REVISTACIENTIFICAMULTIDISCIPLINARNUCLEODOCONHECIMENTO

Revista Científica Multidisciplinar

Pesquisar nos:
Filter by Categorias
Administração
Administração Naval
Agronomia
Arquitetura
Arte
Biologia
Ciência da Computação
Ciência da Religião
Ciências Aeronáuticas
Ciências Sociais
Comunicação
Contabilidade
Educação
Educação Física
Engenharia Agrícola
Engenharia Ambiental
Engenharia Civil
Engenharia da Computação
Engenharia de Produção
Engenharia Elétrica
Engenharia Mecânica
Engenharia Química
Ética
Filosofia
Física
Gastronomia
Geografia
História
Lei
Letras
Literatura
Marketing
Matemática
Meio Ambiente
Meteorologia
Nutrição
Odontologia
Pedagogia
Psicologia
Química
Saúde
Sem categoria
Sociologia
Tecnologia
Teologia
Turismo
Veterinária
Zootecnia
Pesquisar por:
Selecionar todos
Autores
Palavras-Chave
Comentários
Anexos / Arquivos

A reconfiguração territorial do agronegócio: as nucleações urbanas de Roda Velha (São Desidério) e Vila Rosário (Correntina) – Bahia

RC: 117177
284
5/5 - (3 votes)
DOI: ESTE ARTIGO AINDA NÃO POSSUI DOI
SOLICITAR AGORA!

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

FERRAZ, Carlos Alberto Leitão [1], BRANDÃO, Paulo Roberto Baqueiro [2]

FERRAZ, Carlos Alberto Leitão. BRANDÃO, Paulo Roberto Baqueiro. A reconfiguração territorial do agronegócio: as nucleações urbanas de Roda Velha (São Desidério) e Vila Rosário (Correntina) – Bahia. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 06, Vol. 02, pp. 187-224. Junho de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/meio-ambiente/reconfiguracao-territorial

RESUMO

O presente trabalho faz parte de pesquisa mais ampla de Estágio Pós Doutoral no projeto submetido para a realização de Pós-doutorado, 2019-2020, junto ao Programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais – PPGCA, Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB). Desta forma, em que medida a expansão do agronegócio estimulou o surgimento de novas nucleações urbanas como Roda Velha e Rosário reconfigurando o território? O objetivo geral deste trabalho consistiu em compreender as singularidades do processo de surgimento das nucleações urbanas decorrentes da modernização da agricultura, intensiva em capital, tecnologia e informação nos cerrados do Oeste baiano, tendo como núcleo de análise os distritos de Roda Velha e Vila Rosário. Os procedimentos metodológicos consistiram na coleta dos dados brutos atinentes ao objeto de estudo, identificação e seleção das informações significativas para investigação do evento e determinação das variáveis relevantes do processo estudado. A partir do conhecimento inicial da localidade se definiu as diretrizes de construção do escrito e das variáveis relevantes na consecução dos objetivos iniciais. Utilizou-se de entrevistas semiestruturadas com personalidades locais e contatos com trabalhadores dos lugares. Desta forma, o surgimento de novas nucleações urbanas, como foram os casos de Roda Velha e Vila Rosário, decorreram do fluxo migratório para essas localidades, bem com a expansão do plantio de soja concomitante à implantação de serviços de apoio à produção agrícola tecnificada e da localização geográfica (BR 020), paralelo às mudanças que ocorreram no campo, não só em termos de crescimento como também na distribuição no território.

Palavras-chave: Agronegócio, Território, Reconfiguração, Urbana.

1. INTRODUÇÃO

O avanço geográfico do capital é fator que se relaciona mais diretamente às transformações na organização e na expansão espacial do capital no seu padrão de acumulação. Pois, este processo necessita de superar as barreiras territoriais.

O acesso a novas áreas, mais longínquas do mercado, a novas fontes de recursos naturais e novas oportunidades de trabalho, em um contexto de relações sociais capitalistas implica aumento do tempo de giro do capital (tempo de produção mais tempo de circulação do capital). Assim, ao se ampliar o tempo de giro do capital, menor será o rendimento ao ano da mais-valia.

Desta forma, é necessário criar melhorias compensatórias em relação à velocidade de circulação do capital. Visando superar os óbices espaciais ao capital, são erguidas estruturas espaciais fixa e móveis de sistemas de transportes, instalações fabris, meios de produção, entre outros, capazes de reduzir o tempo de circulação do capital ao mínimo. O capital, nesta dinâmica territorial, cria uma nova configuração territorial propícia à sua acumulação crescente.

É neste processo de acumulação que se insere os territórios de Vila Rosário e Roda Velha nos cerrados do Oeste baiano os quais, a partir do século XX, eram, até então, áreas dominadas pelos elementos naturais e habitadas por populações tradicionais da região, com o predomínio no campo econômico da pecuária extensiva e da agricultura de subsistência.

A introdução da agricultura modernizada no Centro-Oeste e Oeste baiano foi precedida pela construção de diversas obras de infraestrutura básica, entre elas a construção da BR 020 que liga Brasília a Fortaleza, o seu percurso contempla áreas da região Oeste baiana. Os limites territoriais amplos dessa região implicavam percursos longos entre localidades o que fez surgirem pontos de apoio para os fluxos de transportes e pessoas

Na localidade atual do distrito, a construção de um posto de combustível deu origem ao povoado de Vila Rosário. Em São Desidério, já existia a comunidade de Roda Velha I que distava 12 km da BR 020. Às margens dessa rodovia expandiu- se um novo povoado, Roda Velha II.

Assinala Arruda que nessa dinâmica, essas localidades passam a ser palcos de interesses econômicos mais agudos através da incorporação de objetos técnicos e da apropriação fundiária.

Paralelamente, os recursos naturais, antes essenciais à sobrevivência das comunidades locais, transformam-se em bens comercializáveis e passam a fazer parte desta nova dinâmica territorial, materializada na expansão da nova fronteira agrícola baiana e contextualizada na expansão ampliada do capital. (ARRUDA, 2007).

Desta forma, o objetivo geral deste trabalho consistiu em compreender as singularidades do processo de surgimento das nucleações urbanas decorrentes da modernização da agricultura, intensiva em capital, tecnologia e informação nos cerrados do Oeste baiano, tendo como núcleo de análise os distritos de Roda Velha e Vila Rosário.

Neste propósito os objetivos específicos foram: a) investigar as mudanças demográficas na área de estudo; b) analisar as implicações ambientais do processo em curso; c) Caracterizar as mudanças socioeconômicas ocorridas no período selecionado e d) contribuir para o entendimento das estratégias do uso corporativo do território.

Assim, para realizar os objetivos propostos, este escrito está estruturado em 06 (seis) seções, além desta introdução e das considerações finais. A seção seguinte trata da Metodologia empregada na pesquisa e dos procedimentos metodológicos seguidos no decorrer da investigação. A seção três apresenta as áreas de estudo. A quatro examina a expansão da modernização conservadora nos cerrados do Oeste baiano. A cinco estuda a dinâmica demográfica e territorial. A seção seis trata da dependência de Correntina/Vila Rosário e São Desidério/Roda Velha do mercado internacional de commodities agrícolas. Na 07 (sete) analisa-se a dinâmica ambiental. Nas considerações finais são apresentadas as reflexões percebidas e analisadas a partir dos objetivos que nortearam o estudo, buscando resgatar a relação entre os resultados encontrados. Neste sentido, na construção da estrutura desta pesquisa procurou-se articular os diversos temas entre si tendo como componente central a utilização corporativa do território.

Embora o debate em torno do conceito de território não se constitua em fato recente, é a partir das décadas de 1960 e 1970 que sua utilização se intensifica nos meios acadêmicos, principalmente pelos geógrafos.

As abordagens que emanam, neste período, ampliam o conceito de território, antes restrito ao espaço físico, área, limite administrativo, passa a incorporar múltiplos aspectos como econômicos, sociais, políticos e culturais, ou seja, é o resultado de diferentes dimensões.

Para Santos (1999):

O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. O território em si não é uma categoria de análise em disciplinas históricas, como a Geografia. É o território usado que é uma categoria de análise. Aliás, a própria ideia de nação, e depois a ideia de Estado Nacional, decorrem dessa relação tornada profunda, porque um faz o outro […] (SANTOS, 1999)

Ainda, segundo Santos (1998):

O território, hoje, pode ser formado de lugares contíguos e de lugares em rede: São, todavia, os mesmos lugares que formam redes e que formam o espaço banal. São os mesmos lugares, os mesmos pontos, mas contendo simultaneamente funcionalidades diferentes, quiçá divergentes ou opostas.

Esse acontecer simultâneo, tornado possível graças aos milagres da ciência, cria novas solidariedades: a possibilidade de um acontecer solidário […]  Na realidade, esse acontecer solidário apresenta-se sob três formas no território atual: um acontecer homólogo, um acontecer complementar e um acontecer hierárquico.

O acontecer homólogo é aquele das áreas de produção agrícola ou urbana, que se modernizam mediante uma informação especializada e levam os comportamentos a uma racionalidade presidida por essa mesma informação […] O acontecer complementar é aquele das relações entre cidade e campo e das relações entre cidades, conseqüência igualmente de necessidades modernas da produção e do intercâmbio geograficamente próximo. Finalmente, o acontecer hierárquico é um dos resultados da tendência à racionalização das atividades e se faz sob um comando, uma organização

[…]

No caso do acontecer homólogo e do acontecer complementar, isto é, nas áreas de produção homóloga no campo ou de produção homóloga na cidade, o território atual é marcado por um cotidiano compartilhado mediante regras que são formuladas ou reformuladas localmente (SANTOS, 1998).

Conforme este autor, o território é o palco contraditório entre mercado e sociedade civil, nas suas diferentes dimensões. Assim, se evidencia dois movimentos em sentidos opostos, dialéticos, no território usado. Pois, há uma parcela técnica da produção controlada localmente e um comando externo de parcela política da produção.

Neste processo o grande capital internacional disponibiliza créditos às nações mais pobres visando estruturar redes que atendam aos seus interesses; mas os lugares reconstroem o seu cotidiano criando normas regionais.

Saquet (2007), por sua vez, considera:

Uma questão fundamental, nesta reflexão, é reconhecer as interfaces e as interligações existentes entre as diferentes dimensões do território. O processo de apropriação do território é econômico, político e cultural, no qual, a natureza exterior ao homem está presente e é influente, como já afirmamos. O território é resultado e condição desta articulação e unidade.

