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A importância do diagnóstico de lesões sexualmente transmissíveis em crianças pelo cirurgião dentista

RC: 103429
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CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

BORELLA, Tainá Zechinato [1], COSTA, Julia Elias [2], SILVA, Mestre Luís Eduardo Teixeira da [3]

BORELLA, Tainá Zechinato. COSTA, Julia Elias. SILVA, Mestre Luís Eduardo Teixeira da.  A importância do diagnóstico de lesões sexualmente transmissíveis em crianças pelo cirurgião dentista. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 06, Ed. 12, Vol. 06, pp. 48-68. Dezembro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/diagnostico-de-lesoes

RESUMO

O diagnóstico de lesões sexualmente transmissíveis em crianças pelo cirurgião dentista é importante para a descoberta de casos de abuso sexual. Este trabalho teve como objetivo geral definir a conduta correta para o diagnóstico precoce, pelo do cirurgião dentista, diante o aparecimento de lesões de origem sexualmente transmissíveis em crianças, a partir da seguinte pergunta de pesquisa: como o profissional de odontologia pode contribuir para o diagnóstico de abuso sexual em crianças e adolescentes? Utilizou-se como metodologia uma revisão de literatura narrativa, em que foram selecionados artigos e livros sobre o tema proposto, a fim de verificar a conduta dos cirurgiões dentistas diante da problemática de modo a aperfeiçoar um protocolo que deveria ser passado a acadêmicos e profissionais formados. Os resultados apontaram que muitos profissionais não estão capacitados para identificar casos de abuso e realizar o procedimento correto de denúncia, o que faz que muitos casos suspeitos não sejam notificados. Concluiu-se que são necessários mais estudos sobre o tema e uma maior divulgação das ações que devem ser executadas pelos profissionais da área da saúde, além disto, constatou-se que os profissionais devem ser mais preparados e treinados durante a formação profissional, e ainda atualizados mesmo após o final da graduação, especialmente aqueles inseridos na Atenção Primária, porta de entrada do Sistema Único de Saúde, para que assim possuam contribuir da melhor forma para o diagnóstico de abuso sexual em crianças e adolescentes.

Palavras-Chave: Lesões sexualmente transmissíveis, cirurgião dentista, diagnóstico diferencial de lesões.

1. INTRODUÇÃO

Na prática da odontologia, muitas vezes o profissional se depara com diversas lesões de boca, que possuem causas e tratamentos variados. Por esse motivo, o cirurgião-dentista encontra-se em posição privilegiada na identificação de casos suspeitos de abuso, pois, em sua maioria, as lesões decorrentes dessa situação localizam-se na região de cabeça e pescoço (ANDRADE; COLARES; CABRAL, 2005).

De acordo com a Constituição Federal (1988) brasileira e com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990), os profissionais de saúde têm a obrigação legal, ética e moral de notificar casos suspeitos de maus-tratos. Ainda, cabe aos profissionais da saúde ter uma postura ativa diante de casos de abuso, sendo fundamental que esses tenham conhecimento para tal.

O ECA (1990) tem papel importante para elucidar os direitos das crianças e adolescentes, auxiliando na correta conduta a ser tomada diante da suspeita de maus tratos e abuso. O cirurgião dentista tem o dever de desconfiar de ferimentos traumáticos e, mesmo que muitos deles não sejam causados por maus-tratos, o profissional pode observar o relacionamento da criança com o responsável e seus comportamentos. Os responsáveis tendem a levar a criança ao dentista para tratar fraturas e dores, e não procurar atendimento para outros tipos de ferimento. Na abordagem das vítimas de agressão é importante que essas sejam tratadas com naturalidade, incluindo-se as questões sobre a suspeita no prontuário, visando diminuir quaisquer desconfortos para o paciente; se possível, questionar a criança sozinha e depois os responsáveis, analisando as diferenças na história relatada e a disparidade com os achados clínicos.

O ECA (1990) fornece orientações específicas quanto ao papel dos profissionais de saúde diante de maus-tratos contra crianças e adolescentes. Os profissionais da saúde devem identificar e notificar situações de maus-tratos. Na rede pública de saúde, a notificação é obrigatória e a não referência e comunicação à autoridade competente os casos de maus-tratos, bem como o preenchimento da “Ficha de Notificação de Suspeita ou Confirmação de Maus-tratos contra Crianças e Adolescentes” e seu encaminhamento aos órgãos competentes consiste em infração administrativa. Esse documento deve ser encaminhado ao Conselho Tutelar, órgão responsável pela garantia e pela proteção dos direitos de crianças e adolescentes.

Estudos, como o de Santa-Rosa et al. (2019), demonstram que ferimentos que envolvem a região orofacial, que compreende cabeça, face, boca e pescoço, assim como lesões como eritemas, vesículas com secreção purulenta ou pseudomembranosa, úlceras e lesões condilomatosas na região oral e face, que estão associadas a patologias ou alterações, correspondem à maioria dos ferimentos decorrentes dos maus-tratos infantis, sendo essas lesões indicativos de abuso sexual. Os indivíduos ou responsáveis são levados a buscar atendimento odontológico devido ao aparecimento dessas lesões.

As principais doenças sexualmente transmissíveis (DST) descritas são a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), sífilis, lesões induzidas pelo papiloma vírus humano (HPV) e gonorreia. A AIDS, ou SIDA, é causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e as células atingidas são os linfócitos T CD4 (MENEZES et al., 2015; SILVA JÚNIOR et al., 2020). O profissional deve realizar o diagnóstico por meio das características das lesões apresentadas e seus diagnósticos diferenciais, sendo fundamental realizar exame citológico para confirmação.

