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Análise do conceito de alma na visão de Goswami, Jung e Marques e suas implicações para o campo da ecologia humana

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

GILA, Ricardo Luiz Araújo [1], SANTOS, Juracy Marques Dos [2]

GILA, Ricardo Luiz Araújo. SANTOS, Juracy Marques Dos. Análise do conceito de alma na visão de Goswami, Jung e Marques e suas implicações para o campo da ecologia humana. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 05, Vol. 14, pp. 05-15. Maio de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/visao-de-goswami

RESUMO

Esta pesquisa destaca a noção do espírito/alma como aspecto relevante dentro do ramo científico da Ecologia Humana, na perspectiva de ampliar o conhecimento sobre a relação do homem com o seu meio, com a natureza. Estabeleceu-se como objetivo; compreender as concepções de alma na visão de Goswami, Jung e Marques para situá-las no campo da Ecologia Humana. Portanto, ancora-se nas fontes bibliográficas dos autores supracitados. Desse modo, a Ecologia Humana apresenta-se como um âmbito indispensável à construção de saberes relativos ao conceito da alma, revelando os modos como o ser humano transcende o ambiente físico para ir em busca de um encontro consigo e com a divindade que, por fim, se sustenta a partir de concepções científicas e se apresenta de forma empírica como um campo de descobertas indispensáveis à formação e desenvolvimento humano.

Palavras-chave: Física quântica, alma, matéria, possibilidade.

1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa destaca a importância da noção do espírito/alma como aspecto relevante dentro da Ecologia Humana. Não considerar a existência da mesma é permitir fenomenologicamente que o significado dela seja nulo para o essencialmente humano. Em contrapartida, tenta-se ocultar a alma das coisas e a vitalidade que anima e dá sentido à vida. Algumas culturas tradicionais, em experiências transpessoais falam da “perda da alma” ao relatar essa expressão. Tais experiências revelam fenômenos que os grandes místicos e santos da humanidade relatam, acontecimentos da crise de emergência espiritual.  Por conseguinte, eram taxados de loucos por entrarem em contato com o invisível e imaterial. Marques salienta (2012, p. 43) que “louco é aquele que vê o invisível. Nossa cultura só autoriza vê o visível”.

No livro Diálogos com Cientistas e Sábios, Sheldrake citado por Weber (1986, p. 99) afirma que existe algo que gerencia intrinsicamente a matéria. Ele chamou de campos morfogenéticos ou campos invisíveis, afirmando que essas “matrizes de toda a forma, evolução e comportamento, podem operar ao longo do tempo e do espaço”.  É o paradigma do invisível que norteia essas áreas do conhecimento científico. Intuitivamente os cientistas compreenderam a mensagem de Exupéry (2014, p. 70) em que “o essencial é invisível aos olhos”.

Este trabalho parte do método, chamado por Goswami de “paradigma invisível”, com ênfase no primado da consciência, que também é defendida por outros demais cientistas Marques, 2012 destaca o trabalho de Amit, que em consonância com a metafísica sugere um novo paradigma na abordagem da transcendência, em que a consciência passa a nortear a ciência e aponta outros estudiosos que se destacam nas ciências modernas, pelo mesmo caminho do chamado “paradigma invisível da ciência”, como:  “Carlos Castaneda na Antropologia, Carl Jung na Psicanálise, Fritjof Capra na Física, Roy Bhaskar na Filosofia, entre outros”.

O que se vê é que, dialeticamente, a visão material que exorta a matéria como causa de todas as coisas deixou a humanidade fadada pelas inquietações e desesperanças e, antagonicamente, levou a acreditar que os homens são seres além da causalidade da matéria. Diante dessa premissa, buscou-se construir outra possibilidade do paradigma do invisível, como destaca Sheldrake (2014, p. 31), onde “ somente o alicerce dessas verdades, sobre a base firme do desespero implacável poderá ser erguida a habitação da alma”.

