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A relevância da gramática tradicional e do conhecimento de sintaxe para o revisor de texto: adjunto adnominal vs. complemento nominal

RC: 26221
322
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/letras/gramatica-tradicional

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

PIVETTA, Raquel Machado [1]

PIVETTA, Raquel Machado. A relevância da gramática tradicional e do conhecimento de sintaxe para o revisor de texto: adjunto adnominal vs. complemento nominal. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 02, Vol. 03, pp. 83-107. Fevereiro de 2019. ISSN: 2448-0959.

RESUMO

O presente artigo contempla o estudo de aspectos a princípio controversos no âmbito da sintaxe, especificamente relacionados aos critérios de distinção entre adjunto adnominal e complemento nominal, e a investigação dos fatores que envolvem o posicionamento do adjunto adnominal na oração, buscando demonstrar, a partir dessas análises, o quão relevantes são para o revisor de texto a compreensão desses fenômenos sintáticos e a visão crítica acerca das gramáticas tradicionais. Para tanto, a pesquisa fundamenta-se na teoria dos gramáticos tradicionalistas e adota, como fonte de análise, a notícia, gênero de cunho jornalístico, de grande veiculação na web, que tem como objetivo relatar fatos atuais e cotidianos. Como resultado, o artigo apresenta um estudo consolidado dos critérios e definições propostos pela tradição gramatical, cuja finalidade é possibilitar o reconhecimento dessas funções nas construções sintáticas que mais geram dúvida, além de identificar as relações sintáticas envolvidas no fato de os adjuntos adnominais se posicionarem distantes do nome a que se referem e, sobretudo, instigar o revisor a refletir sobre o papel que as gramáticas tradicionais exercem como instrumento de apoio ao trabalho de revisão de texto.

Palavras-chave: Critérios de distinção, adjunto adnominal, complemento nominal, gramáticas tradicionais, revisor de texto.

1. INTRODUÇÃO

A distinção entre complemento nominal e adjunto adnominal geralmente suscita dúvidas, sobretudo nas construções sintáticas em que tais funções possuem configurações estruturais idênticas.

Nas conversas do grupo de WhatsApp de que faço parte, o qual é composto de 142 revisores de diversos estados brasileiros, sendo a maioria graduada em Letras, tive a oportunidade de observar frequentes discussões sobre classificação de locuções adjetivas em determinadas construções sintáticas. Em uma dessas ocasiões, submeti a questão à análise da Academia Brasileira de Letras (ABL), que respondeu prontamente, afirmando que se tratava de adjunto adnominal. Ao postar a resposta no grupo, ainda houve quem se manifestasse desfavoravelmente ao posicionamento da ABL, o que intensificou o debate. Esse fato serviu para evidenciar como certas estruturas sintáticas são confusas, geram dúvidas e revelam a falta de consenso até entre estudantes e profissionais da área de Letras.

As gramáticas tradicionais, importantes instrumentos de apoio para o revisor de texto, geralmente não expõem, pelo menos de forma exaustiva ou definitiva, os critérios para se proceder à distinção entre essas funções sintáticas quando elas possuem estruturas semelhantes. Não bastasse a abordagem superficial, há ainda a diversidade de critérios entre os autores, que pode gerar conflitos para o revisor. É imprescindível, portanto, que esse profissional tenha um olhar crítico e investigativo sobre as teorias normativas, a fim de buscar subsídio e fundamentação para as suas intervenções textuais.

Os fatores que envolvem o posicionamento do adjunto adnominal na oração é um fenômeno curioso, que também merece ser abordado neste artigo. A consequente transformação dos sujeitos e dos adjuntos adverbiais da oração base em adjuntos adnominais, a partir da nominalização dos verbos transitivos, foi um dos principais pontos motivadores desta pesquisa, uma vez que tal fenômeno seria indício da possibilidade de o adjunto adnominal se posicionar distantemente do nome.

O objetivo geral deste trabalho é, portanto, desenvolver um estudo que, com base nas gramáticas tradicionais, busque esclarecer as frequentes questões acerca das funções sintáticas complemento nominal e adjunto adnominal, instigando a reflexão sobre o papel que essas gramáticas exercem como instrumentos de apoio ao trabalho do revisor de texto.

Os objetivos específicos, por sua vez, são: apresentar os conceitos de adjunto adnominal e de complemento nominal sob o ponto de vista da tradição gramatical; demonstrar, por meio de análise qualitativa e comparativa, os critérios de diferenciação dessas funções nas construções sintáticas mais complexas; investigar, com base na obra de Celso Luft (2015), o comportamento do adjunto adnominal, especificamente os fatores que envolvem o posicionamento desse termo acessório na oração; demonstrar a relevância do estudo desses aspectos sintáticos para o revisor de texto, bem como instigá-lo a refletir sobre o papel das gramáticas tradicionais no trabalho de revisão.