Por isso, há posições/abordagens múltiplas, que tentam comtemplar as relações entre as diferentes dimensões sociais do território, ora privilegiando aspectos políticos e econômicos […] são indissociáveis e o reconhecimento desta combinação e unidade se faz necessário para tentarmos superar os limites impostos por cada concepção feita isoladamente, o que remete a dicotomização na abordagem geográfica.

O processo de territorialização é um movimento historicamente determinado; é um dos produtos socioespaciais do movimento e das contradições sociais, sob as forças econômicas, políticas e culturais, que determinam as diferentes territorialidades, no tempo e no espaço, as próprias des-territorialidades e as re-territorialidades. (SAQUET, 2007)

Assim, reflete que o território é resultado de ações ao longo do processo histórico que se materializam em fases distintas que se sobrepõem decorrentes do processo social e espacial, ou seja, é modo de apropriação social do ambiente.

Já Haesbaert (2004), destaca que:

[…] todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes combinações, funcional e simbólico, pois exercemos domínio sobre o espaço tanto para realizar “funções” quanto para produzir “significados”. O território é funcional a começar pelo território como recurso, seja como proteção ou abrigo (“lar” para o nosso repouso), seja como fonte de “recursos naturais” – “matérias-primas” que variam em importância de acordo com o(s) modelo(s) de sociedade(s) vigente(s) (como é o caso do petróleo no atual modelo energético capitalista). (HAESBAERT, 2004)

Este escritor enfatiza a importância de não se considerar o território de maneira isolada, como espaço neutro, mas como local integrado em contínua disputa pela hegemonia de poder sobre os recursos naturais como terra, água e outros para a reprodução econômica do capital.

Como se observa nos autores citados, há diferentes abordagens sobre o conceito de território. Que têm em comum as relações entre território e as dimensões sociais e seus rebates econômicos, políticos e culturais, cada autor enfatizando um ou outro aspecto.

No processo econômico mundial recente, as corporações empresariais utilizam os territórios conforme seus interesses e demandas com vistas à acumulação ampliada do capital em termos globais. Os pontos do território brasileiro selecionados ficam submetidos às diretrizes do capital internacional.

As transformações do capitalismo ocorridas com a globalização geraram novas conexões espaciais-temporais. O padrão recente técnico-científico- informacional, no objetivo de alcançar a reprodução ampliada do capital, se expandiu seletivamente para outros territórios, até então periféricos para a reprodução crescente do capital.

O novo processo territorial que se instala nos cerrados do Oeste baiano, iniciado nas décadas de 1970 e 1980, insere esta região nos fluxos produtivos internacionais de commodities agrícolas. Nesta dinâmica, principalmente, na região de influência do município de Barreiras, recebe contingentes populacionais oriundos das regiões Sul e Sudeste do país.

A reorganização dos circuitos territoriais de produção agrícola inicialmente mais dinâmico no município de Barreiras intensificará a sua concentração urbana.

Esta redistribuição populacional e corporativa foi acompanhada com a instalação e expansão de uma rede comercial e de serviços, proporcionando a crescente produtividade geográfica da região.

Nos cerrados dessa região a dinâmica de territorialização do capital, a partir da década de 1970, foi acompanhada pelo estabelecimento de empresas agroindustriais, principalmente, direcionadas para o beneficiamento de processamento de grãos, a soja. Esta reorganização espacial da agroindústria de grãos nos cerrados do Oeste baiano tinha como objetivo internalizar as vantagens competitivas regionais como a qualidade dos grãos e a proximidade das áreas de cultivos. Além, é claro, dos incentivos fiscais e estatais concedidos. Assim, em que medida a expansão do agronegócio estimulou o surgimento de novas nucleações urbanas como Roda Velha e Rosário reconfigurando o território?

Nas áreas modernas da agricultura, o processo crescente de acumulação de capital impõe a difusão espacial do capital produtivo. Mas neste processo, reveste- se de importância as inversões em capital fixo de infraestrutura como meios de transportes, portos, silos terras, etc.; do capital constante na forma de sementes, maquinários, adubos, fungicidas, entre outros; e do fluxo monetário. Desta maneira, as estruturas espaciais construídas no território são fundamentais para atender as diversas transações e operações do circuito de produção de grãos da região.

O ciclo produtivo do sistema agroindustrial, que gera valor, transformou-se. Obedece a uma nova lógica em rede que integra novas regiões aos circuitos produtivos, comerciais e financeiros em dimensão internacional com a ampliação do círculo de produção, adoção de tecnologias mais modernas e maior concentração de capital. O capital financeiro penetra e se expande no setor agrícola. Ampliam-se os pontos de transações no interior do sistema produtivo. A produção de commodities, em boa parte destinada ao exterior, transforma o padrão de cultivo. Desta forma, o novo desenho do espaço geográfico do Oeste baiano decorre das transformações técnicas e produtivas no sistema de produção da agricultura.

Nesta fronteira agrícola redimensionada pelo agronegócio, a soja torna-se o principal cultivo regional com o uso intensivo de novas técnicas agrícolas. O domínio da soja sobre a área plantada dos cerrados se consolidou, embora posteriormente outras culturas tenham se expandido por esta região como algodão, milho, café, arroz entre outras, com lastros produtivos modernos.

2. METODOLOGIA

O conhecimento científico tem como finalidade essencial fornecer a verdade factual. O que o caracteriza, principalmente, é sua capacidade de demonstrar e provar que é verdadeiro. No entanto, faz-se necessário, ainda, comprovar os procedimentos metodológicos que permitiram trilhar esse nível de compreensão.

Para Gil (2002): “Etimologicamente, método significa “o caminho para se chegar à verdade em ciência” ou como “o conjunto de procedimentos que ordenam o pensamento e esclarecem acerca dos meios adequados para se chegar ao conhecimento” (GIL, 2002).

Marconi e Lakatos (1992), afirmam que:

[…] o método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo – conhecimentos válidos e verdadeiros – , traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista – , traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista. (MARCONI e LAKATOS, 1992, p. 40-41).

A metodologia, por sua vez, compreende um conjunto de meios técnicos de captação dos fatos, servindo para colher e processar informações relevantes que irão auxiliar na compreensão do objeto do estudo.

Segundo Marconi e Lakatos (1992):

A metodologia é como uma arma de busca, caçada aos problemas e destruição de erros, mostrando-nos como podemos detectar e eliminar o erro, criticando as teorias e as opiniões alheias e, ao mesmo tempo, as nossas próprias. (POOPER apud MARCONI e LAKATOS, 1992, p. 66)

Neste sentido esta pesquisa seguiu a seguinte ordem na sua materialização: coleta dos dados brutos atinentes ao objeto do estudo; identificação e seleção das informações significativas para análise do evento e determinação das variáveis relevantes do processo investigado.

Segundo Fernandes (1997):

[…] nas ciências sociais o processo de observação abrange três espécies distintas de operações intelectuais: a) as operações através das quais são acumulados os dados brutos, de cuja análise dependerá o conhecimento objetivo dos fenômenos estudados; b) as operações que permitem identificar e selecionar, nessa massa de dados, os fatos que possuem alguma significação determinável na produção daqueles fenômenos; c) as operações mediante as quais são determinadas, isoladas e coligidas -nesse grupo restrito de fatos – as instâncias empíricas relevantes para a reconstrução e a explanação dos fenômenos, nas condições em que forem considerados. (FERNANDES, 1997)

Quanto ao primeiro grupo, Fernandes (1997) afirma:

[…] correspondem certas técnicas de investigação, que asseguram ao investigador a possibilidade de constituir sua “documentação”. Essas técnicas variam, naturalmente, de acordo com a natureza da pesquisa empreendida, mas algumas são de utilização universal nas ciências sociais. Nas pesquisas de reconstrução histórica, as técnicas empregadas para o levantamento dos dados brutos são as mesmas que as utilizadas pelos historiadores. Nas pesquisas de campo é que a observação direta de ocorrências, formas de atuação social e situações de vida encontra larga aplicação. Contudo, mesmo nessa fase, a observação direta não se confunde com a mera “verificação” passiva do que ocorre no mundo ambiente, não só o sujeito-investigador […] (FERNANDES, 1997).

Na primeira fase operacional deste trabalho, procedeu-se a observação direta na área objeto de estudo, com visitas não só à parte central e comercial das respectivas nucleações urbanas, como também aos loteamentos e/ou bairros existentes, permitindo orientar e delimitar o núcleo central da pesquisa.

Ainda, conforme, Fernandes (1997), no segundo grupo:

[…] repousa em manipulações através das quais o sujeito-investigador organiza, critica e classifica a “documentação” levantada. A natureza da pesquisa apresenta pouca importância aqui, pois as mesmas técnicas de organização, crítica e classificação dos dados podem ser aplicadas, indiferentemente, a materiais levantados por meio da pesquisa de reconstrução histórica, da pesquisa de campo ou da pesquisa experimental. A única diferença fundamental diz respeito às observações quantificáveis, que podem ser submetidas a tratamento estatístico. Essas são, naturalmente, manipuladas de acordo com procedimentos especiais de expurgo, apuração e ordenação dos dados, fornecidos pela estatística. O investigador consegue determinar a significação relativa dos dados de fato, dentro do contexto empírico a que se integrem, mediante a análise da consistência dos diferentes tipos de informações e do grau de complementaridade delas no universo empírico observado. (FERNANDES, 1997)

A partir do conhecimento inicial da localidade se definiu as diretrizes de construção do escrito e das variáveis relevantes na consecução dos objetivos iniciais. Utilizando-se entrevistas semiestruturadas com personalidades locais, contatos com trabalhadores dos lugares.

Desta forma, proporcionou-se maior solidez nos dados selecionados e coletados tanto primários como secundários. Além de conhecimento prévio da realidade local.

Prossegue Fernandes (1997):

O terceiro grupo de operações abrange os procedimentos propriamente analíticos, que são peculiares à observação científica. Ele compreende duas categorias distintas de atividades intelectuais. De um lado, a construção do que se poderia chamar, de acordo com Burguess, de tipos empíricos, que produzem o fenômeno concreto no estado em que ele é considerado pela investigação científica. De outro, a descoberta e a evidência de propriedades dos fenômenos que não são acessíveis, de modo imediato, às modalidades já referidas de observação direta ou indireta. (FERNANDES, 1997).

