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A beleza metafísica da pessoa justa, amiga e corajosa segundo Von Hildebrand

RC: 84375
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/von-hildebrand

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SOARES, Filomena Maria Rates [1]

SOARES, Filomena Maria Rates. A beleza metafísica da pessoa justa, amiga e corajosa segundo Von Hildebrand. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 05, Vol. 01, pp. 131-152. Maio de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/von-hildebrand, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/von-hildebrand

RESUMO

Esse artigo tem base em duas questões sobre a beleza metafísica levantadas pelo filósofo von Hildebrand (2016). Como a beleza metafísica é dada a nós? Como a beleza metafísica é concernente às questões morais? Para responder esses questionamentos, estabelecemos duas hipóteses: 1) A beleza metafísica de uma pessoa a faz uma pessoa justa, amiga e corajosa. 2. A pessoa que pratica as virtudes da justiça, amizade e coragem é uma pessoa moral. Esse artigo discute as ideias de von Hildebrand (2016, 1995, 1988) juntamente com a contribuição de outros filósofos, tais como Maritain (1973) e Sucupira Lins (2015, 2010, 2009, 2008). É possível concluir que há beleza metafísica no comportamento da pessoa justa, no significado de sua amizade e em seus atos corajosos. Relacionamos essa beleza metafísica com a personalidade moral.

Palavras-chave: Beleza metafísica, Justiça, Amizade, Coragem, Pessoa Moral.

1. INTRODUÇÃO

Buscando uma hierarquia de valores da beleza dos seres, von Hildebrand (2016) explica que só o homem verdadeiro, agradável e de caráter, com a capacidade de perdoar é realmente belo. O ato do perdão, é importante-em si, seu valor encarna o verdadeiro, o que é realmente válido, e o que é objetivamente importante. A capacidade de perdoar é o que Aristóteles (EN, séc.  IV a. C., 1985) afirma existir no homem de virtudes.  A pessoa que tem o bem em si e age com bondade, compreende que esse agir é a única forma de alcançar a felicidade. Nesse sentido, Maritain (1973) chama atenção para o homem que tem a responsabilidade e capacidade de perdoar, para o filósofo, essa pessoa é verdadeira e traz a bondade em seu coração. Afirma ainda, que o homem que é possuidor dessa beleza, é feliz porque sua razão é medida por um agir virtuoso.

A justiça para Aristóteles (EN, Livro V, 1129a, 5-7, 1985) “é a disposição da alma graças à qual elas se dispõem a fazer o que é justo, agir justamente e a desejar o que é justo; de maneira idêntica.”

Sandel (2015, p. 15) aceita a ideia de Aristóteles ao afirmar que “a justiça significa dar às pessoas o que elas merecem.” Para estabelecer quais virtudes são dignas e merecedoras de honra e recompensa, esse filósofo afirma que o estagirita sustenta que “não podemos imaginar o que é uma Constituição justa sem antes refletir sobre a forma de vida mais desejável” (idem).

Sandel (2015) pensa como Rawls (1997, p.5), o filósofo afirma que uma sociedade só é justa quando planeja promover o bem a seus membros, como observamos a seguir:

Efetivamente regulamentada por uma concepção pública de justiça. […] na qual: 1) todos aceitem e sabem que todos aceitam os mesmos princípios de justiça, e 2) as instituições sociais básicas geralmente satisfazem, e geralmente se sabe que satisfazem, esses princípios.  (RAWLS,1997, p.5)

Nessa sociedade justa, os homens são capazes de perdoar e esse é um ato autêntico, “uma renúncia magnânima, um amor ardentemente abnegado encerra um significado e magnitude, uma transcendência e perenidade muito maiores do que todos os valores da nossa civilização.” (VON HILDEBRAND, 1988, p.3). Esse filósofo ensina que o virtuoso é possuidor de valores éticos, considerado “o âmago do mundo”, e negar esse fato é o pior dos males, é trazer sofrimento, “a doença, a morte, […] a ruína das culturas mais florescentes.” (idem).

Evocamos neste estudo, o significado da beleza estética de von Hildebrand (2016) ao esclarecer que as pessoas que são cegas quanto aos valores morais, são culpadas, não se permitem apreciar a verdadeira beleza estética. Esse filósofo, diz que a estética é uma ciência que remete para a beleza e aborda o sentimento que as coisas belas despertam dentro de cada pessoa. A beleza interior que está nas atitudes humanas, no seu comportamento, no respeito e senso de justiça que cada um traz consigo, eleva sua alma a uma transcendência, permitindo que floresça e prospere.

Essa capacidade, por meio do comportamento humano de mostrar seu respeito e senso de justiça, permite distinguir e identificar a relação entre a percepção estética e os valores morais do que é verdadeiro ou falso. Essa ideia é fundamental e precisa ser desenvolvida.

Quem é justo é portador de valor, é possuidor de beleza, é rico, valioso, irradia pureza, “humildade, amor e bondade.” e é de autenticidade ética (VON HILDEBRAND, 1988, p. 19). O possuidor desse tipo de beleza em todas as esferas da vida, com efeito é uma pessoa de atitude e fidelidade no sentido amplo. É a pessoa, cujo desenvolvimento, evolui no sentido da moralidade. O filósofo, acrescenta ainda, que “a fidelidade imperturbável do amor de mãe”, por exemplo, possui “especial beleza moral que toca o coração de quem se abre aos valores.” (VON HILDEBRAND, 1988, p. 22). Esses valores em uma pessoa, a torna fiel e capaz de amar com veracidade.

Aristóteles (EN, Livro VIII, 1159b, 25-27, 1985) afirma que justiça e amizade se relacionam, têm os “mesmos objetivos e manifestam-se entre as mesmas pessoas”. Quem é justo, é amigo, é possuidor de uma justiça intensa que cresce, quando a amizade é verdadeira.  Essa é a beleza estética da pessoa justa que von Hildebrand (2016) afirma ser essencial e perfeita para entender a beleza metafísica que é dada a nós.   Essa beleza proporciona um convívio prazeroso entre as pessoas que possuem beleza interior, elas são justas e amigas. Ser amigo para von Hildebrand (1988) é se edificar aos valores morais e éticos.

