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Ambiente de trabalho do setor bancário de instituições do interior do Rio Grande do Sul

RC: 28028
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

CHIESA, Kelly [1], DIEHL, Liciane [2], OLIVEIRA, Michelle Engers Taube de [3]

CHIESA, Kelly, DIEHL, Liciane, OLIVEIRA, Michelle Engers Taube de. Ambiente de trabalho do setor bancário de instituições do interior do Rio Grande do Sul. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 03, Vol. 08, pp. 177-199. Março de 2019. ISSN: 2448-0959.

RESUMO

O setor bancário passou por um intenso processo de reestruturação nas últimas décadas, conferindo à classe muitas transformações e riscos de assédio moral. Este estudo, de caráter exploratório e descritivo e abordagem qualitativa, tem o objetivo de investigar o ambiente de trabalho do setor bancário em instituições do interior do Rio Grande do Sul. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e o tratamento dos dados deu-se pela análise do conteúdo, a qual resultou em três categorias: perfil dos respondentes, relações socioprofissionais e fatores de risco à saúde e ao bem-estar. Os resultados revelaram que as instituições bancárias, em âmbito meso, possuem modelos de gestão participativos e democráticos, incentivando a cooperação e engajamento entre os funcionários. No entanto, nota-se influências de âmbito macro, de um contexto socioeconômico em que o capital impõe novas formas de ultrapassar a produção, intensificando o trabalho e conferindo-lhe um novo sentido. Políticas de recursos humanos voltadas à qualificação dos gestores e implantação ou adequação de programas de qualidade de vida no trabalho que propiciem condições plenas de desenvolvimento pessoal do indivíduo, são medidas propostas.

Palavras-chave: Assédio moral, Saúde do trabalho, Instituições bancárias.

INTRODUÇÃO

Frente às mudanças ocorridas nas relações de trabalho resultantes da Revolução Industrial, em que a competitividade entre as empresas por uma colocação no mercado globalizado, visando alta produtividade e melhores resultados a um custo cada vez mais baixo, o assédio moral tem se apresentado como uma prática comum e frequente no ambiente organizacional, mais especialmente quando se trata da classe dos bancários.

Antunes (2003) afirma que o trabalhador bancário sofreu transformações decorrentes da reestruturação produtiva, estas fundamentadas em diversas mutações, como avanços tecnológicos com a automatização em larga escala, aliados aos programas de “qualidade total”, “remuneração variável”, terceirização e subcontratação, resultando em altíssimos níveis de intensificação do trabalho e de aumento da produtividade. Além disso, a categoria bancária vem sendo estudada nos últimos tempos sob vários focos, visto os processos decorrentes da reestruturação produtiva, novas práticas gerenciais e mudanças tecnológicas que causaram efeitos sobre o trabalho bancário, além do aumento na incidência de casos de Lesões por Esforços Repetitivos/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT), assédio moral e sofrimento mental apresentados pela categoria (BRANDÃO, 2005; GUÉ; RODRIGUES, 2006).

Ladwig (2010) trata o assédio moral como uma conduta abusiva e presente em diferentes relações, sejam familiares ou escolares, entretanto o assédio no ambiente de trabalho tem chamado a atenção atualmente frente às graves consequências e danos que podem causar na saúde e bem-estar do trabalhador. O pioneiro a estudar o assunto foi o médico sueco Heinz Leymann, em 1996, (FREITAS, 2001), desenvolvendo estudos com grupos de profissionais chegou a um processo que qualificou como psicoterror, revelando o termo mobbing para descrever o fenômeno ocorrido em que se constatavam formas severas de assédio moral dentro do ambiente de trabalho.

Com importante contribuição para o tema, à psiquiatra e psicanalista francesa Marie-France Hirigoyen realizou um dos primeiros estudos acerca deste fenômeno, publicando em 1998 o livro “Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano”. Descreve a conduta abusiva do assédio, e suas formas de manifestações, através de comportamentos, atos, gestos, palavras, que trazem prejuízo à personalidade, dignidade ou a integridade física e psíquica da pessoa, colocando em perigo seu emprego e o ambiente laboral.

O setor bancário passou por um intenso processo de reestruturação utilizando-se da incorporação de novas tecnologias e inovações organizacionais, ao qual auferiu, à classe, muitas transformações. Assim, por meio da informatização do setor em conjunto com novas formas de organizar o trabalho bancário, as mudanças decorrentes de tal processo refletiram na saúde destes trabalhadores (SILVA; NAVARRO, 2012).

Gué e Rodrigues (2006) destacam que a atividade bancária está cercada de forte pressão, seja pelo enorme volume de trabalho, metas de vendas de produtos, exigência no cumprimento de prazos, além dos novos formatos de gestão ao qual aumentam a exigência por produtividade e dedicação ao trabalho. Esse novo ambiente laboral está levando o trabalhador bancário a assumir um ritmo de trabalho acelerado e intenso, eliminando muitas vezes necessidades básicas, como intervalos ou pausas para alimentação, incluindo também as extensões da jornada de trabalho sem a remuneração devida. Além disso, os autores destacam que essas novas exigências do ambiente organizacional geram sentimentos múltiplos de ansiedade, medo e incertezas, tornando o ambiente de trabalho hostil, com muitas exigências, instruções confusas, agressões e humilhações, interferindo na individualidade do trabalhador e consequentemente, no seu bem-estar.

