nos EUA, estudantes de medicina, profissionais da saúde e cuidadores apresentaram um posicionamento favorável (77%) sobre a eutanásia (CARALIS; HAMMOND, 1992). Dessa forma, é possível supor que não importa o país, as opiniões dos estudantes permanecem similarmente positivas em relação às práticas de suicídio assistido e eutanásia. Entretanto, foi observado no presente estudo que 11,03% dos estudantes discordam da legalização da eutanásia e 14,48% do suicídio assistido por médico. Esse fato, provavelmente está relacionado ao juramento que realizam ao se formarem médicos, o qual diz ser um dever do médico ficar longe de toda e qualquer ação que venha a pôr fim à vida humana. Por outro lado, os que são favoráveis, provavelmente têm o desejo de acabar com o sofrimento do paciente, já que este não conseguiria mais viver dignamente (GONÇALVES; FERNANDES; NEUBAUER, 2015).

Em relação a legalização da prática da eutanásia e do suicídio assistido, a maioria dos estudantes mostrou-se favorável. Esses dados demonstram uma certa concordância com uma pesquisa realizada com acadêmicos da área da saúde em que 83,7% dos estudantes eram favoráveis a legalização da eutanásia e 56,1% deles concordavam com a legalização do suicídio assistido (BRANDALISE et al. 2018).

O presente estudo mostrou um posicionamento mais favorável dos estudantes mediante a prática da Eutanásia (64,14%), quando comparado ao suicídio assistido por médicos (62,07%). Essa proporção evidenciada nos resultados se assemelha com a pesquisa feita com estudantes universitários espanhóis, na qual 75% dos discentes apresentaram uma atitude positiva quanto a eutanásia, enquanto 54% se posicionaram favoráveis ao suicídio assistido. (RODRÍGUEZ-CALVO et al., 2019). Verificou-se que a eutanásia tem uma aceitação mais prevalente que o suicídio assistido, mesmo que grande parte dos estudantes concordem que as pessoas deveriam poder decidir livremente sobre suas próprias mortes. Ou seja, seria o direito de escolher livremente sobre sua própria morte aceito desde que não seja um suicídio? Talvez pelo fato da palavra “eutanásia” ser mais comumente encontrada no vocabulário das pessoas e por remeter a ideia de “tirar o sofrimento”, já que é uma prática comum com animais de estimação, comparada a palavra “suicídio”, que para muitos significa algo negativo, mesmo que tanto a eutanásia quanto o suicídio assistido por médico tenham o mesmo objetivo de livrar o paciente do sofrimento, a eutanásia seja mais aceita pela população

Quando analisamos as respostas dos estudantes de modo conjunto, a grande maioria mostrou um posicionamento favorável para a eutanásia e para o suicídio assistido. No entanto, ao analisarmos os estudantes por ano de graduação, foi observado uma inversão significativa (p=0,0037) de aceitação dessas práticas conforme os alunos avançavam do ciclo básico para o ciclo clínico do curso de medicina. Ao supor que leis que aprovassem tanto a eutanásia quanto o suicido assistido, os estudantes do 4° ano mostraram um posicionamento contrário a essas suposições. Esses dados observados são contrários a estudos similares (CARALIS; HAMMOND, 1992; LORIA et al., 2013; RODRÍGUEZ-CALVO et al., 2019) nos quais os estudantes não mostram esse declínio de aceitação. Uma possível explicação para essa observação é o fato dos alunos que estão no ciclo básico não terem muito contato com os pacientes, diferentemente dos alunos que estão no ciclo clínico. Dessa forma, os alunos do ciclo básico não possuem a experiência de acolhimento e empatia pelos pacientes, portanto, buscam soluções consideradas mais simples para acabar com os problemas de saúde do paciente, ao invés de procurarem um tratamento mais complexo, como acompanhamento psicológico e um tratamento paliativo para dor do paciente.