Trata-se de tema relevante, uma vez que a violência sexual infantil é um problema a respeito do qual os profissionais de todas as áreas da saúde devem estar em extremo alerta, buscando sua prevenção e denúncia em caso de suspeita. Esse tipo de agressão gera sequelas irreversíveis na saúde física e psicológica das vítimas e, portanto, acredita-se que deveria ser abordado de forma mais aprofundada nos cursos de graduação.

Diante do exposto, surgiu a seguinte pergunta de pesquisa: como o profissional de odontologia pode contribuir para o diagnóstico de abuso sexual em crianças e adolescentes? Assim, o presente trabalho teve como objetivo geral discutir a importância do diagnóstico de lesões sexualmente transmissíveis em crianças e adolescentes. Os objetivos específicos foram: elucidar qual a conduta correta dos cirurgiões-dentistas frente a essa situação, visto que muitos dos sinais dessa condição ocorrerem na região de cabeça e pescoço, área de atuação destes profissionais; e verificar as diversas lesões que podem ser encontradas e seu diagnóstico correto, tendo em vista os diagnósticos diferenciais que esse tipo de doença apresenta.

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 DEFINIÇÃO

A violência contra crianças é um problema com o qual nossa sociedade convive há muito tempo e que, infelizmente, está longe de acabar. Os casos de abuso podem ocorrer em todos os contextos sociais e culturais, sendo, muitas vezes, difícil de ser identificado. Parte dessa dificuldade está relacionada ao fato de que, com frequência, o agressor tem relação direta com a vítima, sendo familiar, professor ou cuidador; na maior parte dos casos trata-se de indivíduo do sexo masculino e sem antecedentes criminais (SOUZA et al., 2014).

É importante destacar que o abuso aparece de diferentes formas, podendo tratar-se de um só tipo ou de mais de um desses combinados. São quatro os principais: físico, sexual, emocional e a negligência. O abuso físico é aquele que provoca danos físicos de maneira não acidental, que possam comprometer a integridade e saúde das crianças e adolescentes, a exemplo de tapas, empurrões, chutes, queimaduras e espancamentos. Geralmente, essa é a forma de abuso mais fácil de se identificar, porque deixa marcas visíveis no corpo da vítima (CRESPO et al., 2011).

A segunda forma de abuso é a sexual, que pode ser definida como o uso da criança ou adolescente para satisfação sexual de outra pessoa, sendo adulto ou mesmo outro menor mais velho. Nesses casos a pessoa usa de sua influência ou de sua autoridade como figura de confiança para praticar atos como conversas obscenas, exibicionismo sexual diante da criança, tirar fotos ou filmar o corpo desse jovem para gratificação sexual própria ou de outros, além das práticas sexuais propriamente ditas, como beijos, carícias e manipulação dos genitais (CRESPO et al., 2011).

A terceira forma mais comum de violência contra crianças e adolescentes é a emocional, que causa prejuízos no aspecto psicológico, praticada por meio de xingamentos, humilhações, ameaças e insultos. Vale lembrar que essa forma de abuso também pode ser decorrente das outras, pois os abusos sexual e físico também causam impacto emocional na criança. Além disso, é a forma mais difícil de ser identificada, mas a que traz mais prejuízos para toda a vida de um indivíduo. Já o quarto tipo de abuso é a negligência, que ocorre quando os cuidadores e responsáveis pela criança ou adolescente agem de forma omissa em relação aos cuidados, não satisfazendo as necessidades básicas de alimentação, segurança, higiene, afeto e educação, entre outros (CRESPO et al., 2011).

Nesse contexto, os profissionais de saúde têm um importante papel: auxiliar na identificação de agressões e tomar as devidas providências para que os casos sejam investigados e os responsáveis punidos, além de garantir a segurança da criança ou adolescente. O profissional de odontologia, que tem contato direto com a vítima, pode identificar lesões na região da cabeça e pescoço.

Assim, o cirurgião-dentista, bem como todo profissional da área de saúde, deve estar capacitado para diagnosticar, conduzir o atendimento necessário nos casos de negligência e abuso infantil e notificar às autoridades competentes. No caso da não notificação de casos suspeitos ou confirmados de maus-tratos infantil, o profissional de saúde estará sujeito ao pagamento de multa estabelecida no texto do Estatuto da Criança e do Adolescente (ANDRADE; COLARES; CABRAL, 2005, p. 232).

2.2 CONDUTA DO CIRURGIÃO DENTISTA

A violência sexual deixa marcas nos indivíduos que são vítimas. Além de possíveis sinais de agressão, muitas vezes os agressores carregam doenças sexualmente transmissíveis – DST, as quais por si próprias têm sinais e sintomas bem específicos que podem ser identificados na região da boca, área de atuação do profissional de odontologia (CRESPO et al., 2011).

Santa-Rosa et al. (2019) afirmam que alguns estudos demonstram que a maioria dos ferimentos decorrentes dos maus-tratos infantis envolve a região orofacial: cabeça, face, boca e pescoço; além disso, muitas vezes, aquele indivíduo que sofreu agressão é levado a buscar o tratamento odontológico. Quando presentes, algumas lesões são indicadores muito fortes de abuso sexual: eritemas, úlceras, vesículas com secreção purulenta ou pseudomembranosa e lesões condilomatosas nos lábios, língua, palato, face ou faringe, que estão associadas a patologias ou alterações (SANTA-ROSA et al., 2019).