Partindo da circunstância que a categoria bancária vem sendo estudada sob o foco do assédio moral (GUÉ; RODRIGUES, 2006; LIMA et al., 2014; SOARES; VILLELA, 2012), realizou-se um estudo de caráter exploratório e descritivo, de abordagem qualitativa, com o objetivo de investigar o ambiente de trabalho do setor bancário em instituições do interior do Rio Grande do Sul. Como objetivos específicos, foram estabelecidos: analisar as relações socioprofissionais dos trabalhadores da classe bancária e avaliar fatores de risco à saúde e bem-estar desses trabalhadores.

Visto as transformações decorrentes das mudanças nas relações de trabalho, em especial com a categoria bancária, por meio do presente estudo, pretendeu-se obter considerações pertinentes ao tema, de modo que possa servir para as organizações melhorarem suas práticas de gestão e organização do trabalho. Também, que possa aumentar a discussão acerca do assunto junto aos públicos e meios internos, bem como possam identificar previamente indícios do assédio moral e agir de forma preventiva e corretiva, buscando a integridade física e psíquica do trabalhador bancário.

1. REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO

A desvalorização da natureza do trabalho não é um problema exclusivo do Brasil nem algo recente do mundo globalizado. Esse fator é evidenciado desde os tempos pré-históricos, entretanto acentuado a partir da Revolução Industrial, especialmente através das práticas do taylorismo da Teoria da Administração Científica (LACOMBE, 2011). Nessa fase, a ideia principal era a racionalização do processo produtivo, ou seja, os métodos visavam aperfeiçoar a divisão de tarefas dentro da empresa com o objetivo de obter o máximo de rendimento e eficiência com o mínimo de tempo e atividade, acabando com o desperdício de tempo, economizando mão de obra e aumentando a produtividade no trabalho (ALVES, 2005).

Na década de 1990, significativas transformações ocorreram no capitalismo, quando, com o advento do neoliberalismo, desencadeou-se uma onda de desregulamentações nas mais distintas esferas do mundo do trabalho, conhecida como reestruturação produtiva (ANTUNES, 2003). Jacques e Amazarray (2006) referem, como mudanças que afetam o desempenho dos trabalhadores, a complexa articulação de fatores relativos à organização do trabalho, como a divisão de tarefas, o controle sobre o processo de trabalho, as políticas de gestão de recursos humanos, a estrutura hierárquica, os processos de comunicação, o ritmo e a jornada de trabalho.

Assim, iniciado no final dos anos 70, intensificando-se a partir dos anos 90, o processo de modernização e reestruturação da indústria e do setor bancário brasileiro tinha por objetivo a reorganização de setores industriais, introduzindo novas tecnologias, padrões de gestão e organização do trabalho. Essas transformações impulsionaram o processo de reestruturação do sistema bancário, ao qual geraram muitas demissões e modificaram as rotinas de trabalho e funções dos funcionários que se mantiveram no emprego (ALVES, 2005).

As mudanças ocasionadas pela automação, novos processos de produção, propostas de gestão inovadora além da redução do custo com mão de obra, alteraram a sistemática do trabalho, ou seja, o trabalhador fora obrigado a deslocar-se para outras funções dentro da empresa ou, submeter-se à demissão. Nesse cenário, viu-se o aumento da exigência do nível de qualificação para os funcionários, apontando perfis com nível universitário, boa formação cultural, com facilidade de relacionamento e conhecimento de mercado e produtos, ou seja, o novo profissional deveria apresentar aptidões múltiplas (ALVES, 2005).

Daft (2010) refere que o antigo ambiente de trabalho era caracterizado pela rotina, por tarefas especializadas e por diversos procedimentos padronizados de controle. Já no novo ambiente, o trabalho deve fluir de maneira flexível, ou seja, é centrado em bits em lugar de átomos, deve haver o domínio das informações e ideias ao invés das máquinas e dos recursos materiais.

Neste contexto, as consequências decorrentes do processo de reestruturação bancária, como o desemprego, terceirização, precarização e intensificação do trabalho aliada ao aumento no nível de exigência na qualificação dos trabalhadores, desencadeou pressões externas e internas aos trabalhadores do setor, aumentando o número de afastamentos do trabalho por Lesão por Esforço Repetitivo (LER) ou Doenças Ocupacionais Relacionadas ao Trabalho (DORT) (GRISCI; BESSI, 2004).

1.2 RELAÇÕES SOCIOPROFISSIONAIS

Não é possível estabelecer relações socioprofissionais sem conflitos, assim, o grande desafio de toda organização é desenvolver na prática profissional relações saudáveis. Para Mendes (2007), os conflitos são vivenciados quando há confronto entre o desejo do trabalhador versus a realidade do trabalho, e é normalmente marcada pela produtividade, desempenho e excelência. Neste contexto, os conflitos podem ser construtivos quando oferecem oportunidade para as partes de negociar, havendo assim liberdade para o trabalhador adaptar-se à realidade, com suas necessidades e desejos.

A autora acrescenta que a organização deve ser flexível, possuir condições de trabalho adequadas e as relações socioprofissionais devem ser abertas, democráticas e justas a todos. Assim, os interesses divergentes não se transformam em fonte e sofrimento para o trabalhador e consequentemente, não afetam a qualidade do produto ou serviço disponibilizado ao cliente. Alkimin (2006) contribui referindo que um ambiente de trabalho equilibrado vai além de interesses coletivos, pois pode refletir no interesse público que diz respeito a todos e, dessa forma, esse ambiente de trabalho sadio deve ser protegido.