O problema deste estudo está na edificação da justiça, da amizade e da coragem, por meio da verdadeira beleza, do valor e da transcendência que emana da interioridade da pessoa justa e moral.

Esse artigo tem base em duas questões sobre a beleza metafísica levantadas pelo filósofo von Hildebrand (2016). Como a beleza metafísica é dada a nós? Como a beleza metafísica é concernente às questões morais?

Ele explica que valores ontológicos é dado a pessoa e quando isso ocorre, seu valor moral é intuitivo, possui brilho próprio, emana por meio dos sentidos, dos olhos, da audição e do caráter espiritual de cada um. Esse tipo de beleza que vem da pureza e da humildade é uma ação concreta e um comportamento específico da pessoa que possui virtudes.

Para responder esses questionamentos, estabelecemos duas hipóteses:

1) A beleza metafísica de uma pessoa a faz uma pessoa justa, amiga e corajosa.

  1. A pessoa que pratica as virtudes da justiça, amizade e coragem é uma pessoa moral.

Esse artigo tem como objetivo discutir as ideias de von Hildebrand (2016, 1995, 1988) juntamente com a contribuição de outros filósofos, tais como Maritain (1973) e Sucupira-Lins (2015, 2010, 2009, 2008). Propõe responder se há beleza metafísica no comportamento da pessoa justa, no significado de sua amizade e em seus atos corajosos. Relacionamos essa beleza com a personalidade moral.

Praticar a justiça e ter a coragem de colocar a amizade no nível mais elevado de importância, mostra a verdadeira beleza da pessoa humana. Para von Hildebrand (2016), a atividade do espírito, ultrapassa o domínio da experiência. Viver na prática a justiça, a amizade e a coragem, permite que a pessoa alcance a transcendência para elevar seu espírito.

Kant (2007) chama essas experiências adquiridas na prática das virtudes de consciência. Nesse momento, o espírito adquire a percepção sobre si mesmo. Para ele a intuição interna e intelectual é uma virtude que exige uma astúcia prévia e espontânea do homem que possui sensibilidade.   Pessoas cuja beleza, alcançam a transcendência do ser, possuem qualidades interiores e virtudes que estão além da matéria, têm brilho próprio.

Einstein (1955) em sua maneira de ver o mundo, se mostrou preocupado com as pessoas que não possuem finalidades, objetivos e não se atentam para o bem, para a beleza e para as verdades existentes na arte e na Ciência. Einstein (1955, p. 8-9) afirma que precisa estar envolvido com a arte e a ciência e quando isso não ocorre:

A vida perde todo o sentido para mim. Ora, a humanidade se apaixona por finalidades irrisórias que têm por nome a riqueza, a glória, o luxo. Desde moço já as desprezava. […] O mistério da vida me causa a mais forte emoção. É o sentimento que suscita a beleza e a verdade, cria a arte e a ciência. Se alguém não conhece esta sensação ou não pode mais experimentar espanto ou surpresa, já é um morto-vivo e seus olhos se cegaram.

Einstein (1955) assegura que em determinado momento, as instituições, as leis, costumes e todos os nossos valores se baseiam em sentimentos de justiça, isso é um desejo de todo homem. O cientista é categórico em afirmar que se as organizações humanas não se apoiarem, entre si, com responsabilidade, se tornam impotentes. Assumir a responsabilidade moral e social em sua comunidade, é um dever. No mesmo sentido, von Hildebrand (2016) afirma que as pessoas que vivem com propósito, autonomia e consciência, possuem beleza distinta e virtudes elevadas.

Rawls (2003, p. 17) ao falar desse sentimento de responsabilidade moral para com a sociedade, afirma que a justiça é o principal objetivo na “estrutura básica da sociedade, ou mais exatamente, a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem direitos e deveres fundamentais”. Sua forma de pensar sobre os encargos sociais se assemelha aos de Einstein (1955) e von Hildebrand (2016). Essa justiça pertence à pessoa que possui uma beleza estética responsável, moral e virtudes elevadas ao mais alto nível de transcendência. O senso de justiça pertence a pessoa que possui beleza interior elevada.

Assim como a justiça pertence a pessoa bela e de moral elevada, MacIntyre (2001) afirma que a amizade é a própria beleza. O filósofo explica que a amizade conquistada é a contemplação do que é belo na “natureza ou na arte se torna, certamente, quase o único fim, e talvez o único fim justificável, de toda ação humana” (MACINTYRE, 2001, p. 36). A amizade é uma virtude valiosa e elevada por sua própria grandeza, o verdadeiro amigo, é aquele com quem se compartilha momentos importantes da vida.

La Boétie (2006, p.6) afirma que a amizade é valiosa e ter amigos faz parte da natureza humana:

Deixarmos que os deveres da amizade ocupem boa parte da nossa vida. É justo amarmos a virtude, estimarmos as boas ações, ficarmos gratos aos que fazem o bem, renunciarmos a certas comodidades para melhor honrarmos e favorecermos aqueles a quem amamos e que o merecem.

Quando há um respeito mútuo, a amizade é preciosa, é valioso preservá-la.  Todas as pessoas que desfrutam do prazer de uma amizade verdadeira, obtém benefícios para vida toda.  Uma vida justa e de bondade com aqueles que amamos e merecem nosso amor e respeito, é crucial para sermos felizes.

Falando agora da coragem, é uma virtude extremamente valiosa para pessoas belas e dignas. Aristóteles (EN, Livro II. 1115ª, 7-11, 1985) afirma que a coragem é um meio termo entre os sentimentos de medo e o que tememos, mas sentimos que é a coisa certa a se fazer. Esse tipo de virtude só existe entre pessoas boas, humildes e justas. São pessoas que temem o mal, mas são corajosas para fazer o bem, mesmo diante do perigo. Essa compreensão de coragem fica claro quando Comte-Sponville (1999, p. 39) assegura que “não é a ausência do medo, é a capacidade de superá-lo, quando ele existe, por uma vontade mais forte e mais generosa.” A pessoa que não é justa e prudente, para o filósofo, não saberia combater a injustiça por ser desprovida de coragem.

