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Livros Acadêmicos

12. Exclusão/inclusão social: reflexões na perspectiva da sociedade capitalista e do papel do estado

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Tatiana Cristina Vasconcelos [1]

 Joselito Santos [2]

 Thayná Souto Batista [3]

DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/1743

Introdução

Exclusão e Inclusão compreendidos enquanto fenômenos dialéticos tem sido objeto de estudos de vários autores (a exemplo de SAWAIA, 2001; DECESARO; LOPES; LOPES, 2022). Tais processos possuem uma complexidade e pluridimensionalidade, devendo ser analisados em constante movimento e em relação com os modos de sociabilidade e valores sociais. Nesse contexto, a inclusão é parte constitutiva da exclusão, envolvendo o indivíduo diante a sociedade.

Cabe destacar que a exclusão social não se esgota na desigualdade social, pois são múltiplos os elementos causais, tendo como base a segregação enquanto fator dominante, sendo considerada um produto do funcionamento do sistema (SAWAIA, 2001). Segundo Gomes (2010) seus mecanismos estão inseridos nas estratégicas histórias de manutenção de uma perversa ordem social, no estabelecimento de formas de desigualdade, nos processos de concentração de riqueza. O excluído sustenta uma determinada ordem social pois é parte integrante de uma sociedade.

Diante dessas observações, o objetivo do presente texto é problematizar a exclusão-inclusão social refletindo na perspectiva da sociedade capitalista e do papel do Estado, considerando a força dessa sociedade na geração de assimetrias e desigualdades sociais profundas sob a bandeira do desenvolvimento e do progresso em conformação com o Estado e distante das aspirações dos indivíduos.

A sociedade capitalista e o indivíduo

O desenvolvimento da sociedade industrial capitalista promoveu uma nova ordem social, econômica, política, educacional e cultural, bem como fundou, de forma inequívoca, uma cisão social profunda através da sociedade de classes, da racionalidade científica instrumental, do culto ao individualismo e a aposta muita clara na produção e descarte de mercadorias.

Essa grande esteira de problemas ocupou muitas das reflexões de Marx, um crítico eminente dessa ordem; de Weber e sua busca interpretativa da ação calculista dos indivíduos e das organizações; de Bauman, que abriu novas possibilidades ensaísticas e interpretativas da pós-modernidade, cujo enfoque problematiza a posição do indivíduo numa sociedade evaporativa e individualizada (MARX, 1984; WEBER, 1967; BAUMAN, 2001).

O fato mais concreto é que a sociedade industrial capitalista instaurou novas relações produtivas e econômicas baseadas na mercadoria e no trabalho assalariado alienante, na despersonalização do indivíduo e na construção de uma nova subjetividade moderna assentada na racionalização da vida e das relações humanas e sociais. Essa instauração delimitou os papéis dos diferentes atores sociais na esfera produtiva, econômica, política e social, que também definiu como se daria a existência de trabalhadores e capitalistas e a distribuição de poderes que a cada uma caberia.

Isso se deu – e se dá – através da expansão, da extensão e do fortalecimento do processo de acumulação capital e da propriedade privada, que incidem na própria noção e ação da política na proteção/negação dos direitos das pessoas e de seus grupos representativos e/ou reprimidos. Não obstante, nessa sociedade, a noção de indivíduo se fortalece e sobrepuja a noção de coletivo, no espectro da emancipação da razão, sua base justificadora.

Essa emancipação é característica da reivindicação da liberdade, uma porção vinculada “à autodeterminação de cada indivíduo em face do Estado”. O cerne é que para os modernos a liberdade “é a liberdade de não interferência sobre a intimidade do indivíduo”, mas que visa a beneficiar a “independência privada”. É justamente essa “liberdade moderna” que cravará a força do “privado sobre o público e do individual sobre o coletivo”, baseando-se na “emancipação do indivíduo sobre o social” (COSTA; IANNI, 2018)

Na esteira dessa liberdade, cabe indagar: sobre quais indivíduos ela repousa ou para os quais se destina? Para refleti-la, deve-se considerar que a sociedade industrial capitalista forja a desigualdade para muitos, e os benefícios políticos e econômicos para poucos, ou seja, os que têm domínio sobre o capital, o Estado e as pessoas. Não mera coincidência, a liberdade que esta sociedade apregoa, se materializa na forma de indivíduos que se sucedem bem, tanto no âmbito da economia, da política e da educação quanto da cultura.

Aqueles que não cabem nessas porções não servem para a reprodução da sociedade capitalista e devem ser alijados do processo de desenvolvimento de que tanto precisam. Fazem parte dessa realidade malfeita os grupos historicamente excluídos e marginalizados, que ocupam as periferias das cidades e que ocupam ruas, praças e espaços abandonados em grandes centros urbanos nas mais diferentes regiões do país. São tratados como o resíduo tóxico da sociedade, como incapazes que degradam a imagem positiva da sociedade capitalista, indivíduos que desalinham a estética que a concebe e desfazem o progresso que ela construiu.

