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Aplicação Das Provas Piagetianas Para Avaliação Do Processo Cognitivo Da Criança No Contexto Escolar: Um Relato De Caso

RC: 77861
22.130
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/provas-piagetianas

CONTEÚDO

 ARTIGO ORIGINAL

ALVES, Adriano de Souza [1], BARBOSA, Juliana Maria [2], RAMOS, Júlia de Freitas [3], CAMPOS, David Martins [4], COSTA, Ana Paula Cornélio da [5]

ALVES, Adriano de Souza. Et al. Aplicação Das Provas Piagetianas Para Avaliação Do Processo Cognitivo Da Criança No Contexto Escolar: Um Relato De Caso. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 03, Vol. 04, pp. 77-93. Março de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/provas-piagetianas, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/provas-piagetianas

RESUMO

A teoria dos estágios do desenvolvimento proposta por Piaget permitem, através da aplicação de um conjunto de provas cognitivas (provas piagetianas) avaliar e identificar o nível de desenvolvimento cognitivo. As provas piagetianas foram aplicadas em um infante de nove anos, sexo masculino, aluno de escola pública, matriculado no terceiro ano. A criança em questão apresentava déficits significativos de aprendizagem e dificuldades escolares. Esta pesquisa se trata de um relato/estudo de caso acerca da aplicação das provas piagetianas e intervenções realizadas com a criança a partir do seu desempenho nestas provas. Estas intervenções promoveram uma melhora na aquisição dos conteúdos, bem como na sua interação e autonomia.

Palavras-chave: Provas piagetianas, Defasagem escolar, Intervenção psicopedagógica, Desenvolvimento cognitivo.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi desenvolvido a partir de um estudo de caso com uma criança com dificuldades escolares significativas, com a qual foi realizada a aplicação das provas piagetianas, sendo que foi possível identificar seu processo cognitivo e, a partir disso, realizar intervenções necessárias para a contribuição no seu desenvolvimento escolar.

Ao longo dos seus trabalhos, Piaget desenvolveu teorias do desenvolvimento cognitivo que se tornaram um dos mais representativos estudos nesta área. Inicialmente, ele se dedicou aos estudos a partir da ótica científico-biológico. Newcombe (1999, p. 135), afirma que,

a tese central de Piaget é a de que as pessoas são ativas, curiosas e engenhosas durante toda a vida. Além disso, assume-se que o conhecimento tem uma meta específica: a de ajudar o indivíduo a se adaptar ao ambiente.

O foco principal da teoria piagetiana está centrado nas transformações que os indivíduos desenvolvem a partir de informações que recebem dos sentidos. Dessa forma, a criança e o adulto constroem e desconstroem conhecimentos continuamente.

Com a aplicação dessas provas propostas por Piaget foi possível verificar o nível de desenvolvimento cognitivo de um aluno de 09 anos da rede pública municipal de ensino que apresentava dificuldades de aprendizagem escolar significativas, e posteriormente, com base na análise feita após a aplicação foram planejadas intervenções que estimulassem o desenvolvimento/amadurecimento de suas estruturas lógicas, sendo possível, posteriormente, observar um avanço em seu rendimento escolar, maior interação no ambiente institucional, além disso, melhor desenvolvimento da autonomia por parte do aluno no processo educativo.

Ademais, espera-se que este trabalho desperte a atenção para a utilização das provas piagetianas no processo educativo da criança que apresenta algum quadro de dificuldade de aprendizagem, bem como ofereça aos professores e demais membros da equipe escolar uma melhor atenção na construção dos planejamentos e em suas didáticas.

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 PROCESSOS COGNITIVOS NA INFÂNCIA

Como se sabe, ao nascer, a criança é puro reflexo. Suas atividades se resumem às coordenações sensoriais motoras. E entende-se, de acordo com a teoria piagetiana, que para a mente humana construir conhecimentos é necessário adaptar-se ao meio. Ou seja, é interagindo com o meio que o homem passa por um processo de adaptação. Para Piaget apud Newcombe (1999, p.11),

há adaptação quando o organismo se transforma em função do meio e essa variação tem por efeito um aumento das interações entre o meio e o próprio organismo que são favoráveis à conservação deste.