O ECA (1990) dispõe de forma específica sobre o papel dos profissionais de saúde em relação aos maus-tratos contra crianças e adolescentes. Em seu Artigo 11, incumbe os profissionais de saúde a identificar e notificar situações de maus-tratos. O Artigo 245 define como infração administrativa, sujeita a multa de três a vinte salários vigentes, a não referência e a não comunicação à autoridade competente, pelo profissional de saúde ou responsável pelo estabelecimento de atenção à saúde, dos casos de maus-tratos à criança e ao adolescente sobre os quais tenha conhecimento (MOREIRA et al., 2015).

A Portaria nº 1.968/2001 do Ministério da Saúde torna obrigatória, para todas as instituições de saúde pública e/ou conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), o preenchimento da “Ficha de Notificação de Suspeita ou Confirmação de Maus-tratos contra Crianças e Adolescentes” e seu encaminhamento aos órgãos competentes. O Artigo 13 do ECA (1990) define que os encaminhamentos de casos de maus-tratos contra crianças e adolescentes devem ser feitos ao Conselho Tutelar. Nos municípios que ainda não possuem um Conselho Tutelar, os casos de maus-tratos e de outras violações de direitos da criança e do adolescente costumam ser encaminhados para as Varas da Infância e Juventude, ou para outra Vara, no caso da não existência de uma Vara especializada, ou ainda para a Promotoria Pública. Salienta-se que a notificação de casos de maus-tratos contra crianças e adolescentes não constitui uma denúncia policial. Existe também o disque 100, Disque Direitos Humanos – Disque Denúncia Nacional, que é um recurso que pode ser utilizado (GARBIN et al., 2016).

2.2.1 REDE DE ATENÇÃO NECESSÁRIA

Entende-se, porém, que não basta somente chegar à suspeita de abuso sexual e realizar uma denúncia. Esse é apenas o início de um longo processo de reabilitação pelo qual essa criança ou adolescente precisará passar. Depois de confirmado, além da punição dos agressores por parte das autoridades, a vítima precisará receber acompanhamento de profissionais do Serviço Social e da Psicologia (ZAMBON et al., 2012).

As consequências do abuso são marcas que podem durar a vida toda, prejudicar as futuras relações de um indivíduo e ainda desencadear o surgimento de vários transtornos psicológicos.

Experiências de violência ocorrida durante a infância poderão interferir de modo significativo no desenvolvimento futuro, produzindo desde comportamentos não adaptativos e déficits emocionais, até transtornos mentais graves, como: comportamento impulsivo, transtorno de hiperatividade, problemas de aprendizado escolar, bem como transtornos da conduta e abuso de substâncias psicoativas, na adolescência (ZAMBON et al., 2012, p. 466).

Nesse sentido, o acompanhamento multiprofissional é uma ferramenta eficiente para garantir a qualidade de vida de vítimas de abuso. O ECA (1990) já estabelece essa necessidade diante do contexto de abuso, seja ele qual for, e o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual, criado em 2000, estabelece diretrizes para esses atendimentos no sistema público de saúde. Os Serviços de Proteção Especial de média e alta complexidade são os estabelecimentos responsáveis por garantir o acompanhamento multiprofissional para vítimas de violência sexual (HOHENDORFF; HABIGZANG; KOLLER, 2015).

Mais especificamente, o acompanhamento psicoterapêutico realizado por psicólogos é uma das mais importantes etapas desse cuidado com vítimas de abuso. Nesse serviço é possível oferecer um espaço individual de acolhimento e escuta às vítimas, onde elas podem contar com sigilo profissional e serem atendidas de forma diferente dos demais serviços da rede pública. Nesse caso, o foco é a saúde mental da vítima, a superação dos traumas e o estabelecimento de estratégias para garantir a melhor qualidade de vida para os indivíduos que recebem atendimento (HOHENDORFF; HABIGZANG; KOLLER, 2015).

2.2.2 LESÕES MAIS ENCONTRADAS

Algumas das lesões mais comuns, que indicam fortemente abuso sexual, são úlceras, vesículas com secreção purulenta ou pseudomembranosa e lesões condilomatosas nos lábios, língua, palato, face ou na faringe. Essas lesões são sintomas de doenças sexualmente transmissíveis, descritas no quadro abaixo.

Quadro 1: Doenças sexualmente transmissíveis – DST.

DST DESCRIÇÃO
Gonorreia A mais frequente doença sexualmente transmissível entre as crianças que sofreram abuso sexual. Pode aparecer sintomatologicamente nos lábios, na língua, no palato, na face e, em especial, na faringe, variando de eritema à ulceração e de lesões vesículo-pustular a pseudomembranosas. Um positivo da cultura para gonorreia em uma criança indica geralmente abuso.
HPV O HPV geralmente causa, como principal lesão, o condiloma acuminado, uma lesão única ou múltipla, pedunculada, com aspecto de couve-flor.
Sífilis A sífilis causa pápulas nos lábios ou pele da região perioral. Porém, é raramente encontrada em crianças; um positivo do teste para o pallidum treponema sugere fortemente o abuso sexual.
HIV A infecção por HIV não causa diretamente lesões bucais, entretanto o comprometimento do sistema imunológico pode causar candidíase bucal e lesões periodontais.
Eritema e patéquias Não são doenças propriamente ditas, mas sinais que, quando presentes na junção dos palatos duro e mole ou assoalho da boca, podem ser sinais de sexo oral forçado.