Para que um indivíduo possa sobreviver pela lei da cartilha dessa sociedade, ele precisa dar tudo de si, mesmo que resista, para compor e atender à ordem da produção e do consumo de mercadorias e de pessoas no seio de uma sociedade produtivista massiva e especulativa. Significa dizer que ser indivíduo só não basta. Ele precisa caber num sistema racional de base numérica que tende a privilegiar aqueles com maior probabilidade de ascensão e prestígio, de serem detentores de uma capacidade de reavivar esse sistema com mais cálculos e mais resultados econômicos.

Isso é necessário para a acumulação e o controle privado dos bens coletivos, que já não estão sob o “controle” do Estado, que ora está ainda bem mais comprometido com esse mesmo sistema. Neste ambiente nocivo, não é suficiente que o indivíduo exista por si, mas por uma série de atributos como inteligência, capacidade produtiva, origem social ascendente, flexibilidade às mudanças constantes, além de compleição e competência física e estética. Afora esses, incluem-se exigências de manterem relações privilegiadas e conexas com os controladores e mandatários desse sistema, além de precisarem se engajar no estímulo e aumento da produção e do consumo para permanecerem produtivos, empregados e bem-sucedidos.

Todo indivíduo que não cabe como valor capital reprodutivo fica fora dessa racionalidade social e econômica, que media também as relações entre as pessoas e as instituições, entre os indivíduos e os grupos, porque são verificados muito mais por suas distinções do que por suas singularidades e laços afetivos e/ou comunitários. Através dessa razão, o indivíduo é dissolvido para ser transformado em um objeto planejado e meticulosamente enredado para ser aquilo que o sistema deseja, tendo suprimidas muitas das suas opções de escolha, de liberdade e de oportunidades.

Não à toa, essa forma racional de pensar, gerir e coordenar a sociedade tem provocado muitas rupturas no tecido social, em muitos casos, gerando a negação e a indiferença aos problemas e anseios de grupos e indivíduos considerados incapazes e estigmatizados por fazerem parte dos denominados grupos minoritários e/ou grupos de incapazes. Neste cenário problemático, muitas questões têm sido levantadas acerca de como essa sociedade tem sido organizada para resultar em tantas decisões que afetam os indivíduos, especialmente aqueles historicamente marginalizados, que não são tratados como prioridades pela economia científica, pela sociedade e pelo Estado (COSTA; IANNI, 2018).

Neste sentido, é muito cara a discussão acerca desse problema, a cada dia mais complexo, deixando claras as marcas de uma sociedade encantada pelo culto ao individualismo e tudo que representa monetização – da vida, das pessoas, da natureza e das subjetividades. Uma sociedade baseada nesses princípios revela o descompromisso com o verdadeiro progresso social, qual seja o de prover e promover a melhoria das condições de vida de todas as pessoas, numa perspectiva universalista, humanista e de diversidade global. Dentre as tantas questões que nos preocupam, aqui inserimos a exclusão social, como marca resultante do discurso desenvolvimentista econômico científico, que continua impulsionando a divisão de classes e cindindo ainda mais a sociedade por especular o crescimento a partir das diferenças, da competição e da eficiência produtiva, financeira e econômica.

É nas muitas contradições desse sistema que a inclusão social ganha novos contornos reflexivos, interpretativos e de cunho prático. A partir dela, a discussão sobre a vida e os direitos humanos, políticos, civis e econômicos se dá a partir de uma forte crítica social. A partir dela, vêm à tona os malefícios causados por esse sistema, que é implacável contra os menos favorecidos e os considerados “diferentes”, que precisam sobreviver na dependência de um capital especulativo excludente, que as condena e isola, segrega e marginaliza.

Quando reportamos o problema à direção do Estado, identificamos uma linha de comprometimento inapropriado e indecente deste com aquele capital nocivo. Quando adentramos nessa seara, também detectamos as relações recíprocas e bem acordadas por esses dois entes inseparáveis, ou seja, relações bem coordenadas e mutuamente planejadas entre o capital e o Estado. Este último a serviço daquele.

De todo modo, apesar das críticas que não cessam, algumas iniciativas do Estado para amenizar os problemas da desigualdade e da exclusão social, e em prol da inclusão, mesmo insuficientes e descontinuadas, têm sido identificadas, especialmente nas últimas décadas no Brasil. São exemplos históricos dessas iniciativas no contexto escolar as questões que ganharam foro mundial pela Unesco, e foram concretizadas em documento intitulado Declaração Mundial de Salamanca. Posteriormente, na América Latina, documentos como a Declaração de Guatemala (1999) e a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Pessoas com Deficiência (2001) deram novo impulso às discussões sobre a inclusão escolar.