A pesquisa de campo foi delineada a partir do estudo direto na área de análise, proporcionando informações primárias e secundárias, tendo como principais fontes da pesquisa de campo, como assinalado, entrevistas e visitas a dirigentes, técnicos e Instituições ligadas direta ou indiretamente ao agronegócio do oeste baiano. O espaço temporal de análise compreendeu, principalmente, as décadas de 1980 a 2010, sendo enfatizados, principalmente, os anos de 1980 e 2010. De forma a mostrar o cenário econômico, social, demográfico e ambiental na fase anterior a expansão da agricultura intensiva em capital, ainda não consolidada. 1980; e o novo panorama vigente já com o agronegócio estruturado na região – 2010. O que nos remeteu as características mais relevantes resultantes da expansão do agronegócio sobre a dinâmica econômica, social, demográfica e ambiental.

3. ÁREA DE ESTUDO 

Roda Velha – A expansão da produção agrícola intensiva em tecnologia, capital e informação, necessita da estrutura das cidades para onde converge parte significativa da mão-de-obra, dos insumos necessários ao processo produtivo e dos serviços. As distâncias entre as sedes municipais e mesmo outros municípios, onde se concentram esses recursos, se constitui em um dos entraves a nova dinâmica produtiva agrícola. Assim, a reestruturação do sistema viário da região teve papel significativo no surgimento de novas aglomerações urbanas. Roda Velha Km 140, está a 130 km da sede municipal, a 133 km de Vila Rosário, a 81 km de Luís Eduardo Magalhães, 156 km de Barreiras e a 186 km de Posse (GO).

Como se observa acima, os longos percursos para chegar aonde se concentram os equipamentos e serviços de apoio às atividades agrícolas contribuíram significativamente para o surgimento de núcleos urbanos como Roda Velha II, que se expandiu e hoje ocupa o papel central não só no âmbito do distrito como do município, sendo responsável, segundo o subprefeito do município de São Desidério, por 33% do Produto Interno Bruto Agropecuário municipal.

Neste processo de expansão da modernização conservadora da agricultura no Oeste baiano, o território do distrito de Roda Velha passou por reestruturação. Pois a agricultura intensiva em capital e tecnologia cria novas demandas, até então inexistentes nestas áreas. O sistema produtivo agrícola e agroindustrial requer espaços urbanos próximos para suprir suas necessidades técnicas, financeiras, jurídicas, o que proporciona o crescimento e adensamento populacional urbano.

Neste distrito, conforme pesquisa de campo, 2019, estão instaladas diversas empresas exportadoras como Agrícola Xingu S.A, Cargill Agrícola, Vanguarda Agro S.A., SLC Empreendimentos Agrícolas S.A., Bunge Alimentos S.A., entre outras. Tendo o algodão como uma das principais culturas, estão localizadas em Roda Velhas diversas Algodoeiras, entre as principais: São Luiz, DM, Bahia Oeste e Paraná. Há, ainda, concessionárias de tratores e demais equipamentos agrícolas como Case Ih Agriculture, John Deere.

Roda Velha, também chamada de Roda Velha de Baixo, dista 12 km da BR 020, principal eixo rodoviário. O percurso é feito por rodovia municipal asfaltada com boa sinalização e condições de trafegabilidade. Encontra-se em fase de finalização a construção de uma ponte sobre o Rio Pau de Óleo, ligando Roda Velha I à Roda Velha III.

Neste núcleo populacional predomina-se a população de baixa renda. A principal atividade econômica é a agricultura de subsistência. As habitações são modestas, cobertas com telhas de eternit, mais econômicas. Encontram-se, ainda, algumas residências de mais alto padrão, como chácaras, às margens do Rio Pau de Óleo. Há uma pequena aglomeração comercial, situada na praça da localidade com churrascaria, bares, comercialização de produtos do “Paraguai,” entre outros objetos comercializáveis.

Roda Velha II ou Roda Velha de Cima situa-se à margem direita da BR 020, no sentido Salvador-Brasília. Surge a partir da implantação de um loteamento na década de 1980. Concentra as principais atividades comerciais de apoio à agricultura. Possui uma agência bancária do Banco do Brasil, uma casa lotérica e quatro hotéis e pousadas, além de outros estabelecimentos comerciais. Caracteriza-se por uma população de renda mais elevada: proprietários rurais, comerciantes, entre outros.

As ruas são amplas e asfaltadas, na sua parte central, com espaços verdes entre as duas avenidas que cortam o setor comercial. As residências apresentam, em sua maioria, construções de padrão elevado com maior dimensão e área construída. Ainda, em Roda Velha II, separado pela BR 020, na sua margem esquerda, sentido Salvador-Brasília, encontra-se o bairro Recanto Feliz, originado de um loteamento com o mesmo nome, onde reside a população de menor poder aquisitivo.

Roda Velha III, Mosquito, se constitui no núcleo populacional de renda mais baixa e de formação mais recente. Está a 15 km da BR 020. As residências de estilo modesto, utilizam, também, em suas coberturas telhas Eternit, mais econômicas. A rua principal encontra-se em massa asfáltica em 80% de seu trajeto, sendo que, apenas, três quilômetros estão em terra batida.

O abastecimento de água nas três localidades provém de poços artesianos e em Roda Velha II, também, da Empresa Baiana de Saneamento (EMBASA).

Segundo Pesquisa de campo (2019) as principais culturas são a soja, o algodão e o milho. O uso do solo se distribui da seguinte forma: 60% para a agricultura, 20% destinados às reservas e 20% disponíveis para a expansão agrícola.

O crescimento econômico de Roda Velha, no entanto, não foi acompanhado pela implantação do sistema de saneamento básico, que impacta o meio ambiente e a saúde da população. Contudo, há canalização de água interna (água encanada) como também coleta regular de lixo.

Quadro 1 – Indicadores básicos, Roda Velha, São Desidério – Bahia

Domicílios com canalização de água interna Sim
Coleta de lixo Sim
Saneamento básico Não

Fonte: Pesquisa de campo do autor, 2019.

Entre os problemas ambientais da localidade está o uso intensivo de agrotóxicos, rios como o Mosquito, apresentam grandes quantidades de produtos químicos. Segundo relato de alguns moradores, os trabalhadores das culturas de algodão e soja sofrem os efeitos da contaminação crescente e silenciosa dos agrotóxicos.

Vila Rosário – Localizada às margens da BR-020, no município de Correntina, oeste baiano, Figura 3, conseguiu, nas últimas três décadas, se transformara em grande produtora de soja, algodão, milho, além de outros grãos. tendo sua base produtiva lastreada na agricultura intensiva em capital, tecnologia e informação.

A origem do lugar remonta ao posto de combustível Rosário que se tornou ponto de apoio de caminhoneiros e daqueles que transitavam pela localidade. Assim como ponto de referência central, o nome Rosário passou a denominar o próprio povoado. Diferentemente de outros povoados e municípios do Oeste baiano, que tiveram suas origens ligadas a grandes cursos de água, Rosário surge à margem da BR 020, Km 312. A distância da sede municipal de 198 km e de outras localidades de apoio como Posse (GO) 53 km, Luís Eduardo Magalhães 214 km, Barreiras 282 km e Roda Velha 133 Km, contribuiu para a expansão da localidade (PESQUISA DE CAMPO, 2019).

Barcelos (2011), assinala que:

Certamente, foi determinante para o surgimento do povoado a ausência de cidades de apoio às margens da BR-020 em longos trechos. Embora a antiga cidade de Posse (GO) esteja próxima do povoado, ela está distante da rodovia e, portanto, pouco serve aos que por ali transitam. Essa localização privilegiada na divisa de Goiás e Bahia, no primeiro trecho em que a rodovia atinge as terras planas, provavelmente, em muito contribuiu para que o posto de combustíveis logo se consolidasse como ponto de parada de caminhões e de todos os que passavam pelo local e logo fosse expandido e passasse a agregar, à sua volta, lanchonetes, oficinas, hotéis, lojas e salas comerciais, e parece estar em constante expansão. (BARCELOS, 2011).

Até o início dos anos de 1980 a atividade econômica predominante era a pecuária extensiva, a agricultura de subsistência e plantações de eucaliptos. O povoado de Vila Rosário, ainda, não despontava como polo de produção agropecuária relevante no município de Correntina.

A partir da construção e funcionamento do posto Rosário houve o incremento de diversos serviços de apoio à agricultura e, ao mesmo tempo, a migração de pessoas vindas da região sul do Brasil para a localidade. Surgem, neste período, dois loteamentos: um do lado oposto ao estabelecimento de combustíveis e o outro localizado na área de trás. A expansão do capital imobiliário prosseguiu. Foram lançados três empreendimentos imobiliários: Cidade Vila do Rosário, Eldorado do Rosário e Residencial Primavera do Oeste, que na sua segunda etapa prevê a construção de um parque aquático, com investimentos estimados em 160 milhões de reais. Este empreendimento empresarial tem contribuído para o crescente processo de urbanização da localidade.

No plano dos negócios agrícolas, desde 2013, acontece a AgroRosário. Evento onde são apresentados os últimos avanços tecnológicos na produção agrícola, em especial, algodão, milho e soja. Além da realização de diversos negócios com a participação das maiores empresas de implementos agrícolas, máquinas, insumos e serviços. Na AgroRosário de 2019, nos três dias da feira, participaram 86 expositores e 6.500 visitantes. (PESQUISA DE CAMPO, 2019).

No que se refere ao meio ambiente, os principais problemas ambientais da localidade são a supressão de vegetação, perda da fauna e flora, erosão dos solos, assoreamento dos cursos d’água, caça predatória e introdução de culturas exóticas aos cerrados.

Quadro 2 – Indicadores básicos, Vila Rosário, Correntina – Bahia

Domicílios com canalização de água interna Sim, parcialmente
Coleta de lixo Sim
Saneamento básico Não
Domicílios com canalização de água interna Sim, parcialmente
Coleta de lixo Sim
Saneamento básico Não

Fonte: pesquisa de campo do autor, 2019. 

A canalização interna da água ocorre, principalmente, através de poços tubulares profundos no Aquífero Urucuia. Além desse aquífero, a demanda hídrica da agricultura é atendida pelos rios Arrojado, Pradutão, Pratudinho, Formoso, entre outros.

No que concerne à organização do trabalho Vila Rosário tem linhas de ônibus para todas as regiões do país. Há um fluxo de trabalhadores envolvidos nas atividades do agronegócio que se entrelaçam no Oeste baiano. Quanto ao saneamento básico, os grandes empreendimentos agrícolas e comerciais possuem fossas próprias. A água servida e até esgoto são escoadas nas ruas e vilas, como não há rede de escoamento, no período chuvoso a situação torna-se mais grave.