Fonte: Massoni et al. (2010, p. 406).

A gonorreia é uma doença causada por uma bactéria chamada Neisseria gonorrhoeae, com período de incubação de 7 dias, e a boca pode ser acometida de maneira direta ou indireta. A transmissão direta ocorre pelo contato de mucosas, seja por relações sexuais sem preservativo ou por via perinatal. De forma indireta pode ser transmitida de um sítio primário para em seguida acometer a boca. Entretanto, a cavidade oral é dificilmente afetada por essa doença, o que pode dificultar o diagnóstico. O tratamento é feito por antibióticos de dose única, e estender o tratamento para parceiros sexuais da pessoa infectada é fundamental para evitar que a doença se espalhe (SILVA JUNIOR et al., 2020).

A sífilis também é uma infecção bacteriana, causada pela bactéria Treponema pallidum. É uma doença antiga, sendo descoberta por volta de 1906, e a principal forma de transmissão é a via sexual, podendo também ocorrer transmissão vertical da mãe para o bebê. A sífilis pode ocorrer em quatro fases diferentes congênita, primária, secundária e terciária, sendo que a cada fase os sintomas se tornam mais agressivos. O diagnóstico é feito por testes sorológicos e o tratamento também é feito por antibióticos, especialmente a penicilina (SILVA JUNIOR et al., 2020).

O Papiloma Vírus Humano – HPV tem período de incubação de três semanas a oito meses, podendo ser encontrado em mais de 100 tipos. Além da transmissão sexual, a mais comum, também pode ocorrer transmissão vertical, e ainda a indireta pelo contato com objetos de uso pessoal de pessoas infectadas. O grande perigo do HPV é que ele está relacionado a neoplasias graves, especialmente em mulheres, causando câncer de colo uterino. Existe vacina no Brasil para o vírus HPV, e dessa forma é importante que todas as pessoas se vacinem em duas doses, sendo o momento ideal durante o início da puberdade (SILVA JUNIOR et al., 2020).

O Vírus da Imunodeficiência Humana – HIV é um retrovírus que causa comprometimento do sistema imunológico, e pode levar à síndrome da imunodeficiência humana, AIDS. Esse vírus não causa sintomas específicos, e por isso a importância de realizar testes periodicamente que possam detectar o acometimento. Quando diagnosticada, a pessoa passa a fazer uso de medicamentos específicos que inibem enzimas que multiplicam o vírus, a transcriptase reversa e a protease. No passado o HIV já foi considerado uma sentença de morte, entretanto hoje em dia, pessoas acometidas pelo vírus tem uma vida normal e o uso recorrente dos medicamentos pode zerar a carga viral no metabolismo, não sendo mais transmissível (SILVA JUNIOR et al., 2020).

2.2.3 DIAGNÓSTICO

Não é fácil chegar a um diagnóstico de maus-tratos, especialmente porque existem muitas lesões de boca decorrente de outras causas. Entretanto, o cirurgião-dentista deve sempre estar atento às características de cada ferimento, considerando também qual a relação social em que se encontra seu paciente. Nesses casos, cabe aos profissionais de saúde reconhecer os indicadores a e avaliar se os sinais apresentados pelas vítimas caracterizam de maus-tratos ou não. Esse tipo de situação deve ser abordado com naturalidade, de forma a não gerar desconforto entre profissional e paciente. Além dos aspectos clínicos, é de grande importância investigar todo o contexto, o histórico familiar, a rotina e a forma como a vítima de comporta, sendo essencial, sempre que possível, que a vítima seja questionada separada dos pais (MASSONI et al., 2010; MAGUIRE et al., 2007).

O diagnóstico precoce é a melhor solução para casos de abuso e violência. Se os sinais forem detectados logo, podem ser tomadas as devidas providências, protegendo a criança e evitando sua permanência nesse contexto traumático. Ao mesmo tempo, não se deve confundir diagnóstico precoce com pressa, pois trata-se de uma situação delicada, que demanda muita atenção e comprometimento do profissional de saúde envolvido. O diagnóstico diferencial, nesses casos, é um importante fator a ser levado em conta (SILVA JÚNIOR et al., 2020).

Além disso, os diagnósticos diferenciais permitem aos profissionais de saúde a definição de um caso sem que haja espaço para dúvidas. No caso de lesões bucais, é importante identificar exatamente do que se trata, pois caso existem sinais de uma doença sexualmente transmissível, é preciso tratá-la e prevenir novos casos. Além do fato de que, quando tratar-se de uma criança ou adolescente, indicará a ocorrência de abuso sexual (MOLERI et al., 2012).

A sífilis, por exemplo, é uma doença sexualmente transmissível que aparece em etapas diferentes, sendo que a primeira é caracterizada por cancro duro sob a forma de úlcera de borda elevada e endurecida. Esse é o melhor momento para diagnóstico e tratamento; entretanto, pela ausência de sintomatologia dolorosa nessa etapa, os pacientes não costumam buscar atendimento médico. Já no segundo período, mais agudo, ocorre uma explosão diversificada de sinais e sintomas que envolvem órgãos internos e áreas muco cutâneas (MOLERI et al., 2012).