Nas definições dadas pelos filósofos acima, podemos entender o quanto as virtudes justiça, amizade e coragem são fundamentais para o desenvolvimento integral e ético da pessoa. Sucupira Lins (2015) ensina que a maturidade ética deve ser adquirida. A criança não nasce ética, precisa receber essa formação, primeiro pela família e depois na escola. As ideias da filósofa coadunam com o pensamento de von Hildebrand (1988, p. 43) ao afirmar que “quando amamos alguém, quer se trate de amizade, amor paterno ou amor filial, quer de amor de noivos ou de amor ao próximo, sempre temos de chegar a reconhecer no outro uma figura preciosa”.  A beleza preciosa emana das pessoas justas, amigas e corajosas. Essas possuem brilho próprio e luz que transcendem de seu espírito. Entendendo o valor da pessoa e o quanto é preciosa, é possível desenvolver estudos que privilegie sua formação durante toda a vida.

Nessa perspectiva, educar a pessoa para a justiça, amizade e coragem, von Hildebrand (1988) e Sucupira Lins (2015, 2009) afirmam que ensinar a ética para a criança é um ato de amor. Os filósofos coadunam com o pensamento de Pastro (2016), esse professor assevera que a educação pela beleza é transformadora e importante para que alcancemos a felicidade:

O ser humano por inteiro e, assim, afasta crises impostas pela sociedade, stress, competição, sucesso, angústias, intolerâncias… tudo aquilo que nos reduz em vez de nos colocar em relação plena com o que somos realmente: natureza, cosmos, espírito… seres únicos, irrepetíveis, chamados a responder à vida com alegria e felicidade (PASTRO, 2016, p. 2).

Von Hildebrand (1988), Sucupira Lins (2008) e o professor Pastro (2016) afirmam que é importante a educação pela beleza. Eles entendem que a preciosidade espiritual da pessoa, vai além da classificação ontológica, da natureza do ser, da existência e da própria realidade, ela é transformadora. Essa é uma beleza que transcende aos valores de qualquer objeto que possamos observar. Para entender essa transcendência é preciso perceber os dois tipos de beleza, a visível e a audível.  Um exemplo dado por von Hildebrand (2016) é quando observamos uma paisagem, há um apelo para os dois tipos de beleza: a visível, aquilo que vemos e as que chamam a nossa atenção pela sua beleza.  A audível são os sons que ouvimos, ambas emocionam e são belas. A beleza de primeiro grau, são as que apelam aos sentidos e as de segundo grau são as que recorrem ao lado espiritual.

Von Hildebrand (2016) explica que é difícil enganar o problema colocado sobre a beleza espiritual do visível e do audível e diante dessa impossibilidade é mais fácil explicar os níveis de beleza. A sensorial, espiritual e metafísica ou intelectual.

A beleza que apela aos sentidos é a beleza espiritual, essa por sua vez apela ao audível e ao visível. Para entendermos esse mistério, existe uma diferença entre a beleza imaterial das coisas visíveis e audíveis dos símbolos e das expressões corporais. Por exemplo: o significado pleno de um objeto físico, comparado a uma montanha rochosa. O primeiro, o objeto físico, mesmo possuidor de beleza não é comparável a beleza da montanha, ela possui uma luz que só pode ser comparada a metafísica das virtudes elevadas. A luz que emana da paisagem da montanha, apela aos nossos sentidos, mas também atrai nosso lado espiritual, pelo que vemos, ouvimos e sentimos: o visível e o audível. A beleza sensorial tem um papel servil. Nos humanos os órgãos do sistema sensorial, a pele, a língua, o nariz, os ouvidos e os olhos, captam estímulos e impulsos elétricos que são mais intensos em pessoas de beleza interior elevada.

A pessoa de moral elevada e de valores, pratica o bem e fica mais preciosa quando age de forma ética.  A solução desse enigma sobre a beleza metafísica é: ela se apoia nas duas anteriores, a espiritual e a sensorial. Ela é resultante da comunhão profunda que nos une.

Von Hildebrand (2016) afirma que a beleza de uma montanha, obviamente, não se limita a esta beleza. As qualidades estéticas de uma montanha em particular, sua forma, a sua cor e a luz que provém desse ambiente e seus arredores, transcendem claramente a expressão do visível e da essência da pessoa que observa essa paisagem. Essa beleza ultrapassa o aspecto visível, envolve as emoções de quem vê a paisagem.

Nesse sentido, analisaremos as virtudes da pessoa justa, amiga e corajosa porque essa, possui luz própria. O que se sente por uma pessoa justa, apela para os sentidos espirituais de forma elevada. Quando essa pessoa é amiga e leal, sua amizade é preciosa.

Partindo dos questionamentos, já mencionados anteriormente de von Hildebrand (2016), sobre como a beleza metafísica é dada a nós e como a beleza metafísica é concernente às questões morais, tentaremos responder a tais questões.

2. A BELEZA DA PESSOA JUSTA

Podemos entender quando Aristóteles (Metafísica, Livro VII, 5, 10-15, p. 156, 1969) ilustra que aquilo a que é bom, “por conseguinte é a mesma coisa com a essência do bem, o belo com a essência da beleza”, e assim “são auto-subsistentes e primárias.” Nesse sentido, a pessoa justa que possui a essência que o leva a praticar o bem, tem simplicidade, é belo e possui riqueza interior. Falando da beleza metafísica, voltemos novamente ao exemplo dado anteriormente por von Hildebrand (1988), ao explicar que a fidelidade existente no amor de mãe, é possuidor de uma beleza moral especial que toca o coração de quem se abre aos valores.

Aquino (2004) ensina que a ordem moral não depende somente dos desígnios de Deus, a essência divina é a razão encontrada para que essa moralidade aconteça.  É preciso também ter vontade de exercer a justiça e esse desejo e vontade, necessitam ser inseparáveis. Afirma ainda esse filósofo, que é dever e um direito de a pessoa explorar e encontrar dentro de si essa essência para viver de forma justa.

