ARTIGO ORIGINAL
TELES, Mairla Meneses Lopes [1]
TELES, Mairla Meneses Lopes. Qualidade técnica e eficiência financeira do setor de saneamento básico do município de acauã (PI). Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 01, Vol. 05, pp. 58-65 Janeiro de 2019. ISSN:2448-0959
RESUMO
O presente artigo traz os resultados da análise da qualidade técnica e da eficiência financeira do setor de saneamento básico no Município de Acauã (PI) a partir do uso de indicadores de qualidade. Os dados sobre a gestão e operacionalização do setor foram coletados durante a etapa de elaboração do Diagnostico Técnico-Participativo do Plano Municipal de Saneamento Básico – PMSB, e compilados com o uso de indicadores relacionando informações sobre os 04 eixos de serviços que compõem o saneamento básico, segundo a Lei 11.445/2007, que instituiu a Política de Saneamento Básico no Brasil: abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos sanitários, coleta e manejo de resíduos sólidos, e drenagem urbana. A metodologia adotada baseou-se na adotada pelo Sistema Nacional de Informação de Saneamento – SNIS, do Ministério das Cidades, considerando-se a disponibilidade de dados válidos sobre a realidade de Acauã. Este tipo de análise é fundamental para a melhoria da gestão pública e da sustentabilidade na prestação de serviços de saneamento básico, e envolve uma visão multidisciplinar que integra variáveis de diversas áreas de conhecimento, tais como: Engenharia, Economia, planejamento e desenvolvimento institucional, legislação e da Tecnologia de Informação, além de agregar dados sobre os mecanismos de participação e controle social. O estudo permitiu concluir que as condições de saneamento básico de Acauã são precárias, sendo a gestão ineficiente do ponto de vista técnico-administrativo e financeiro, destacando-se como principais fatores para o cenário diagnosticado a falta de qualificação institucional e a inexistência da participação e do controle social. A sustentabilidade financeira do setor é comprometida pela baixa arrecadação, pois só há cobrança para os serviços de abastecimento de água, enquanto os demais serviços são oferecidos sem nenhuma forma de cobrança, contando apenas com as verbas do Fundo Municipal e investimentos externos. Este tipo de gestão compromete a qualidade dos serviços de manutenção e a ampliação dos serviços. O quadro é agravado pelas condições climáticas da área, localizada em região de semiárido, e pelas dificuldades financeiras peculiares aos municípios brasileiros de pequeno porte.
Palavras-chave: Saneamento, Indicadores, PMSB, Gestão Pública.
INTRODUÇÃO
O saneamento básico foi definido pela Lei n.º 11.445/2007, a Lei do Saneamento Básico, como o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais relativos aos processos de: a) abastecimento de água potável; b) esgotamento sanitário; c) coleta e manejo de resíduos sólidos; d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. Atualmente, a Política Nacional de Saneamento Básico exige que todas as prefeituras elaborem seu Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB). Sem o PMSB, a partir de 2015, as Prefeituras Municipais que não tiverem atendido este requisito não terão prioridade para receber recursos federais para projetos de saneamento básico. A elaboração do PMSB objetiva a melhoria significativa da qualidade de vida da população. Para que se possa mensurar essa melhoria, tem-se a utilização dos indicadores, uma das principais ferramentas do planejamento estratégico.
A utilização de indicadores permite a descrição e a mensuração da qualidade técnica, administrativa e operacional de um sistema. Os indicadores podem ser derivados de dados primários, secundários ou outros indicadores e classificam-se como analíticos (constituídos de uma única variável) ou sintéticos (constituídos por uma composição de variáveis).
Os indicadores são instrumentos essenciais para a implantação de uma metodologia de acompanhamento sistematizada que constituirá a base do Sistema de Informações do Saneamento Básico do município, permitindo a visualização clara do cenário atual e a projeção de cenários futuros otimizados.
O presente trabalho objetivou analisar cada área de serviço que compõe o setor de saneamento básico do município de Acauã, a partir de indicadores de qualidade, possibilitando a identificação dos pontos fracos e das limitações existentes no sistema, a fim de fornecer subsídios para a definição de um cenário a ser construído para a superação das deficiências atuais e atendimento às propostas de universalização e de qualidade de serviço, previstos pela Lei de Saneamento Básico.