Já a gonorreia, quando apresenta lesões orais, essas geralmente localizam-se na faringe, amidalas e úvula, formando lesões cutâneas que consistem em pápulas e pústulas discretas. É importante investigar se o paciente também tem manifestações na uretra, o que exige avaliação de um profissional médico (NEVILLE et al., 2016).

O HPV, outro tipo de infecção, é um pouco mais difícil de ser detectado na boca. Com frequência, ele não manifesta sintomas, mas a formação de verrugas na região da língua, nas amídalas e no palato podem indicar a presença do vírus. As lesões geralmente têm tonalidade esbranquiçada e o formato característico de uma couve-flor (NEVILLE et al., 2016). Além disso, as lesões advindas de doenças sexualmente transmissíveis podem também dar indícios de que o indivíduo possa ter tido contato com o vírus da HIV.

A identificação das manifestações orais é importante, uma vez que pode sugerir possível infecção pelo HIV em um indivíduo que desconhece a sua condição sorológica. Além disso, a descoberta dessas manifestações em um paciente sabidamente infectado pelo HIV pode sinalizar a progressão da infecção pelo HIV e a necessidade de início ou ajuste na terapia antirretroviral (NIVELLE et al., 2016, p. 508).

Por esse motivo, é necessário que o cirurgião-dentista esteja preparado para observar e identificar esses sintomas, de forma a contribuir com as ações de combate à violência praticada contra crianças e adolescentes.

3. METODOLOGIA DA PESQUISA

3.1 TIPO DE PESQUISA

O presente trabalho é uma revisão narrativa de literatura, que consiste em uma metodologia que torna possível relacionar conceitos e abordagens encontrados em publicações anteriores, identificando eventuais semelhanças e divergências entre elas, de modo reunir e apresentar o estado da arte em relação a um tema (UNESP, 2015)

No presente estudo, a proposta foi identificar, com base em pesquisas, os principais achados em relação à conduta do cirurgião dentista diante de lesões sexualmente transmissíveis, com ênfase nos diagnósticos das lesões e seus diagnósticos diferenciais quando encontradas em crianças ou adolescentes.

3.2 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

A coleta de dados foi realizada na primeira semana do mês de novembro de 2021, a partir da busca por artigos científicos em língua portuguesa, inglesa e espanhola, disponíveis nas seguintes bases de dados: SciELO – Scientific Eletronic Library Online, DOAJ – Directory of Open Access Journals e em revistas acadêmicas.

Como estratégia de busca, foram utilizadas as seguintes palavras-chave, isoladamente ou combinadas de diversas formas: “manifestações bucais”, “lesões de boca sexualmente transmissíveis”, “diagnostico diferencial”, “lesões de boca”, “DST”, “cirurgião dentista” e “maus-tratos infantis”, na língua portuguesa. Outras palavras-chave, utilizadas para facilitar a busca, foram: “crianças”, “HPV” e “conduta”. A pesquisa retornou um total de 50 artigos.

3.3 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO

Após a pesquisa inicial, foi feita uma primeira seleção, de modo a refinar os materiais encontrados. Nesse momento, foram excluídos os artigos repetidos em diferentes bases de dados e aqueles cujo objetivo não tivesse relação direta com o tema. Dessa forma, dos 50 artigos encontrados, foram selecionados 23 artigos.

Num segundo momento, foi feita a leitura dos resumos desses 23 artigos, aplicando-se os seguintes critérios de exclusão: relatos de casos que não envolviam crianças ou adolescentes, artigos que tratavam de lesões de boca não transmitidas sexualmente, pesquisas envolvendo outros tipos de maus-tratos infantis além de violência sexual, pesquisas quanto à conduta de outros profissionais de saúde que não cirurgiões-dentistas.

Para essa seleção não foi estabelecido recorte temporal, chegando-se a um total de 15 artigos.

3.4 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO

Os critérios de inclusão aplicados foram os seguintes: artigos cujos objetivos tivessem relação próxima com o tema, publicados nos últimos dez anos, ou seja, entre 2011 e 2021. A partir desse recorte temporal, foram selecionados sete artigos para embasar a discussão proposta.

Cabe observar que parte dos materiais excluídos nesse processo foi utilizada para fundamentar a revisão de literatura.

3.5 MÉTODO DE ANÁLISE

Os artigos selecionados foram discutidos com base em sua temática central, seus objetivos e principais conclusões. De forma a possibilitar uma visão conjunta desse material, foi elaborado um quadro, destacando as principais informações contidas em cada um deles.

Acredita-se que este trabalho possibilite o aprofundamento do tema, servindo de orientação para os profissionais sobre o que se deve fazer diante de situações delicadas como essa, e assim contribuindo para a prevenção da violência sexual infantil.

Quadro 2: Artigos selecionados.