Para Leite (2005), as pessoas convivem e trabalham em cooperação, comunicam-se, simpatizam-se ou sentem-se atraídas, podem desenvolver afeto entre si ou entrar em conflito e competição, por isso as relações interpessoais são desenvolvidas através da interação entre as pessoas, tornando a convivência humana muitas vezes dificultosa, mas desafiante. Para ela, as relações interpessoais e o clima do grupo influenciam mutuamente, podendo tornar o ambiente agradável ou não, trazendo assim satisfação ou insatisfação das pessoas ou do grupo.

Neste contexto, Zanelli, Andrade e bastos (2014) descrevem que o comportamento pessoal reflete nas características do grupo ao qual se está inserido, pois, se por um lado somos fruto de nossa personalidade, por outro, temos como resultado a interação dessa personalidade com os demais membros do nosso grupo, podendo ainda nossa personalidade ser afetada por essa interação grupal. Já Moscovici (1997) relata que as diferenças existentes entre as pessoas não podem ser consideradas boas ou más, pois há momentos que trazem benefícios ao indivíduo ou grupo, porém há momentos em que podem acarretar prejuízos. Estas diferenças pessoais devem ser percebidas como positivas, pois aumentam as possibilidades nas formas de reagir diante das situações ou problemas.

Para a referida autora, é importante compreender e diagnosticar o conflito para a resolução efetiva dos problemas, pois não há uma fórmula mágica para lidar e resolver os conflitos de maneira correta. Há diferentes formas de resolução de conflitos, entretanto a forma mais indicada é a de transformar as diferenças em resolução de problemas, ou seja, quando as divergências são vistas como problemas a serem resolvidos conjuntamente e cooperativamente, analisa-se o problema sob todos os aspectos e busca-se conjuntamente a sua resolução.

1.3 O ASSÉDIO MORAL E ORGANIZACIONAL

O assédio moral e o assédio organizacional podem ser considerados formas específicas de violência no contexto do trabalho, muito embora o assédio no trabalho seja muito antigo, somente no início desta década foi realmente identificado como um fenômeno de destruição e degradação do ambiente de trabalho (GUEDES, 2008; HIRIGOYEN, 2014). Soboll (2008) diferencia o assédio moral e assédio organizacional na medida em que o assédio moral consiste numa situação extrema de agressividade no trabalho, evidenciado por meio de comportamentos ou omissões, estes repetitivos e duradouros. Esses comportamentos possuem como propósito destruir, prejudicar, anular ou excluir os alvos, tendo como características uma natureza agressiva, pessoal e mal-intencionada.

Já no assédio organizacional, a mesma autora confere que a violência está inserida nas estruturas e políticas da organização, estas abusivas e inadequadas. Assim, tais formas de gestão possuem como propósito exercer o gerenciamento do trabalho e do grupo, com foco na produtividade e controle organizacional. Por fim, o objetivo do assédio organizacional não é pessoalizado e nem mal-intencionado, ele deseja controlar todo o grupo indiscriminadamente.

No mesmo âmbito, frente às novas formas de gestão organizacional provindas dos efeitos da globalização, as empresas necessitaram reorganizar e reestruturar sua forma de trabalho a fim de enfrentar a competitividade e manter a lucratividade. Neste contexto, conforme Alvarenga (2012), o assédio moral organizacional trata de um conjunto sistemático de práticas repetitivas, o qual apresenta como finalidade conquistar os objetivos empresariais por meio de formas abusivas, como através de pressões, humilhações e constrangimentos aos trabalhadores na empresa.

Marie-France Hirigoyen (2014, p. 65) refere que:

Por assédio em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho.

Para a autora o ponto de partida do assédio pode ser a luta pelo poder e, para mantê-lo, o abuso deste. Além da luta pelo poder, visto a competição em grande parte ser de forma desigual entre os indivíduos, às empresas podem estimular procedimentos perversos se prestando a qualquer meio para atingir seus objetivos, cujos responsáveis não tomam nenhuma atitude.

Heloani (2005) entende o assédio moral caracterizado pela intencionalidade, perpassado pelo poder, consiste na constante e deliberada desqualificação da vítima, seguida de sua consequente fragilização, com o intuito de neutralizá-la. Esse enfraquecimento psíquico pode levar o indivíduo vitimado a uma despersonalização. Refere que se trata de um processo disciplinador em que se procura anular a vontade daquele que, para o agressor, se apresenta como ameaça.

Quanto às espécies do assédio moral, Alkimin (2006) classifica-as em: assédio moral vertical descendente: proveniente do empregador, ou seja, qualquer pessoa que detenha delegação do poder de comando. Esse tipo é aquele que vem de cima para baixo e é deflagrado pela direção ou superior hierárquico em direção a um subordinado, sendo o mais frequente; assédio moral horizontal: proveniente de perseguição desencadeada pelos colegas de serviço. Neste tipo de assédio, ele pode manifestar-se através de brincadeiras maldosas, piadas, menosprezo, podendo ser resultado de fatores como conflitos interpessoais e rivalidade para alcançar destaque ou promoção; assédio moral vertical ascendente: neste caso, o assédio moral provém de subordinado(s) contra o superior hierárquico. Normalmente nesse caso de assédio, o mesmo é praticado contra o superior, visto exceder seu poder de comando através de posturas autoritárias e arrogantes. Além desses, observa-se mais uma tipologia, segundo Hirigoyen (2009), citada por Ladwig (2010), o assédio misto, exercido através de práticas provenientes de colegas e superiores hierárquicos.