Siqueira Neto (2016, p. 9-10) ao falar da procura dessa essência de justiça, aclara que estudos realizados por importantes universidades, como a de Harvard nos estados Unidos, sinalizam a existência de “mecanismos biológicos para a aquisição das regras morais, tão graciosamente percebidos em bebês e crianças ainda na fase inicial de suas vidas.” Ele afiança que os pesquisadores consideram haver uma predisposição genética que fica aguardando estímulos morais da convivência com a família e a escola, para serem despertados. Esse filósofo faz uma comparação da criança com as sementes plantadas em um jardim. As crianças desenvolvem seus conhecimentos morais transmitidos pela família e se tornam virtuosos, enquanto as plantas aguardam os cuidados ansiosos do jardineiro, para se transformarem em um jardim próspero e belo com suas flores perfeitas.

O responsável pela educação e ensinamentos morais para a criança, age com a mesma ansiedade, aguardando os resultados de seus ensinamentos. Durante esse percurso, é preciso que haja exercício prático na aprendizagem.  Nessa trajetória a criança aprende a obedecer às regras, leis e ter autocontrole sobre suas ações. Ela deve aprender a ter um comportamento ético, sem que haja necessidade de um policiamento exterior. Siqueira Neto (2016, p. 21), assegura:

A prática da justiça é, pois, uma importante oportunidade de aprendizagem e desenvolvimento para o ser humano. Equivale dizer que, ao fugirmos dela, perdemos a chance de crescer e sermos melhores, e, ao encará-la devidamente, amplia-se a possibilidade de evoluirmos.

Esse autor ensina que a falta da prática da justiça, prejudica e impede o crescimento da pessoa quanto a sua moralidade.

Arendt (1969) explica que é compreensível que a pessoa reaja com ódio, quando injustiçada. A falta da prática diária da justiça, prejudica sua capacidade de autocontrole. A filósofa afirma que os movimentos revolucionários que lutaram pela justiça durante toda a história, são exemplos claros das injustiças ocorridas contra a sociedade. Arendt (1969, p. 17) esclarece que os homens movidos “pela compaixão ou por uma paixão pela justiça”, age com ódio, mas esse comportamento não os torna menos humanos.  A filósofa assevera que:

Quando nosso senso de justiça for ofendido é que reagiremos com ódio, e essa reação não refletirá de maneira alguma um dano pessoal, conforme demonstra toda a história da revolução, onde invariavelmente os membros das classes altas deflagravam e em seguida lideravam as rebeliões dos oprimidos e tiranizados. (ARENDT, 1969, p. 38)

Arendt (1969) conta que durante a história os membros de classe alta da sociedade, incitam e lideram a revolução dos oprimidos e dos menos favorecidos em benefício próprio, geralmente com intenções obscuras. Ela observa que as revoluções, sempre prejudicam os mais pobres e beneficia os mais ricos. Os ricos empresários instalam o caos e depois dos conflitos sociais e prejuízos causados à população, reaparecem como mocinhos, com investimentos nas camadas mais pobres da sociedade.  Com falsas promessas de bons empregos e a ilusão de favorecimento, os escravizam com salários irrisórios. Esse comportamento dos empresários que só visam lucros, os enriquece ainda mais, deixando os pobres, mais pobres.

Arendt (1969) após fazer uma análise desse comportamento dos empresários, explica que a violência é o último ato em que o homem se vê, quando se encontra em condições ultrajantes e tenta exercer seus direitos totalmente desrespeitados. A violência é um ato rápido e essa conduta exercida pela pessoa quando é ultrajada, não a transforma em um ser irracional, “muito pelo contrário, tanto na vida pública como privada há situações em que a própria rapidez de uma ação violenta seja talvez o único remédio adequado.” (ARENDT, 1969, p. 40).  Essa filósofa ensina que o lado emocional não tira a capacidade de reflexão e que usar esse momento de raiva para agir sem ética é uma hipocrisia das pessoas que não querem fazer justiça.

Goleman (2001) concorda com Arendt (1969) ao afirmar que quando ficamos emotivos, nossas ações são afetadas, ele chama de desordem emocional.  Segundo o psicólogo, os efeitos causados por sentimentos emotivos como a raiva, o amor, a tristeza, a vergonha e emoções, são diferentes:

  • A raiva, além de acelerar os batimentos cardíacos, as secreções hormonais, a adrenalina e a pulsação, aumenta nossa energia, para que consigamos superar as dificuldades.
  • O amor é exatamente o contrário, acalma, dá afinidade, adoração e confiança para vencermos.
  • A tristeza leva a uma reflexão profunda e a buscar soluções para os problemas.
  • A vergonha induz ao arrependimento e remorso quando erramos.
  • As emoções que sentimos, também levam a uma reflexão moral e, por meio desse julgamento, podemos analisar nosso comportamento.

Para Goleman (2001), a emoção e a moral caminham sempre juntas. Essa moralidade faz parte de nossa essência e beleza interior. É a capacidade que toda pessoa humana possui para encontrar o caminho certo da justiça, respeito e sabedoria para alcançar a felicidade. A pessoa justa, amiga e corajosa, possui essa virtude. Ela tem a aptidão de fazer reflexões e saber a forma correta de agir para alcançar a felicidade. Essa beleza vem da alma, do nosso desejo de justiça e de praticar o bem e por isso é transcendente (VON HILDEBRAND, 2016). A pessoa justa e verdadeira, relaciona a justiça com a amizade, quanto mais intensa for a amizade, maior será a capacidade de ser justo. Aristóteles (EN, Livro V, 1129a, 7-11, 1985), afirma que:

Segundo a opinião geral, a justiça é aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e a desejar o que é justo; de modo análogo, a injustiça é a disposição que leva as pessoas a agir injustamente e a desejar o que é injusto.

Pessoas de caráter agem de forma justa, porque são virtuosas. Tough (2014) ao analisar as pessoas de caráter, se assemelha ao estagirita, afirma que a pessoa justa e de caráter, possui valor universal. Para esse autor, elas possuem a qualidade da nobreza, sempre agem com senso de justiça, sabedoria e integridade. São pessoas emocionalmente estáveis, possuem amor, bom “humor, entusiasmo e apreço pela beleza” (idem, p. 65).  Ele afirma ainda que pessoas justas primam pelas interações humanas, possuem inteligência social, são boas e gratas.