Abordar a exclusão/inclusão dos alunos com necessidades especiais pela ótica dos significados é dar voz ao sujeito e fazer conhecidas as suas implicações no cotidiano vivido, nas instituições sociais, na cultura e no próprio indivíduo. Assim, é preciso resgatar uma ética ligada ao humano, incorporando com muita abertura às mudanças sociais, culturais, educacionais, políticas e econômicas. É preciso incluir a diversidade e a pluralidade de pensamento, de saberes e de culturas, em que vigem as desigualdades e a falta de oportunidades para muitas pessoas. Esses elementos se ampliam e alcançam a vida de todas as pessoas, no sentido de seu impacto generalizado.

Essa é sua tarefa que implica compromisso com a vida real dos sujeitos, escutando e falando diretamente de e com pessoas, das mais diversas origens, regiões e culturas, e procurando abrigá-las em uma grande tenda de saberes, respeitando o conteúdo pessoal e os constituintes históricos de vida de cada um.

Considerações finais

São muitos os desafios a serem superados para que seja possível conviver em uma sociedade capaz de gerar oportunidades e instrumentos de proteção e promoção de direitos políticos, civis, econômicos e sociais. Esses desafios se tornam ainda mais presentes no cotidiano da vida de pessoas afetadas pela pobreza na conjuntura das grandes desigualdades, que geram a exclusão social e suscitam a discussão e o debate acerca da inclusão social.

Esses desafios também expressam a necessidade de o Estado construir as oportunidades e criar os instrumentos legítimos correspondentes ao conjunto dos problemas que precisam ser enfrentados em prol do bem das pessoas. Tal empreendimento estatal deve se dar de maneira contínua, ininterrupta e crescente, com investimentos capazes de modificar as raízes dos males que assolam as pessoas alcançadas pela pobreza, pelas desigualdades e pela exclusão tão marcantes no cenário brasileiro atual.

Esse cenário complexo está revestido de problemas estruturais recrudescentes que avivam nas pessoas a nocividade da sociedade capitalista industrial produtivista, baseada na racionalidade econômica científica, orientada aos fins que a justificam. Esse tipo de sociedade a cada dia demonstra sua capacidade de adaptar-se a diferentes mudanças e de estruturar-se diante de transformações tecnológicas, políticas e econômicas, independentemente do custo social e de vida. Trata-se de um processo anômalo previamente configurado para se refazer sustentado na geração de desigualdades, em muitos casos, extremas, que levam, dentre outros, ao desemprego, à miséria, pobreza, fome, violência e a mortes evitáveis.

Essa capacidade de se refazer está relacionada à forma pela qual opera, sobretudo através da produção de bens a partir de um conjunto de processos previamente definidos para gerar riqueza individual e privada, cuja divisão é desproporcional e desigual, por consequência, excludente. Essa fórmula tem sido aprimorada com a apropriação massiva e desenfreada dos recursos da natureza e das pessoas para usufruto privado e individual, administrados longe do controle do governo ou em consórcio imoral entre o capital especulativo, o mercado financeiro e o Estado, este último a serviço dos anteriores.

Referências 

BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

COSTA, M. I. S.; IANNI, A. M. Z. Individualização, cidadania e inclusão na sociedade contemporânea: uma análise teórica [online]. São Bernardo do Campo, SP: Editora UFABC, 2018, 122 p. ISBN: 978-85-68576-95-3. https://doi.org/10.7476/9788568576953.

DECESARO, S. R.; LOPES, J. C.; LOPES, A. P. A. T. Exclusão-inclusão social: percepção de familiares que convivem com pessoa com transtorno do espectro autista. Research, Society and Development, v. 11, n. 13, p. e100111335103-e100111335103, 2022.

FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.

GOMES, C. O lugar do sujeito na inclusão escolar: percalços e fracassos nas relações de subjetivação. Tese. Campinas: PUC- Campinas, 2010.

MARX, K. O Capital, São Paulo: DICEL, 1984.

SAWAIA, B. B. O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética exclusão/inclusão. In: B. B. SAWAIA (Org.). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. 8ª ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

WEBER, M. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1967.

[1] Doutora em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Licenciada, Bacharel e Mestre em Psicologia. Professora da Universidade Estadual da Paraíba. ORCID: 0000-0003-3525-4521.

[2] Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professor da FIP Campina Grande. ORCID: 0009-0000-4037-4670.

[3] Pedagoga pela Universidade Estadual da Paraíba-UEPB. Coordenadora pedagógica dos anos iniciais na prefeitura municipal de Queimadas-PB. ORCID: 0009-0006-8525-2224

Tatiana Cristina Vasconcelos

Tatiana Cristina Vasconcelos

Doutora em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Licenciada, Bacharel e Mestre em Psicologia. Professora da Universidade Estadual da Paraíba. ORCID: 0000-0003-3525-4521.

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Ciências Humanas Atualização de Área janeiro e fevereiro de 2023

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