Assim, para adaptar-se e formar novas experiências no ambiente, há o equilíbrio entre dois conceitos para resultar essa adaptação: a assimilação e a acomodação.

De acordo com Chiarottino (2005, p. 18), a assimilação “consiste em uma incorporação dos objetos aos esquemas de ação do sujeito”, ou seja, com os conhecimentos adquiridos com a assimilação a criança é capaz de criar novas ideias. Exemplo, o bebê nasce com o reflexo de sucção, assim no princípio da vida ele tende a sugar tudo o que toca. A assimilação pode ser compreendida como,

a integração às estruturas prévias, que podem permanecer inalteradas ou serem mais ou menos modificadas por essa integração, mas sem descontinuidade com o estado precedente, ou seja, sem [as estruturas] serem destruídas e [com estas] se acomodando simplesmente à nova situação (PIAGET apud SEBER, 1997, p. 13).

Ainda de acordo com Chiarottino (2005, p. 18), a acomodação “é a modificação de um esquema em outro, capaz de assimilar objetos não assimiláveis”, isto é, o sugar para o bebê funciona para o mamilo e não para o dedo ou chupeta. Nessa etapa, os esquemas pré-existentes são modificados e outros podem ser criados. O cognitivo se reorganiza diante as novas informações com o conhecimento já pré-existente.  Assim, Piaget acreditava que o desenvolvimento infantil avança de um estágio para o outro, no qual se adquire novas capacidades nessas passagens. Coll, Marchesi e Palacios (2004, p. 28), caracteriza estágio como,

em cada momento do desenvolvimento, os esquemas de que as crianças dispõem mantém uma certa relação entre si; todos eles pertencem a um mesmo nível de funcionamento e de complexidade; todos formam uma estrutura. Cada um desses níveis de complexidade ou níveis estruturais é um estágio evolutivo.

Dessa forma, Piaget dividiu estes estágios em estágio sensório-motor (de 0 a 18 meses); pré-operatório (de 18 meses a 7 anos); operatório concreto (compreendido entre os 7 anos a 12 anos) e por fim, operatório formal (12 em diante).

O estágio sensório-motor é mercado pelo desenvolvimento da inteligência através do uso das ações motoras e das impressões sensoriais, abrangendo do nascimento até os 2 anos de idade (GOULART, 2011).

O segundo estágio denominado de pré-operatório é marcado pelo o início do entendimento sobre mundo. É o aparecimento da linguagem e da função simbólica, sendo que as crianças começam a pensar no objeto que não está presente. Esta por sua vez, tem mudanças significativas nos aspectos cognitivos, afetivos e sociais, pois permite as inter-relações (TERRA, 2010).

Neste período, é possível que a criança narre situações passadas, represente cenas já vistas através dos jogos simbólicos ou verbalize situações futuras. Outra característica nesta fase é o egocentrismo, sendo que a criança não reconhece outros pontos de vistas, incapacidade de descentração, que é quando uma criança centra a sua atenção num só traço específico do objeto. E irreversibilidade que é quando a criança ainda não compreende os conceitos de conservação de quantidade, volume e números (GOULART, 2011).

No terceiro estágio do desenvolvimento proposto por Piaget, o operatório concreto, há uma importante transição em razão da aquisição do conceito de conservação. A importância dessa noção de conservação está ligada às regras que conduzem o pensamento, regras como a reversibilidade, identidade e compensação. No momento que a criança interage com eventos capazes de construir o pensamento é possível que a mesma descubra lógicas que contribuem para esta construção. Goulart (2011, p. 66) descreve que,

A partir de aproximadamente 7 anos, muda-se a forma pela qual a criança aborda o mundo. No período pré-operatórios, a criança, construía seu conhecimento sobre o mundo através de manipulações, isto é, ações que implicam em contato direto com o real. A partir do período em que se instala a conservação, o egocentrismo regride e estas ações são substituídas por operações, que são ações interiorizadas (conhecer o real implica em pensar sobre ele) e reversíveis (uma ação pode voltar ao ponto de partida ou ser anulada através de uma operação mental.)