A desigualdade social e espacial é visível. A população que reside na margem direita da BR 020, no sentido Barreiras-Brasília possuem maior poder aquisitivo e padrão de vida elevado. Já aqueles situados à esquerda da mesma BR 020, sentido Barreiras para Brasília, possuem baixo padrão de vida, são catadores de raízes, diaristas, além de outras categorias de trabalho precário, moram em habitações em madeira, que na maioria das vezes, não possuem os serviços básicos de abastecimento de água e esgoto. (PESQUISA DE CAMPO, 2019).

4. A EXPANSÃO DA MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA NO OESTE BAIANO

O Oeste Baiano apresenta a maior extensão territorial entre as regiões do estado, com a maior parte do seu espaço situando-se no bioma cerrado, o avanço da modernização agrícola ocasionou diversos impactos para essa vegetação nativa. A expansão da modernização da agricultura de grãos nos cerrados da região oeste aconteceu no início da década de 1980, mas seu marco histórico está no ano de 1985, com a inserção do PRODECER (Programa de Desenvolvimento dos Cerrados) neste espaço geográfico.

Nas últimas três décadas, o crescimento do agronegócio resultou em maior competitividade regional, onde diversos municípios conseguiram, ao longo desse período, desempenhos relevantes de produção, produtividade e atraíram diversos e significativos estabelecimentos ligados à cadeia produtiva da agricultura em bases empresariais.

Os Cerrados ou Gerais até o início da década de 1980, tinha como principal atividade a pecuária extensiva. Este padrão de uso do solo perde relevância com a reestruturação produtiva da agricultura. Caracterizado por chapadões planos, que facilitam a mecanização agrícola, foi no espaço desse bioma que o agronegócio avançou e se consolidou no Oeste baiano. Este ambiente agrário caracteriza-se pela grande propriedade capitalizada, produção de commodities, fortes associações setoriais do agronegócio, sistema produtivo intensivo em mecanização e emprego de tecnologias, facilidades creditícias de financiamentos e alta rentabilidade. (BRANDÃO, 2009).

A inserção da modernização conservadora da agricultura foi seletiva espacialmente ao se instalar nos Cerrados. Para isso, contribuíram para vários fatores como: disponibilidade hídrica, chapadões planos facilitador da mecanização agrícola, luminosidade intensa, clima bem definido com chuvas no início de outubro e final em abril, precipitação média anual de 1200 mm bem distribuída. Este cenário favorável foi impulsionado pelas políticas de crédito do governo federal, o qual direcionou fartos recursos financeiros ao setor agropecuário, privilegiando esse espaço, os grandes produtores rurais, as culturas de exportação. Com isso, o agronegócio se expandiu e se consolidou econômica e politicamente na região.

As áreas dos Vales, por sua vez, não foram contempladas com grandes aportes de recursos financeiros pelos governos Federal e Estadual, nem pelo setor privado, excetuando-se o projeto de irrigação Barreiras/São Desidério. Estes espaços situados às margens do Rio Grande apresentam relevos variados com depressões de superfície planas ou onduladas localizadas abaixo do nível de altitude das regiões de seu entorno; e saliências com configurações terrestres irregulares. Predomina a pequena produção de subsistência de arroz, feijão, mandioca, milho e a pecuária. O excedente produtivo é destinado ao mercado local. Sistema produtivo pouco mecanizado e com baixo nível tecnológico e dificuldades creditícias para financiamentos.

A nova dinâmica produtiva da agricultura dos cerrados do Oeste da Bahia tem levado a região a se destacar no cenário agrícola nacional, como uma das principais regiões, em termos de produção e produtividade, de culturas como algodão, milho e soja. Esta parte do território baiano adquire uma importância econômica relevante, pois a produção de bens agrícolas destinados ao mercado exterior, como é o caso dos cerrados do Oeste baiano, proporciona a geração de significativo volume de divisas para a balança comercial do país. (ILARIO, 2011 apud FERRAZ 2015, p. 131).

A expansão do agronegócio, nessa região, tem atraído investimentos de grandes empresas nacionais e internacionais. Esse aporte de inversões financeiras têm destinos variados, vão do processamento de bens “in natura”:

à geração de energia, por meio da biomassa. Paralelamente, a região tem despertado o interesse de instituições bancárias estrangeiras que disponibilizam financiamento a produtores de dentro da porteira. Os agricultores são selecionados pela própria Instituição bancária que põe à sua disposição maior acesso a crédito aos agricultores de menor risco. (FERRAZ, 2015, p. 131-132)

A estratégia de uso corporativo do território o reconfigura por meio de fluxos interligados de produção e tecnologia implicando constituição de alianças políticas estratégicas. A dependência que se dá em torno dos mecanismos de poder formas novas redes políticas, assim:

A constituição dessa rede política regional exercerá um grande papel no processo de transformações que se constituiu nos cerrados do Oeste da Bahia. Na agropecuária modernizada e globalizada, a produção rural, principalmente a agricultura, é coordenada a partir da associação dos capitais industrial e financeiro das corporações, bancos e tradings direcionados ao agronegócio. Nesta dinâmica, se consolida, no novo território, o domínio do capital industrial, materializado em máquinas, implementos agrícolas, insumos etc, em articulação com o capital financeiro via políticas de crédito em uma lógica dual que lhe garante o domínio do território nas esferas mercantil e financeira em nível nacional e mundial e, paralelamente, a exclusão dos produtores descapitalizados e a concentração de renda. (FERRAZ, 2015, p. 132-133)

Luís Eduardo Magalhães, neste novo contexto, foi um caso típico de município criado pelo agronegócio e para o agronegócio. Surge a partir da instalação de um posto de combustível no povoado de Mimoso do Oeste, que pertencia ao município de Barreiras. Nesta fase inicial, ainda, ocorre a instalação de uma pousada para caminhoneiro e a abertura de um loteamento. A localidade em 1997 passou a condição de distrito e foi emancipado, em 2000.

Localizado na BR 020, a 91 km de Barreiras, Luís Eduardo Magalhães cresce em função do desenvolvimento do agronegócio, atendendo a demanda de bens e serviços indispensáveis ao processo produtivo e de processamento agrícola. Estas atividades que engloba comércio de insumos, fertilizantes, implementos agrícolas, escritórios de assistência técnica, serviços técnicos especializados, consultoria contábil, entre outras têm caráter urbano. Dinamizando as atividades ligadas ao comércio, à indústria e aos serviços. Neste processo, Luís Eduardo Magalhães se tornou um município essencialmente urbano. Em 2010, com uma população de 60.105 habitantes, 91,30% viviam no perímetro urbano enquanto 8,70% habitavam a área rural. (IBGE, 2010).

Assim, o Oeste Baiano se insere neste cenário de heterogeneidade do rural nordestino, onde convivem, simultaneamente, áreas rurais com agriculturas modernas e áreas com agriculturas tradicionais. São, também, os pólos de modernização agrícola nordestinas, os que sofrem com mais intensidade as pressões sociais e ambientais decorrentes desse modelo de agricultura. (BRANDÃO, 2009).

5. A DINÂMICA DEMOGRÁFICA E TERRITORIAL

O novo processo territorial que se instala nos cerrados do Oeste baiano a partir de 1970 insere esta região nos fluxos produtivos internacionais de commodities agrícolas. A reorganização dos circuitos territoriais de produção agrícola, inicialmente mais dinâmico no município de Barreiras, intensificará a sua concentração urbana. Esta redistribuição populacional e corporativa foi acompanhada com a instalação e expansão de uma rede de comércio e de serviços, proporcionando crescente produtividade.

As mudanças demográficas que atingiram o território brasileiro nas décadas de 1930 a 1950, só chegaram ao oeste baiano nos anos de 1970. Foi a partir desse período que a região oestina baiana entrou em um processo de rearranjo produtivo com a modernização de sua agricultura, inserindo o agronegócio no seu espaço de cerrados. Estas mudanças no processo de produção rural implicaram em nova configuração do território regional, inclusive, no que tange às transformações do padrão produtivo da agricultura que afetaram as dimensões demográficas da região. Neste sentido, o município de Correntina, em quase quatro décadas, 1980 a 2018, diferentemente dos municípios hegemônicos do agronegócio teve decrescimento populacional de – 7,76% como demonstra a Tabela 1, ou seja, menos de 2.702 habitantes. Esta redução populacional decorreu do desmembramento do distrito de Jaborandi em 1985. (CENSOS DEMOGRÁFICOS 1980,1991, 2000, 201, Estimativa IBGE, 2019).

Situação demográfica oposta ocorreu com o distrito de Vila Rosário, que faz parte de seu território, que apresentou, no período de 18 anos, crescimento relativo da população de 835,81%, com incremento populacional de 5.157 pessoas. Até 1991, não constava, no Censo Demográfico daquele ano, a presença de população quantitativamente relevante, nessa localidade, no cômputo demográfico municipal. Demonstrando que o avanço do agronegócio serviu como atração a novos habitantes. Embora a agricultura inserida neste espaço seja poupadora de mão-de- obra, ela necessita de outros serviços de apoio a sua realização.

Tabela 1 – Evolução da população Correntina e Vila Rosário, Bahia 

ANOS 1980 1991 2000 2010 2018*
Correntina 34.783 28.010 30.583 31.249 32.081
Vila Rosário      –      – 617 4.000 5.774

Fonte: Banco de Dados IBGE (2011b) e Censos Demográficos 1980,1991, 2000, 2010. *Estimativa IBGE, 2019.

Além das mudanças quantitativas na população, ocorreram mudanças na distribuição Inter territorial, com alterações nos contingentes urbano e rural. O município de Correntina nas quatro décadas, de acordo com Tabela 2, apresentou níveis de urbanização crescentes, partindo em 1980 de grau de urbanização de 12,73% para chegar em 2010 a 40,33%.

Vila Rosário, por sua vez, segundo pesquisa de campo com profissionais ligados ao agronegócio da região, eles estimam que o distrito tenha na atualidade (2019) 42% da sua população vivendo na área urbana e 58% no espaço rural. Acompanhando uma tendência crescente do município. O adensamento populacional no espaço urbano decorre da expansão da agricultura intensiva em capital e tecnologia que incrementa relações crescentes entre o rural e o urbano: atividades de comércio e serviços para atender ao consumo agrícola em crescimento. Além disso, os empreendimentos imobiliários têm contribuído para a urbanização do distrito.

