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Intervenção baseada em atenção plena e imagem corporal em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica

RC: 107324
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/pacientes

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

MARCHESINI, Simone Dallegrave [1]

MARCHESINI, Simone Dallegrave. Intervenção baseada em atenção plena e imagem corporal em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 02, Vol. 06, pp. 17-39. Fevereiro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso:  https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/pacientes, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/pacientes

RESUMO

Após os tratamentos para perda de grandes montantes de peso, é recorrente a insatisfação com a imagem corporal e a falta de reconhecimento do próprio corpo. Estes fatores constituem elementos de estudo devido às dificuldades encontradas na manutenção dos resultados, em longo prazo, também no tratamento cirúrgico da obesidade. A falta de identidade com a nova forma e a insatisfação com a imagem corporal têm sido apontadas como fatores mantenedores dos maus hábitos alimentares e do comer emocional que leva à recidiva do peso. Neste sentido, foi suscitado o interesse em saber se: Teriam as pequenas intervenções do tipo mindfulness a capacidade de melhorar a imagem corporal e favorecer o reconhecimento das distorções corporais, para então prevenir a recidiva de peso em pacientes submetidos a cirurgias bariátricas? O presente artigo tem como objetivo averiguar a aplicabilidade das pequenas estratégias meditativas do tipo mindfulness na prevenção da recidiva de peso em pacientes bariátricos. O método apresentado é um relato de caso através de 12 encontros, em regime semanal, com uma cliente do sexo feminino, 48 anos de idade, IMC pré-operatório de 42 Kg/m2 e IMC pós-operatório de 21,67 Kg/m2. Os temas dos encontros foram: psicoeducação sobre a cirurgia bariátrica, abordagem familiar, avaliação e psicoeducação acerca dos padrões cognitivos, avaliação da imagem corporal e da identidade corporal através de composição de fotografias. Os demais encontros foram distribuídos entre as pequenas práticas de mindfulness: respiração, movimento, comer com atenção plena e varredura corporal. As práticas demonstraram eficácia na diminuição da discrepância entre a percepção subjetiva interna do corpo (interocepção) e a imagem corporal (exterocepção). Houve experiência positiva do corpo fora das exigências estéticas, alcance de maior identidade com a forma corporal, saída do padrão perfeccionista e melhora avaliativa da forma e tamanho corporais. As pequenas estratégias meditativas do tipo Mindfulness mostraram-se eficazes na terapia cognitivo-comportamental para a prevenção da recidiva de peso em pacientes bariátricos.

Palavras-chave: Terapia Cognitivo-Comportamental; Imagem Corporal; Mindfulness; Cirurgia Bariátrica; Recidiva de Peso.

1. INTRODUÇÃO

A cultura vigente mantém-se preconceituosa com a obesidade e com o sobrepeso apesar dos esforços de movimentos de liberação corporal e aceitação da diversidade. O conceito social sobre as pessoas que convivem com o peso excessivo permanece ligado à falha da força de vontade, sem jamais questionar a herança genética ou a debilidade da saúde. Uma perspectiva mais recente referida por Frederick et al. (2019) admite a obesidade como doença e com hereditariedade definida. Sob esta perspectiva o controle do peso não seria integralmente de responsabilidade do doente, mas multidimensional. Esses dois enquadramentos, no entanto, determinam posições que estigmatizam o indivíduo, ora como incapaz diante do comportamento voraz de obeso, ora como indivíduo doente diante de uma predisposição genética.

O enquadramento da Terapia Cognitivo-Comportamental observa algumas características comuns em indivíduos com sobrepeso e obesidade.  São padrões de pensamento que se repetem, interferem na interpretação e na qualidade de vida, na manutenção dos sintomas alimentares, bem como na insatisfação com a imagem corporal. Neste sentido, a mudança dos padrões rígidos de percepção, pensamento e sentimento abrem a possibilidade de um papel ativo e eficaz para quem busca a saúde mental além do emagrecimento (SALA; VANZHULA; LEVINSON, 2019).

Freeman e De Wolf (1992) apresentaram os pensamentos automáticos e repetitivos que mais impactam na determinação do comportamento de indivíduos com excesso de peso. Essas distorções da cognição, que são erros de acesso e interpretação da realidade, estão na base dos relacionamentos conturbados com a comida, com a imagem corporal e com o mundo.

De acordo com Fairburn (2011) o esquema de autoavaliação disfuncional, os problemas relacionados ao padrão alimentar rígido, a insatisfação e a interpretação distorcida da própria imagem corporal são os aspectos centrais do problema dos transtornos alimentares que podem acompanhar ou não a obesidade. Esse padrão de funcionamento envolve perfeccionismo, leva os indivíduos a minimizar suas conquistas positivas, a magnificar falhas e a potencializar lapsos. Além disso, repercute com grande magnitude sobre seus autoconceitos e autoestima, e colaboram para a recidiva do peso.