Esta pesquisa, na perspectiva de ampliar o conhecimento sobre a relação do homem com o seu meio, com a natureza, buscou correlacionar o conceito de alma na visão de autores consagrados, desenvolvendo estudos do tema: Análise do conceito de alma na visão de Goswami, Jung e Marques e suas implicações para o campo da Ecologia Humana, tendo como objetivo: compreender as concepções de alma na visão de Goswami, Jung e Marques para situá-las no campo da Ecologia Humana. Portanto, ancora-se nas fontes bibliográficas dos autores supracitados.

Deste modo, a Ecologia Humana apresenta-se como um âmbito indispensável à construção de saberes relativos ao conceito da alma, revelando os modos como o ser humano transcende o ambiente físico para ir em busca de um encontro consigo e com a divindade que, por fim, se sustenta a partir de concepções científicas e se apresenta de forma empírica como um campo de descobertas indispensáveis à formação e desenvolvimento humano. Espera-se que este estudo possa contribuir para novas aquisições de conhecimento ao acrescentar novas informações e saberes sobre o objeto em questão.

2. METODOLOGIA

Utilizou-se neste estudo a pesquisa bibliográfica, sendo construída a partir de publicações sobre o mesmo objeto, seguindo o que preconiza, GIL, 2008, ao explicar que, ainda que, em trabalhos científicos seja imperativa uma pesquisa bibliográfica, há aquela que são desenvolvidas “exclusivamente a partir de fontes bibliográficas”.

Portanto, tendo como base publicações em livros e ou artigos, realizou-se um estudo preliminar a fim de facilitar a familiarização com os conceitos e, logo em seguida, foi definida com maior precisão a delimitação do assunto. Foram exploradas fontes bibliográficas dos autores Goswami, Jung e Marques, cuja busca foi realizada por indexação no banco de dados da Scielo.  Nesse mecanismo a pesquisa foi feita por meio da palavra-chave: “alma”, escolhida para captura dos artigos ou periódicos equivalentes ao estudo.  Por último, foi feito o processo de leitura interpretativa, conferindo-se significado mais amplo aos resultados obtidos com a leitura crítica. Após o fichamento para otimizar uma melhor organização lógica, detalhada e sistemática do assunto, procedeu-se à análise criteriosa, de forma a compreender os conceitos de alma, explicitados pelos autores destacados, o que possibilitou compreender a valiosa contribuição dos estúdios citados para a Ecologia Humana. Como etapa final, foi realizada a elaboração da redação do texto.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Goswami (2015) alicerça o conceito de alma sob o viés paradigmático espiritualista, em que, a matéria não é a única expressão da realidade. Para ele a consciência e a matéria são uma única coisa. Goswami ainda salienta (2015, p. 45) que “na perspectiva monista idealista, só existe a consciência, ela é a base de toda existência, a única realidade suprema”.

A consciência se expressa atemporal e analógica e se comunica com a matéria através da linguagem criativa. Segundo Goswami (2008, p. 45), esse tipo de comportamento pode ser exemplificado, através do exemplo do retrato da Gestalt[3] chamado “Minha mulher e minha sogra”. Nele, quando uma das figuras superpostas é percebida pelo observador o qual identificou e escolheu entre as possibilidades já preexistentes, ocorre então o colapso.

Outro exemplo clássico da interface consciência e matéria é a experiência da fenda dupla[4] em que a possibilidade quântica é colapsada pela interferência da mensuração, visto que, quando o observador mensura o elétron ele se comporta de outra forma. Neumann (2006, p. 53), para responder sobre qual franja cada elétron atinge numa observação quântica, relata que “a consciência escolhe – nós escolhemos – onde um elétron vai se manifestar em cada evento”.

Goswami entende que existe uma causação descendente[5] que faz os físicos questionarem quem é o protagonista das escolhas. No mundo subatômico os objetos quânticos se espalham como ondas e apresentam facetas múltiplas ao mesmo tempo. Em um dado momento pode ser observada uma faceta em outro instante outra diferente. Daí porque somente este evento pode ser calculado por possibilidades.

E, então, Goswami (2008) justifica a existência de algo (a consciência) que gerencia e interfere na matéria que é e está além do tempo e espaço. Para ele a alma transporta-se, enquanto “potentia”, transcende, sem “estrutura localizada”.