No quarto estágio do desenvolvimento, operatório formal, há um avanço significativo porque as crianças aplicam a lógica em objetos reais ou a objetos que são fáceis imaginar. É o início da capacidade do pensamento hipotético, desde que este esteja ligado a realidade concreta, segundo Goulart (2011, p. 82), “os traços do pensamento formal unem-se para transformá-lo em instrumento do raciocínio científico, o que permite ao adolescente ser capaz de achar a solução correta para um genuíno problema de descoberta científica”.

2.2 PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM EM CONTEXTOS ESCOLARES.

A aprendizagem é um processo amplo e contínuo que tem início desde o nascimento e vai se desenvolvendo de acordo com a maturação biológica e psicológica. Através da construção do processo mental implica na aquisição de um conhecimento novo e, além disso, são nas relações sociais que a aprendizagem acontece (BARBOSA, 2015).

A partir dos primeiros anos, a criança já pode ser inserida na escola, na qual ocorrerá a aquisição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores capazes de resolver situações cotidianas, em pleno exercício da cidadania.

A escola, por sua vez, é um espaço de aprendizagens múltiplas, sejam eles os conteúdos básicos presentes nos currículos educacionais ou aprendizagens que englobam fatores sociais, emocionais, valores culturais dentre outros. Assim, a criança precisa ser um constante aprendiz para ir se adequando no meio social, e estas são aprendidas sempre na relação com o outro.

Mas o que nos interessa neste momento é caracterizar o processo de aprendizagem no contexto escolar. É comum que os sujeitos apresentem comportamentos que podem influenciar no baixo rendimento e levar ao fracasso escolar. Diante disso, é importante ressaltar o papel do psicólogo ao lidar com estas circunstâncias apresentadas, a fim de buscar meios para desenvolver estímulos e recuperar estes alunos ao nível de desenvolvimento da aprendizagem satisfatório.    A escola é uma instituição que funciona simultaneamente como um sistema libertador e opressor. Ao mesmo tempo em que dá condições de aprendizagens, de construção de conhecimento, ela age como uma instância que exige uma eficiência capaz de não atender ao conjunto de especificidades que cada aluno traz consigo. Dessa forma, o aluno que não corresponde às propostas oferecidas pelo sistema educacional pode ser enquadrado ao fracasso escolar (PAÍN, 1985).

É importante mencionar, como destaca Paín (1985, p. 13) que os problemas de aprendizagem podem ser em nível escolar, dado pela falta de estímulo, resistência às normas, má formação do docente etc. e há dificuldades em situações cotidianas, ou seja, está “contra a normalidade deste processo, qualquer que seja o nível intelectual do sujeito”.

No que tange a aprendizagem escolar, Santos e Graminha (2006, p. 102), destacam que os problemas recorrentes apresentados em sala de aula podem ser acarretados tanto pelas características pessoais quanto pelas condições do ambiente (familiar, social…). As autoras compreendem que,

Crianças com dificuldades de aprendizagem apresentam modos de enfrentamento inadequados frente às situações cotidianas e às relações interpessoais, predominando condutas que sugerem baixa capacidade de auto-regulação, hostilidade e resistência às normas. Muitas vezes elas são descritas como desobedientes, irritáveis, impacientes, agitadas, inseguras, briguentas e destrutivas.

Assim, crianças que apresentam dificuldades seja ela cognitiva ou comportamental, muitas vezes é mal interpretada pelos professores, gestores e até mesmo pelo sistema educacional, que são capazes de desenvolver políticas de inclusão, mas não cumprem o dever de integração. A discriminação ao aluno com baixo rendimento é um dos grandes problemas enfrentados pela educação, visto que o foco pelo fracasso escolar recai somente sobre o mesmo, deixando de lado uma análise sobre o conjunto de fatores que podem contribuir para este rendimento.

Diante disso, para que a escola possa trabalhar com alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem é importante contar com uma equipe de qualidade, com formação comprometida ao entendimento acerca do desenvolvimento da criança, bem como sobre o processo de pensamento que vão sendo adquiridos gradualmente e suas aprendizagens para que o processo educacional ocorra de forma satisfatória e positiva.