Quanto aos sentimentos que mantêm as boas interações humanas, Paim (2012, p. 113) explica que parte dessa capacidade é atribuída “à humanidade, à benevolência, à amizade, ao espírito público e às outras virtudes sociais deste caráter”. Segundo o autor há outras virtudes que levam a aprovação moral para que alcancemos a felicidade e que elas são dadas “à justiça, à integridade e às outras qualidades e princípios estimáveis e úteis.” (idem, p. 113). Essas pessoas são verdadeiras, humildes, amigas e possuem inteligência emocional.

3. A BELEZA DA AMIZADE

Von Hildebrand (2016) afirma que a amizade anda de mãos dadas com a beleza metafísica. Ambas possuem valores iguais em profundidade.    Ter amigos, traz   alegria, não somos felizes sozinhos. Ser amigo não é concordar, fazer e aceitar o que o outro quer, ser amigo é apenas respeitar. Respeitar é considerar as diferenças individuais da outra pessoa e não a ver como inimiga, caso tenha uma opinião diferente da sua.  Somos diferentes e independentes em pensamentos. Respeitando o outro, é que se consegue alcançar a plenitude da amizade verdadeira e duradoura.

Aristóteles (EN, Livro III,1155a, 13-14,1985) ensina que:

A amizade ajuda o jovem a evitar o erro; ajuda os mais velhos, amparando-os em suas necessidades e suprindo as atividades que declinam com o passar dos anos; os que estão no vigor da idade ela estimula a prática de nobres ações […] as pessoas são mais capazes de agir e de pensar.

Aristóteles (EN, Livro IX -1171b, 33-34; 1172a, 35-37, 1985) afirma que em uma parceria proporcionada pela amizade “um homem está em relação com ele mesmo da mesma forma que está em relação com seu amigo”. Para ele a consciência do seu amigo se transforma de forma “ativa quando eles convivem; por conseguinte é natural que desejem conviver” (idem). Se comete menos erros, quando a amizade é verdadeira.

Carnegie (1981) ao falar dessa relação de viver bem com as pessoas a sua volta e fazer amigos, ensina que deixar um rastro de gentilezas e gratidão por onde passa é a melhor maneira de viver bem e feliz. “Você se surpreenderá em ver como elas acendem chamas de amizade que alumiarão sua trajetória numa próxima visita”, afirma Carnegie (1981, p. 60). Essa forma de tratar os amigos, deixa uma satisfação enorme de convivência, sempre que possível. Resolver conflitos, evitar discussões desnecessárias e manter os contatos prazerosos e agradáveis entre amigos é o que deve ser feito. Para se viver bem em grupo, é preciso que haja: lealdade, honestidade, iniciativa, otimismo e cooperação entre amigos. Essa é a forma de obter respeito e ter a admiração do amigo e uma convivência harmoniosa. O consenso entre amigos traz equilíbrio, entendimento e conciliação, para uma amizade perfeita.

Von Hildebrand (1988, p. 21) explica que “só o homem fiel torna possível aquela confiança que constitui o fundamento de qualquer comunidade; só ele possui aquele elevado valor moral que reside na firmeza, na lealdade, na confiabilidade.” O filósofo ilustra que a fidelidade está entre as atitudes fundamentais do homem e consequentemente entre amigos. Quem não precisa de um amigo? Uma pessoa especial com quem se pode contar a todo momento.

A fidelidade entre amigos é valiosa, ter alguém em todos os momentos da vida, é maravilhoso. Nas vitórias, a comemoração é com o amigo, nas dificuldades e angústias, essa amizade ajuda a manter o equilíbrio emocional. Goleman (2001) afirma que sem peso emocional, os contatos interpessoais ficam insossos. Os contatos desenvolvem as inteligências interpessoais que são importantes e distintas: “liderança, capacidade de manter relações e conservar amigos, de resolver conflitos” (GOLEMAN, 2001, p. 45). O talento para manter amizades duradouras, são aptidões emocionais essenciais para estreitar relacionamentos: no casamento, entre amigos ou em outras atividades, durante toda a vida.

4. A BELEZA DA CORAGEM

O que é ser corajoso?  Para Comte-Sponville (1999, p. 35), “De todas as virtudes, a coragem é sem dúvida a mais universalmente admirada. […] A coragem é a virtude dos heróis; e quem não admira os heróis?” (idem). MacIntyre (2001, p. 211) instrui que “ser corajoso é ser alguém em quem se pode confiar. Por conseguinte, a coragem é um ingrediente importante da amizade.” O filósofo afirma que a amizade e a coragem estão intimamente ligadas, a coragem é o poder de ajudar seu amigo e a família. Essa coragem mostra sua fidelidade e garante sua disposição em manter sua preciosa amizade. Há uma forte disposição e ligação entre coragem, amizade, fidelidade, e a família. Todo corajoso coloca a felicidade e a vida de seus familiares e amigos em primeiro lugar, é sempre fiel e disposto a atos distintos de coragem para ajudá-los. O corajoso possui autocontrole, é sábio e justo com os amigos e o elo que os une, é uma virtude. Aristóteles (séc.  IV a. C. 1985) e MacIntyre (2001) afirmam que a prática das virtudes cardeais: justiça, prudência, temperança e a coragem são essenciais para que haja felicidade.

Tillich (1992) explica que várias definições foram dadas para a coragem durante a história. Nikias, um famoso general de exércitos, como líder deveria saber o que é coragem e afirmava que ela é o que deve ser temido. Por esse entendimento coragem seria um conhecimento sobre o bem e o mal em todas as circunstâncias. Para Sócrates a “coragem torna impossível qualquer ação em concordância com a verdadeira natureza da coragem.” (idem, p. 7). O autor considera que houve vários fracassos em definir a coragem.  Tillich (1992, p.6) afirma que:

Poucos conceitos têm tanta utilidade para a análise da situação humana. Coragem é uma realidade ética, mas se enraíza em toda a extensão da existência humana e basicamente na estrutura do próprio ser. Deve ser considerada ontologicamente a fim de ser entendida eticamente.