Este evento escolhe a possibilidade e quando colapsa torna-se em um evento concreto, ele é descontínuo por apresentar um comportamento não linear, isto é, a consciência ou potentia age de modo criativo. Por conseguinte, a alma ou psique, na Psicologia Analítica, também não é linear. A psique em sua totalidade compreende um universo de múltiplas imagens que obedece a uma organização que dá sentido e materializa as execuções primordiais que se expressam por meio das imagens. Mas para isto, a psique necessita do corpo para que seu valor imagético possa viver. Segundo (JUNG, 2011, p. 425), A psique é feita de uma série de imagens, no sentido mais amplo do termo, não é, porém, uma justaposição ou uma sucessão, mas uma estrutura riquíssima de sentido e uma objetivação das atividades vitais, expressa através de imagens.

Neste caso quem seleciona as imagens[6] que emergem nas experiências do indivíduo em sua existência?  Jung (2008, p. 245) em seus estudos sobre complementariedade dos opostos – inconsciente e consciente – descreve que “cada novo conteúdo que vem do inconsciente é alterado na sua natureza básica ao ser parcialmente integrado na mente consciente do observador”.

O estudo sobre a alma sempre despertou curiosidade nos estudiosos.  No século XVII, René Descartes afirmava que a sede da alma era a glândula pineal. A supremacia   do modelo biológico que deveria explicar a alma. No entanto, outros pesquisadores não estavam em comum acordo com a ideia redutiva da alma ser explicada pela ciência biológica.  Jung (2011, p. 314) explica que “se a psicologia moderna pode se glorificar de ter arrancado todos os véus que encobriram a imagem da alma, foram certamente aqueles que ocultavam seus aspetos biológicos aos olhos dos pesquisadores”.

Em uma das últimas de suas obras, O Homem e Seus Símbolos (1964), o fundador da Psicologia Profunda amadurece a ideia relativa a complementaridade entre psique e estende uma forte ligação com a física intitulada quântica e com outras áreas do conhecimento.

A psique que para ele, outrora, não poderia ser descrita sob o prisma biológico, agora já dialoga com a biologia face a face. Paoli (citado por JUNG, 2008, p. 241) alude que “[…] devido às novas descobertas, a ideia que fazemos da evolução da vida requer uma revisão, levando-se em conta a área de inter-relação entre a psique inconsciente e os processos biológicos”.

Apesar de esforço da psicologia em investigar a alma em sua singularidade, ela não conseguiu desanuviar o esconderijo da alma, o que implica a numinosidade do símbolo que escapa a nossa compreensão e não pode ser expresso adequadamente em nossa linguagem, por esta razão, sem tradução. Jung esclarece os limites da investigação psicológica, explicando que esta não consegue “arrancar os múltiplos véus que cobrem a face da alma” por ela guardar de forma “inacessível e obscura” “os segredos profundos da vida”. E deixa claro que apesar das tentativas, só no futuro poderá haver possibilidade de desvendar o “grande enigma”. A partir desta lógica, entende-se que falar de alma passa pelo crivo do indizível e inominável. Santana, 2005, esclarece que a alma pela visão da Psicologia Analítica, foge das categorizações e conceituações, justamente, por ser sustentada pela experiência e manifestação.

Por outro lado, tudo que o indivíduo experiencia é psíquico e tem uma tonalidade de realidade. Jung afirmou que a própria dor física é uma reprodução psíquica que foi experimentada pelo indivíduo. Do mesmo modo, Bateson (1986) acredita que as formações de imagens são inconscientes e que as tais eram percebidas através do esforço consciente do comando dos órgãos do sentido. Tal processo implica que os órgãos do sentido são um veículo de expressão de algo mais implícito e não objetivo. Neste sentido, Bateson (1986, p.38) exemplifica que “até mesmo a dor é, certamente, uma imagem produzida”.

E por esta razão, Jung (2011), asseverava que a psique é uma entidade real e a única realidade imediata. E que essa realidade somente poderia ser de natureza psíquica. Por conseguinte, destaca que, a “experiência imediata” é “de ordem psíquica”, assim como, “a realidade só pode ser de natureza psíquica”, para ele “o homem primitivo considera os espíritos e os efeitos mágicos com o mesmo concretismo com que julga os acontecimentos físicos”.