2.3 PROVAS OPERATÓRIAS PIAGETIANAS

A utilização das provas piagetianas podem auxiliar na compreensão do funcionamento das habilidades lógicas do indivíduo, permitindo investigar e identificar o nível cognitivo, bem como atrasos em relação a idade cronológica.  De acordo com Sampaio (2018, p. 41), “uma criança com dificuldades de aprendizagem poderá ter uma idade cognitiva diferente da idade cronológica. Esta criança encontra-se com uma defasagem cognitiva e esta pode ser a causa de suas dificuldades de aprendizagem”. Sendo assim, é difícil para a criança aprender um conteúdo que está acima da sua capacidade cognitiva.

As provas piagetianas são classificadas em provas de conservação, classificação, seriação e mensuração espacial.  São treze provas operatórias, a saber: Conservação de pequenos conjuntos discretos de elementos; Conservação de superfície; Conservação dos líquidos; Conservação de Massa; Conservação de Peso; Conservação de Volume; Conservação de Comprimento; Mudança de Critério (Dicotomia); Inclusão de Classes; Intersecção de Classes; Seriação de Palitos; Combinação de Fichas e Predição.

O processo de investigação se dá por meio de diálogo e reflexões acerca das respostas dos alunos, pois é importante ficar atento às justificativas dadas para que se possa interpretar o processo do pensamento da criança. Silva et. al (2015, p. 401) traz que,

Para Piaget não existem respostas erradas ou certas, elas devem ser interpretadas para que o processo seja entendido, e assim capturar a essência do pensamento da criança e então classificá-la de acordo com um estágio determinado de desenvolvimento cognitivo. Desta forma, tem-se a estrutura das provas: com o objetivo final de descobrir algo sobre os raciocínios que se escondiam nas respostas certas, mas com interesse pelos processos que estavam intrínsecos nas respostas erradas.

O objetivo da utilização das provas piagetianas é identificar o estágio de desenvolvimento da criança, bem como seu nível de desenvolvimento cognitivo, não se importando como o erro ou acerto das respostas. O primeiro nível expressa que a criança não compreendeu os conceitos avaliados. O segundo nível refere-se àquelas crianças que apresentam respostas incompletas, que alcançaram parcialmente êxitos nas respostas. Já o terceiro nível é quando as respostas foram dadas com êxito e argumentações claras (SAMPAIO, 2018).

3. METODOLOGIA

O presente trabalho se trata de uma pesquisa do tipo relato/estudo de caso, realizada de março a novembro de 2019, fruto de uma experiência de estágio básico do curso de psicologia, em que foram aplicadas as provas piagetianas e realização de intervenções em uma criança com dificuldades de aprendizagem em contexto escolar.

O participante do estudo era do sexo masculino, não apresentava diagnóstico clínico e tinha, na data da aplicação, nove anos. Mesmo sem um diagnóstico, a criança apresentava déficits acadêmicos, de comunicação e interação social.

Para a realização deste relato de caso foram observados os registros das aplicações das provas piagetianas, bem como as intervenções realizadas posteriormente aos resultados obtidos em relação às aplicações.

Todo o registro da aplicação das provas piagetianas bem como das intervenções realizadas ficaram sob a guarda da escola. Por essa razão, para o acesso aos registros foi feito o Termo de Compromisso de Utilização de Dados (TCUD) assinado pela responsável da instituição.  Além disso, após a assinatura dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pela responsável e do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) pelo participante, para o desenvolvimento inicial do trabalho, foi realizada uma entrevista com a responsável pelo aluno.

O Relato/Estudo de Caso foi submetido para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos Sylvio Miguel, atendo à resolução 466/2012 e da Carta Circular nº 166/2018-CONEP que esclarece sobre pesquisas do tipo Relato de Caso, antes da sua publicação.

Aos participantes foi assegurado o direito de participar ou não da pesquisa. Assim, foi afirmado que os participantes compreenderam os objetivos da pesquisa, bem como sua participação na mesma, recebendo todas as informações pertinentes.

As informações que possam vir a identificar qualquer do participante da pesquisa ficarão sob a guarda dos pesquisadores com o intuito de preservar o anonimato dos sujeitos entrevistados, de forma a garantir o sigilo e a privacidade de todos os participantes. Os materiais coletados serão utilizados para fins científicos, sendo que os pesquisadores se comprometeram e garantiram sigilo sobre esse material.

4. RELATO DE CASO E DISCUSSÃO

4.1 PERFIL DO ALUNO

O participante deste relato de caso que será aqui identificado como M.A como forma de proteger a sua identidade, ingressou na escola onde foi realizado esse trabalho desde a Educação Infantil, aos 05 anos de idade em 2013 no Pré II.