Neste sentido, é suscitado o interesse em saber se: teriam as pequenas intervenções do tipo mindfulness a capacidade de exercer melhora da imagem corporal e favorecer o reconhecimento das distorções corporais, para então prevenir a recidiva de peso em paciente submetido a cirurgias bariátricas? O presente artigo tem como objetivo averiguar a aplicabilidade das pequenas estratégias meditativas do tipo mindfulness na prevenção da recidiva de peso em pacientes bariátricos. Para tal foi apresentado um relato de caso em cliente do sexo feminino, de 48 anos, com IMC pré-cirúrgico de 42 Kg/m2 e pós-cirúrgico de 21, 67 Kg/m2 atendida em 12 encontros, em esquema semanal divididos em 6 encontros pré-cirúrgicos e 6 pós-cirúrgicos. Foram temas dos encontros: psicoeducação sobre a cirurgia bariátrica, abordagem familiar, avaliação e psicoeducação acerca dos padrões cognitivos, registro de pensamentos disfuncionais, avaliação da imagem corporal e da identidade corporal através de composição de fotografias. Os demais encontros foram distribuídos entre as práticas de mindfulness: respiração, movimento, comer com atenção plena e varredura corporal.

As pequenas intervenções de estratégias de Mindfulness são práticas retiradas do programa de oito semanas que pretendem a aceitação em relação aos pensamentos, sensações ou emoções que possam vir a surgir frente às percepções internas e externas do corpo. O treino da isenção de julgamento, típico dessas práticas, é uma postura primordial para a aproximação gentil e curiosa ao que surge momento a momento.

As alterações do comportamento alimentar costumam ter como gatilho pensamentos do tipo “tudo ou nada”. Estes pensamentos são manifestos na infração às dietas rígidas autoimpostas e resultam em atitudes impulsivas radicalmente contrárias às restrições alimentares programadas. Em relação à própria obesidade, os pensamentos são catastrofizadores (“Ser gordo é pior que ter câncer”), enquanto o senso de potência diante do problema é minimizado (“Eu não consigo! Não adianta nem tentar!”). Abstraem seletivamente as recomendações profissionais e desqualificam a ajuda familiar (“A nutricionista não disse nada de novo! Minha mãe fica se metendo e só atrapalha.”). Acreditam fielmente num padrão generalizado e negativo sobre sua situação (“Não adianta, para mim nada adianta!”; “Eu já tentei de tudo que você possa imaginar”.) (BACALTCHUK; HAY, 2004).

Pessoas com longos períodos de sobrepeso e obesidade geralmente incorrem na distorção cognitiva chamada “leitura de pensamentos”. Essa distorção se mostra pelas certezas de estarem sendo rejeitados e sofrendo deboche ou discriminação em grupos e situações de exposição (“Olham para a gente como se a gente quisesse ser gordo, parece que têm nojo da gente!”).  Essas pessoas carregam internamente o senso de obrigatoriedade e dever de cumprirem com as expectativas de magreza impostos pela cultura vigente (“Eu não deveria ter comido tanto. Eu tinha que ter me controlado. Todos ficam olhando quando é um gordo que está comendo!”).

De acordo com o estudo de Sarwer et al. (2019) pessoas obesas, em particular as que buscam cirurgias bariátricas, são passíveis de apresentar transtornos do humor e transtornos alimentares. A presença dessas psicopatologias no período pré-operatório influencia os resultados da perda de peso e a manutenção dos resultados. Esses transtornos incluem sintomas de compulsão e/ou restrição alimentar, preocupação excessiva com o tema da alimentação e do corpo, insatisfação com o peso e com a forma corporal, perfeccionismo clínico, depressão e/ou ansiedade.

Já os padrões de pensamento que são recorrentes em indivíduos em processo de recidiva de peso abrangem os temas alimento, corpo e controle. Preocupam-se excessivamente e apresentam uma distorção chamada “fusão cognitiva forma/pensamento” que os faz saltar da imaginação da ingestão quantitativa excedente de alimentos calóricos para a sensação de estarem gordos (DA LUZ et al., 2017).

Geller et al. (2019) explicam que em pacientes bariátricos o índice de massa corpórea (IMC) está relacionado à prevalência de suicídio, mas que nem todos são suscetíveis a esse fator. Outras interferências estão presentes, sendo a imagem corporal o fator mais relacionado aos eventos estressores e o comportamento de comer utilizado para regular as emoções desagradáveis. Sendo assim, observar os chamados episódios de “comer emocional” torna-se importante indicador de uma má relação com o próprio corpo e a imagem dele.

Fairburn (2011) afirma que as psicoterapias cognitivo-comportamentais favorecem melhoria dos sintomas e dos fatores mantenedores dos sintomas, por isso promovem resultados significativos que são passíveis de serem mantidos ao longo de um a dois anos de acompanhamento. O mesmo autor refere que agir sobre os fatores mantenedores dos sintomas ao invés de buscar as causas é uma das estratégias usadas em Terapia Cognitivo-Comportamental dos Transtornos Alimentares e da Obesidade. Dentre os referidos fatores estão: a insatisfação com a imagem corporal e a perda de controle no ato de comer. No Transtorno do Comer Compulsivo tanto quanto na Bulimia Nervosa, esses fatores devem ser considerados.