A noção de realidade para a psique do homem primitivo era difusa e misturava-se às experiências imagéticas e tangíveis, nesse caso a natureza e a psique confundiam-se e perdiam as fronteiras e dicotomias.  Sendo assim, não haveria razão para interpretá-la sob a égide da cognição. Santanna (2005) chama a atenção ao questionar sobre o estudo da psique, considerando que o estudo, seja pelo comportamento ou seja pela cognição, seria  reduzido à uma estrutura harmônica e limitada sem que houvesse expressão do ser no conhecimento de si mesmo.

Por outro lado, há quem defenda, no campo epistemológico, a correlação entre psique e natureza em um universo mais amplo do que se imagina.  Capra (1988), faz alusão ao pensamento de Bateson ao explicar que entre natureza e mente há um reflexo recíproco e que são unidade.

Para (CANEVACCI, 2001), a mente não é restrita a apenas ao ser humano, mas é parte de “cada unidade imanente no grande sistema biológico: o ecossistema”.  O padrão que une estabelece uma dimensão bem maior do que as relações no campo do biológico e do social. As tradições do Zen budismo[7] trabalhando com koans[8] através dos paradoxos, tinha a finalidade do iniciado perceber o padrão que une. Por conseguinte, a lógica não era a via de interpretação dessa experiência. Sobre isso, Capra (2017) assevera que a totalidade dos ensinamentos budistas – e, de fato, todo o misticismo oriental – gira em torno desse ponto de vista absoluto que é alcançado no mundo do acintya, ou do “não pensamento”. Neste sentido, esclarece que “a unidade de todos os opostos se torna uma experiência vivida. Nas palavras de um poema Zen Ao entardecer, o galo anuncia a madrugada; à meia noite, o sol brilhante (CAPRA, 2017, p.155).

Também o “padrão que une’ encontra ressonância na Psicologia Analítica a partir do significado etimológico do que é símbolo (no sentido que é “aquilo que une”). Faz parte da natureza da energia psíquica o aspecto unificador do símbolo e sua relação com a consciência e o inconsciente.  Grimberg (2003, p. 104) sinaliza que “[…] o símbolo liga as partes do sistema consciente-inconsciente, sendo o elemento primordial para compreender a maneira como ambas se comunicam”.

A alma e a ecologia também têm um padrão que une. Todos os seres orgânicos estão envoltos numa rede onde a força da alma da terra central une a todos e prover a vitalidade a todos seres. Assim pensam os povos que nutrem os saberes ancestrais. Marque (2012),  instiga: A alma da ecologia da Terra seria a energia que põe em operação os diferentes sistemas da Natureza? E em seus questionamentos permite que se reflita sobre os povos primitivos para compreender se, ao se voltarem para suas raízes, percebiam que estavam em “um planeta vivo” e interagiam com as diversas inteligências, e que nas relações constituía-se “A  Grande Alma da Terra (Gaia)”. Marques avança e em suas inquietações, quer situar esse fenômeno e questiona quanto a natureza do mesmo, se é “essencialmente biogeoquímico, metafísico, psíquico?”

Além disso, a alma dialoga com a ecologia quando pode ser definida como parte ou integrante das relações entre a vida, os seres e o Ekos. Por isto, a grande morada onde vivemos e existimos é uma realidade mais valorizada e vislumbrada por aqueles que vivenciam o pertencimento da vida com Gaia. Em suas experiências visionárias da visão sistêmica da vida onde tudo integra e respeita.

Kopenawa (2015), na sua narrativa, esclarece para seu povo que “na floresta, a Ecologia somos nós, os humanos. Mas são também, os xapiri (espíritos), os animais, as árvores, os rios, os peixes, o céu, a chuva, o vento e o sol! É tudo que veio à existência na floresta”.

Nesse sentido, Marques assevera a hipótese da Alma da Ecologia e, ao mesmo tempo, destaca que o Planeta tem um Espírito (Gaia). A alma, neste caso, não se reduz a um fenômeno das crenças religiosas. O seu sentido se expande pelo viés das relações das partes com o todo.    Batson citado por Marques (2012, p. 58) diz “en otras palavras, la teoria del espíritu aquí presentada es ‘holística’, y, como todo holismo serio, tiene como premissa la diferenciación e interacción de las partes”.