Não havia nenhum diagnóstico a respeito desse aluno, porém a sua dificuldade na linguagem, comunicação, coordenação motora, interação e aprendizagem escolares chamavam a atenção desde sempre dos professores, da família e da equipe escolar.

Os professores que são coadjuvantes na detecção dos sinais primários em relação às dificuldades de aprendizagem desses alunos, observaram que M. A apresentava uma defasagem em relação à aquisição dos conteúdos referentes ao currículo do respectivo ano escolar. Apresentava atraso na decodificação da leitura, soletração pobre, dificuldade em recordar fatos, problemas de organização, aquisição lenta de novas aptidões, problemas na grafomotrocidade[6], problemas na de noção do tempo, desorganização temporal sequencial e domínio pobre nos conceitos matemáticos.

Além disso, ele pouco se comunicava e interagia com os colegas e professores, não explorava os diferentes ambientes da escola e havia problemas de aquisição de comportamentos de autonomia.

Dessa forma, como proposta pedagógica da escola foi construída um PIP (Proposta de Intervenção Pedagógica) e Relatório individual, documentos estes que relatavam as maiores dificuldades do aluno, sendo que os professores trabalhavam com atividades diferenciadas em relação ao seu nível de aprendizagem com o intuito de sanar ou diminuir a sua defasagem.

Sendo assim, quando o trabalho do estudo de caso teve início, M.A apresentava dificuldades na aquisição da leitura e escrita, na oralidade, coordenação motora fina comprometida, confusão com a noção do tempo e espaço, sequenciar ideias. Demonstrava ser uma criança com pouca socialização, tímido, dificuldade em estabelecer contato visual e sua linguagem era empobrecida. Comunicava-se usando palavras e/ou frases curtas. Conseguia identificar a comunidade rural em que residia e sua idade. Porém, não sabia dizer a data do seu aniversário, seu nome completo, dia da semana e seu ano escolar. Sua coordenação motora era comprometida, demonstrando dificuldades em manusear objetos utilizando as duas mãos ao mesmo tempo e em atividades de corridas ele demonstra medo e insegurança. Seu nível de aprendizagem escolar era considerado insatisfatório para a sua idade. Ele cursava pela segunda vez o 3º ano do Ensino Fundamental dos Anos Iniciais e tinha 09 anos de idade.

A partir deste histórico escolar, surgiu o interesse de investigar como se dava o processo de pensamento dessa criança e apontar o seu estágio de desenvolvimento para que assim, pudesse elaborar melhor as intervenções.

Antes de iniciar a aplicação das provas piagetianas foi realizado uma entrevista com a responsável do nosso participante do estudo de caso. A avó materna da criança compareceu à escola e respondeu algumas perguntas para ajudar no entendimento sobre o nosso participante em análise.

A partir disso, iniciou-se o processo de aplicação das provas piagetianas com o intuito de perceber o processo cognitivo de pensamento dessa criança em questão.

4.2 APLICAÇÃO DAS PROVAS OPERATÓRIAS

A aplicação das provas foi dívida em seis sessões, sendo que nas 5 primeiras sessões foram aplicadas 2 provas e na sexta sessão as 3 provas restantes.

Na primeira sessão foram aplicadas a provas de conservação de pequenos conjuntos e conservação de superfície. O participante apresentou dificuldades na realização da proposta, não demonstrando noção de reversibilidade (se esticar, não muda a quantidade) e não teve noção de compensação (uma fila está com as fichas mais próximas e o outra com as fichas mais afastadas). Em suas respostas não conseguia elaborar uma explicação sobre as mesmas, apresentava dificuldades em se comunicar e quando interpelado respondia apenas, “não sei”.

Foram aplicadas na segunda sessão as provas de conservação de líquidos e de massa. O participante não conseguiu perceber a conservação tanto de líquido quanto de massa e não conseguiu dar explicações lógicas sobre suas respostas.

Na terceira sessão foram aplicadas as provas de Conservação de Peso e Conservação de Volume. Na prova de Conservação de peso o participante relacionava o tamanho da massinha com seu peso, ou seja, para ele a massinha em formato de rolinho estava mais pesada que a bolinha. Na prova de conservação de volume mostrou-se mais interessado no fato da massinha usada estar colorindo a água.