O homem sabe o verdadeiro valor da coragem e de seu universo quando conhece sua estrutura e seu valor. Quem entende e reconhece esse valor pode afirmar ou negar a coragem.  Esse filósofo afirma que:

  • A questão ontológica do ser é que deve ser vista como “a questão ética da natureza da coragem.” Assegura ainda que a coragem mostra o que é o ser.
  • A coragem enquanto ser, reúne ambos os significados e como ação humana é ética, ontológica e um conceito.
  • “A coragem do ser é o ato ético no qual o homem afirma seu próprio ser a despeito daqueles elementos de sua existência que entram em conflito com sua auto-afirmação essencial.” (TILLICH, 1992, p. 7)

A beleza do homem corajoso é louvar aquilo que deve ser louvado e rejeitar o que não é bom. Podemos dizer então, que o corajoso possui a afirmação essencial da pessoa boa, possui o intelecto, caráter e virtudes. É uma pessoa que possui a perfeição em graus naturais, pessoais e sociais elevados.  É corajoso porque se destaca entre os outros por sua personalidade forte e está sempre pronto para fazer sacrifícios em prol do bem comum. (ARISTÓTELES, séc. IV a. C. 1985).

Rogers (2000) pensa como Aristóteles (séc. IV a. C. 1985), para ele o homem procura a vida boa, o bem comum e para viver em harmonia, amadurece e expande todas as suas potencialidades. Para alcançar essa maturidade, a pessoa precisa ter coragem. Isso significa viver intensamente e de forma apaixonante as interações humanas. Viver pelo bem é libertador para a pessoa. Escolher a vida boa como processo de transformação, é um ato de coragem porque sempre envolve sacrifícios do homem bom. Para obter uma boa vida, precisamos abdicar de nosso orgulho e aprender a respeitar o outro com verdades. Rogers (2000, p. 119) acrescenta:

Poder-se-ia dizer que isso parece constituir essencialmente um processo emocional. Porém creio que essa seria uma forma apto a se ver consigo mesmo, a desenvolver a coragem de abandonar suas defesas e encarar seu eu verdadeiro.

Hábitos virtuosos de coragem são atos concretos que devemos cultivar. Faus (2016) concorda com Rogers (2000) e acrescenta que atos do cotidiano que envolvem esforços de coragem, são: dizer sempre a verdade em qualquer circunstância, aceitar os sofrimentos e as dores sem queixa, ser sempre ético, ter a fortaleza, a prudência, a justiça e a temperança para conviver bem com os outros. Viver na perspectiva do bem, nos proporciona bem-estar, respeito por aqueles que vivem à nossa volta. Para que esses fatos aconteçam, é preciso mudar e isso exige coragem (ARISTÓTELES, EN, sec. IV a. C., 1985; MACLNTYRE, 2001; SUCUPIRA LINS, 2010).

Somos possuidores de esperança, de magnitude, de audácia e de coragem para vencer todas as dificuldades e sermos felizes. Com franqueza e sinceridade podemos viver com respeito e alcançar novas metas para sermos felizes. Buscar essa felicidade com fé, justiça, amizade e coragem são atos do bem, implica em ser forte, ter coragem e uma beleza estética que desperte sentimentos bons em outras pessoas (VON HILDEBRAND, 2016).

5. A PRÁTICA DAS VIRTUDES JUSTIÇA, AMIZADE E CORAGEM

Von Hildebrand (2016) ensina que o valor moral tem a face e a aparência da beleza porque anuncia esse valor. Apreender a beleza é possível quando se é capaz de compreender o valor moral em sua total especificidade, como foco principal e primazia única dos valores morais. O filósofo esclarece que a coragem é algo bonito e possui uma atração estética. Para ele, a importância da estética na educação está na apreensão desses valores e isso é um ato de coragem.

Hermann (2005) falando dessa apreensão do valor moral e da estética na educação, explica que é preciso fazer um estudo reflexivo sobre os problemas que se apresentam nesse processo e analisar do ponto de vista estético, o mundo e a vida. A filósofa ensina que ao “tratar da pluralidade na ética, a estética se interpôs pela sua possibilidade de transcender as fronteiras racionais, criando formas de sensibilidade e experiências de subjetividade que exigem novos modos de tratamento ético.” (idem, p. 12) Esse tratamento ético é que deve haver entre as pessoas boas e de beleza, esse estudo da estética é essencial na educação moral.

Von Hildebrand (2016) vê a beleza estética de valor, ligado a interioridade e integridade moral que transcende a beleza externa. O filósofo reacende conceitos e valores de beleza, esquecidos pela sociedade moderna.

A verdadeira beleza da pessoa está em sua simplicidade, quando seus valores éticos são testados. Gardner (2012, p. 94) analisa que o “verdadeiro teste da ética ocorre quando seu interesse é colocado contra a coisa certa a fazer em seu papel.” Como exemplo, ele faz o seguinte questionamento: “O médico está pronto para viajar no feriado com sua família, mas aparece um paciente que requer cuidados imediatos. O que deve fazer o médico?” (idem). Esse é o real teste de responsabilidade que demonstra seu verdadeiro valor. Seria fácil se negar a atender o paciente, esse é um direito garantido por lei. O médico poderia não atender prontamente o paciente porque está entrando de férias, mas decide priorizar a saúde do paciente. Esse comportamento, mostra o verdadeiro valor que ele possui, sua responsabilidade social e sua beleza interior.

Por haver necessidade de leis que regulamentem essas responsabilidades sociais, nem sempre cumpridas, Rawls (2003) ilustra que as leis que regem a sociedade precisam ser elaboradas de forma justa e ética, sem intervenção, conhecimento e capacidade das pessoas.  Gardner (2012, p. 176) complementa a ideia de Rawls (2003), explicando que quando há ética, os atos de “confiança tendem a ser mais altos nas sociedades que mantêm ligações tão fortes entre seres humanos.” Gardner (2012, p. 176) enfatiza que: com as mudanças rápidas sobre os conceitos de beleza, fica difícil sobreviver “e chegar a versões viáveis das virtudes”. A beleza interior perdeu seu significado, enquanto a beleza externa ganhou, diminuindo o valor ético dessa beleza interna.

