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Livros Acadêmicos

4. Regulamentos da instrução pública e as normatizações para os professores no período do Acre departamental

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 Laís Souza da Costa [1]

Genylton Odilon Rêgo da Rocha [2]

DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/1700

 

Este trabalho apresenta como tema a história da formação de professores no Acre dando destaque para as normatizações contidas nos Regulamentos da instrução Primária no período do Acre Departamental com base no que vinha sendo proposto a nível nacional.

Para ilustrar esse contexto, é importante salientar que o Acre passou por mudanças significativas na sua organização administrativa. De 1904 a 1920, o estado foi dividido em Departamentos [3] nos quais eram nomeados os prefeitos, posteriormente se tornou unificado e a administração passou a ser exercida por um Governador também nomeado pelo presidente, o que impactou em mudanças significativas na educação do Acre.0

Naquele momento o território passou por mudanças significativas no que concerne à educação primária e a organização do trabalho dos professores.  A questão a ser destacada é: Quais as normatizações para os professores contidas nos Regulamentos da Instrução Pública no Período do Acre Departamental?

Entende-se que pesquisar a educação nesse contexto requer um mergulho nas raízes sociais de um dado período, do qual a formação de professores está inserida, a fim de descortinar situações do passado para tentar compreender o presente. Portanto, o método histórico e a técnica de análise documental por meio dos jornais como principal fonte, foram empregados como guias de orientação metodológica.

Dentre os periódicos escolhidos, utilizou-se  “O Cruzeiro do Sul” e “Alto Purus”, editados e publicados no período do Acre Departamental (1904-1920), pois apresentam uma gama de informações sobre a organização da educação, posto, que neles foram publicados os principais regulamentos a serem analisados nesse trabalho tais quais: o “Regulamento para as escolas públicas do Alto Juruá sob o Decreto de nº 152 do ano de 1912  (O CRUZEIRO DO SUL, 1912) e o Regulamento da instrução pública do Alto Purus sob o Decreto de nº 29 de 1914 (ALTO PURUS, 1914) dos quais os dados foram recolhidos no site da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional[4].

Dessa forma, esse artigo tem como objetivos: i) Discutir sobre as mudanças no cenário educacional do país a partir de reformas que instituíram os regulamentos; ii) Destacar as orientações dadas aos professores a partir dos regulamentos para as escolas primárias expedidos no período do Acre Departamental; e iii) Analisar como as normatizações influenciaram no trabalho dos professores nesse período.

O debate sobre novos modos de pensar a educação no cenário educacional brasileiro 

O início do século XX no Brasil foi marcado pelo ideário de renovação da educação baseada na formação do “cidadão brasileiro”. Gouvêa e Schueler (2012), apontam para a mesma perspectiva, de dar molde ao “novo cidadão brasileiro” a partir de uma mudança integral, não somente dos espaços escolares como também das práticas de ensino.

[…] Remodelar espaços, conhecimentos e valores, próprios das tradicionais instituições e concepção de educação, no sentido construir a legitimidade da escola como o mais apropriado para educar a infância. Portanto era preciso que se difundisse o ideário de valorizador da cultura escrita e de uma nova ética do trabalho, numa comunidade imaginada, a Nação, bem como a aquisição de códigos de condutas afirmados como civilizados (GOUVÊA e SCHUELER, 2012, p. 329).

Nessa perspectiva de entendimento, os debates se articulavam em promover a remodelação dos espaços escolares, dos conhecimentos ensinados nas escolas e principalmente, a prática dos professores, para que dessa forma pudesse haver mudanças significativas no país.  Porém, a concretização dessas ideias ainda era embrionária, posto que para dar embasamento teriam que preparar de antemão os professores, todavia a realidade era outra:

Podemos entender que a formação do professor, em alguns momentos históricos, esteve baseada no “saber provindo da experiência”, ou seja, por meio do contato com o trabalho de um professor já experiente e atuante, se aprenderia como ensinar. A observação do trabalho de um professor em sala de aula possibilitaria a vivência e os conhecimentos necessários para aprender a função de professor (GUEDES e SCHELBAUER, 2010, p. 229).

Nesse sentido, cabia a cada um organizar ao seu modo, certo de que muitos se baseiam pela organização curricular do Ensino primário promovido pela reforma de Benjamin Constant em 1890[5]. No Acre, ainda estava caminhando em passos lentos, sendo promulgados dois regulamentos no período Departamental, porém, com alguns aspectos distintos, principalmente com relação às orientações dadas aos professores.