Foram aplicadas na quarta sessão, as provas de conservação de cumprimento e mudança de critério. Na prova de conservação de cumprimento, à medida em que a correntinha sofria alguma alteração, sua resposta se modificava, não apresentando a ideia de conservação. Na prova de mudança de critério apresentou muita dificuldade em categorizar as peças segundo as orientações do aplicador.

As provas de seriação de palitos, combinação de fichas e predição foram aplicadas na sexta e últimas sessão.  Na prova de seriação o participante apresentou dificuldades em ordenar os palitos, não concluindo a atividade. Na prova de combinação de fichas, suas combinações foram casuais, não definindo critérios lógicos para combiná-las. Na prova de predição conseguiu um resultado mais satisfatório ao perceber que o maior número de fichas verdes aumentava a probabilidade de que elas saíssem mais.

É possível perceber que a criança não respondeu às provas piagetianas como esperado para sua idade cronológica, mas não apresentava qualquer diagnóstico que indicasse a presença de algum transtorno mental, intelectual e ou neurológico. De acordo com suas respostas, encontrava-se no estágio pré-operatório.

4.3 INTERVENÇÕES REALIZADAS COM A CRIANÇA

Com base nos resultados obtidos através das provas operatórias a proposta de intervenção visou desenvolver as estruturas lógicas da criança M.A. Para a aquisição das aprendizagens de conteúdos do 3º ano do Ensino Fundamental I é necessário que a criança tenha atingido o estágio operatório concreto para melhor aquisição dos conteúdos escolares básicos: leitura, escrita e cálculos.

As intervenções foram pensadas a partir do conceito proposto por Vygotsky de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que se refere à distância entre o nível de desenvolvimento real (NDR) e o nível de desenvolvimento potencial (NDP).

O primeiro nível, segundo Vygotsky (1998, p.57) “pode ser chamado de nível de desenvolvimento real, isto é, o nível de desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento já completados”. O NDR é quando o indivíduo que já conquistou estruturas operatórias amadurecidas, sendo capaz de realizar tarefas de forma independente. Já no segundo nível, a NDP, de acordo com De Moraes (2018), o sujeito consegue realizar as tarefas com o apoio de outros mais experientes, pois se refere a habilidades que ainda não domina completamente, mas está em vias de fazê-lo.

Vygotsky (1998, p.58) aponta então que a ZDP “define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário”. Assim, no contexto escolar, o profissional interfere diretamente na ZDP, sendo o mediador para identificar as capacidades da criança, e a partir disso, determinar um percurso para o seu crescimento educacional, social e mental.

Ao pensar em nosso participante, o fato dele estar no pré-operatório pode nos ajudar a entender com mais facilidade suas dificuldades de aprendizagem. E com isso, foi constato que o aluno apresentava uma idade cognitiva diferente da idade cronológica. Dessa forma, a pesquisadora, bem como a equipe pedagógica apontou a necessidade de intervenções para auxiliá-lo cognitivamente.

A professora regente trabalhava com atividades escolares referentes a séries anteriores para que ele pudesse adquirir conhecimentos de acordo com o seu nível de pensamento cognitivo. Portanto, foram trabalhados textos menores para leitura e interpretação, formação de palavras e frases para desenvolvimento da sua escrita e oralidade e em Matemática ensinava-se números, grandezas, operações simples sem reserva dentre outros. Enquanto a criança não compreendia o conteúdo com segurança, não avançava para novos conteúdos. Pois aquele conhecimento precisava fazer sentido para o aluno. E nas aulas de Arte desenvolvia atividades com colagem, massinha, recorte, colorido para o desenvolvimento pleno da sua coordenação motora fina.

Ademais, o professor de Educação Física trabalhou com circuitos para o desenvolvimento da coordenação motora grossa, para que o aluno tivesse segurança ao correr e andar. Pois, o mesmo andava na ponta dos pés e durante as observações foi possível perceber o medo que ele tinha ao correr.

Além disso, a responsável pela criança, a avó materna, resolveu realizar uma bateria de exames de M.A com médicos especializados. E ao ser indagada se havia um possível diagnóstico dado pelo médico ao aluno, a avó relatou que não havia nada, mas que ele estava fazendo uso do medicamento Depakene.