Conforme Preston e Ehrsson (2014) o corpo percebido se refere a como o indivíduo percebe e avalia seu corpo; o registro da imagem corporal segundo Gao et al. (2016) é a representação da imagem corporal no cérebro humano.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 IMAGEM CORPORAL, COMER E RECIDIVA DE PESO: O CICLO REPETIDO DO CONTROLE DE PESO

A meditação do tipo Mindfulness, na conceituação de seu idealizador Kabat-Zinn (2005), é a prática de focar a atenção intencionalmente na experiência do momento presente. Esta atitude da vontade focada ocorre com receptividade e aceitação sem julgar o que está acontecendo ou se apegar ao modo como esta experiência deveria ou não ser.

Evitar o contato com o corpo, usar roupas largas, pesar-se, esquivar-se de espelhos e evitar contato social são comportamentos que visam prevenir situações provocadoras de ansiedade em relação à aparência física (ALBERTS; THEWISSEN; RAES, 2012). Em contrapartida, práticas meditativas do tipo Mindfulness, consideradas intervenções curtas, favorecem melhorias na percepção corporal, na avaliação e conceituação de si mesmo, e no relacionamento com a imagem corporal (ALBERTSON; NEFF; DILL-SHACKLEFORD, 2015).

Em pacientes que perdem grande montante de peso, Ramalho et al. (2014) e Busetto et al. (2018) referem à ocorrência de múltiplas melhorias na saúde geral, mas a tendência de a imagem corporal sofrer repercussões negativas e inclusive estar na base da recidiva do peso.  O excesso de pele resultante da perda do volume corporal deixa a memória da obesidade, prejudica a estética e favorece o bem-estar com o retorno da gordura como recurso plástico.

Em estudo de Bastos et al. (2014) realizado com população portuguesa, a incidência de recidiva de peso foi de até 40% nos operados bariátricos, o que torna o assunto preocupante. No Brasil foram realizadas 105.642 cirurgias bariátricas no ano de 2017 segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) com dados obtidos no Sistema de Informações Hospitalares e DATASUS. O aumento da média anual no número de cirurgias no Brasil foi de 13,5% e juntamente com esse montante, também cresceram os índices de recidiva de peso.

Independentemente de haver entendimento ou não dos aspectos biológicos, genéticos e psicológicos envolvidos no processo de perda e recuperação do peso, Velapati et al. (2018) comenta que parece haver uma lacuna não preenchida no tratamento de pessoas que vivem o ciclo frustrante do controle da doença crônica que é a obesidade. Neste fato ancora-se a necessidade de novos estudos que favoreçam o reconhecimento de recursos internos para o manejo da impulsividade na alimentação, da nova imagem corporal e da autoestima.

A cirurgia de bypass gástrico em Y de Roux tem mostrado eficácia no tratamento da obesidade severa. Christou et al. (2006) e Pizato et al. (2017) citam importantes estatísticas e referem que 93% dos operados mantêm menos de 10% do peso inicial e 40% chegam a manter 30% do peso perdido em 12 anos. A redução do reservatório gástrico que ocorre nas cirurgias bariátricas promove alterações metabólicas cuja diferença depende da presença ou ausência do desvio intestinal e do tipo deste desvio. Dimitriadis et al. (2017) referem que as mudanças na anatomia provocadas pelas diferentes técnicas cirúrgicas favorecem a diminuição da secreção do hormônio da fome (grelina), no aumento de peptídeos reguladores do apetite, e podem alterar a secreção de insulina com melhora da Diabetes Mellitus-2, entre outras mudanças.

Diminuir a insatisfação com a imagem corporal e favorecer a maior estabilidade de resultados em longo prazo é um trabalho necessário e que não está sendo realizado em cirurgia bariátrica. A falta de manejo de percepções fisiológicas (interocepções) para maior controle da impulsividade, a melhoria da autoestima e a assimilação da nova imagem corporal podem estar no conjunto de justificativas para o problema da recidiva de peso.

As práticas meditativas mostraram-se efetivas no aperfeiçoamento das interocepções (sensações fisiológicas). Segundo Cella et al. (2019) os indivíduos obesos e com sobrepeso com problemas alimentares apresentam empobrecimento das percepções internas do corpo. Já Fischer et al. (2017) referem que há uma experiência eficaz de intervenções como a “varredura corporal” ou body scan no formato de oito semanas em grupo, que se mostrou efetiva no aumento da interocepção, quando comparado com grupos controle. Os sinais corporais como batimento cardíaco ou respiração, uma vez focados e observados sem interferência, através de práticas de varredura corporal de longa duração (20 minutos), levaram à melhora da acurácia interoceptiva. Os níveis perceptivos medidos com a subescala “consciência interoceptiva” e com o “Inventário de Desordem Alimentar-2” demonstraram os resultados.

Pessoas com obesidade e problemas alimentares descrevem consciência empobrecida e percepção distorcida dos estados de fome e saciedade. Nos indivíduos que apresentam perda de controle no ato de comer, sensação mais frequente e maior nos portadores de Transtorno do Comer Compulsivo, a percepção e consciência de fome e saciedade são piores. Este fenômeno ocorre devido aos hormônios gástricos, mas também sofre influência da baixa acurácia perceptiva que prejudica a interocepção. Esses mesmos indivíduos apresentam baixa estima e desregulação do impulso (CELLA et al., 2019).

Segundo Vaitl (1996) e Herbert et al. (2012) fome e saciedade são classificados como interocepções porque se referem à percepção de sensações fisiológicas dos órgãos internos, neste caso a “acurácia interoceptiva” dos sinais gastrointestinais.