Tabela 2 – Grau de urbanização Correntina, Bahia 

Anos População urbana População rural Grau de urbanização (%)
1980 4.429 30.354 12,73
1991 8.636 16.860 33,87
2000 11.355 16.751 40,40
2010 12.604 18.645 40,33

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, São Desidério -Bahia.

Por sua vez, a densidade demográfica de Correntina, no intervalo de 1980 a 2018, passou de 1,61 hab/ km² para alcançar em 2018 2,79 hab/km. Já a urbanização teve incremento relativo de 216,81%, conforme Tabela 2.

No intervalo de 1980 a 2018, quase 4 décadas, como demonstra a Tabela 3, o município de São Desidério, diferentemente de Correntina, teve um incremento absoluto de 18.267 habitantes, representando acréscimo relativo de + 122,38%.

Tabela 3 – Evolução da população Roda Velha e São Desidério, Bahia 

ANOS 1980 1991 2000 2010 2018*
São Desidério 14.926 19.533 19.325 27.659 33.193
Roda Velha 890 10.591 11.500

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, São Desidério -Bahia.

Na Tabela 4, pode-se constatar que a população total de São Desidério no período de três décadas cresceu 85,53%, enquanto o incremento urbano atingiu 232,67%. O que evidencia, mais uma vez, a relação direta entre expansão do agronegócio e expansão urbana. Essa evolução positiva dos números de habitantes relacionou-se, no início da década de 1980, com a entrada em operação do Distrito de Irrigação do Perímetro Barreiras/São Desidério e, posteriormente, na mesma década, a expansão do agronegócio aumentou o fluxo migratório para os municípios, atraindo, também, pessoas das cidades circunvizinhas em busca de emprego.

Já a densidade demográfica que em 1980 era de 1 hab/ km² passou em 2010 para 2,2 hab/ km², com incrementou de 120%, refletindo o crescimento populacional no período.

Tabela 4 – Grau de urbanização São Desidério – Bahia 

Anos População urbana População rural Grau de urbanização (%)
1980 2.595 12.331 17,39
1991 5.539 14.014 28,36
2000 7.129 12.196 36,89
2010 8.633 19.026 31,21

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, São Desidério – Bahia.

A dinâmica de territorialização do capital nos cerrados do Oeste baiano, a partir da década de 1970, foi acompanhada pelo estabelecimento de empresas agroindustriais. Nas áreas modernas da agricultura, o processo crescente de acumulação de capital impõe a difusão espacial do capital produtivo. Mas, neste processo, revestem-se de importância as inversões em capital fixo de infraestrutura como meios de transportes, portos, silos, terras etc.; do capital constante na forma de sementes, maquinários, adubos, fungicidas, entre outros; e do fluxo monetário. Desta maneira, os sistemas de engenharia construídos no território são fundamentais para atender as diversas transações e operações do circuito de produção de grãos da região.

5.1 TRANSFORMAÇÕES ECONÔMICA E SOCIAL

A análise dos indicadores econômicos e sociais demonstra que a expansão do agronegócio no Oeste Baiano ocorreu de forma desigual social e economicamente. Se no plano econômico os indicadores apontam para o crescimento do PIB per capita, da área plantada, do volume de produção e da produtividade, na esfera social os índices revelam concentração da renda, parcelas dos pobres e extremamente pobres preocupantes e concentração fundiária. Há um cenário econômico fortemente especializado e concentrado com reduzida capacidade de gerar empregos (IBGE, 2019).

A Tabela 5 apresenta a série histórica do PIB (Produto Interno Bruto) em anos selecionados dos municípios de Correntina e São Desidério. Este índice mede      o valor de todos os bens e serviços produzidos dentro de um determinado território.

No intervalo de 2000 a 2015 o PIB nominal de Correntina cresceu + 909,41%, por sua vez o de São Desidério apresentou incremento de + 1.052,15%. (IBGE, 2019)

Tabela 5 – Produto Interno Bruto (PIB) Correntina e São DesidÉrio, Bahia 

ANOS CORRENTINA SÃO DESIDÉRIO
2000 128.319.000 235.732.000
2010 571.613.000 959.035.000
2015 1.295.265.000 2.716.000.00

Fonte: IBGE, 2019.

A Tabela 6 apresenta a evolução do PIB per capita de Correntina e São Desidério, Bahia. De 2000 a 2015 o PIB per capita de Correntina teve incremento em termos nominais de + 830,32%. O de São Desidério cresceu + 571,08%. (SEI, 2019)

Tabela 6 – PIB per capita, Correntina e São Desidério, Bahia 

ANOS CORRENTINA SÃO DESIDÉRIO
2000 4.195,76 12.403,03
2010 18.292,10 34.673,54
2015 39.034,01 83.234,58

Fonte: SEI, 2019.

A Tabela 7 apresenta a participação relativa dos setores econômicos de Correntina com a respectiva contribuição de cada segmento. No período, em análise, iniciando em 2002, o valor adicionado pela agropecuária correspondia a 55% da riqueza do município, e continuou a crescer até 2005. Em 2010 declinou e voltou a crescer posteriormente em 2015. Este desempenho derivou da expansão da área plantada (soja, algodão, milho) com elevação da produção e produtividade. Além disso, a dinâmica agrícola impactou positivamente o crescimento do setor de serviços, pois a agricultura tecnificada demanda uma série de serviços para a sua realização. (SEI/IBGE, 2019).

Tabela 7 – Estrutura setorial dos valores adicionados Correntina, Bahia 

Anos Agropecuária Indústria Serviços
2002 0,55 0,15 0,30
2005 0,58 0,09 0,32
2010 0,37 0,11 0,52
2015 0,51 0,06 0,43

Fonte: SEI/IBGE. Disponível em: https://www.sei.ba.gov.br/index.php?option=com_content&view= article&id=561&Itemid=335. Acesso em 12/09/2019.

Tabela 8 – Estrutura setorial dos valores adicionados São Desidério, Bahia 

Anos Agropecuária Indústria Serviços
2002 0,76 0,06 0,18
2005 0,77 0,04 0,19
2010 0,67 0,06 0,27
2015 0,68 0,08 0,25

Fonte: SEI/IBGE. Disponível em: https://www.sei.ba.gov.br/index.php?option=com_content&view= article&id=561&Itemid=335 Acesso em 12/09/2019.

Em relação a São Desidério, conforme Tabela 8, observa-se, em igual intervalo de tempo, participação relativa do setor agropecuário no cômputo geral do PIB, iniciando a série com 0,76 e chegando a 0,68 em 2015, com desempenho médio de 0,72. A reduzida participação do setor de serviços, quando comparada com Correntina, decorre da proximidade com Barreiras, centro regional do Oeste, que possui uma estrutura de serviços adequada para atender a demanda do agronegócio como também o consumo comum da população. (SEI/IBGE, 2019)

No transcurso de trinta anos, segundo a Tabela 9, o uso do solo pela agropecuária, tanto em São Desidério como em Correntina, sofreu transformações na sua dinâmica. A região dos Vales que era o centro relativamente dinâmico da agropecuária, onde se praticava agricultura em moldes tradicionais de subsistência, com baixa produção e produtividade, cultivando produtos básicos como milho, feijão e mandioca, conforme Censo Agropecuário, 1980, na tabela abaixo.

Tabela 9 – Área plantada principais culturas 1980 – Correntina, São Desidério (BA) 

Culturas Correntina % São Desidério %
Algodão em caroço 145 4,66 88
Cebola 5
Mandioca 905 29,10 458
Milho em grãos 1.654 678
Feijão em grãos 950 1.137
Cana-de-açúcar 550 509
Soja
Arroz em casca 560 3.119
Total 3.110 100 100

Fonte: Censo Agropecuário, 1980, IBGE.

No entanto, esse cenário agropecuário mudou a partir dos anos 1980, impulsionado pelos programas governamentais e pesquisas visando a incorporação dos cerrados como novo polo de produção agrícola em bases intensivas em capital, tecnologia e informação. Assim, construídas as bases necessárias, produtores e investidores do Sul e Sudeste do país, estimulados pelos recursos hídricos, pela perspectiva positiva do mercado internacional de soja, pela facilidade de aquisição de terras, começaram a migrar para essa região dos cerrados.

Tabela 10 – Área plantada principais culturas 2010, Correntina e São Desidério, Bahia

Culturas) Correntina % São Desidério %
Algodão em caroço 32.000 118.793
Sorgo 15 3.476
Mandioca 4.500 3.600
Milho em grãos 16.700 51.290
Feijão em grãos 2.462 10.733
Cana-de-açúcar 240 580
Soja 101.000 241.500
Arroz em casca 240 6.820
Total 100 100

Fonte: Censo Agropecuário, 2010, IBGE.

Como se observa na Tabela 11, em 1980, quando o processo de modernização da agricultura se estruturava, o índice de concentração fundiária já era elevado. Correntina apresentava índice de concentração fundiária forte e São Desidério muito forte. No período de quatro décadas estes índices se deslocaram para a faixa de média a forte (CENSO AGROPECUÁRIO, 2010)

Tabela 11- Índice de Gini, Correntina e São Desidério, Bahia 

Anos Correntina São Desidério
1980 0,7940 0,9620
1991 0,5783 0,5880
2000 0,6200 0,5591
2010 0,5885 0,5753

Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano Brasil, 2013.

O Índice de Desenvolvimento Humano, Tabela 12, mostra que em 1991 tanto Correntina como São Desidério enquadravam-se na faixa baixa de IDH. Já em 2010 situavam-se na faixa média. Neste mesmo período o IDH de Correntina teve uma variação de + 116,13% e São Desidério de + 112,86%. No caso de Correntina, as dimensões que mais contribuíram foram educação e longevidade. Em São Desidério foram educação, longevidade e renda. (ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL, 2013).

Tabela 12 – Índice de Desenvolvimento Humano, Correntina e São Desidério, Bahia

Anos Correntina São Desidério
1991 0,279 0,272
2000 0,442 0,398
2010 0,603* 0,579**

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano Brasil, 2013.

De acordo com Tabela 13, os índices de extrema pobreza e pobreza de 1991 a 2010 de Correntina apresentaram reduções com variações de – 38,11% e – 44,46% respectivamente.

 Tabela 13 – Pobreza e Desigualdade, Correntina, Bahia

Índices 1991 2000 2010
% extremamente pobre 49,30 36,79 30,51
% pobreza 77,74 59,02 43,17

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano Brasil, 2013.