Preocupada com essas mudanças sobre os conceitos de beleza, Wolf (1992, p.118) usa como exemplo a valorização da mulher moderna em relação a sua moralidade e explica:

A competição no mundo externo premia a amoralidade, e as mulheres precisam se adaptar para ter sucesso. Os Ritos da Beleza, porém, proporcionam à mulher que trabalha uma forma de levar uma ordem moral particular e inócua a um papel no qual um excesso de escrúpulos antiquados pode sabotar sua carreira.

A autora enfatiza que usando o mito da beleza, a sociedade não se preocupa mais com a religiosidade da mulher, virgindade ou sua honestidade conjugal. A mulher é julgada por padrões de beleza que ditam formas corporais, consideradas importantes para manter seus empregos. Essa, deixou de ser valorizada por requisitos de beleza com honestidade. Agora, para receber elogios e ser considerada uma boa mulher, precisa ser inescrupulosa e se manter em forma. Para conseguir conquistar seu espaço público em um mercado, ainda muito masculino, “os sacramentos da beleza brilham com maior intensidade do que nunca.” (idem, p. 114). Não há nenhum objetivo de levantar uma bandeira feminista com esse exemplo, as pesquisas de Wolf (1992), mostram a desvalorização da mulher íntegra e de beleza interior. O significado da beleza estética, é questionado, por meio de constatações sobre uma moralidade que utiliza padrões de beleza para dar valor à mulher.

Ricoeur (1968, p. 115) preocupado com essa desvalorização da beleza, ensina que “a tendência no sentido da verdade é poderosa e ascendente; o destino da beleza está fragmentado e com certeza irá se tornar ainda mais disperso, personalizado e sempre sujeito a revisões à luz de novas experiências estéticas”. Houve mudanças no que é considerado bom em seus vários sentidos de acordo com nossa espécie. Não podemos mais seguir uma moralidade amigável, enquanto navegamos em águas rasas, no trabalho ou em qualquer outro lugar. Os novos padrões de beleza e cidadania, mudam o tempo todo em um mundo altamente complexo e interligado. Ricoeur (1958) se sente indignado com essa dispersão do real valor da beleza e o surgimento de uma falsa moralidade amigável, nada ético. Von Hildebrand (2016), MacIntyre (2001), Sucupira Lins (2010) se preocupam com esse quadro em que vivemos de uma falsa beleza. Esses filósofos desenvolveram trabalhos importantes sobre a educação moral, ética e de valores. As pessoas de interioridade moral elevadas, são consideradas por esses filósofos, possuidoras de beleza estética superior.

Voltando novamente aos conceitos de beleza de Gardner (2012, p. 176), ele ressalta que nas sociedades, em grande “parte da história, as noções de verdade, beleza e bondade foram relativamente consensuais.” As verdades estabelecidas e determinadas, ao invés de emergir como uma beleza habitual, foram individualizadas a questões irritantes e pessoais, foram julgadas como moralidade amigável ou simplesmente desconsideradas. O psicólogo destaca que há uma tendência em unificar as três virtudes: o que é visto como verdadeiro, também é belo e bom ou vice-versa. Gardner (2012) afirma que a moralidade e a ética devem ser respeitadas e observa:

  • É preciso agir com respeito moral em relação a todas as culturas.
  • É preciso haver esforço para formar bons cidadãos e uma sociedade justa.
  •  É preciso transcender o egoísmo e servir como modelo que inspirou outras pessoas a agirem de forma responsável.

Von Hildebrand (2016) falando da feiura dos vícios, explica que eles apenas parecem irradiar dos desvalores morais. Isso não significa que devemos ver da mesma forma o que é moralmente bom e bonito. Mas não devemos esquecer que a beleza tem seu fundamento no valor moral e a feiura no desvalor moral. A beleza, portanto, deve resultar da reflexão, da irradiação, da fragrância do valor moral que pertence à pessoa de virtudes. A beleza do valor moral transcende o egoísmo e permite acender o brilho moral da pessoa responsável.

Por que é importante ter brilho interior? Que benefícios adquirem as pessoas boas e de beleza estética superior?

Assim como von Hildebrand (2016) associa o valor moral a beleza da pessoa de caráter, Berger (1965, p.26) fazendo uma análise psicológica tradicional do caráter afirma: “se lhe retirarmos tudo o que for da jurisdição da psicologia, da lógica, da moral, da estética, e se separarmos tudo aquilo que é dissimulado, nela existe de tímida metafísica.” Ele afirma que a análise do homem não pode ser desagregada de seu caráter, porque ele deve ser analisado em sua totalidade. O homem para Berger (1965, p.27) é absolutamente único e original e reage diferente em relação aos outros. Para compreender melhor seu comportamento e como eles se relacionam uns com os outros, é preciso entender que:

Seus desejos, os poderes e as fraquezas, as maneiras gerais de sentir, de agir e de pensar, não são, nos seres, uma poeira a qual apenas a existência do organismo, o fato: bruto de estar “aqui”, “agora”, comprometido em tal situação específica, conservasse unida. Todas essas disposições estão agrupadas em estruturas, que se devem reconhecer e descrever antes de procurar-lhes as causas.

Para Berger a estética indica o que provém da sensação pura de nossos sentimentos, mas também diz respeito às belas artes. O estudo da psicologia permite fazer uma junção entre essas duas áreas. “Nenhuma vida estética existe para quem as ideias e os sentimentos significam mais do que sua expressão sensível” (BERGER, 1965, p. 122). Não pode haver nenhuma vida estética da pessoa se não for libertadora no sentido “de apropriação e da vontade de poder.” (idem). Toda vida em que a pessoa seja o centro dos estudos, tanto em sua moral, política ou estética, seus juízos de valores   serão sempre acompanhados de vida e exaltação.  As pessoas sempre demonstram esses sentimentos, seu brilho e sua beleza interior. Isso ocorre toda vez que sua luz, sua paz, irradia sua liberdade interior, disponibilizando para si uma tomada de consciência e essa capacidade pode colocar sua vida em ordem. Essa ordem deve ocorrer por meio de seus atos e principalmente da beleza estética, moral e do bem-estar que emana de seu interior e de sua verdade.