O sistema nervoso entérico, também conhecido como eixo cérebro-intestino, é afetado significativamente pelos procedimentos bariátricos. As sensações de fome, saciedade, e mesmo o efeito de empanzinamento que é provocado pelo excesso alimentar ficam determinados pelo limite do espaço gástrico imposto pela técnica cirúrgica, pela secreção diminuída da Grelina e demais alterações hormonais.

Badoud e Tsakiris (2017) investigaram a correlação entre interocepção e imagem corporal a partir de dados comportamentais e de neuroimagem. A partir daí traçaram uma correlação entre as sensações percebidas sobre as condições fisiológicas do próprio, sensações dos órgãos internos, e a imagem corporal, aquela que diz respeito à percepção, sentimentos e atitudes a respeito do próprio corpo.

Badoud e Tsakiris (2017) explicam o quanto as percepções dos órgãos internos (interocepção) afetam a formação da identidade, bem como a percepção do corpo em si (exterocepção). Isso ocorre porque a interocepção dá sensações de homeostase e equilíbrio que asseguram a estabilidade biológica do organismo e que estão ligadas também à regulação emocional.

Cella et al. (2019) referem que a estabilidade emocional se encontra desregulada nas pessoas com comportamentos alimentares perturbados, assim como ocorre nas funções biológicas. Os autores ainda explicam que essa instabilidade emocional é preditora de episódios compulsivos de comer e outras desregulagens alimentares.

Em obesos candidatos à cirurgia bariátrica com compulsão alimentar e que participaram do estudo de Cella et al. (2019) foi demonstrado que regular os impulsos, decodificar emoções e discriminar as sensações fisiológicas envolve a interocepção (percepção de batimentos cardíacos, alterações da respiração, percepção da temperatura da pele, da sudorese, de sensações gastrointestinais como fome etc.) e que estas são funções intimamente relacionadas aos processos e padrões de pensamento.

A prática de meditação do tipo Mindfulness permite que as ações saiam do modo automático em que costumam estar. O tempo da experiência em atenção plena é no aqui e agora, portanto, no momento presente.  Isso não significa que memórias e fantasias não possam surgir. O que muda é a atitude de observação diante dessas lembranças, fantasias ou preocupações. O fluxo do pensamento e das sensações é observado e contemplado sem buscar mudanças. (KABAT-ZINN, 2005).

Existe intenção de receptividade e aceitação em relação aos pensamentos, sensações ou emoções que possam vir a surgir nas práticas de Mindfulness. Nada é rejeitado ou mesmo qualificado como negativo ou bom. A ausência de julgamento é uma postura primordial para a aproximação gentil e curiosa ao que está surgindo.

A curiosidade deve ser como a de um principiante ou a de uma criança que explora o mundo. O olhar explorador e curioso é convidado a abrir-se ao surpreendente. Aquilo que vier é bem recebido, sem julgamento, com atitude gentil, livre para seguir o fluxo. Nada deve ser retido ou preso, com atitude de desapego.

O tempo daqui e agora despe a experiência de expectativas em relação a como ela deveria, ou não ser. Ao mesmo tempo, a gratidão permite que haja uma perspectiva positiva e gentil com os fatos da vida e com a própria natureza humana.

Tylka e Barcalow (2015) ressaltam que em terapêutica psicológica não basta fazer com que a concepção da imagem corporal negativa seja eliminada, mas é necessário que haja o auxílio no desenvolvimento de uma postura positiva para com o corpo. Destacam que a perspectiva corporal positiva envolve apreciação e respeito pelo próprio corpo, além da capacidade de celebrá-lo e honrá-lo. Sair da postura negativa para a neutra seria apenas passar do “Eu odeio meu corpo” para o “Eu tolero meu corpo”.

Neste sentido, intervenções para a promoção da aceitação e da apreciação corporal são importantes na prática da psicoterapia de indivíduos que têm insatisfação com a imagem corporal; fator de manutenção do comer transtornado, da experiência de falta de controle e obesidade.

3. MÉTODO

O presente artigo é um relato de caso atendido em clínica privada pelo período de doze semanas, dividido em duas etapas: seis encontros no pré-operatório e seis no pós-operatório. O seguimento pós-operatório em longo prazo está sendo continuado em encontros mensais.

O atendimento teve início em setembro de 2017. A cliente é do sexo feminino, na ocasião com 48 anos de idade, IMC 42 Kg/m2 (obesidade grau III). Seu peso máximo foi de 108 Kg e sua altura 1,60 m. Seu peso mínimo após a cirurgia foi de 55,5 Kg (IMC=21,67 Kg/m2). Teve recomendação para cirurgia bariátrica por parte do endocrinologista após várias tentativas de perda de peso com sucesso parcial. Apresentou recidiva total do peso e acréscimo de quilogramas a cada dieta realizada. Seus exames clínicos e metabólicos justificavam a opção pela cirurgia bariátrica. A cirurgia de opção foi do tipo misto: bypass gástrico com derivação intestinal em Y de Roux.