A Tabela 14 demonstra que os índices de extremamente pobres e de pobreza no período de 1991 a 2010, em São Desidério, oscilaram – 51,02% e – 47,18%.

Tabela 14 – Pobreza e Desigualdade, São Desidério, Bahia

Índices 1991 2000 2010
%extremamente pobre 52,60 34,86 25,76
% pobreza 75,96 60,62 40,12

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil.

Em 2018 a Tabela 15 aponta saldo positivo entre trabalhadores admitidos e desligados em Correntina, com os primeiros superando os segundo com 287 admitidos. Os estabelecimentos agropecuários respondiam por 38,12% dos estabelecimentos comerciais do município.

Tabela 15 – Agropecuária, extração vegetal, caça e pesca (jan-dez 2018), Correntina, Bahia

Categoria Município % Microrregião %
Trabalhadores admitidos 2.832 54,18 5.227 3,25
Trabalhadores
desligados
2.545 53,87 4.724 3,01
Empregos formais 1.872 32,27 5.801 1,92
Estabelecimentos agropecuários 231 38,12 606 1,12
Variação absoluta 287 503

Fonte: CAGED.

No caso de São Desidério, como demonstra a Tabela 16, os admitidos superaram os desligados em 227 empregados. Já os estabelecimentos agropecuários representavam 24,34%. Esta participação relativa menor reflete a proximidade com Barreiras, 27 km, onde há maior oferta de estabelecimentos vinculados à agricultura.

Tabela 16 – Agropecuária, extração vegetal, caça e pesca (jan-dez 2018), São Desidério, Bahia

Categoria Município  % Microrregião %
Trabalhadores admitidos 3.749 28,31 13.244 6,08
Trabalhadores
desligados
3.522 28,21 12.593 5,71
Empregos formais 4.742 31,53 15.042 4,87
Estabelecimentos agropecuários 485 24,34 1.993 2,35
Variação

absoluta

197 651

Fonte: CAGED.

6. A DEPENDÊNCIA DO MERCADO INTERNACIONAL DE COMMODITIES AGRÍCOLAS 

O ciclo produtivo do sistema agroindustrial obedece a nova lógica em rede que integra novas regiões aos circuitos produtivos, comerciais e financeiros em dimensão internacional com a ampliação do círculo de produção, adoção de tecnologias mais modernas e maior concentração de capital. O capital financeiro penetra e se expande no setor agrícola. Ampliam-se os pontos de transações no interior do sistema produtivo. A produção de commodities, em boa parte destinada ao exterior, transforma o padrão de cultivo. Desta forma, o novo desenho do espaço geográfico do Oeste baiano decorre das transformações técnicas e produtivas no sistema de produção da agricultura.

Na formatação empresarial, as agroindústrias ou os escritórios das corporações agroalimentares na região tornam-se fundamentais na regulação dos fluxos de produtos, informações e capitais entre as diversas representações distribuídas em regiões e países diferentes, são pontos de conexão entre as regiões e o mundo, inserindo-as na dimensão produtiva global. Esta dispersão geográfica permite às agroindustriais concentrarem o controle dos fluxos da produção e demonstra o poder que têm em usar a extensão territorial como recurso, instalando seus escritórios estrategicamente nos espaços mais rentáveis, analisa (FREDERICO, 2008).

Trigo, milho e soja são as três principais matérias-primas agrícolas comercializadas globalmente. […] Em seguida, as outras commodities globais mais importantes são o açúcar, o óleo de pala e o arroz.

Quatro empresas dominam tanto a importação como a exportação de commodities agrícolas: Archer Daniels Midland (ADM), Bunge, Cargill e Louis Dreyfus Company. Juntas elas são conhecidas como o “grupo ABCD” ou simplesmente “ABCD”. ADM, Bunge e Cargill são empresas estadunidenses; Louis Dreyfus tem sua sede na capital holandesa, Amsterdã. Todas as quatro foram fundadas entre 1818 e 1902. Com exceção da ADM, as corporações são controladas por suas famílias fundadoras. Comercializam, transportam
e processam diversas commodities. Possuem navios oceânicos, portos, ferrovias, refinarias, silos, moinhos e fábricas. Juntas, representam 70% do mercado mundial de commodities agrícolas.

[…]

Recentemente a trader de grãos estatal chinesa Cofco alcançou o grupo ABCD e o substituiu como o principal comprador de milho e soja brasileiros. (ATLAS DO AGRONEGÓCIO, 2018, p. 28).

Nesta dinâmica, o uso corporativo do território, tanto em Roda Velha como em Vila Rosário, segue a lógica do capital. As corporações multinacionais e nacionais redimensionam o território ao decidir que produto produzir, como produzir e onde produzir.

Ao selecionar que produto se deve produzir isto se materializa de acordo com a perspectiva de comercialização no âmbito global e da perspectiva de rentabilidade. De modo que a região escolhida tenha a infraestrutura necessária que permita o fluxo de pessoas, mercadorias e informações.

Nos casos de Roda Velha, em São Desidério, e Vila do Rosário, em Correntina, Tabelas 17 e 18, não foram diferentes, a instalação de agroindústrias como a Bunge e Cargill e escritórios das principais empresas exportadoras, como se assinalou, direcionou estes espaços geográficos à lógica do capital internacional para atender às diversas transações e operações do circuito de produção.

Tabela 17 – Empresas exportadoras por faixa de valor (U$$) Correntina, Bahia, 2018 

Empresas exportadoras Faixa de valor (U$$)
Multigrain S.A. Acima de 50 milhões
Amaggi Entre 10 e 50 milhões
SLC Agrícola S.A. Entre 10 e 50 milhões
ADM do Brasil Entre 10 e 50 milhões
Vanguarda Agro Ltda Entre 1 e 10 milhões
Bunge Alimentos Entre 1 e 10 milhões
Agrícola Xingu S.A. Entre 1 e 10 milhões

Fonte: Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Secretaria de Comércio Exterior – SECEX. Disponível em: < www.fieb.org.br>.  Acesso em 29/10/2019.

Tabela 18 – Empresas exportadoras por faixa de valor (U$$) São Desidério, Bahia, 2018

Empresas exportadoras Faixa de valor (U$$)
Cargill Agrícola S.A. Entre 10 e 50 milhões
Vanguarda Agro S.A. Entre 10 e 50 milhões
SLC Agrícola S.A. Entre 10 e 50 milhões
Carroll Farms Brasil Ltda Entre 1 e 10 milhões
Bunge Alimentos Entre 10 e 50 milhões
Agrícola Xingu S.A. Entre 10 e 50 milhões

Fonte: Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – Secretaria de Comércio Exterior – SECEX. Disponível em: < www.fieb.org.br>.  Acesso em 29/10/2019.

As Tabelas 17 e 18 sinalizam o grau de subordinação financeira desses municípios em relação aos recursos oriundos das exportações do agronegócio. Neste contexto, as empresas multinacionais e brasileiras agroalimentares como a Cargill e a Amaggi detêm poder para decidir o que produzir, como produzir e onde produzir. Além disso, os municípios tornam-se vulneráveis às oscilações do mercado mundial de commodities.

A Tabela 19 demonstra que, em Correntina, as exportações de soja tiveram maior retorno em dólares americanos. A soja é responsável por 76,21%, o algodão detém 19,26%, enquanto as demais culturas representam 4,53% dos recursos financeiros das exportações.

Tabela 19 – Exportações Correntina, 2018 

Produtos Participação % Em milhões de dólares
Soja 77 87,92
Algodão 22 25,12
Outros 1 1,14
Total 100 114,18

Fonte: Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Disponível em < www.mdic.gov.br/estatisticas-de-comercio-exterior/correntina>. Acesso em 29/10/2019.

No caso de São Desidério, Tabela 2, como em Correntina, a soja e o algodão são as principais culturas exportadas. Em retorno financeiro a soja responde por 58%, o algodão por 38% e outras culturas ficam com 4% dos recursos em dólares recebidos.

Tabela 20 – Exportações, São Desidério, 2018 

Produtos Participação % Em milhões de dólares
Soja 58 51,07
Algodão 38 33,46
Outros 4 3,52
Total 100 88,05

Fonte: Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Disponível em < www.mdic.gov.br/estatisticas-de-comercio-exterior/saodesiderio>. Acesso em 29/10/2019

As Tabelas 21 e 22 demonstram o destino das exportações desses dois municípios e evidenciam a preponderância da China na aquisição, sendo responsável por absorver 72% da soja de Correntina e 59% de São Desidério, ou seja, esses municípios ficam vulneráveis às oscilações da economia chinesa.

As Tabelas 22 e 23 sinalizam ainda, a inserção de Correntina e São Desidério e consequentemente, Vila Rosário e Roda Velha na dinâmica do mercado de commodities internacional.

Neste processo as corporações agroalimentares globais passam a usar essas localidades de acordo com os seus interesses corporativos mundiais. Elas impõem um conjunto de materialidades em determinados lugares e definem o grau de incorporação do espaço local aos interesses das corporações agroindustriais. Estas práticas corporativas revelam a tendência ao uso corporativo do espaço geográfico. Na medida em que influenciam o campo político municipal, estadual e federal, lhes permitem, portanto, o controle da comercialização, da industrialização dos produtos de origem agropecuários e regulam as atividades comerciais e financeiras dos produtores, (SILVA e NASCIMENTO 2010).

Nesta fronteira agrícola redimensionada pelo agronegócio, a soja torna-se o principal cultivo regional com o uso intensivo de novas técnicas agrícolas. O domínio da soja sobre a área plantada dos cerrados se consolidou, embora, posteriormente, outras culturas tenham se expandido na região, como algodão, milho, café, arroz com lastros produtivos modernos.

Tabela 21 – Destino das exportações, Correntina, 2018 

Países Participação (%)
China 72
Indonésia 11
Taiwan (Formosa) 4,9
Tailândia 2,8
Vietnã 2,1
Coréia do Sul 1,8
Malásia 2,5
Paquistão 1,5
Índia 0,66
Outros 0,74

Fonte: Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Disponível em < www.mdic.gov.br/estatisticas-de-comercio-exterior/correntina>. Acesso em 29/10/2019.