AUTOR e ANO TÍTULO OBJETIVO RESULTADOS
CRESPO et al., 2011 O Papel do Médico Dentista no Diagnóstico e Sinalização do Abuso de Crianças Abordar os fatores de risco e indicadores de abuso na perspectiva dos dentistas. O cirurgião dentista deve adquirir as competências necessárias para identificar e informar casos de suspeita de abuso infantil.
HOHENDORFF; HABIGZANG; KOLLER, 2015 Psicoterapia para Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência Sexual no Sistema Público: Panorama e Alternativas de Atendimento Abordar a questão da garantia de acesso ao tratamento psicoterápico de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual pelo sistema público A baixa frequência de encaminhamentos a serviços de saúde mental é incompatível com o conhecimento atual sobre as repercussões psicopatológicas da violência sexual para crianças e adolescentes
MASSONI et al., 2010 Aspectos orofaciais dos maus-tratos infantis e da negligência odontológica Identificar os principais aspectos orofaciais dos maus-tratos infantis e da negligência odontológica A imediata identificação e relato de maus-tratos pelo cirurgião-dentista são essenciais para a proteção das crianças. É fundamental uma maior atuação destes profissionais, para evitar que outras agressões tornem a ocorrer.
MATOS et al., 2013 Avaliação do conhecimento dos alunos de graduação em odontologia x cirurgião dentista no diagnóstico de maus-tratos a crianças Avaliar o conhecimento dos alunos de graduação e do profissional de Odontologia em relação aos maus-tratos na infância e adolescência. Os graduandos e os cirurgiães-dentistas ainda desconhecem na grande maioria os aspectos legais e práticos relacionados à notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes.
MOREIRA et al., 2015 Atuação do cirurgião-dentista na identificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes na atenção primária Analisar a atuação do cirurgião-dentista na identificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes no âmbito da APS Poucos profissionais identificaram maus-tratos, relatando dificuldades para essa prática.
SANTA-ROSA et al., 2019 Reconhecimento e conduta de cirurgiões-dentistas diante de maus-tratos em crianças e adolescentes Identificar tipos de maus-tratos mais prevalentes contra crianças e adolescentes observados durante o tratamento odontológico. Notou-se inabilidade de cirurgiões-dentistas com relação ao diagnóstico e notificação.
VERGARA; CÁRDENAS; MARTÍNEZ, 2014 Maltrato infantil: conhecimento, atitudes e práticas de estudantes de Odontologia de Cartagena, Colômbia Descrever os conhecimentos, atitudes e práticas dos estudantes de Odontologia frente aos casos de maus-tratos. É necessário realizar treinamentos sobre essa temática, de modo a dar mais segurança aos estudantes no momento de identificar e reportar casos de maus-tratos.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

4. DISCUSSÃO

A seguir, são apresentados os resultados desta pesquisa, organizados conforme o eixo temático dos artigos selecionados.

Inicialmente, foram analisados os materiais que discutem os aspectos envolvidos nos maus-tratos infantis e suas respectivas manifestações orofaciais, área de atuação do cirurgião dentista. Massoni et al. (2010) realizaram uma pesquisa bibliográfica com esse objetivo, buscando facilitar a identificação de vítimas. Os autores puderam identificar que a maior parte dos abusos ocorre dentro de casa, por pessoas conhecidas das crianças. Entre as principais manifestações orofaciais, os pesquisadores apontaram que nos lábios podem aparecer hematomas, lacerações, cicatrizes de traumas e queimaduras.

Já na boca podem ser encontradas lesões no freio labial ou lingual, essas causadas por beijo ou sexo oral forçados, e ainda queimaduras na gengiva, língua, palato ou assoalho da boca. Dentes fraturados, deslocados e com raízes residuais múltiplas sem explicação também podem ser indícios de abuso físico. Podem também ser encontrados sinais de fratura na maxila ou mandíbula. Além disso, os autores também apontam os sintomas de DSTs, como por exemplo as úlceras, eritemas e vesículas com secreção purulenta (MASSONI et al., 2010).

Os resultados da pesquisa de Massoni et al. (2010) são fundamentais para facilitar a identificação de maus-tratos e sinais de abuso físico ou sexual. Diante de situações como essas, o cirurgião dentista pode levantar a possibilidade do diagnóstico de abuso e tomar as devidas providências para proteger a vítima.

Em seguida, foram analisados os artigos a respeito da conduta do profissional de saúde diante do possível diagnóstico de abuso e qual o seu papel nesse contexto tão delicado. Moreira et al (2015) realizaram um estudo para avaliar a conduta de cirurgiões dentistas que atuam na Atenção Primária à Saúde do Sistema Único de Saúde do Estado de Ceará, no nordeste do Brasil. Participaram desse estudo 212 profissionais distribuídos em 85 cidades do Estado. Para isso, foi aplicado um questionário de 32 perguntas, buscando identificar aspectos sociodemográficos e relacionados à formação dos profissionais e conhecimento sobre o tema, bem como a conduta na identificação e notificação de casos de maus-tratos.

Os resultados da pesquisa de Moreira et al. (2015) mostraram que 84% dos participantes não têm conhecimento sobre a ficha de notificação de abuso, sendo que 74% também apontaram que as unidades em que trabalham não dispõem desse material. Apesar disso, 70% dos profissionais dizem confiar nos órgãos de proteção às crianças e adolescentes; 50% dos cirurgiões sabem para onde encaminhar os casos, e 71% ainda disseram não terem medo do envolvimento legal referente às notificações. Entretanto, outros dados preocupantes encontrados nessa pesquisa dizem respeito ao conhecimento do tema, visto que 86% dos participantes nunca tiveram qualquer treinamento sobre o contexto de abuso e 68% sequer pesquisaram ou discutiram a respeito. Em relação a notificações de abuso, 71% nunca havia identificado qualquer sinal de abuso e, da parcela que já identificou, 83% não fizeram qualquer notificação (MOREIRA et al., 2015).