As sessões pré-operatórias consistiram na avaliação de critérios descritos por Sarwer et al. (2014) como pontos relevantes em pacientes candidatos a cirurgias bariátricas. Também foram abordados itens do Protocolo de Psicologia Bariátrica da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (2014).

O levantamento do histórico da obesidade e de fatores traumáticos na linha da vida permitiu a constatação de possíveis situações que colaboraram para o desencadeamento da doença. A avaliação das tentativas anteriores de perda de peso e interferência da qualidade do engajamento familiar nesses tratamentos. A avaliação das posturas da família e do próprio cliente diante de problemas emocionais trouxe perspectiva para o sucesso do futuro tratamento cirúrgico.

O histórico pessoal e familiar quanto ao uso ou abuso de álcool e substâncias psicoativas possibilitaram supor possibilidades comportamentais, bem como auxiliaram na constatação de uma possível migração da obesidade para a dependência alcoólica para além dos facilitadores anatômicos e fisiológicos da cirurgia.

Foram também condições importantes os dados sócio biográficos, as condições econômicas, o nível de instrução, consciência acerca do procedimento realizado, a capacidade de resiliência, a presença de diagnóstico psiquiátrico, incluindo a presença ou ausência de transtornos alimentares.

O histórico da cliente indicou início do ganho de peso aos treze anos de idade após a menarca e falta de orientação sobre os processos naturais biológicos da mulher. Os pais estavam em conflito conjugal e a cliente revelou que comia para aliviar-se das sensações ruins que tinha ao presenciar as brigas do casal. A mãe cobrava dela um posicionamento a seu favor já que o conflito girava em torno da descoberta do adultério paterno. A genética para obesidade era de origem paterna (avó obesa grau III). De acordo com relatos, o pai da cliente fazia uso abusivo de álcool, mas ela própria não exagerava na bebida alcoólica ou fazia uso de substâncias. Negou que tenha sofrido abuso sexual ou bullying na escola devido à obesidade. Referiu descontentamento com o próprio corpo e falta de identidade com sua imagem obesa. Sempre perseguiu um perfil magro que nunca conseguiu manter.

A cliente é casada e tem dois filhos. Tanto o esposo como os filhos demonstraram ciúmes em relação a ela e, embora tenham manifestado apoio à realização da cirurgia bariátrica, demonstraram receio a possíveis mudanças na autoestima e autonomia da cliente. Comentários sobre possível traição após emagrecimento foi feito pelo esposo.

Quando se submetia a dietas, no passado, familiares cobravam-lhe controle na ingestão alimentar e prática de exercícios físicos, mas não colaboravam quanto a privá-la de fazer doces ou massas para servi-los. Na tentativa de perder peso, a cliente fez uso de muitos inibidores do apetite que hoje são proibidos no mercado, bem como de antidepressivos. Também usou diuréticos e laxantes, todos integrados às fórmulas para a perda de peso.

Relatou ter tido compulsão alimentar com episódios que ocorriam sempre ao término dos tratamentos para perda de peso. Tinha crises de perda de controle ao comer e só interrompia a ingestão alimentar quando passava mal. Engordava muito rapidamente, recuperava o peso perdido nos programas de dieta e ganhava sempre um percentual de acréscimo.

4. INTERVENÇÕES

4.1 PSICOEDUCAÇÃO SOBRE A CIRURGIA BARIÁTRICA

Colom e Vieta (2006) referem-se à psicoeducação como estratégia baseada no tripé da colaboração, informação e confiança.  Esta estratégia pretende propiciar conhecimento sobre o problema a ser tratado; desenvolver recursos para que a própria pessoa consiga monitorar seus sintomas; fornecer um papel ativo no próprio tratamento e possibilitar atenção aos sinais iniciais de agravamento da doença para favorecer a busca de novo tratamento assim que necessário.

Em um artigo de revisão Frederick et al. (2019) encontraram trinta e um artigos em que a psicoeducação apareceu como principal estratégia utilizada no preparo de pacientes para a cirurgia bariátrica e metabólica. É um recurso internacionalmente conhecido e utilizado.

No caso apresentado foram esclarecidos todos os mecanismos da cirurgia de bypass gástrico em Y de Roux. A técnica foi-lhe apresentada como mista, de ação restritiva (estômago menor) e ação disabsortiva (menor absorção dos nutrientes ingeridos devido ao desvio intestinal). Devido a essas características, a cliente foi orientada sobre a necessidade de suplementação nutricional para a reposição de vitaminas, minerais e proteínas. Todas as perguntas sobre a cirurgia tiveram espaço para esclarecimento nesta etapa. A preocupação predominante foi com a anestesia geral e com a perda de cabelo no período pós-operatório.

Foram realizadas as orientações sobre futuros e novos hábitos que impactam no sucesso cirúrgico, tais como: mastigação abundante, lentidão ao comer e atenção ao novo espaço gástrico (para evitar entalos e/ou vômitos), porcionamento das refeições, priorização do sabor ao invés da quantidade de alimentos, restrição de refrigerante e alimentos pastosos e proibição parcial de bebidas alcoólicas.