Sobre o conhecimento prévio de eutanásia e o suicídio assistido, o presente estudo mostrou que de uma forma geral os estudantes conhecem mais sobre a prática da eutanásia, que foi um dado inesperado tendo em vista que se esperava que os alunos fossem mais familiarizados ao suicídio assistido, considerando até mesmo o contexto religioso e partindo do pressuposto que é socialmente mais aceitável a ideia de guiar e auxiliar um paciente ao suicídio assistido do que o próprio profissional promover a eutanásia do paciente (CARALIS; HAMMOND, 1992; LORIA et al., 2013; RODRÍGUEZ-CALVO et al., 2019).

5. CONCLUSÃO

O presente estudo possibilitou uma análise comparativa entre a opinião e atitudes dos estudantes de medicina de diferentes períodos do curso sobre a eutanásia e o suicídio assistido, sendo que a maior parte desses acadêmicos já possuíam conhecimento prévio sobre o assunto. No entanto, poucos apresentaram pleno conhecimento das leis atuais em relação à eutanásia e o suicídio assistido no Brasil.

Os resultados mostraram que a maioria dos entrevistados possuem um posicionamento favorável à eutanásia e ao suicídio assistido, sendo que houve uma maior aceitação dessas práticas pelos participantes que estavam no começo do curso de medicina, ocorrendo uma inversão desta concordância por parte dos alunos que estavam nos estágios finais do curso e que possuíam mais contato com os pacientes. Já em relação a crença religiosa dos estudantes, não foi possível estabelecer nenhuma associação com a opinião sobre a eutanásia ou o suicídio assistido.

Por fim, tendo em vista a escassa abordagem do assunto na literatura vigente por diversos motivos, como o tabu da morte e a negação durante o processo de morrer na nossa sociedade, que não encara a morte como um processo natural, e pela proibição da eutanásia e do suicídio assistido no Brasil, observa-se que a comunidade acaba não procurando se atualizar sobre estes assuntos, principalmente sobre as leis atuais. Entretanto, percebe-se uma maior aceitação dessas práticas, principalmente pelos estudantes de medicina, que vem praticando uma abordagem mais humanizada do paciente em sua formação acadêmica.

REFERÊNCIAS

BRANDALISE, Vitor Bastos; et al. Suicídio assistido e eutanásia na perspectiva de profissionais e acadêmicos de um hospital universitário. Rev Bioét; 2018, v. 26, n. 2, pp. 217-227. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1983-80422018262242>

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.

CARALIS, Panagiota V.; HAMMOND, Jeffrey S. Attitudes of medical students, housestaff, and faculty physicians toward euthanasia and termination of life-sustaining treatment. Crit Care Med, 1992; v. 20, n. 5, pp. 683-690. Ovid Technologies (Wolters Kluwer Health). Disponível em: <10.1097/00003246-199205000-00023>

CASTRO, Mariana Parreiras Reis de; et al. Eutanásia e suicídio assistido em países ocidentais: revisão sistemática. Rev Bioét 2016; v. 24, n. 2, pp. 355-367.

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[1] Discente da Faculdade de Medicina da Universidade Mogi das Cruzes. ORCID: 0000-0001-5118-8734.

[2] Discente da Faculdade de Medicina da Universidade Mogi das Cruzes. ORCID: 0000-0002-6219-8898.

[3] Discente da Faculdade de Medicina da Universidade Mogi das Cruzes. ORCID: 0000-0002-5345-4319.

[4] Discente da Faculdade de Medicina da Universidade Mogi das Cruzes. ORCID: 0000-0001-6449-1492.

[5] Discente da Faculdade de Medicina da Universidade Mogi das Cruzes. ORCID: 0000-0001-7269-5073.

[6] Discente da Faculdade de Medicina da Universidade Mogi das Cruzes. ORCID: 0000-0002-8484-0474.

[7] Doutor em Biologia Molecular. ORCID: 0000-0002-1608-9105.

[8] Orientadora. ORCID: 0000-0001-9838-1312.

Enviado: Novembro, 2022.

Aprovado: Dezembro, 2022.

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Guilherme Yuji Miyake

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