A prática do assédio não é fácil de ser identificada, pois ocorre de forma velada e simulada, com intenção de abalar a autoestima da vítima (GUÉ; RODRIGUES, 2006). As formas de agressão podem ter consequências graves à saúde do trabalhador, levando-o ao isolamento como forma de autoproteção. Os autores citam diversos exemplos de assédio moral frequentes no ambiente de trabalho: dar instruções confusas ao trabalhador, bloquear o andamento do trabalho, ignorar a presença do funcionário, exigir trabalhos de forma urgente sem a devida necessidade, criticar o trabalhador em público, forçar sua demissão ou insinuar problemas mentais do trabalhador, entre outras formas.

1.4 O ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO BANCÁRIO

O assédio moral constitui-se de um problema mundial e está presente desde as primeiras formas de relação de trabalho, sendo que ele pode ocorrer tanto em organizações do setor público como nas empresas do setor privado. Conforme Elgenneni e Vercesi (2009), pode-se considerar que o assédio moral não é um fenômeno recente, entretanto devido às novas práticas de gestão adotadas pelas organizações, permeadas por um clima de rivalidade, competição e concorrência, torna o tema um assunto de relevância a ser estudado.

Para Piñuel, Zabala e Cantero (2003) pode-se considerar o assédio moral no ambiente laboral como uma ameaça grave à saúde do trabalhador. Além dos impactos que podem ocasionar, esse fenômeno psicossocial tem afetado não somente a saúde mental e física dos profissionais, mas também a saúde das organizações produtivas.

Neste contexto, frente às mudanças ocorridas pela reestruturação produtiva, a categoria bancária passou por mudanças que impactaram a organização deste trabalho, tendo seu início a partir dos anos 80 com o aumento da automação e, consequentemente, pela acentuada redução e eliminação de postos de trabalho (MACIEL et al., 2007). Todas essas mudanças sofridas pela classe bancária transformaram o trabalho e seu contexto, o que levou ao aparecimento de queixas de assédio moral além de outras doenças que afetaram a saúde do trabalhador bancário.

Para Silva e Navarro (2012), o novo perfil exigido para o trabalhador bancário foi de um profissional generalista e com habilidades para lidar com diversas situações imprevisíveis, além do cumprimento das ousadas metas oriundas da organização. Neste contexto, pode-se afirmar que a classe passou por maior exigência de qualificação, bem como várias redefinições de tarefas e atividades bancárias tradicionais, além da exigência de um perfil com capacidade constante de se adaptar às mudanças impostas pela organização. Neste período, observou-se uma intensificação do trabalho, descumprimento da jornada além de desvalorização do trabalhador, fatores estes que agravaram as condições laborais.

Barreto e Heloani (2014), motivados pela curiosidade em pesquisar sobre o aniquilamento da dignidade humana e sua privacidade, analisaram questionários e histórias respondidas via site (vide referências) sobre o tema, abrangendo público de diversos setores da economia. Como resultado, obtiveram o total de apenas 12% (doze por cento) que consideraram receberem tratamento digno, ou seja, 88% (oitenta e oito por cento) sofreram coerções e pressão no seu ambiente de trabalho. Além disso, a pesquisa identificou que as maiores pressões estavam ligadas a grandes empresas, estas multinacionais e, do setor financeiro, confirmando a ideia de que os trabalhadores deste setor são afetados pelas diversas formas de assédio moral em seu ambiente laboral.

1.5 SAÚDE E BEM-ESTAR NO TRABALHO

O trabalho possui grande importância para a vida de qualquer indivíduo e é por meio dele que é garantida a sobrevivência e adaptação ao mundo. Também, pode-se considerar que uma parcela significativa da vida é passada no ambiente de trabalho, por isso, é essencial sentir-se bem em relação a este. A saúde deve estar presente no espaço do trabalho, a oportunidade do trabalhador reafirmar a autoestima, desenvolver as habilidades, expressar as emoções, a personalidade, tornando-se também espaço de construção da história individual e de identidade social (DEJOURS, 1987).

Quanto à compreensão do conceito de saúde, de acordo com Bernardes, Guareschi e Medeiros (2005), ela não pode ser apreendida como um fenômeno abstrato e nem mesmo como algo concreto ou atingível. Enquanto um fenômeno ampliado, a saúde envolve modos de ser e produzir e/ou recriar a vida em sua singularidade e multidimensionalidade. Assim, de acordo com os autores, é preciso questionar os discursos que privilegiam o conceito de saúde somente pela sua dimensão biológica, assegurando uma concepção fragmentada do ser humano, bem como o caráter impositivo e normativo dos modos de se intervir na realidade dos indivíduos e comunidades.