Os efeitos desagradáveis da cirurgia (entalos, dumping, suplementação nutricional, perda de massa muscular) foram todos informados, com ênfase sobre o dumping que ocorre mediante ingestão de alimentos adoçados com sacarose, ricos em carboidratos simples ou com altas concentrações de gorduras. O Dumping pode acontecer imediatamente depois ou até uma hora após o consumo desses alimentos. Pode provocar diarreia, enjoo, sonolência, sensação de desmaio, sudorese, taquicardia.

Por fim, foram abordados assuntos relacionados à ingestão de bebida alcoólica, dependência alcoólica e recidiva de peso. Diferentemente do alimento que não é absorvido e precisa de suplementação, o álcool é absorvido integralmente e muito rapidamente. Esse efeito pode promover efeitos de gratificação cerebral mais rápida (desinibição e relaxamento), dependência alcoólica e efeitos indesejados aos que bebem.

4.2 CONSULTA EM FAMÍLIA

As sessões familiares tiveram como objetivo avaliar o relacionamento em família, a compreensão sobre a obesidade, a disposição dos mesmos para o cuidado da cliente no pós-operatório, o amparo psicológico, a capacidade financeira para o período de cuidados especiais (alimentação líquida, pastosa, branda; ajuda para curativo e banho; retornos à equipe multidisciplinar; suplementação nutricional).

O relacionamento em família mostrou-se tenso devido à interpretação da obesidade como descontrole e maus hábitos pessoais. A perspectiva machista do ambiente familiar atribui à mulher o conceito de figura responsável pela casa. Um padrão de mulher obesa, com autoestima rebaixada e prontidão para servir aos outros. Os familiares associaram emagrecimento à liberdade excessiva, exibicionismo e vaidade feminina. Houve, no entanto, disponibilidade para o cuidado da cliente, devido ao seu quadro clínico.

O suporte psicológico mostrou-se frágil, mas o vínculo familiar com a equipe foi bom, o que favoreceu o comprometimento com as consultas de retorno. A disponibilização da suplementação nutricional foi garantida, dado ao compromisso com a manutenção da saúde.

4.3 AVALIAÇÃO E PSICOEDUCAÇÃO DOS PADRÕES COGNITIVOS

A avaliação dos padrões cognitivos é um tipo de tarefa de automonitoramento também conhecida como Registro de Pensamentos Disfuncionais (RPD). Esta atividade consiste em anotar a frequência e contexto de comportamentos para os quais se quer despertar maior atenção e consciência, e compreensão dos vínculos entre eventos ambientais, pensamentos espontâneos e sensações. Na pesquisa de Frederick et al. (2019) este tipo de estratégia apareceu em vinte e oito artigos e foi considerada a segunda estratégia cognitiva-comportamental mais utilizada em tratamentos de obesidade e cirurgia bariátrica.

4.4 REGISTRO DE PENSAMENTOS, SENTIMENTOS E ATITUDES ALIMENTARES (AVALIAÇÃO DOS SINTOMAS: COMER EMOCIONAL, COMPULSÃO ALIMENTAR, ANSIEDADE, DEPRESSÃO)

O registro de pensamentos disfuncionais e a distinção entre eventos, pensamentos e sentimentos, teve como foco a reestruturação cognitiva. Para Leahy (2017) é a partir de um novo sentido e significado que é possível o incremento da motivação para mudanças em curto e longo prazo. Essa intervenção permite a percepção da automaticidade dos pensamentos não realistas e sem bases em evidências. A contraposição de pensamentos automáticos com padrões racionais é um recurso possível através de questionamentos estratégicos que levam o próprio cliente a constatar a existência de outras possibilidades de conceber cognitivamente uma mesma realidade.

Foi possível observar que os pensamentos do tipo “Tudo ou Nada” referentes à dieta surgiram com frequência no registro da cliente que tinha conhecimento da data do procedimento cirúrgico e dos resultados promovidos sobre o emagrecimento. “Já que vou operar vou comer tudo o que eu quero”; “Já que nunca mais vou poder comer, vou me despedir do que eu gosto”.

Com o objetivo de buscar elementos da realidade factual, a paciente também foi orientada a fazer pesquisas de depoimentos de pacientes em grupos de operados bariátricos, e buscar dados sobre a dieta pós-operatória em relatos profissionais na internet. Crenças mais arraigadas e persistentes sobre o emagrecimento puderam ser confrontadas com pensamentos racionais e evidências científicas, ambas desvinculadas da simples afirmação do terapeuta. Foram temas: a falsa crença do emagrecimento do dia para a noite; a perda de líquido corporal; a ideia de que o processo de ganho de peso acontece em uma única refeição fora do padrão; a equivalência calórica ao ganho de 1 kg.

4.5 AVALIAÇÃO DA IMAGEM CORPORAL E DA IDENTIDADE CORPORAL ATRAVÉS DE COMPOSIÇÃO DE FOTOS SOLICITADAS AO PACIENTE: CONSTRUÇÃO DA INFÂNCIA ATÉ OS DIAS ATUAIS DO HISTÓRICO DA IMAGEM CORPORAL

Foram solicitadas fotos cronologicamente correspondentes ao histórico de ganho de peso para avaliação da imagem do corpo. Houve possibilidade de construção de uma imagem pós-operatória conforme o IMC que progrediu ao longo do tempo. Num segundo momento, com o aumento da massa muscular, o ganho de volume e desenho corporal saudável pôde ser diferenciado do corpo com excesso de gordura.  O intuito dessa intervenção foi promover o enfrentamento à própria imagem corporal e à diminuição da ansiedade frente ao volume do corpo, uma vez que volume não corresponde à quantidade de gordura.