A história etnocêntrica conta a exploração dos povos tradicionais no Brasil e descreve a justificativa dos europeus que levantavam a bandeira escravocrata dos povos nativos e africanos, os quais eram vistos como sem alma, por esta razão, os marginalizados tupiniquins e africanos não tinham o direito à liberdade e opinião. Marques (2010), vale de Boaventura para reafirmar a vida dos humanos era vista pela “existência de “seres de almas” e inexistências dos “seres sem-alma”. E isso é determinante ao pensamento ecológico contemporâneo”.

A morte da alma ocorreu quando a ideia da supremacia decidiu marginalizar a identidade de um povo. Imprimiu uma força que coibiu a consolidação de crenças e valores do grupo social das etnias com o objetivo de anuviar a ideia e a representação de um povo em sua singularidade.

A justificativa de que os povos indígenas não possuíam alma serviu para ocultar as consciências culposas das atitudes desrespeitosas. Assim, a ideia de que o índio não tinha alma foi uma estratégia do colonizador. Ele aproveitou dessa crença inverossímil em detrimento de uma atitude de alteridade que é verossímil. Foi o que levou Joseph Golbbels, ministro da propaganda da Alemanha nazista, a divulgar “repita uma mentira mil vezes que ela se torna uma verdade”.

A alma dos índios ainda não é legitimada e os protagonistas desse enredo repetem o mesmo comportamento de outrora. Pode–se citar, por exemplo, a pesquisa de doutorado de Juracy Marques sobre os impactos das hidrelétricas sobre os povos indígenas da Bacia do rio São Francisco. Segundo o autor, a ambiência dos encantados espíritos foi dizimada. As cachoeiras, que eram considerados pelos nativos como locais sagrados, foram sacrificadas. Por isto, entende-se que os impactos são de ordem não material e, por sua vez, o índio deveria ser reconhecido como sujeitos de voz. Marques (2016) sustenta que […] “além da mensuração de valoração no campo jurídico-formal da dimensão material, a destruição da vida dos espíritos tem que ser pensada na estrutura do direito” e defende ainda que “os espíritos também são sujeitos de direito”.

Negar o direito do sujeito de direito, quando expulsa do seu habitat sagrado e impede que os mesmos se relacionem com as deidades, espíritos, almas ou encantados é o mesmo que cortar o cordão com a natureza e com a dimensão espiritual. Como pode os encantados e orixás terem acesso às suas moradas? E como pode se estabelecer um vínculo entre homem, alma encantados e o meio ambiente? Marques (2016) diz que “nas tradições indígenas cultivam-se os encantados, também os espetos sagrados da natureza. Não dá para compreender a dinâmica ecológica desses grupos sem passar pela dimensão da espiritualidade”.

Sob essa ótica, a percepção da existência da alma legitima e autoriza o respeito que se dá ao entorno do meio ambiente e fortalece o conhecimento das antigas gerações humanas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A alma em sua subjetivação tem sido objeto de estudo no campo interdisciplinar. Vê-se tanto nos estudos antropológicos como na Psicologia Transpessoal, Psicologia dos Complexos, como também nos estudos do físico Goswami. Por esta razão, encontrou-se motivação para analisar este conceito pela ótica do referido autor e por outros dos campos supracitados, especialmente Jung e Marques.

Deve-se considerar a forte influência do paradigma dominante que nega a possibilidade da existência da alma sob a égide da filosofia materialista.  Nesse ínterim, a física começa a estudar o campo das possibilidades e põe em questionamento todas as verdades consolidadas pela ciência clássica.

É importante frisar a relação direta entre a alma e a Ecologia, pois o Ekos, que é a nossa casa, abriga a humanidade que é constituída de seres vivos.  Estes mesmos são organismos vivos e estão conectados com o todo. Do mesmo modo, a Psicologia Profunda entende que alma também tem um significado para o trajeto da individuação do ser e, ao mesmo tempo, compreende que ela tem uma base de ordem biológica, que, por sua vez, tem uma inter-relação com a vida.