Os regulamentos da instrução pública no acre departamental: o que tem a dizer sobre as normatizações para os professores

Para dar mais organicidade à educação do Território foram instituídos regulamentos que pudessem nortear o trabalho dos professores e nesses documentos é possível verificar quais eram as ordenações. destacar destaca-se no Quadro abaixo algumas das normatizações contidas nesses documentos:

Regulamento do Alto Juruá Regulamento do Alto Purus
Nos dias a educação moral e cívica, Historia do Brazil e História Natural, o professor preparará suas lições de modo a despertar o interesse das creanças pelo assunto, quer narrando-lhes sinjelamento fatos cívicos e morais, quer fazendo demonstrações praticas, sempre com o objeto a vista. (O CRUZEIRO DO SUL, 1912, p.2).

 

 Art. 20- Immediatamente abaixo do cargo de director geral, haverá um de inspetor escolar, que serà um auxiliar directo daquelle na boa marcha dos trabalhos escolares, competindo-lhe a fiscalização assídua das escolas de acordo com as necessidades se forem sentidos na distribuição dos serviços. (ALTO PURUS, 1914, p.1).

 

Art. 5- Os professores nomeados dentre as pessoas habilitadas por qualquer Escola Normal ou previamente aprovadas em concursos públicos” (O CRUZEIRO DO SUL, 1912, p.2,).

 

Art. 9º- Os serviços relativos à instrução ficarão a cargo de um diretor geral, que no exercício de suas funções o fiscalizará diretamente e por intermédio do inspetor escolar como legitimo representante do prefeito” (ALTO PURUS, 1914, p.4).

 

Art. 37- § 2º fazer diariamente, antes de começar os trabalhos, a chamada dos alunos, anotando- lhes as faltas.

§ 3º manter a ordem em sala de aula e no recreio, e não manifestar preferência por este ou aquele aluno.

§ 4º empregar o máximo desvelo na instrução de todos os alunos, indistintamente, e observar rigorosamente programa geral do ensino, dando lições um caráter essencialmente pratico.

§ 5º Satisfazer prontamente as requizições, que referentes ao ensino, lhe fizer o inspetor.

§ 6º – Observar as prescrições relativas à hijiene escolar, quer quanto aos ao predio que funccionar a escola, quer quanto aos alunos, aproveitando todas as ocaziões que se lhe oferecer para um ensinamento moral.

§ 7º- Trazer sempre em dia a escrituração da escola, tendo para isso os seguintes livros: de matricula, de ponto, do rejistro, de medias, de inventario, de visitas e de termos de exames.

§ 8º- Enviar mensalmente ao inspetor um mapa da frequencia da escola.

 

Art. 22- Serão considerados efectivos os professores que obtiverem suas cadeiras mediante concurso, interinos, que forem nomeados por simples deliberação do prefeito”. (ALTO PURUS, 1914, p.2).

 

 

 

 

“competindo lhe atestar o exercício dos professores e trazer ao conhecimento do inspetor as faltas dos membros do majisterio, quanto aos seus procedimentos público e quanto ao cumprimento dos seus deveres escolares”. (O CRUZEIRO DO SUL, 1912, p.3)

 

Art. 23- b) Para preenchimento dos logares de professores elementares e adjuntos, o governo do Departamento dará sempre preferência aos que já houveram sido aprovados em concursos anteriores, que ficarão validos durante um anno para efeitto de nomeação. (ALTO PURUS, 1914, p.2)

 

O Regulamento do Alto Juruá retrata que nesse período a preocupação com a metodologia do professor já era observada, principalmente no que concerne aos ensinamentos das disciplinas de Educação Moral e Cívica e História do Brasil e da Natureza. Souza (2000) a tratar sobre o método intuitivo, mas conhecido também como lições de coisas, destacou que esse dispositivo foi a base central da modernização pedagógica do final do século XIX, cujos seus principais precursores eram Pestalozzi e Froebel.

Percebe-se nesse documento a forma como o professor passou a ter suas atribuições ressignificadas. Se antes cumpria o papel apenas de ensinar o ler, escrever e contar, agora sua responsabilidade se estendeu ao seu papel enquanto aquele tinha por obrigação zelar por todas as situações escolares, incluindo o trabalho de moralização das crianças de acordo com a metodologia vigente. Enquanto o inspetor vigiava seu trabalho, também aplicava sanções caso não obedecesse às normas do documento, e como consequência disso, era penalizado com a suspensão do seu trabalho, a perda do vencimento por quatro meses, ou a critério do prefeito.

O Regulamento do Alto Purus detalha como essa organização poderia ser feita destacando que o ensino primário gratuito era de responsabilidade da prefeitura, sendo ofertado para ambos os sexos, além de se propor a conceder favores para as iniciativas de ensino secundário e profissional, fato este, inexistente no Regulamento do Juruá.  É percebido também que o próprio documento não se fecha para destacar quais são as normatizações para os professores, caso particular do Regulamento anterior no qual constava um capítulo inteiro sobre os seus principais deveres.