Nessa etapa foi dado início às intervenções curtas em Mindfulness: autoavaliação diante do espelho em companhia do terapeuta e introdução à prática Mindfulness respiração em três minutos.

Em relação ao corpo, as pequenas intervenções visam à realidade funcional, viva e plena em oposição à perfeição.

Os recursos da gentileza e da compaixão auxiliam na diminuição do julgamento e da função crítica, típicas do perfeccionismo clínico nos transtornos alimentares. São práticas focadas em sensações e percepções corporais no momento presente, principalmente com o foco na respiração e desenvolvidas na Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness (SEGAL; WILLIAMS; TEASDALE, 2013).

4.6 INTRODUÇÃO ÀS INTERVENÇÕES EM MINDFULNESS

A prática do Mindfulness respiração consiste em sentar-se em uma posição confortável e ao mesmo tempo com a coluna ereta, mas não rígida. O foco é levado para as sensações corporais e para a percepção de possíveis tensões. A seguir convida-se a mente para que repouse na respiração, sem alterá-la. Se pensamentos passarem pela mente, basta observá-los e não os seguir. A mente é toda respiração: inspira, expira, num ciclo natural.

O convite a seguir é manter-se no fluxo respiratório e no desapego aos pensamentos para gentilmente expandir a atenção para o corpo como um todo e ampliar a percepção desde o corpo no ambiente para o ambiente no qual está o corpo.

A prática seguinte é o Mindfulness caminhando: caminhar gentilmente e lentamente, com os olhos entreabertos, com ampla atenção em cada movimento do corpo: a saída do pé do chão, a transferência do peso de uma perna para outra, o apoio do pé mais à frente no chão, a flexão do joelho da perna posterior, a retida progressiva do pé do chão (da perna posterior), o movimento dos braços, a saída em direção à frente do corpo etc. Momento a momento a consciência do caminhar.

O comer em estado meditativo (prática da uva passa chocolate ou noz): é um convite a assumir uma postura respeitosa, ereta e não rígida para observar o alimento na palma da mão. Em seguida, atentar para a forma, o cheiro, a cor, a textura, nuances e sons do que vai ser ingerido.

O trajeto do alimento do cultivo à mesa incrementa a gratidão. Acompanhar mentalmente todo o processo de plantação, colheita e processamento pelo qual esse alimento passou até chegar à mesa auxilia na compreensão da interdependência entre todas as coisas. Despertar o todo colaborativo na disponibilização do alimento até a transformação no que se apresenta no aqui e agora.

É útil para a interocepção a percepção da existência da fome e sua localização corporal. Onde ela está localizada? Imaginar a anatomia do novo estômago construído cirurgicamente e perceber suas mensagens. Sintonizar com os sinais viscerais e perceber se há fome no estômago. Prosseguir com os nove tipos de fome: fome do olho, do nariz, do ouvido, da mão e da língua (toque e sabor), da boca, da cabeça e das células. A prática seguinte é chamada de “escaneamento/varredura corporal” ou body scan e consiste em convidar-se a mapear o corpo como num scanner. A prática envolve a consciência em cada parte do corpo com início no pé esquerdo. A direção deve ser dos membros inferiores em direção à cabeça, alternando sempre dos membros esquerdos para os direitos.

A seguir, a introdução à prática da autocompaixão e do amor ao corpo funcional. É um chamado à mente para acomodar-se com a respiração em três minutos e evocar de maneira gentil uma imagem de acolhimento (qualquer uma). A sensação de acolhimento é convidada a permanecer para que bons votos sejam desejados a si mesmo do mesmo modo como a alguém a quem se ama. Dentro deste clima de acolhimento, gentileza e compaixão o terapeuta guia os votos: Que eu possa estar bem, que eu possa ser feliz, que eu possa seguir com paz.

As sessões pós-cirúrgicas repetiram a psicoeducação e as técnicas meditativas Mindfulness focadas no corpo (respiração, caminhando, body scan e autocompaixão) sempre que necessárias.

A exploração das sensações fisiológicas do corpo (interocepção) incluindo fome, saciedade, desejo de comer, satisfação, inquietação, sono, e emoções e sentimentos com registros e localização no corpo fizeram parte desta etapa: onde está a fome? Onde se sente a sede? Na garganta? No estômago. A fome é do nariz, vem do cheiro? A fome é do olho, vem da estética da comida?

5. RESULTADOS

No curso das 12 sessões foi possível realizar as intervenções curtas em Mindfulness que possibilitaram a experiência do corpo fora das exigências estéticas. Foram treinadas as interocepções para favorecer o reconhecimento do corpo no aqui e agora. As estratégias guiadas permitiram à cliente a experiência de sensações prazerosas para além do comer.

Com o emagrecimento a cliente mostrou maior identidade com o formato e o tamanho do corpo, mas houve piora quanto às sequelas referentes aos excessos de pele. Este foi motivo para recontrato e considerações sobre cirurgia reparadora.