O bem-estar no trabalho pode ser entendido como um constructo psicológico multidimensional, integrado por vínculos afetivos positivos com o trabalho (satisfação e envolvimento) e com a organização (comprometimento organizacional afetivo). Tal estrutura engloba três conceitos com conotações positivas, na medida em que contempla ligações prazerosas no contexto de trabalho (SIQUEIRA; PADOVAM, 2008). A saúde e o bem-estar no trabalho vêm ganhando cada vez mais intensidade e destaque dentro das estratégias de gestão de pessoas, pois ela afeta a vida de todos os membros dentro da organização, e como consequência, os seus resultados (FERREIRA; MENDONÇA, 2012).

Para Alkimin (2006), a vida e a saúde são direitos fundamentais, princípios da dignidade humana, sendo necessária a proteção do meio para que seja possibilitada adequada qualidade de vida. Com a atual organização do trabalho, com foco em competitividade, novas técnicas produtivas e de gestão de pessoal, se torna indispensável o cuidado com o ambiente do trabalho, devendo visar a proteção à saúde do trabalhador e a sua qualidade de vida, haja vista as diversas implicações que podem ocorrer, seja na satisfação pessoal, profissional ou social, e, consequentemente, como reflexo a valorização do trabalho e a dignidade humana. As mudanças ocorridas em consequência do processo de reestruturação produtiva afetaram diretamente a natureza do trabalho bancário e a saúde e bem-estar dos trabalhadores desta categoria profissional.

O processo de automação e informatização do trabalho nas agências bancárias motivou alterações nas condições e relações de trabalho. As novas tecnologias e formas de gestão aceleraram o ritmo do trabalho, reduziram os postos de trabalho e, como implicações, redistribuíram as tarefas aos demais trabalhadores, aumentando assim a pressão pela produtividade além de controles rigorosos sobre o trabalho, tiveram como reflexo os adoecimentos relacionados ao trabalho (SILVA; NAVARRO, 2006).

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

No que tange aos objetivos, este estudo pode ser caracterizado como exploratório e descritivo. Exploratório porque seu objetivo é proporcionar uma maior familiaridade com o problema, como afirma Gil (2010), e descritivo, porque busca especificar propriedades, características e traços importantes do fenômeno analisado, descreve tendências (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013). O enfoque desta pesquisa é qualitativo, por não possui uma estrutura, a qual se baseia nas pequenas amostras e proporcionam percepções e compreensão de todo o contexto do problema estudado (MALHOTRA, 2012).

Como instrumento de coleta de dados, foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas, de forma direta e pessoal, sendo que o respondente é questionado pelo entrevistador, com o objetivo de descobrir as motivações, crenças, atitudes e sentimentos implícitos sobre um assunto (MALHOTRA, 2012). O roteiro de entrevistas foi elaborado a partir do objetivo geral e dos objetivos específicos estabelecidos para o presente estudo, mantendo flexibilidade em relação ao roteiro pré-definido. As entrevistas tiveram duração média de 30 minutos e foram realizadas em local privado. Além disso, a fim de atender a padrões éticos em pesquisa, as entrevistas foram gravadas com o consentimento dos participantes e autorizadas através da formalização do termo de consentimento livre e esclarecido.

A população-alvo para o estudo foram funcionários de instituições ligadas ao setor bancário com, no mínimo um ano de empresa. Como método de escolha dos participantes foi utilizada a amostra por conveniência, que é escolhida puramente com base na disponibilidade (GRAY, 2012).

A amostra foi composta por oito trabalhadores, destes, quatro ligados a instituições bancárias públicas e quatro pertencentes ao quadro de funcionários de privadas. As instituições estão inseridas no interior do Rio Grande do Sul. O fechamento do número de participantes ocorreu por saturação teórica, que é operacionalizada pela suspensão de inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passam a apresentar certa redundância ou repetição de informações (FONTANELLA; RICAS; TURATO, 2008).

Após a realização de todas as entrevistas, foi iniciada a etapa de transcrição dos dados gravados. Para o tratamento dos dados coletados, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo, a qual visa identificar o que está sendo dito sobre determinado tema (VERGARA, 2010). A forma empregada foi a análise por categorias, que consiste em desmembrar o texto em unidades, ou seja, realiza-se a classificação dos elementos por diferenciação, e em seguida, segundo reagrupamentos conforme o gênero (BARDIN, 2012). Segundo a mesma autora, as categorias são classes que reúnem um grupo de elementos sob um título, sendo que esse agrupamento é realizado de acordo com as características comuns destes elementos, ou seja, o que permitirá o agrupamento será a parte comum entre eles. Para esse estudo, foram definidas duas categorias de análise “a priori” a partir dos objetivos elencados para o estudo, sendo: perfil dos respondentes, relações socioprofissionais e fatores de risco à saúde e ao bem-estar.

3. ANÁLISE DOS RESULTADOS

3.1 PERFIL DOS RESPONDENTES

Em relação ao perfil socioprofissional, quatro dos participantes são do sexo feminino e quatro do sexo masculino, possuem idade média de 30 anos, compreendendo 25 a 38 anos. Em referência ao estado civil, cinco são casados ou convivem em união estável e três são solteiros. Do total, apenas três entrevistados possuem filhos. Quanto à escolaridade, em sua maioria (07) possui graduação/pós-graduação/mestrado concluídos, sendo apenas um acadêmico de graduação.