Por conseguinte, a pesquisadora realizou algumas propostas de intervenções através dos jogos, sendo que através destes a criança pode perceber suas respostas, se havia conflito ou coerência.

Em um primeiro momento, a pesquisadora tentou trabalhar com o M.A sozinho, em uma sala reservada da escola, onde pôde trabalhar com jogos de sequência lógica e o aluno deveria colocar as figuras na ordem lógica e contar o que acontecia nelas, contar uma história sobre o que ele via. Foram basicamente uns três encontros desse formato. Porém, a pesquisadora percebeu que o aluno estava com dificuldade de estabelecer uma relação confortável, demonstrava-se tímido sempre para realizar as atividades.

Foi então que a pesquisadora, com a autorização da professora, resolveu fazer as intervenções com o M.A juntamente com alguns colegas de sala e o resultado foi positivo. O aluno participou com mais entusiasmo das atividades propostas.

Com esse grupo de aluno foi ofertado jogos como dominó (de figuras, de números, de operações matemáticas simples, de palavras, de frases, profissões, etc.) quebra-cabeça, jogo da memória, dentre outros. Além dos jogos serem um método que contribui para o desenvolvimento do pensamento da criança, essas intervenções realizadas em grupo permitiram que o M.A promovesse uma maior interação social com os colegas.

Foram longos meses de intervenções, que foram capazes de provocar uma melhora no rendimento escolar do aluno. Foi possível observar que o aluno conseguia se relacionar melhor com os outros alunos da escola, bem como com os professores. Na sala de aula, demonstrava-se interesse em realizar as atividades, seu nível de pensamento estava tendo bom desenvolvimento, pois algumas atividades ele resolvia com autonomia, sem esperar as orientações precisas do professor.

Antes era um aluno retraído, quieto, calado. Com o trabalho das intervenções passou a ser mais visível em sala de aula, pedindo para ler, declamar poesias, apresentar teatro.

Foi um trabalho bastante positivo para a vida da criança, sendo que a equipe escolar percebeu a sua evolução, o que com certeza gerou maior confiança para a sua vida escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi apresentado, foi possível notar, como subsídio para o trabalho com crianças que apresentam dificuldades de aprendizagens escolares, as provas piagetianas tornam-se um importante instrumento para avaliar o desenvolvimento cognitivo do sujeito, sendo que possibilita na identificação do estágio no qual ele se encontra, revelando o nível de raciocínio e a construção do pensamento da criança.

Pensando em situações de dificuldades escolar, com as provas será possível analisar o nível intelectual da criança, e assim o educando deverá ser respeitado dentro de suas especificidades pelos profissionais educacionais e o professor deverá aprimorar sua prática pedagógica com atividades voltadas para as necessidades do aluno.

As provas operatórias, bem como a teoria piagetiana possibilitaram um melhor entendimento da aprendizagem escolar de M.A, possibilitando um caminho seguro para prática das intervenções.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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VISCA, Jorge. Técnicas Projetivas Psicopedagógicas e pautas gráficas para sua interpretação, 6ª ed., Buenos Aires: Visca & Visca Editores, 2008, p. 224.

VYGOTSKY, Levy Semenovitch. A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores, 6ª ed., São Paulo: Martins Fontes; 1998, p. 224.

APÊNDICE – REFERÊNCIA DE NOTA DE RODAPÉ

6. A grafomotricidade é uma área da psicomotricidade que tem por objetivo intrometer-se na realização da grafia, ou seja, nos movimentos que são utilizados, para que seja rápida, flexível, legível e fluida (FONSECA, 2019).

[1] Mestre em Biologia Animal (Magister Scientiae) pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), Pós-graduado em “Educação na Perspectiva do Ensino Estruturado para Autistas” pela faculdade OPET, Graduado em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Graduado em Pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).

[2] Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário de Viçosa – Univiçosa.

[3] Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário de Viçosa – Univiçosa.

[4]Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário de Viçosa – Univiçosa.

[5] Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário de Viçosa – Univiçosa.

Enviado: Fevereiro, 2021

Aprovado: Março, 2021

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Adriano De Souza Alves

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