As pequenas intervenções em Mindfulness permitiram que a cliente conhecesse práticas que mudaram gradativamente o conceito sobre si e sobre o próprio corpo. O objeto esteticamente valorizado passou para corpo de prazer e plenamente funcional merecedor de cuidados. Esta nova conceituação do corpo permitiu uma autoestima ampla e aprimorada.

As culturas da aceitação e da autocompaixão permitiram o acolhimento da própria natureza corporal em transição e criaram condições para uma experiência física mais harmônica. Já a autoexigência e o perfeccionismo clínico típico dos quadros alimentares, conforme apresentado em Fairburn (2008), deram espaço para a permissividade da diferença e beleza da individualidade.

As dificuldades apresentadas com a satisfação em relação à imagem corporal não impediram a paciente de praticar o body scan, mindfulness em movimento e mindfulness aplicado à alimentação (com visualização do novo espaço gástrico). Todas as estratégias utilizadas foram devidamente ressaltadas como mantenedoras das melhorias obtidas. A prática da autocompaixão mostrou-se como importante preparo para as práticas de visualização corporal.

Autocuidado e autocompaixão possibilitaram melhor escolha do alimento e busca de exercícios físicos saudáveis e sustentáveis. Alimentos antes percebidos como não palatáveis e não recompensadores passaram a ser interpretados como mantenedores de saúde, bem-estar e disposição física. Os exercícios físicos não aprazíveis puderam ser adaptados com intensidade e frequência recomendadas para peso, estatura e composição corporal da cliente.

Houve posicionamento mais saudável nos relacionamentos sociais com menor reatividade emocional e menor percepção personalizada da realidade. A redução da necessidade de agradar aos pares, menor necessidade de aprovação social e validação permitiu o avanço nos objetivos pessoais.

O emagrecimento promoveu senso de autorrespeito e autocuidado em função dos resultados positivos e evidentes relacionados ao esforço da cliente. A reconstrução da imagem corporal, embora difícil, mostrou-se progressiva e positiva.

Na prevenção da recidiva de peso e manutenção dos resultados, sessões mensais foram mantidas como intervenções no modelo de prevenção de recaída.

6. DISCUSSÃO

O estudo apresenta limitações devido ao tempo discorrido. O período descrito em literatura para recidiva de peso, de acordo com Magro et al (2008), está no intervalo entre 2 a 5 anos de pós-operatório.

Neste sentido é necessário testar as intervenções curtas em Mindfulness em amostra significativa, de modo prospectivo e por maior período de tempo. O desenvolvimento de práticas com clientes já em processo de recidiva de peso é um caminho alternativo, bem como estudos randomizados duplo-cego. Futuras pesquisas nesse sentido poderão comprovar a cientificidade do método.

Fatores metabólicos pertinentes à técnica cirúrgica são determinantes da perda de peso e não foram levados em conta no presente estudo. Também as ações anatômicas (cirurgia mal realizada) ou hormonais (retorno do nível de grelina) responsáveis pela recidiva do peso não foram examinadas. O foco manteve-se nos aspectos psicológicos da imagem corporal descritos no estudo.

O caso atendido contou com a colaboração da cliente e com o bom vínculo terapêutico. A aceitação das práticas propostas bem como o cumprimento das tarefas solicitadas permitiu o andamento do processo.

Embora a família não tenha apresentado boa aceitação da obesidade como doença, colaborou para o acompanhamento multidisciplinar da cliente e não interferiu negativamente nos resultados cirúrgicos.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo de caso teve como questão norteadora averiguar se as pequenas intervenções do tipo mindfulness teriam a capacidade de exercer melhora da imagem corporal e reconhecimento das distorções corporais em paciente submetidos a cirurgias bariátricas, com o objetivo de prevenir a recidiva de peso em pacientes bariátricos. Através do curso de 12 sessões foi possível demonstrar que pequenas intervenções em Mindfulness são aplicáveis à terapia cognitivo-comportamental na prevenção da recidiva de peso em pacientes no pós-operatório em cirurgia bariátrica e metabólica. Foi observada a diminuição da discrepância entre a percepção subjetiva interna do corpo (interocepção) e a imagem corporal (exterocepção), com experiência positiva do corpo fora das exigências estéticas, maior identidade com a forma corporal alcançada, saída do padrão perfeccionista e melhora avaliativa da forma e tamanho corporais.

As pequenas práticas em Mindfulness colaboraram para a prevenção da recidiva de peso, em especial através da inserção da prática interoceptiva da imaginação do estômago pós-cirúrgico reduzido. Esta prática foi de grande importância para a adaptação e aprimoramento da percepção corporal de dentro para fora.

Considerando as limitações que um relato de caso pode incorrer, o estudo mostrou aplicabilidade à população à qual pretendeu atender e possibilitou benefícios quanto à manutenção dos resultados cirúrgicos em cirurgia bariátrica.

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[1] Mestre em Psicologia pela UTP; Especialista em Psicologia Analítica; Especialista em Psicologia Clínica; Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental; Psicologia (Graduação, Bacharelado, Clínica e Licenciatura); Educação Artística – Licenciatura Curta. ORCID: 0000-0002-7983-7174.

Enviado: Novembro, 2021.

Aprovado: Fevereiro, 2022.

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Simone Dallegrave Marchesini

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