Os resultados do estudo de Moreira et al. (2015) são extremamente preocupantes para esse contexto. Nota-se que falta conhecimento dos profissionais sobre a temática e que as unidades de saúde não estão preparadas para receber vítimas de abuso. Diante da falta de conhecimento e treinamento, pôde ser observado que na maior parte dos casos não houve qualquer tipo de intervenção ou solução, e que as possíveis vítimas continuaram em situação de abuso. Esses resultados apontam a necessidade de mais treinamento dos profissionais, especialmente na Atenção Primária, porta de entrada do Sistema Público de Saúde, que tem como objetivo prevenir situações de adoecimento e solucionar problemas de saúde antes que se agravem.

Ainda sobre a conduta dos profissionais nesse contexto, Crespo et al (2011) conduziram um estudo para descrever os fatores de risco e indicativos do abuso e esclarecer o que deve ser feito pelo profissional diante desse diagnóstico. Os autores salientam que um diagnóstico desses não pode ser fechado somente a partir da observação de lesões indicativas de abuso ou doenças sexualmente transmissíveis. É preciso também atentar-se para o relato da possível vítima e daquele que a acompanha, confrontando o que é dito com o que pode ser observado. A inadequação de explicações, mudança e confusão na história e também a divergência de explicações entre a criança e o seu responsável podem indicar sinais de abuso físico ou sexual.

Diante de um diagnóstico de abuso, fica a dúvida sobre qual seria a conduta adequada do profissional de odontologia, como pôde ser observado no estudo anterior. Crespo et al (2011) descrevem o processo de preenchimento dessa denúncia, apontando que inicialmente devem ser reportados os antecedentes pessoais e familiares naquela situação, como por exemplo hospitalizações, gravidez não desejada, história do desenvolvimento motor e cognitivo da criança, histórico de violência doméstica ou abuso de substância na casa onde vive e antecedentes criminais dos pais ou responsáveis. Sobre a situação atual que gerou suspeita de abuso, o profissional deve apresentar uma documentação detalhada sobre as lesões encontradas, bem como os relatos do responsável e da criança, com registro detalhado da história do evento e da situação emocional da criança no momento do atendimento. Também devem ser apresentados possíveis exames que o profissional tenha requisitado, como teste sorológico para DSTs, e quais as sequelas diante das lesões encontradas.

De forma semelhante a esses autores, Santa-Rosa et al (2019) realizaram uma revisão de literatura para identificar tipos de maus-tratos mais comuns em crianças e adolescentes e a conduta de cirurgiões dentistas diante desse cenário. Os autores apontaram lesões como laceração do freio labial, traumas dentários recorrentes, traumas na cabeça, hematomas, queimaduras, marcas de mordida e lesões cariosas de grau avançado em muitos dentes são indicativos de abuso. Eles também descreveram aspectos que podem ser relacionados a abuso psicológico que, conforme a revisão de literatura, pode ocorrer de forma isolada ou ser uma consequência do abuso físico ou sexual. Medo, ansiedade, humor deprimido e comprometimento no desempenho escolar são sinais que levam a possibilidade desse tipo de abuso.

Santa-Rosa et al (2019) também apontaram elementos na Constituição Federal (1988) e no ECA (1990) sobre o contexto de abuso ou negligência de menores, destacando o que diz respeito aos profissionais de saúde que recebam possíveis vítimas. É obrigação do profissional denunciar qualquer suspeita, estando sujeito a multa de 23 salários-mínimos aquele que observar e nada fizer. Apesar disso, eles apontaram estudos que mostram que a maior parte dos profissionais têm dificuldade para identificar e denunciar casos suspeitos de abuso. Diante disso, eles apresentaram a Ficha de Notificação de Suspeita ou Confirmação de Maus-tratos contra Crianças e Adolescentes, orientando seu preenchimento. (SANTA-ROSA et al., 2019).

Os materiais de Crespo et al (2011) e Santa-Rosa et al (2019) são fundamentais para que os profissionais possam atentar-se ao procedimento de denúncia de suspeita de abuso sexual ou físico, algo que já havia sido apontado por Moreira et al. (2015) como um problema nesse contexto, que pode levar a uma conduta inadequada do profissional, deixando a vítima em situação de violência.

Em seguida foram analisados artigos que discutem o conhecimento de estudantes de odontologia sobre essa temática. Matos et al (2013) avaliaram o conhecimento de 87 alunos de graduação de uma universidade em Cuiabá – Mato Grosso em comparação com 80 profissionais do mesmo município. A maior parte dos entrevistados, tanto estudantes como profissionais, relatam nunca ter suspeitado de abuso em algum atendimento, entretanto mais da metade dos participantes se diz capaz de realizar tal diagnóstico. Sobre o local onde deve ser referenciada a denúncia de abuso, uma parcela maior de estudantes do que profissionais soube responder, e o mesmo se repetiu sobre o conhecimento das implicações legais para os cirurgiões dentistas que não denunciam. Os resultados dessa pesquisa mostram que os profissionais em formação têm mais conhecimento que aqueles formados há algum tempo, entretanto ambos precisam de mais orientação sobre essa temática.

Em outro estudo, Vergara, Cárdenas e Martínez (2014) entrevistaram 215 estudantes de odontologia de uma universidade em Cartagena, Colômbia. O questionário utilizado tinha 24 perguntas, entre abertas e fechadas. Somente 5 dos 215 informaram ter suspeitas de abuso infantil durante atendimentos atuais, e outros 42 tiveram alguma suspeita durante toda a trajetória de formação. 54% dos entrevistados demonstraram bom conhecimento sobre o tema, e 73% disseram que sabem fazer a denúncia apropriadamente. Apesar disso, 57% não se sente seguro para realizar esse tipo de diagnóstico e demonstra necessidade de mais treinamento. Além disso, também foi investigada a conduta que teriam diante de uma suspeita, sendo que 96% tomariam alguma providência, sendo que a maior parte destes falaria primeiro com o docente responsável.