Quanto à função exercida na instituição financeira, dois são caixas, um é gerente de relacionamento, um é responsável pela área de inadimplência, dois são técnicos bancários, um é gerente Pessoa Jurídica e um gerente de Posto de Atendimento. As instituições são, em sua maioria, de pequeno porte, tendo até seis trabalhadores em seu quadro funcional. A média de vínculo empregatício em instituição financeira é de cinco anos, visto os participantes possuírem de quatro a sete anos de profissão. Por fim, com referência à carga horária de trabalho, quatro dos entrevistados responderam que sua jornada de trabalho é de oito horas e quatro, de seis horas.

A seguir estão descritas as quatro categorias organizadas a partir dos objetivos definidos para este estudo.

3.2 RELAÇÕES SOCIOPROFISSIONAIS

Em uma esfera meso, em âmbito social e grupal das unidades de trabalho (ZANELLI; BORGES-ANDRADE; BASTOS, 2014), a relação entre gestor e funcionário é vista como adequada, apresentando-se de forma estreita, por meio de um estilo de gestão democrático e participativo.

A relação com meu superior é 100%, independente do horário, independente do que for, é muito estreita […]. Isso faz a coisa acontecer, a gente não tem esse negócio que o meu chefe está muito acima de mim, ele vai precisar de mim assim como eu preciso dele, é uma roda, todo mundo tem que trabalhar junto (E2).

Os entrevistados indicam que as relações interpessoais são saudáveis, favorecendo um ambiente de trabalho agradável, com cooperação e engajamento entre os funcionários:

Um ajuda o outro, se está vendo que não está conseguindo deslanchar com o serviço, a gente vai lá, se divide as tarefas e tal. […] Então a gente faz tudo para ficar com a agência bem legal e ser visto bem pelos clientes pela agilidade (E7).

Esse relato demonstra a propensão dos funcionários em apoiarem-se um aos outros a fim de cooperar e se auxiliarem mutuamente, buscando conjuntamente o apoio necessário para alcançar os objetivos individuais e coletivos. Goulart (2010) afirma que as equipes de trabalho atuais, com ambientes cada vez menos hierarquizados, necessitam de integração dos trabalhadores, sendo necessário desenvolver equipes com atitudes de comprometimento com o trabalho em si, unindo a força cooperativa, a interdependência entre as partes, o uso das aptidões e potenciais de cada indivíduo em prol de alcançar os objetivos organizacionais comuns e compartilhados.

Além disso, há indicativos que, em agências bancárias menores, onde trabalham poucos funcionários, as relações interpessoais são mais próximas e acessíveis, fomentando um ambiente de trabalho saudável e produtivo. Ao contrário, em agências bancárias maiores, é possível que se identifiquem ambientes de trabalho mais adversos e estressantes.

Como somos apenas 03 funcionários, o relacionamento entre nós é muito amigável, bem tranquilo, a gente se ajuda bastante […] Já ouvi comentarem que nas agências maiores há uma certa disputa de poder e cargo (E1).

Por ser uma estrutura maior de agência, todo mundo sabe o que tem que fazer, mas como é maior, é mais isolado, não se tem o suporte direto nem dos gestores de cada produto, nem do teu gerente no teu cotidiano, dia a dia, cada um puxa para o seu (E4).

Essas narrativas demonstram a existência de um ambiente harmonioso entre os funcionários de agências bancárias menores, em contraponto à realidade das agências com uma estrutura maior em número de funcionários. Soboll (2008) afirma que, quanto ao ambiente, o assédio moral é influenciado pela estrutura da empresa e pelo contexto sociolaboral, onde organizações burocráticas e desprovidas de políticas adequadas auferem relações competitivas e conflituosas, que podem induzir a situações de assédio moral.

No entanto, em um sentido mais amplo (esfera macro), considerando-se pressupostos culturais e políticas macroeconômicas (ZANELLI; BORGES-ANDRADE; BASTOS, 2014), foi identificada, por meio da fala dos participantes, um ambiente laboral marcado pela pressão, em que a cobrança pelo cumprimento de metas é constante e presente no dia a dia do trabalhador. Além de rigorosas, tais metas afetam a vida pessoal do profissional e influenciam diretamente o clima organizacional interno.

Então você chega em casa, não dorme, você começa a programar as coisas, enfim, principalmente final de ano, que é uma loucura […] A gente bateu a meta, fez o que tinha que fazer, mas foram dias sem dormir, acorda no meio da madrugada e manda um WhatsApp para o grupo, então é bem loucura. Mas se você não tem uma estrutura por trás, tanto pessoal ou familiar, você não aguenta (E4).

Tem a questão de cobrança que não tem o que fugir disso, a gente tem as metas e a gente tem que tentar atingir […]. A cobrança na agência eu sentia todo dia, querendo ou não a primeira coisa que a gente faz quando chega na agência depois de bater o ponto é ver como está esse painel [de resultados] (E3).

Por meio desses relatos, percebe-se indícios de uma realidade organizacional bancária de ambientes de trabalho hostis e vulneráveis à pressão e abusos. Para Bruno (2011), o trabalhador bancário é exposto diariamente a um cotidiano de intimidações e humilhações, obrigando-se a se adequar a um sistema autoritário de comando com competições sobre-humanas e impedidos de errar, o qual compromete sua integridade física e mental.

Por outro modo, identifica-se que a pressão existente nas atividades cotidianas do funcionário bancário, muitas vezes, passa a ser “mascarada” através do reconhecimento e da valorização, visto estes serem fatores de motivação organizacional:

Agora está vindo a questão de reconhecimento para gente, então, querendo ou não, isso agrega muito para o nosso dia a dia, para você estar aí trabalhando, porque você não trabalha pela pressão, você trabalha pelo reconhecimento que está tendo (E7).