A ÁREA DE ESTUDO
O município de Acauã está situado na Mesorregião do Sudeste Piauiense, na Microrregião do Alto Médio Canindé, no semiárido do Piauí, no Território de Desenvolvimento Vale do Rio Guaribas. Acauã e dista 490 km da capital, Teresina, com acesso pela BR-316, estando a 11 km de Paulistana, município vizinho que fornece apoio no setor de serviços e saúde, onde se situa o principal manancial que abastece o município. Acauã, segundo dados do Censo Demográfico de 2010 do IBGE, tem 6.749 habitantes, com menos de 15% da população de Acauã residindo na zona urbana.
O município se encontra na bacia do Parnaíba, na área de domínio do rio Canindé/Piauí. Nesta bacia, o Embasamento Cristalino, aquífero fissural, próprio de rochas duras/ cristalinas fraturadas, com baixa porosidade e baixa permeabilidade, estende-se por cerca de 40% de sua área. Estes aspectos condicionam a qualidade das águas subterrâneas: os resultados do diagnóstico da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – CPRM comprovam que, nos poços escavados no município, a predominância é de água salgada, seguido de água salobra, com raras ocorrências de água doce. (CPRM, 2004).
Figura 01: Mapa de localização de Acauã-PI.
Segundo a classificação do PNUD (2013), com base em dados de 2010, o município apresenta Índice de Desenvolvimento Humano-IDH de 0,528, estando entre as regiões consideradas de Desenvolvimento Humano Baixo (IDH entre 0,5 e 0,599).
Segundo dados da Prefeitura Municipal, entre 2010 e 2012, as doenças mais comuns registradas no Município são dengue, tuberculose, hipertensão arterial, diabetes e hanseníase. A Secretaria de Saúde local vincula a maior parte destas doenças às deficiências sanitárias do município.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A questão do saneamento básico no Brasil foi deixada em segundo plano durante muito tempo no Brasil e a centralização do Estado brasileiro entre 1964 e 1985 esvaziou a atuação dos governos locais que se tornaram simples gestores da política central (DARONCO & WARTCHOW, 2011). Os recursos do setor de Saneamento Básico passaram a ser gerenciados pelo Banco Nacional da Habitação (BNH) que, através do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), incentivou a criação de companhias estaduais e a concessão dos serviços pelos municípios aos estados. O processo de municipalização encontrou, durante muito tempo, vários desafios, entre eles, a desigualdade na capacitação dos municípios em atender às demandas na implantação e/ou no aprimoramento dos serviços prestados (DARONCO & WARTCHOW, 2011). Os Indicadores Sociais Municipais do Censo 2010 revelam que embora a proporção de domicílios adequados (ligados à rede geral de esgoto ou fossa séptica, abastecidos por rede geral de água e com lixo coletado direta ou indiretamente por serviço de limpeza) tenha subido de 56,5% em 2000 para 61,8% em 2010, nas cidades menores (com até 5 mil habitantes), não chega a 1/3 (30,8%), enquanto nas maiores (mais de 500 mil habitantes) só atinge 82,5%. No entanto, a Universalização do Saneamento Básico foi assumida como um compromisso de toda a sociedade brasileira, conforme a Lei n° 11.445 (2007), que propõe que através da elaboração do PMSB os municípios se mobilizem para o desenvolvimento de mecanismos de gerência dos serviços e de modelos alternativos de administração que permitam obter níveis crescentes de eficiência e eficácia, com vistas ao alcance das metas de universalização.
Para tal, o passo inicial é a formação de um banco de dados que contenha o registro sistematizado dos indicadores do cenário atual, ponto de partida, para o delineamento do cenário desejável. Os indicadores são específicos conforme a área do Saneamento Básico a que se referem e compreendem aspectos técnico-operacionais e gerenciais. Estas informações são públicas e acessíveis a todos, independentemente da demonstração de interesse, devendo ser publicadas por todos os meios possíveis, e possibilitam que os mecanismos de participação e controle social se efetivem. Os indicadores, também, estão vinculados ao desenvolvimento dos programas previstos pelo PMSB.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nesta etapa, descrevemos a seguir os resultados levantados, tabulados e analisados para cada uma das áreas do setor de saneamento básico de Acauã.