As pesquisas de Matos et al (2013) e Vergara, Cárdenas e Martínez (2014) demonstram que os estudantes de odontologia estão sendo capacitados para reconhecer sinais de maus-tratos e abuso, de forma até melhor que os profissionais que já atuam na área, o que indica que esse tema é preocupação recorrente nas universidades. Esses dados são promissores para o futuro, entretanto, nota-se que muitos solicitam mais treinamento e orientação sobre esse contexto, cabendo aos cursos de graduação inserirem cada vez mais esses tópicos em disciplinas pertinentes.

Por fim, foi avaliado um artigo que discute possibilidades de intervenção psicológica para crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Hohendorff, Habigzang e Koller (2015) abordaram a garantia de tratamento psicológico no Sistema Público de Saúde. Primeiramente, os autores apresentaram o que diz o ECA (1990) sobre esse assunto e como é apontado pelo documento que é responsabilidade do governo oferecer acompanhamento especializado para crianças e adolescentes vítimas de abuso. Em seguida, eles discutiram o que diz o Conselho Federal de Psicologia sobre o acompanhamento desses menores, salientando que o atendimento deve ser tanto da vítima, como da família. Além disso, diferencia-se o atendimento psicossocial da psicoterapia tradicional, sendo o primeiro realizado de forma mais breve, com o objetivo de reparar a violência sofrida e reestabelecer a vida normal dessa criança.

Entretanto, Hohendorff, Habigzang e Koller (2015) salientam que, mesmo que em primeiro momento seja essa a abordagem realizada, as vítimas de abuso devem ter asseguradas a psicoterapia por quanto tempo for necessário, garantindo a melhor adaptação do sujeito e uma qualidade de vida a longo prazo. O Centro de Atenção Psicossocial é o serviço especializado nesse tipo de atendimento, sendo que existem unidades específicas para crianças. Porém, infelizmente, nota-se que o número de encaminhamento para esses serviços ainda é baixo comparado com o número de denúncias de abuso, indicando que muitas crianças sequer passam por esse tipo de acompanhamento (HOHENDORFF; HABIGZANG; KOLLER, 2015).

Esse tipo de material é de fundamental importância, pois sabe-se que nesse tipo de contexto a abordagem multiprofissional é indispensável. O cirurgião dentista pode ser o primeiro profissional a identificar o abuso, entretanto esse é somente o início de um longo processo pelo qual essa criança deverá passar. O acompanhamento psicológico é uma etapa importante desse processo para garantir qualidade de vida para essas vítimas e não deve ser de forma alguma dispensado.

5. CONCLUSÃO

Este estudo teve como objetivo discutir a importância do diagnóstico de lesões sexualmente transmissíveis em crianças e adolescentes. Os resultados da revisão narrativa de literatura demonstram que os principais sinais de abuso sexual são úlceras, eritemas e vesículas com secreção purulenta, sintomas de doenças sexualmente transmissíveis como a gonorreia, sífilis e HPV. Além disso, os autores destacam outros sinais de violência, como queimadura, hematomas e lesões na boca decorrentes de beijo ou sexo oral forçado. É importante também atentar-se ao estado emocional da criança e do seu acompanhante durante o atendimento, confirmando as histórias contadas com os sinais apresentados.

Foi possível também identificar durante este estudo que grande parte dos profissionais de odontologia está despreparada para atender casos de abuso. Muitos desconhecem o tema e quais as condutas necessárias diante de uma suspeita de violência sexual, o que tem como resultado poucos casos notificados e muitas crianças permanecendo vítimas de abuso mesmo após avaliação profissional. Além disso ser um crime, passível de multa, as consequências dessa situação podem provocar impactos para toda a vida do menor. Em relação à pergunta de pesquisa formulada, qual seja, “como o profissional de odontologia pode contribuir para o diagnóstico de abuso sexual em crianças e adolescentes?”, esses dados sugerem que os profissionais devem ser mais preparados e treinados durante a formação profissional, e ainda atualizados mesmo após o final da graduação, especialmente aqueles inseridos na Atenção Primária, porta de entrada do Sistema Único de Saúde.

Com este estudo foi demonstrada, também, a importância da atuação multiprofissional nesse contexto. Além do cirurgião dentista preparado para identificar o abuso, é preciso também o trabalho conjunto do Conselho Tutelar e de profissionais de Psicologia que possam oferecer acompanhamento psicossocial e psicoterapêutico para essas vítimas.

Assim, é possível concluir que esse assunto ainda carece de muita atenção por parte dos órgãos de saúde responsáveis. É preciso estabelecer políticas públicas mais fortes de enfrentamento ao abuso sexual, garantindo a capacitação de todos os profissionais de saúde em formação ou já formados. Indica-se ainda a necessidade de novos estudos na área para acompanhar a evolução da temática entre os profissionais de odontologia.

REFERÊNCIAS

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[1] Graduação em odontologia. ORCID: 0000-0002-9847-8162

[2] Graduação. ORCID: 0000-0002-8246-1315

[3] Orientador. ORCID: 0000-0003-0731-7054

Enviado: Novembro, 2021.

Aprovado: Dezembro, 2021.

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