Neste cenário, as entrevistas realizadas remetem a ambientes de trabalho que visam à valorização e reconhecimento profissional, o que favorece a motivação desses funcionários. Ferreira (2009) destaca que trabalhar não é apenas o ato de colocar o corpo para realizar as atividades que a organização necessita em prol da missão que almeja, o trabalho deixa a marca pessoal de todo o esforço e dedicação realizado pelo empregado, entretanto, esse investimento pessoal somente se consolida através do reconhecimento do trabalho, motor impulsionador da motivação humana.

3.3 FATORES DE RISCO À SAÚDE E AO BEM-ESTAR

Os relatos dos entrevistados denotam a necessidade de atenção quanto à quantidade de atividades de trabalho realizadas. O volume de trabalho e a consequente carga horária sugerem ser excessivas, conforme expressam:

Excessiva [carga horária]. Hoje teria que ter dez ou doze horas diárias para se conseguir fazer o que tem que fazer. Hoje se vê muita gente no ramo bancário que, ou fica louco, ou com depressão ou não dorme, eu vejo muito isso. Se vê muito essa parte de não se ter tempo para fazer o que precisa fazer, você vai para casa, não consegue descansar, não dorme, não faz o que tem que fazer porque está pensando no banco (E4).

Na análise, as entrevistas demonstram características de um ambiente laboral bancário atual, que, apesar de todos os avanços tecnológicos, os quais melhoraram e contribuíram para a redução dos processos internos de trabalho, a categoria ainda é submetida a cargas de trabalho longas e cansativas, que comprometem a saúde física e mental do trabalhador (BRUNO, 2011). A pressão psíquica sofrida pelos trabalhadores bancários seja pelas diversas metas impostas, a forte concorrência ou pela introdução de novas tecnologias, além do medo vivenciado pelo alto risco de assaltos cada vez mais rotineiros, torna esse trabalho algo desgastante, estressante e penoso (MELO, 2011). É de valia destacar que, quando submetidos a um episódio estressante por um extenso período, as implicações no organismo do sujeito podem ser mais intensas, tendo como consequências o desgaste e, por vezes, o esgotamento, comprometendo a performance do trabalhador (CAMELO; ANGERAMI, 2008).

Outro ponto identificado dispõe sobre as excessivas e inatingíveis metas impostas ao trabalhador bancário, exigindo-os longas e cansativas rotinas de trabalho além de esgotamento físico e psicológico. Além do mais, conforme já mencionado, há campanhas e incentivos realizados pelas instituições como forma de “valorizar” o funcionário pela sua produtividade, esta sempre atrelada a altas e competitivas metas.

Pela parte da gerência regional, ele quer produção e produção e não interessa se você dorme de noite ou não, se está fazendo as outras coisas ou não, atrás de outras metas, é para aquele dia aquilo lá e tem que bater (E7).

Também é percebido evidências de constrangimentos, a categoria necessita submeter-se a jornadas de trabalho desgastantes, altas cargas de trabalho e cobranças abusivas para o cumprimento de metas, tudo isso em prol da garantia do pleno emprego, expondo assim a saúde física e mental do trabalhador bancário (ZAVALIK et al., 2006). Nestas circunstâncias, os entrevistados remetem à existência de tal prática, confirmando a ideia de que as metas em demasia apresentam alto risco à saúde, podendo ser ponto de partida para queixas de assédio moral.

Netz e Mendes (2006) realizaram uma investigação com bancários a qual demonstrou que o adoecimento desses trabalhadores se dá pelo excesso de trabalho, à grande pressão no cumprimento de metas e à utilização de práticas gerencias embasadas na gestão do medo, com cerne no desemprego, sustentando os resultados aqui apresentados.

As entrevistas revelam a inexistência de medidas que estimulem a saúde e bem-estar do funcionário bancário. As instituições bancárias não executam programas de qualidade de vida voltados ao trabalhador, que contribuam para a valorização do seu trabalho e, por consequência, da sua dignidade humana. De outro modo, quando existentes, os programas não possuem a devida eficiência ou não são usufruídos pelo funcionário como um benefício a sua saúde.

Não dá tempo [de parar e se alongar], eu faço 6 horas e tenho 15 minutos de almoço, o correto é a cada 50 minutos você tem 10 minutos de pausa para se alongar, tomar uma água, sair da cadeira, se espichar, mas não tem como fazer, não funciona. […] Tem orientação tudo, tem até como você ligar para o RH e tirar dúvidas e tudo mais, só que não tem como cumprir. Na prática são impossíveis de fazer (E7).

A empresa tem toda questão social, mas não o social do funcionário, não preza pela saúde e bem-estar dele, que deveria ser um pouco mais (E5).