ABASTECIMENTO DE ÁGUA
Tabela 01 – Indicadores dos Serviços de Abastecimento de Água de Acauã (2017)
Sigla | Nomeclatura | Fórmula de Cálculo | Indicadores Atuais |
ICS água | Cobertura dos Serviços | ICS (%) =Nº de habitantes atendidos x 100
_________ Nº total de habitantes |
*Considerando a população urbana: 97,5% |
IPR | Perdas Reais | IPR (%) = (Vol. Prod. – Vol. Cons.) x 100
_________ |
51,29% |
IH | Hidrometração | IH(%) = Nº total de lig. c/hidrômetros x 100
___________ |
90,89% |
IIR | Índice de Implantação de Redes | IIR (%) = Ext. da rede implantada x 100
________ |
Rede atual: 6.984m representa o valor inicial a partir do qual serão contabilizadas as taxas de ampliação |
ISR | Índice de Substituição de Redes | ISR (%) = Ext. da rede substituída x 100
__________ |
Neste ano nenhuma extensão de rede foi substituída |
ISH | Índice de Substituição de Hidrômetros | ISH (%) = Nº de hidrômetros substituídos
_________ |
Neste ano nenhum hidrômetro foi substituído |
ILN | Índice de Ligações Novas | ILN (%) =Nº de ligações novas x 100
__________ |
Ligações novas não contabilizadas |
IQA | Índice de Qualidade da Água | IQA (%) = Nº de amostras fora de padrão x 100
_________ |
<5% |
ICA | Índice de Continuidade de Abastecimento | ICA (%) =Nº reclamações (falta de água) x100
__________ |
Não há órgão de coleta de reclamações ou ouvidoria pública (não há registros oficiais) |
IR | Índice de Reservação | IR (%) = Volume total de reservação x 100
_________ |
Considerando só a zona urbana: 94,12% |
Os indicadores dos serviços de abastecimento de água indicam déficit no atendimento. A taxa de hidrometração é satisfatória, mas não há planejamento dos serviços de manutenção e nem previsão de ampliação; também não há canal de comunicação com a comunidade. A reservação é deficiente e a taxa de perda e maior que a média nacional de 37%.
SISTEMA DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO
Tabela 02 – Indicadores dos Serviços de Esgotamento Sanitário de Acauã (2017)
Sigla | Nomenclatura | Fórmula de Cálculo | Indicador |
IIC | Índice de Incremento da Coleta | IIC (%) = Extensão da rede implant. x 100
_____________________ |
Não há sistema de coleta
(0) |
IIT | Índice de Incremento do Volume de Esgotos Tratamento | IIT (%) =Volume de esgoto tratado. x 100
_____________________ |
Não há sistema de coleta
(0) |
IQE | Índice de Qualidade do Efluente | IQE(%)=Nº de amostras DBO fora do padrão x 100
_____________________ |
Não há sistema de coleta
(0) |
A ausência de um sistema de coleta e tratamento de esgotos coloca o município à margem de qualquer condição de avaliação. Para poder se adequar ao que a PNSB exige, em termos de universalização, o município precisa alcançar as seguintes metas:
Tabela 03 – Metas de Projeto Implantação de SES em Acauã (PI)
META | Ano de Projeto 2.037 |
Rede coletora com lagoa de tratamento (m) | 7.450 |
Ligações domiciliares na zona urbana (unid) | 482 |
Módulos sanitários na zona rural (%) | 100 |
SISTEMAS DE DRENAGEM URBANA
Tabela 04 – Indicadores da Drenagem Urbana de Acauã (2017)
Sigla | Nomenclatura | Fórmula de Cálculo | Indicador |
ICD | Índice de Cobertura por Dispositivos de Drenagem Urbana | ICD (%) = Área de vias pavimentadas x 100
_____________________ |
65,00% |
IPFT | Índice de Produtividade da Força de Trabalho | IPF T (%) = Nº de funcionários x 100
_______________ |
0,15% |
TI | Taxa de Impermeabilização | TI (%) = Áreas (construída+pavimentada) x 100
__________________ |
<1% |
Os indicadores desta área revelam baixa cobertura na área de pavimentação e uma equipe técnica de gestão e operacionalização bem reduzida. A falta de dados disponíveis limitou a definição de mais indicadores, o que caracteriza as falhas no registro e sistematização de dados. Em compensação, o município apresenta baixa taxa de impermeabilização o que permite várias possibilidades para a implantação de mecanismos de drenagem, assim como evidencia baixa probabilidade de ocorrência de eventos de acumulo de água.