Tabela 22 – Destino das exportações, São Desidério, 2018 

Países Participação %
China 59
Vietnã 11
Indonésia 10
Taiwan (Formosa) 3,6
Bangladesh 3,5
Coréia do Sul 1,6
Índia 1,4
Arábia Saudita 3,4
Turquia 3,0
Outros 3,5

Fonte: Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Disponível em < www.mdic.gov.br/estatisticas-de-comercio-exterior/saodesiderio>. Acesso em 29/10/2019

A área cultivada com soja na região correspondeu na safra 2018/2019 a 54,72% do solo cultivado pelo agronegócio, conforme o 4º levantamento do conselho técnico da AIBA. Em termos de produção agrícola nacional (2018), dos 20 municípios com maior produção e valor gerado, quatro estão localizados no Oeste Baiano: São Desidério (1º) 3,6 bilhões, Formosa do Rio Preto (5º) 2,648 bilhões, Barreiras (17º), 1,421 bilhão, Correntina (18º) 1,407 bilhão. Nestes municípios as principais culturas são soja, algodão e milho. (IBGE, 2019).

7. DINÂMICA AMBIENTAL

O avanço do modo de produção capitalista, no qual os progressos tecnológicos na agropecuária são apenas uma das faces, irá determinar nova forma de relacionamento do homem com o meio ambiente.

Na dinâmica do capital de dominar o processo natural resulta na própria destruição do meio ambiente. À medida que se intensifica a inserção de processos artificiais de produção agropecuária se incorre em maiores gastos e, também, em graves problemas ambientais. Pois, no ambiente natural há um inter-relacionamento entre todos os seus componentes e alterações em alguns deles poderão modificar o conjunto do ecossistema. (GRAZIANO NETO, 1988).

O caso da expansão de novas áreas para a sua incorporação ao moderno sistema de produção agropecuária capitalista, como ocorreu com os cerrados do Oeste Baiano, é um exemplo típico desse processo de impactos negativos ao meio ambiente.

Inicialmente, ocorre o desmatamento de vastas áreas para aproveitamento agropecuário. Nesta etapa, ocorre o primeiro desequilíbrio natural, com a destruição dos predadores naturais, criando-se condições ambientais
favoráveis à reprodução de pragas. Mas, a proliferação das pragas exige a aplicação de agrotóxicos para seu extermínio, as quais tornam-se mais resistentes, consequentemente, exigindo doses maiores de praguicidas, e essa dinâmica se reproduz com agressões cada vez maiores a natureza. (FERRAZ, 2015, p. 108)

Nesta dinâmica, podem-se considerar como principais efeitos ambientais adversos e rigorosos à natureza: a) A supressão de vegetação nativa e b) O volume de águas superficiais ou subterrâneas retiradas.

A supressão de vegetação nativa decorre, principalmente, da agropecuária, da urbanização e da exploração comercial de outros bens da natureza como a extração de madeira.

A Tabela 23 evidencia que, em 2018, 51% da vegetação nativa nos imóveis rurais foram erradicadas no município de Correntina. Em São Desidério, o índice de supressão nos imóveis alcançou 66,40%, resultando em uma média de 58,20% de remoção da vegetação natural para as duas localidades.

Tabela 23- Áreas destinadas à preservação da vegetação nativa nos imóveis rurais de Correntina e São Desidério, Bahia, 2018.

Municípios Ha (%)
Correntina 396.390 49%
São Desidério 526.551 44,6%

Fonte: Atribuição, ocupação e uso das terras no Brasil, Análise do SICAR Bahia, (EMBRAPA TERRITORIAL, 2018).

A Tabela 24 apresenta as áreas plantadas, em Correntina e São Desidério, das lavouras temporárias para os anos de 1980 e 2010. No período de trinta anos a expansão espacial da área plantada, em Correntina, teve um incremento 152.378 hectares, ou seja + 3.198,53%. São Desidério, neste mesmo intervalo de tempo, apresentou acréscimo de 270.327 ha e expansão relativa de + 2.067,44 %. A remoção da vegetação natural envolve efeitos adversos ao equilíbrio natural como impactos sobre os leitos dos rios, perda da biodiversidade, extinção de algumas espécies animais e vegetais, introdução de espécies estranhas à região, entre outros. O cerrado é considerado uma área de alta biodiversidade sob ameaça, precisando de intervenções para a sua preservação.

Tabela 24 – Variações de área plantada Correntina e São Desidério – 1980 e 2010 

Correntina São Desidério
Cultivos (ha) 1980 2010 1980 2010
Algodão em caroço 145 32.000 88 118.793
Mandioca 905 4.500 458 3.600
Milho em grãos 1.654 16.700 678 51.290
Feijão em grãos 950 2.462 1.137 10.733
Açúcar 550 240 509 580
Arroz em casca 560 240 3.119 6.820
Soja 101.000 24.500
Total 4.764 157.142 5.989 276.316

Fonte: Censos Agropecuários 1980, 2010, IBGE

Dos vinte (20) municípios do cerrado com maior área de retirada de vegetação nativa, no período de 2002 a 2008, São Desiderio ocupava a 2ª posição com 10,6% e Correntina a 3ª ficou com 9%, respectivamente de supressão da área original de cerrado desses municípios. (PLANVASF, 2009).

A agricultura irrigada, no mundo, utiliza 70% dos recursos hídricos disponíveis. Segundo os últimos levantamentos informados pela ONU, a utilização desses recursos tem apresentado crescimento duas vezes superior à expansão da população mundial.

De acordo com a Tabela 25, a irrigação é a principal responsável pelo uso da água, tanto no mundo como no Brasil. Já quanto ao consumo de, apenas, 7% do setor industrial reflete a redução paulatina deste segmento econômico no Brasil.

Tabela 25 – Uso da água no mundo e no Brasil, 2018 

Setor Mundo (%) Brasil (%)
Irrigação 70 72
Industrial 22 7
Uso doméstico 8
Animal 11%
Urbano 9
Rural 1

Fonte: ANA, Programa de Avaliação Mundial da Água, 2018.

Diante de tal grandeza, a ONU coloca o cultivo irrigado como prioridade para as políticas de uso racional da água. A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) estima que 60% da água utilizada no processo de irrigação é dissipada devido a evaporação. De acordo com este organismo internacional, uma diminuição de 10% no desperdício daria para abastecer o dobro da população mundial.

No Oeste Baiano o uso da agricultura irrigada apresentou o primeiro registro no início da década de 1970 com a implantação do polo de irrigação Barreiras/São Desidério coordenado pela CODEVASF. O projeto do perímetro irrigado, a exemplo de outros, tinha objetivos amplos como o desenvolvimento tecnológico e econômico da localidade, constituição de núcleos geradores de crescimento econômico e social. Para isso, se estruturou a montagem de toda uma infraestrutura econômica, elaborando diversos convênios com entidades municipais, estaduais e federais.

A tabela 26 apresenta a área irrigada de Correntina e São Desidério perfazendo um total de 5.750 hectares com o primeiro superando o segundo em 2.060 ha.

Tabela 26 – Área irrigada Correntina, São Desidério, 1989 

Municípios Área irrigada Fonte da água
Correntina 3.910 Rio Corrente
São Desidério 1.850 Rio Grande
Total 5.760

Fonte Plano Diretor para o Desenvolvimento do Vale do São Francisco, 1989.

Na Tabela 27 a área irrigada alcança 46.205 ha, ou seja, em um intervalo de 28 anos, houve um acréscimo de 40.455 ha e crescimento relativo de + 702,17%. Diretamente ligado à expansão da área irrigada está o incremento da demanda hídrica

Tabela 27 – Levantamento da agricultura irrigada por pivôs centrais Correntina e São Desidério, 2017

Município Área equipada (ha) Número de pivô Área média ha/pivô
Correntina 8.314 75 111
São Desidério 37.891 360 108
Total 46.205 435 219

Fonte: Levantamento da agricultura irrigada por pivôs centrais no Brasil 1985 – 2017 (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS).

O Oeste baiano é umas das regiões que mais demandam recursos hídricos. Predominam nesta região pivôs superiores a 90 ha. Estes equipamentos utilizam em média 411 m³ hora/l, com tempo de irrigação aproximado de 14,4 horas. Assim, a vazão média ao dia de um pivô situa-se em torno de 5.918,4 m³ por dia. (OLIVEIRA et al., 2004).

No caso de Correntina e São Desidério, considerando o número de pivôs e a vazão média, chega-se a 2.574.504 m³/dia de água, em 2017. Saliente-se que se trata de estimativa. Pois outras variáveis como período do plantio, disponibilidade hídrica, variedade de cultura, eficiência e dimensão do pivô devem ser consideradas.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O surgimento de novas nucleações urbanas, como foram os casos de Roda Velha e Vila Rosário, teve como causa principal a expansão do agronegócio, implicando fluxos migratórios para essas localidades com a difusão do plantio de soja concomitante à implantação de serviços de apoio à produção agrícola tecnificada e da localização geográfica (BR 020). Neste contexto, em que medida a expansão do agronegócio estimulou o surgimento de novas nucleações urbanas como Roda Velha e Rosário reconfigurando o território?

Paralelo às mudanças no campo ocorreram modificações demográficas não só em termos de crescimento como também na sua distribuição no território. A dinâmica produtiva do agronegócio requer a concentração de comércio e de serviços para atender a demanda produtiva agrícola em crescimento: concessionárias de tratores e demais equipamentos agrícolas, unidades armazenadoras, mão-de-obra, bancos, assistência técnica especializada, entre outros. Esse processo induziu e induz ao crescimento demográfico e urbano. Empresas como Bunge, SLC Agrícola, Case Ih Agriculture, John Deere, além de outras, se instalaram nesses distritos. A população urbana de Roda Velha atinge 70% e a de Vila Rosário a 42%. (pesquisa de campo, 2019). O território se reconfigura.

A estratégia de uso corporativo do território se redesenha através de fluxos interdependentes de produção e de tecnologia que emerge e estimula a constituição de alianças políticas. A dependência que ocorre em torno dos recursos de poder, ou seja, do estado em torno da cadeia de produção, expandem-se na formação de redes políticas.

A constituição dessa rede política regional exercerá um grande papel no processo de transformações que se constituiu nos cerrados do Oeste baiano. Na agropecuária modernizada e globalizada, a produção rural, principalmente a agricultura, é coordenada a partir da associação dos capitais industrial e financeiro das corporações, bancos e tradings direcionados ao agronegócio. Nesta dinâmica se consolida, no novo território, o domínio do capital industrial, materializado em máquinas, implementos agrícolas, insumos e em articulação com o capital financeiro via políticas de crédito. Em uma lógica dual que lhe garante o domínio do território nas esferas mercantil e financeira em nível nacional e mundial e, concomitantemente, a exclusão dos produtores descapitalizados e a concentração da renda e da terra.