Neste contexto, os relatos demonstram a ineficiência na aplicação de medidas de estímulo à saúde de seus trabalhadores. França (2012) destaca que o cenário atual das empresas é marcado por apreensões e ansiedades individuais e grupais e que, por outro lado, com o aumento da expectativa de vida das pessoas e do tempo em atividades economicamente ativas, observa-se que ações e programas voltados à qualidade de vida do trabalhador tornam-se uma resposta frente às pressões da vida moderna e do ambiente globalizado. Além do mais, conforme enfatizam Duarte et al. (2010), a qualidade de vida no trabalho agrega valor à organização visto ser uma importante ferramenta motivacional com a intenção de manter os colaboradores engajados à ideia da organização, melhorando assim o ambiente de trabalho e consequentemente, a satisfação e a vida do trabalhador bancário.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do estudo foi investigar o ambiente de trabalho do setor bancário em instituições do interior do Rio Grande do Sul, com vistas a contemplar a análise do contexto das relações socioprofissionais, bem como dos fatores de risco à saúde e bem-estar desses trabalhadores.

Os resultados revelaram que as instituições bancárias, em âmbito meso, possuem modelos de gestão participativos e democráticos, prezando por um ambiente de trabalho aprazível, com cooperação e engajamento entre os funcionários. Além disso, os trabalhadores possuem boas relações internas entre si, facilitadas por ambientes de trabalho em agências menores, onde apoiam-se mutuamente em prol do objetivo universal da organização, contribuindo para um ambiente laboral sadio.

No entanto, nota-se influências de âmbito macro, que afetam os métodos de trabalho e gestão organizacional das instituições bancárias. Essa constatação é consequência da introdução de inovações tecnológicas e de gestão, além de políticas governamentais, inseridas em um contexto socioeconômico em que o capital impõe novas formas de ultrapassar a produção, intensificando o trabalho e conferindo-lhe um novo sentido (PAIVA; BORGES, 2009; SOARES; VILLELA, 2012). Desta forma, condutas, como aquelas identificadas em nível meso, devem ser conservadas pelos gestores, bem como aprimoradas constantemente, com o intuito de mitigar condutas de assédio moral em seu meio laboral.

A presença de metas abusivas e inatingíveis, elevados volumes de trabalho e consequentes cargas horárias excessivas, são pontos identificados que acometem a classe bancária, tornando-se riscos à saúde dos trabalhadores. Metas difíceis de serem cumpridas podem ocasionar pressão para executar mal o trabalho, resultando, inclusive, em condutas antiéticas com clientes e com colegas de trabalho. Nesse sentido, aumenta-se o risco de violência organizacional como estratégia de gerenciamento de equipes.

Outro agravo refere-se à ausência de medidas de estímulos à saúde e ao bem-estar dos profissionais bancários, conforme observado nos relatos. Esse fator resulta em prejuízos à própria produtividade do trabalhador, pois leva à desmotivação, rotatividade, absenteísmo ou insatisfação, revelando-se um paradoxo: cada vez mais, exige-se eficiência do profissional bancário e menos condições de trabalho são oferecidas. Desta forma, urge que os diversos segmentos – gestão organizacional, sindicatos, políticas públicas de saúde – pensem diretrizes de ação para prevenção de riscos e promoção de saúde desta categoria profissional. A implantação ou adequação de programas de qualidade de vida no trabalho que propiciem condições plenas de desenvolvimento pessoal do indivíduo, gerando benefícios à saúde, prazer e realização do trabalhador bancário, é um exemplo de ação a ser tomada.

Destaca-se que o pequeno porte das agências bancárias investigadas, com número reduzido de funcionários em seus quadros, facilita a performance gerencial, demonstrando que os gestores são capacitados e preparados para o desafio da função. As adequadas formas de gestão sustentadas em nível meso, caracterizadas por proximidade com a equipe e estímulo à participação, incentivam o comprometimento e engajamento do trabalhador bancário, gerando bem-estar e satisfação. Desta forma, políticas de recursos humanos voltadas à qualificação dos gestores é outro exemplo de ação que pode ser adotada pelas instituições bancárias.

Para que se possa amenizar ou eliminar o sofrimento dos trabalhadores, é necessário que as organizações propiciem ambientes de trabalho saudáveis e baseados em princípios morais, éticos e no respeito mútuo, com aceitação do indivíduo na sua particularidade de crenças, valores e culturas, além do comprometimento coletivo com a ética, com a solidariedade, com a dignidade e com o respeito, acima de tudo, com a vida (BOBROFF; MARTINS, 2013).

Como limitações do estudo, pode-se apontar que os resultados encontrados possam decorrer do denominado “efeito do trabalhador sadio”, ou seja, a investigação teria envolvido apenas trabalhadores em boas condições de saúde, uma vez que aqueles sob o efeito do fenômeno estudado estariam afastados do trabalho. Portanto, como sugestões de novos estudos, recomenda-se considerar, na amostra, trabalhadores que estejam em situação de afastamento laboral com o objetivo de averiguar se os motivos estão relacionados com o assédio moral.

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www.assediomoral.org

[1] Graduada em Administração de Empresas pela Universidade do Vale do Taquari – Univates, Bancária.

[2] Mestre em Psicologia Social (PUCRS). Especialista em Gestão Estratégica de Pessoas (UNIVATES). Psicóloga (UNISINOS), Professora Assistente da Universidade do Vale do Taquari – Univates, Lajeado-RS.

[3] Mestre em Psicologia (UNISINOS). Especialista em Psicologia Organizacional e do Trabalho (IDG) e em Psicologia do Trânsito pelo Conselho Federal de Psicologia. Psicóloga (URI), Consultora na área de desenvolvimento das pessoas e lideranças.

Enviado: Janeiro, 2018.

Aprovado: Março, 2019.

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Liciane Diehl

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