LIMPEZA URBANA
Tabela 05 – Indicadores dos Serviços de Coleta e Manejo de Resíduos Sólidos de Acauã (2017)
Sigla | Nomenclatura | Fórmula de Cálculo | Indicador | |
ICL | Índice de Cobertura | ICS (%) =Nº de habitantes atendidos x 100
______________ |
65% | |
IMC | Índice de Massa Coletada | IMC (kg/hab. dia) = Massa RDO+RPU coletado
______________ |
0,93 kg/hab./dia | |
ICV | Cobertura da Varrição | ICV (%) = Ext. de ruas varridas x 100
_______________ |
25% | |
IRC | Índice de Rendimento da Compostagem | IRC (%) =Massa de composto obtido x 100
_______________ |
Não tem programa de compostagem no município | |
IDR | Índice de Desvio de Resíduos | IDR (%) = Massa de recicláveis coletados x 100
______________ |
Não tem programa de coleta seletiva no município | |
ICRS | Índice de Coleta de Resíduos de Serviços de Saúde (RSS) | ICRSS (%) =Massa de RSS coletados x 100 Massa total de RS coletados |
Sem coleta específica. | |
ICRCD | Índice de Coleta de Resíduos da Construção Civil e Demolição (RCD) | ICRCD (%) =Massa de RCD coletados x 100
_______________ |
Sem coleta específica. | |
ICO | Índice de Catadores Organizados | ICO (%) =Nº de catadores organizados x 100
_______________ |
(0) |
Os indicadores da área de coleta e manejo de RSU revelam grandes deficiências na prestação destes serviços, a partir da cobertura deficiente da coleta e da varrição, ausência de programas de coleta seletiva/ reciclagem e de compostagem doméstica ou iniciativas para organização de catadores. O município apresenta taxa significativa de geração de resíduos domésticos (incluindo os residuos públicos), comparando-se com a média nacional que é de 1,2 kg/hab.dia (IPEA, 2012). Não há coleta diferenciada para RSS e RCD.
DESPESAS X RECEITAS
Tabela 06 – Indicadores de Sustentabilidade Financeira do Setor de Saneamento Básico de Acauã (2017)
Sigla | Nomenclatura | Fórmula de Cálculo | Indicador |
DTUF | Despesa Total com os Serviços | DTUF(R$/unid) =Despesa total do setor
_______________________ |
103,57 |
IDF | Indicador de Desempenho Financeiro | IDF (%) = Receita Operacional x 100
___________________________ |
44,21% |
ISC | Indicador de Suficiência de Caixa | ISC (%) = Arrecadação total do setor x 10
_________________________ |
47% |
A análise dos indicadores financeiros demonstra déficit significativo entre o que é arrecadado e o valor total das despesas do setor, evidenciando a falta de sustentabilidade para a prestação dos serviços com qualidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos indicadores do saneamento básico em Acauã revela um cenário caracterizado por fortes fragilidades nos aspectos da gestão como da operacionalização dos sistemas. A Administração Municipal, como ocorre na maior parte dos municípios de pequeno porte da região Nordeste do Brasil, possui equipe reduzida, e precisa investir na implantação de setores de apoio técnico que possam imprimir maior expertise ao processo de gerenciamento dos serviços.
O PMSB é uma valiosa oportunidade para que o Município, reunindo todos os setores sociais, possa construir um planejamento sustentável, do ponto de vista financeiro, administrativo, jurídico e social, para a melhoria do saneamento em Acauã. Visualiza-se, além dos planos e programas a serem previstos no PMSB, a necessidade de aplicação de uma sequência de medidas de ordem estrutural centradas na otimização da administração municipal, ilustrada no seguinte esquema:
Figura 02. Sequência de medidas de ordem estrutural centradas na otimização da administração municipal de Acauã
Estas ações, associadas a um bom Plano Municipal de Saneamento Básico colaborarão para o desenvolvimento social, econômico e de saúde publica no município analisado.
REFERÊNCIAS
CPRM. Projeto cadastro de fontes de abastecimento por água subterrânea, estado do Piauí: diagnóstico do Município de Acauã/Organização do texto [por] Robério Bôto de Aguiar [e] José Roberto de Carvalho Gomes. Fortaleza: CPRM – Serviço Geológico do Brasil, 2004.
DARONCO, Giuliano Crauss e WARTCHOW, Dieter. A gestão da água e esgoto no âmbito do PMSB/Santa Rosa (RS). In: XV Exposição de Experiências Municipais em Saneamento. Anais. ASSEMAE: Campinas (SP), 2011.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/estatistica/populacao/default_censo_2010 .shtm>. Acesso em: 15 maio 2015.
IPEA. Diagnóstico dos Resíduos Sólidos Urbanos (Relatório de Pesquisa). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada / Brasília, 2012.
PNUD. Perfil do Município de Acauã, PI. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013. Disponível em: <http://atlasbrasil.org.br/2013/home/>. Acesso em: 20 outubro 2015.
[1] Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente; Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho; Especialista em Educação; Especialista em Ciências Ambientais.
Enviado: Fevereiro, 2018
Aprovado: Janeiro, 2019