Neste processo, o crescimento econômico dos municípios em análise e seus distritos de Roda Velha e Vila Rosário foi significativo. No intervalo de quinze anos, o PIB nominal de Correntina cresceu 909,41%, enquanto São Desidério teve incremento de + 1.052,15%. Já o PIB per capita, nesse mesmo período, cresceu + 850,75% e São Desidério + 571,08% (DEEPASK, s.d)

Estes dados demonstram o poderio econômico do agronegócio nesses territórios. A expansão da produção de commodities proporcionou volume crescente de exportação e, também, para o mercado interno com a comercialização de milho para o nordeste.

No entanto, é necessário ir além dos indicadores econômicos. O crescimento econômico de ambos os municípios não foi acompanhado por melhorias significativas nos indicadores sociais. O índice de Gini no período de quatro décadas se deslocou da faixa baixa para a faixa média, não apresentando evolução significativa na desconcentração de renda. O Índice de Desenvolvimento Humano que em 1991 encontrava-se na faixa de IDH baixo deslocou-se em 2010 para o IDH médio, pouco relevante em vista da dimensão do crescimento do agronegócio regional. (SEI, BAHIA, 2019).

A desigualdade social é espelhada com maior nitidez nos índices de pobreza e extremamente pobres. Em Correntina o índice de pobreza 2010 é 43,17% e extremamente pobre 30,51%. Já em São Desidério os índices chegam a 40,12% e 25,76% respectivamente. Esses índices são observáveis, também, em Roda Velha, onde convivem população de padrão de vida elevado em Roda Velha II, com populações da periferia como Roda Velha I e III de padrão de vida baixo. Vila Rosário não destoa desse perfil. (ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO, 2013).

A expansão do agronegócio causou sérios impactos ao meio ambiente. No período de trinta anos, de 1980 a 2010, foram acrescidos 422.705 ha de área plantada, nos imóveis rurais de ambos os municípios, ou seja, suprimidos de vegetação nativa. Em 2018, foram removidos de vegetação original dos imóveis rurais 51% e 58,20% respectivamente de Correntina e São Desidério. (IBGE, 1980; 2010).

Isso demonstra as transformações que ocorreram no uso do solo nesse intervalo de tempo. Além disso, houve remoção de vegetação com o adensamento da população nos núcleos urbanos. Assim diversos problemas ambientais decorreram desse processo como supressão da vegetação nativa, contaminação dos solos, além de outros. A expansão da área produtiva reduz a capacidade de penetração da água no solo, em relação às áreas cobertas de vegetação local, alterando a recarga de águas subterrâneas e superficiais.

O Oeste baiano é a região da Bahia que mais utiliza a água no seu processo produtivo agrícola, principalmente, em decorrência das grandes áreas irrigadas, em 2017, Correntina e São Desidério somavam 46.205 há. Correntina e São Desidério, considerando o número de pivôs e a vazão média, chega-se ao consumo de 2.574.504 m³/dia de água, em 2017. (OLIVEIRA et al., 2004).

A utilização sem controle dos recursos hídricos e a não aplicação integral dos instrumentos da Gestão das Águas têm gerado conflitos em Correntina. A crise hídrica com a redução da vazão dos rios Arrojado, Correntina e Guará, além de outros fatores, decorre dos impactos socioambientais da instalação de grandes empreendimentos do agronegócio, escassez de chuvas.

Os principais impactos socioambientais gerados em São Desidério foram transformação do uso e ocupação tradicional do solo, irregularidades nas autorizações e licenciamentos ambientais, assoreamento dos mananciais, conforme pesquisa de campo, 2019.

REFERÊNCIAS

ANA – Agência Nacional de Águas. Programa de Avaliação Mundial d’Água, 2018. Brasília, DF.

ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL 2013. Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br/. Acesso em: 21/08/2014.

ATLAS DO AGRONEGÓCIO. Fundação Rosa Luxemburgo. 2018. Disponível em: https://br.boell.org/sites/default/files/atlas_agro_final_06-09.pdf. Acesso em: 21/08/2014.

ARRUDA, Zuleika Alves de. Onde está o agro desse negócio? transformações socioespaciais em Mato Grosso decorrentes do agronegócio. 2007. 253 f. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas, 2007.

BAHIA. SEI. Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Tipologia climática dos municípios da Bahia. 1997. Disponível em: WWW.sei.ba.gov.br/side/frame_tabela.wsp?tmp.tabela=t798tmp.volta=.Acesso em 15 nov 2013.

BARCELOS, Vicente. As supernovas: duas futuras cidades brasileiras. Paisagem Ambiente: ensaios – n. 29 – São Paulo – p. 227 – 247 – 2011

BRANDÃO, Paulo Roberto Baqueiro. Um território indiferenciado dos sertões: A geografia pretérita do oeste baiano (1501 – 1827). Boletim Goiano de Geografia. Goiânia-GO. v. 29, n. 01, p. 47 – 56, jan. – jun. 2009.

CAGED. Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, Ministério do Trabalho. Disponível em:<www.trabalho.gov.br/trabalhador-caged>. Acesso em 12/11/2019.

DEEPASK. Confira o Produto Interno Bruto no seu município. Disponível em:  http://www.deepask.com/goes?page=modelo/SC-Confira-o-PIB—Produto-Interno-Bruto—no-seu-município. Acesso em 25 maio de 2019.

EMBRAPA TERRITORIAL Atribuição, Ocupação e Uso das Terras no Brasil. ANÁLISE DO SICAR DA BAHIA (2018) -. Disponível em: www.embrapa.br/territoria. Acesso em 15/02/2020.

FERNANDES, Florestan. A reconstrução da realidade nas ciências sociais nos estudos geográficos. Rev. Mediações, Londrina v. 2. n. 1, P 47 56, jan./jun. 1997.

FERRAZ, Carlos A L. A modernização conservadora da agricultura nos cerrados do oeste da Bahia. Tese (doutorado) – Universidade Salvador – UNIFACS – Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano. Salvador, 2015, 249 p.

FREDERICO, Samuel. O novo tempo do cerrado: expansão dos fronts agrícolas e o controle do sistema de armazenagem de grãos. São Paulo: Annablume, 2008, 259 p.

GIL, Antonio Carlos. Técnicas de pesquisa em economia e elaboração de monografias. São Paulo: Atlas, 2002. 4. ed. 221p.

GRAZIANO NETO, Francisco. Questão agrária e ecologia: Crítica da Moderna Agricultura. 4ª ed. São Paulo, 1988.

HAESBAERT, Rogério. Dos Múltiplos Territórios à Multiterritorialidade. – Porto Alegre, setembro de 2004.

IBGE. Estimativas populacionais para os municípios brasileiros em 2011, 2019. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estima tiva 2011/ default.shtm. Acesso em: 19 abr. 2020.

                Produção agrícola municipal – 2010. [S.l.], 2011. Disponível em:

http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/pesquisas/pam/default.asp?o=18&i=P. Acesso em: 19 abr. 2011b.

                Produção da pecuária municipal – 2010. [S.l.], 2011. Disponível em:

http://www.sidra. ibge.gov.br/bda/pesquisas/ppm/default.asp. Acesso em: 19 abr. 2011c.

                Produção Agrícola Municipal, 2003.Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em: 10 maio 2013.

                Censos demográficos 1980, 1991, 2000, 2010. 2018.

                  Anuário Estatístico do Brasil: 1963/1985. Rio de Janeiro: IBGE, 1983. Disponível em:  www.biblioteca.ibge.gov/visualizar/periodicos/20/aeb_1963.pdf.. Acesso em: 25/04/2016.

                  Produto     Interno     Bruto     dos     municípios.     Disponível     em:     https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9088-produto- interno-bruto-dos-municipios.html?=&t=o-que-e. Acesso em 25.10.2019.

                Censos agropecuários 1980, 2010.

ILARIO, Clayton Gomes. Região agrícola competitiva e logística no Oeste baiano. 2011. 120 f. Dissertação (mestrado). Universidade estadual de Campinas – UNICAMP. Instituto de Geociências, Campinas, 2011.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia científica. 2. ed. – São Paulo: Atlas, 1991.

MDIC. Dados do Comércio Exterior. Rio de Janeiro: Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio Exterior, outubro, 2019. Anual. Disponível em < www.mdic.gov.br/estatisticas-de-comercio-exterior/saodesiderio>. Acesso em 29/10/2019

OLIVEIRA, Aureo Silva de; Francisco Adriano de Carvalho Pereira; Vital Pedro da Silva Paz; Carlos Amilton Santos. Avaliação do Desempenho de Sistemas Pivô Central na Região Oeste da Bahia. Média de consumo de água pivô – Irriga, Botucatu, v. 9, n. 2, p. 126-135, maio-agosto, 20042p. 126 a 135.

PLANVASF – Plano Diretor de Desenvolvimento do Vale do São Francisco. Relatório Técnico do Desmatamento no Bioma Cerrado 2002 a 2008, 2009.

SEI. Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. PIB Municipal. https://www.sei.ba.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=561.

SANTOS, Milton. O dinheiro e o território. GEOgraphia, Rio de Janeiro, Ano 1. n. 1, p. 7-13, 1999.

SANTOS, Milton. O retorno do território. In: SANTOS, M; SOUZA, M A; SILVEIRA, M L. (orgs.). Território: globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec, 1998, p. 15 – 20.

SAQUET, Marcos Aurelio. As diferentes abordagens do território e a apreensão do movimento e da (i)materialidade. Geosul, Florianópolis, v. 22, n. 43, p 55-76, jan./jun. 2007

SILVA, Carlos Alberto F da; NASCIMENTO, Luciano Bonfim do. As redes políticas do agronegócio da soja: interesse, estratégia e resistências. Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2010. 218 p.

[1] Doutorado (UNIFACS, 2015), Mestrado (UNB, 2009), Pós-graduação em controladoria (PUC, BH, MG, 1996), Pós-graduação Administração financeira e controladoria (UNEB, Barreiras, Bahia, 2002), Graduação (UFPE, Ciências econômicas, 1983), segundo grau (Colégio e curso Radier, 1976). ORCID: Id 0000-0002-4428-3714.

[2] Orientador. ORCID: 0000-0002-8342-9130.

Enviado: Novembro, 2021.

Aprovado: Junho, 2022.

5/5 - (3 votes)
Carlos Alberto Leitão Ferraz

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POXA QUE TRISTE!😥

Este Artigo ainda não possui registro DOI, sem ele não podemos calcular as Citações!

SOLICITAR REGISTRO
Pesquisar por categoria…
Este anúncio ajuda a manter a Educação gratuita