Por fim, a alma é de suma importância para a Ecologia Humana e desconectá-la dos seres vivos e humanos é infringir e excluir o sujeito de direito que vive e respira as tradições de seus antepassados.

REFERÊNCIAS

CAMPBELL Joseph, As máscaras de Deus. Tradução de Carmen Fischer. 9. ed. São Paulo: Palas Athenas, 2011;

CAPRA Fritjof. Sabedoria incomum São Paulo: Editora Cultrix, 1988;

____________   O tao da física uma análise dos paralelos entre a física moderna e o misticismo oriental. São Paulo: Editora Cultrix, 2017;

EXUPÉRY S. Antoine, O pequeno príncipe. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira Participações S/A, 2014;

FADIMAN, J; FRAGER, R. Teorias da personalidade. São Paulo: Editora HARBRA, 2002;

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

GOSWAMI, Amit. Física da alma. São Paulo: Aleph, 2015;

­­­_____________ Evolução criativa uma resposta da nova ciência às limitações da teoria de Darwin. São Paulo: Aleph, 2015;

_____________ A janela visionária um guia para a iluminação por uma física quântica. São Paulo: Cultrix, 2006;

GRINBERG, Luiz Paulo. Jung o homem criativo. São Paulo: FTD, 2003;

 JUN,  G. C. A natureza da psique. Petrópolis: Editora Vozes, 2011;

————- O homem E seus símbolos.  Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2006;

MARQUES, Juracy.   Ecologia da alma. Petrolina/PE: Gráfica Franciscana, 2012;

___________ Ecologia do Espírito. Paulo Afonso/BA: Editora SABEH, 2016.

SANT’ANNA, Paulo Afrânio. Uma contribuição para a discussão sobre as imagens psíquicas no contexto da Psicologia Analítica. Psicol. USP [online]. 2005, vol.16, n. 3, pp.15-44. ISSN 0103-6564. <https://doi.org/10.1590/S0103-65642005000200003.https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-65642005000200003> Acesso em: 24 de set. de 2020.

SILVEIRA, da Nise. Vida e obra de Jung. São Paulo: Editora Paz e Terra S/A, 2007.

SHELDRAKE, Rupert. Ciência sem dogmas: A nova Revolução cientifica e o fim do paradigma materialista. São Paulo: Cultrix, 2014.

APÊNDICE – REFERÊNCIA DE NOTA DE RODAPÉ

3. Retrato feito por W. E. Hill onde a pessoa pode ver duas imagens totalmente diferentes na mesma figura. As possibilidades de ver a jovem ou a velha estão dentro da consciência de quem vê, assim como todas as escolhas que fazemos na vida

4. Experiência de Thomas e Young fundamental para a determinação da natureza quântica na física atômica.

5. Causação descendente é quando um nível mais elevado tem um efeito causal ou influência num nível mais baixo. Um exemplo seria: “a depressão que em mim se instala pode desencadear minha queda imunológica e consequente crise de psoríase”.

6. Imagem expressão condensada da situação psíquica como um todo, portanto, inclui elementos tanto da consciência quanto do inconsciente, mostrando que existe uma relação entre os dois sistemas.

7. O Zen vem da palavra sânscrita que significa meditação, dyhãna (que evoluiu do ch’nan em Chinês e Zen em Japonês). A meditação é um tema central no Zen, ou zazan (literalmente, ‘sem sentido”). Pode-se meditar sobre um Koan ou, simplesmente, ou sentar-se com atenção consciente concentrada e sem ajuda externa.

8. Um Koan é tradicionalmente expresso como diálogo entre um estudante Zen e um mestre Zen.  Alguns Koans são baseados por questões feitas por importantes estudantes Zen na China antiga. Outros são tirados de questões colocadas por um mestre Zen a fim de estimular ou despertar a compreensão do estudante.

[1] Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental, UNEB, Juazeiro, BA, Brasil.

[2] Pós Doutorado em Ecologia Humana na Universidade Nova de Lisboa (UNL-Portugal), professor titular do mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental, UNEB, Juazeiro, BA, Brasil.

Enviado: Abril, 2021.

Aprovado: Maio, 2021.

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Ricardo Luiz Araújo Gila

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