Essas atribuições tinham um caráter fiscalizador, mas também se percebe o caráter mais flexível das normatizações, principalmente no que se refere ao trabalho do professor. O documento transparece a importância dada aos concursos para provimento de cargo à professores adjuntos e complementares. A relevância dada aos concursos nesse período era tão levada a sério, que é dedicado um capítulo inteiro apenas para dar destaque a essa temática.

Castro (2011) relata que no Departamento do Alto Purus, havia turmas bastante numerosas e desnível de preparação dos professores, e que, para sanar esse inconveniente foram divididos os cursos em elementar e complementar e passaram a funcionar em escolas reunidas e isoladas.

Considerações finais

Com os regulamentos expostos, constata-se que apesar de expedidos num período inicial do Acre Território, trouxeram consigo uma maior sistematização, principalmente relacionadas à organização do currículo das escolas primárias, tanto as atribuições dadas aos professores para atuarem no ensino público através de concurso, quanto a metodologia adequada para se trabalhar no Ensino Primário. Ocorreu uma maior responsabilização deste trabalho, visto que abrangia diversas competências, além de categorizar essa formação e dar punições àquilo que não fosse cumprido. A importância demasiada aos concursos públicos para provimento de cargo não fazia jus a formação requerida, posto que a exigência de qualificação não condizia com a realidade local, uma vez que naquele momento não haviam Escolas Normais para atender a essas exigências.

O debate sobre a formação de professores no seu contexto histórico, principalmente no que diz respeito aos documentos orientadores, amplia a compreensão de como as diretrizes normatizadoras foram influenciando na reestruturação e organização da carreira docente. Se hoje algumas análises teóricas e práticas relacionadas a essa formação se baseiam na precarização e na competência dos professores, urge voltar-se no tempo e analisar como essas demandas foram sendo entendidas e instituídas na organização educacional do país como também a local.

Referências 

ALTO PURUS. Regulamento da instrução pública do Alto Purus sob o Decreto de nº 29 de 1914. 1914. ed. 290. Disponível em: http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital. Acesso em: 23 dez. 2020.

CASTRO, C. O. Caminhos da modernidade Acriana: a gestão de Maria Angélica de Castro. In: LIMA, E. M.; NASCIMENTO, L. M.; ALBUQUERQUE, L. B. A. (orgs.) Moderno/Contemporâneo Reflexões sobre a educação escolar. 1. ed. Curitiba: Appris, 2012.

GOUVÊA, Maria Cristina S.; SCHUELER, Alessandra F. M. Condições de instrução da infância: entre a universalização e a desigualdade. In: ARAÚJO, José Carlos; SOUZA, Rosa Fátima; PINTO, Rubia-Mar Nunes. Escola primária na Primeira República (1889-1930): subsídios para uma história comparada. Araraquara, São Paulo, Junqueira & Marin, 2012, p. 329-361.

GUEDES, S. T. R.; SHELBAUER, A. R. Da prática do ensino à prática de ensino: os sentidos da prática na formação de professores no Brasil do século XIX. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, número especial, p.227-245, 2010.

O CRUZEIRO DO SUL. Regulamento para as escolas públicas do Alto Juruá sob o Decreto de nº 152 do ano de 1912. 1912. ed. 204. Disponível em: http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital. Acesso em: 23 dez. 2020.

SOUZA, R. F. Inovação educacional do século XIX: A construção do currículo da escola primária no Brasil. Cadernos Cedes, v.20, n.51, p.9-28, 2000.

[1] Mestre. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4620-4677. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4042211619815808.

[2] Orientador. Doutor. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6264-5387. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3735617515418666.

[3] O decreto n° 1181, de 25 de fevereiro de 1904 autorizou o Governo Federal a administrar o Acre, portanto o Acre passou a ser território administrado pelo Presidente da República. Em abril de 1904, o Governo Federal organiza politicamente a criação de três Departamentos: Alto Acre (com sede em Rio Branco), Alto Purus (com sede em Sena Madureira) e Alto Juruá (com sede em Cruzeiro do Sul).

[4] http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

[5] A Reforma Benjamin Constant em 1890 instituiu uma organização que determinava o ensino público em três categorias: Primário, secundário e superior. O primeiro ministrado nos níveis elementar e complementar obrigatório para crianças de ambos os sexos, nas idades de 7 a 12 anos. Cf.: Decreto n. 891 de 08 de novembro de 1890. Disponível em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br. Acessado em: 23 dez. 2020.

Laís Souza da Costa

Laís Souza da Costa

Mestre. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4620-4677. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4042211619815808.

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Ciências Humanas Atualização de Área janeiro e fevereiro de 2023

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