O pensamento de Berger (1965) e von Hildebrand (2016) é semelhante ao de Sertillanges (2010) ao afirmar que a moral emana do interior da pessoa e de sua beleza estética:

Vem ao encontro dos que a amam, dos que lhe não resistem, e este amor pressupõe a virtude. A virtude é a saúde da alma. […] Quais são os inimigos do saber? Evidentemente a inteligência: e, por isso, o que dizemos dos vícios, das virtudes e do seu papel na ciência, pressupõe sujeitos no restante iguais. (SERTILLANGES, 2010, p. 17-19)

Para o autor o pensamento sublime de uma pessoa, desvenda seu rosto de verdade e sua beleza. Esse é um fato que nos leva a compreender que somos uma mesma espécie, com alma universal, cujo espírito espera sempre uma adaptação divina, inspiradora e profética. Isso ocorre porque Deus é o primeiro autor que escreveu essa história (SERTILLANGES, 2010). A pessoa de espírito alcança a alma de todas as outras. Sua forma de cativar o outro independe de ser escravo da moda, ou seja, é simples e verdadeiro. As pessoas que são artificiais, ofendem a beleza.  O segredo da força dos mestres é cultivar as coisas simples, eles “não se cansam de repetir, como S. João Evangelista não se fartava de incular: <<Amai-vos uns aos outros>>.” (idem, p. 162) Essa é a lei e o estilo dos profetas, “é a inocente nudez que revela o esplendor das formas vivas: pensamento, realidade, criações e manifestações do Verbo.” (idem). Desperdiçamos o tempo e o substituímos pelo egoísmo. As almas de espíritos nobres e belas esperam sempre que permaneça nas pessoas, sentimentos bons e atitudes boas. Isso só pode ser feito com trabalho e dedicação e prática do bem para se tornar uma pessoa de espírito transcendente.  É por isso que Sertillanges (2010, p. 192) esclarece que “o trabalho em si é valor. […] O amor não teme as decepções, como nem a fé e esperança de sólidas raízes as temem.” A pessoa de beleza estética, não teme decepções, nem tristezas, sempre desperta o melhor que há em si e sentimentos bons nas pessoas a sua volta. Essa pessoa possui senso de justiça apurado, portanto é natural que sua alma tenha uma pureza que permita sua transcendência, sua florescência.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prática da justiça, amizade e coragem neste estudo mostrou que as pessoas de beleza interior e de valor transcendente, são especiais e de virtudes. A beleza metafísica dada a nós, implica em ter uma beleza moral elevada, na interioridade da pessoa com valor intuitivo e brilho próprio. São pessoas capazes de captar por meio de seus sentidos o valor que cada pessoa possui em si e entender como sua espiritualidade pode fazer coisas boas, dignas e belas. A análise das pessoas justas, amigas e corajosas mostrou o quanto elas são virtuosas. A interconexão dessas três virtudes possibilitou uma compreensão de como as pessoas que as vivem na prática, possuem moral elevada. O respeito, fidelidade e veracidade são virtudes presentes nas pessoas justas, amigas e corajosas que praticam o bem.

A beleza metafísica dada a nós pressupõe as questões morais porque a pessoa de interioridade e moral elevada são belas. Para adquirirem essa beleza precisam ser generosas, humildes e éticas. As pessoas humildes e de caráter elevado mostram toda a sua grandeza e seu valor.

A justiça foi e será sempre uma necessidade de toda uma sociedade. Todos querem ser respeitados e viver com dignidade, sem justiça não há respeito e como ser feliz. Justiça para todos é importante e precisa ser discutida pelas sociedades desse século. As injustiças sociais prejudicam o senso de responsabilidade e provocam problemas emocionais graves na pessoa. É crucial restabelecer uma segurança que permita uma maior tranquilidade em relação ao respeito ao outro. A justiça, amizade e respeito, estão intrinsecamente ligadas às pessoas de caráter porque são verdadeiras e capazes de cativar muito mais amigos, são boas e possuem a virtude da coragem.

Coragem é uma realidade entre pessoas éticas e está enraizada na extensão da história das civilizações, faz parte da construção do próprio ser enquanto sujeito digno de respeito pela sociedade que está inserido. O homem corajoso se desenvolve e abandona seus medos e defesas para encarar o seu verdadeiro eu, em prol do outro. O corajoso não saberia agir de outra forma, traz em si a responsabilidade do bem-estar do outro. A beleza estética é maior que a beleza exterior.  A interioridade que emana dos sentidos, tem luz e brilho único.

Nesse sentido de beleza e o valor da montanha não está só no que podemos ver, mas no que apela para os sentidos: os cheiros, sua cor, sua luz e aquilo que sentimos quando observamos a montanha e sua paisagem. É uma beleza que desperta em nós o que há de mais sublime, é transcendente, ultrapassa a sua beleza externa. Sua beleza está no visível e o no audível. Aquilo que vemos é belo e tem seu valor, e o que não vemos, mas sentimos, apela aos nossos sentidos e emoções. Essa beleza perceptiva, afetiva e emocional transborda de alegria os corações a sua volta. Esse tipo de sentimento só existe em pessoas com virtudes. A justiça, amizade e coragem são virtudes magnânimas e características de pessoas boas.

Concluímos que há na beleza metafísica o comportamento de uma pessoa justa, amiga e corajosa. Essa comparação é possível porque a pessoa que possui essas virtudes, possui uma personalidade moral elevada que podemos relacionar com a beleza metafísica.

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[1] Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Ética na Educação (GPEE), Professora Doutora da Faculdade das Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Iguaçu (UNIG), Brasil.

Enviado: Fevereiro, 2021.

Aprovado: Maio, 2021.

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Filomena Maria Rates Soares

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