Para alcançar esses objetivos, a presente pesquisa fundamenta-se nas gramáticas tradicionais e adota o gênero notícia como fonte de análise, especificamente aquelas divulgadas na internet, no portal Universo Online (UOL). Trata-se de gênero de cunho jornalístico, de grande veiculação na web, cujo objetivo é relatar fatos atuais e cotidianos.

O presente trabalho é então estruturado da seguinte forma: esta primeira parte, que apresenta a introdução; na segunda seção, apresentam-se os conceitos de adjunto adnominal e de complemento nominal segundo a gramática tradicional; na terceira seção, analisam-se os critérios de distinção dessas funções de acordo com a gramática tradicional; na quarta seção, apresenta-se um estudo sobre o posicionamento dos adjuntos adnominais na oração; na quinta seção, demonstra-se a relevância do conhecimento de aspectos sintáticos para o revisor de texto e o papel das gramáticas tradicionais como ferramenta de trabalho; por fim, na sexta seção, “Considerações Finais”, apresentam-se os resultados obtidos com a presente pesquisa.

2. CONCEITOS DE ADJUNTO ADNOMINAL E DE COMPLEMENTO NOMINAL SEGUNDO A GRAMÁTICA TRADICIONAL (GT)

Para o estudo das funções sintáticas adjunto adnominal e complemento nominal, considera-se pertinente lançar mão das teorias tradicionais. Nesse sentido, o presente artigo fundamenta-se nas seguintes obras: Nova gramática do português contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra (2017); Novíssima gramática da língua portuguesa, de Domingos Paschoal Cegalla (2010); Moderna gramática portuguesa, de Evanildo Bechara (2015); Gramática normativa da língua portuguesa, de Rocha Lima (2011); e, como parâmetro inicial de análise, o Novíssimo Aulete: dicionário contemporâneo da língua portuguesa, de Caldas Aulete (2011).

2.1 – ADJUNTO ADNOMINAL (AADN)

Antes de adentrar nos estudos que envolvem o conceito de adjunto adnominal, há de se destacar que, nas categorias das funções sintáticas, é consensual entre os gramáticos tradicionais a classificação dessa função como termo acessório da oração.

Em termos conceituais, elege-se como parâmetro inicial desta análise a acepção gramatical de Caldas Aulete (2011, p. 46), segundo a qual adjunto adnominal é a “palavra ou expressão com função adjetiva, que especifica ou delimita o significado de um substantivo”. (grifo meu).

Em consonância com esse verbete, Cunha e Cintra (2017, p. 164) afirmam que: “Adjunto adnominal é o termo de valor adjetivo que serve para especificar ou delimitar o significado de um substantivo, qualquer que seja a função deste.”

Na mesma linha de entendimento, Cegalla (2010, p. 363) define adjunto adnominal como o termo que caracteriza ou determina os substantivos, o qual pode ser expresso pelos adjetivos, artigos, pronomes adjetivos, numerais e locuções ou expressões adjetivas que exprimem qualidade, posse, origem, fim ou outra especificação.

Para Evanildo Bechara (2015, p. 467), os adjuntos adnominais são determinantes que têm por missão acrescer ideia acidental complementar ao significado do substantivo nuclear, de forma a expandir tal expressão nominal, independentemente da função do seu núcleo.

Ainda sob essa mesma concepção, Rocha Lima (2011, p. 314) define o adjunto adnominal como termo de valor adjetivo que complementa o significado do núcleo substantivo com um dado novo.

Diante das definições apresentadas, fica evidente que não há divergências entre os autores quanto ao conceito de adjunto adnominal. Todos reafirmam o valor adjetivo inerente a tal função sintática. Suas definições variam apenas quanto aos termos (geralmente sinônimos) empregados para descrever a atuação do adjunto adnominal sobre o substantivo, quais sejam: “especificar”, “delimitar”, “complementar”, “caracterizar”, “determinar” e “acrescer”.

Ademais, é consenso que o adjunto adnominal pode ser expresso por adjetivos, locuções ou expressões adjetivas, artigos e pronomes ou numerais adjetivos.

2.2 – COMPLEMENTO NOMINAL (CN)

Antes de adentrar no estudo do conceito de complemento nominal, há de se destacar que, nas categorias das funções sintáticas, é consensual entre os gramaticistas tradicionais a classificação dessa função como termo integrante da oração.

Em termos conceituais, considera-se como parâmetro inicial para a presente análise a acepção gramatical de Caldas Aulete (2011) sobre complemento nominal:

Palavra ou expressão que complementa o sentido de um substantivo que deriva de um verbo, e que corresponde na frase com o verbo ao complemento deste. [Ex.: Da forma verbal Sabe dominar a bola tem-se a forma com substantivo Tem domínio de bola, na qual ‘de bola’ é o complemento nominal de ‘domínio’.] (CALDAS AULETE, 2011, p. 363).

Sob uma perspectiva mais abrangente do ponto de vista gramatical, Cunha e Cintra (2017) afirmam que complemento nominal é o termo que se liga, por meio de preposição, a substantivo, adjetivo ou advérbio para completar o sentido dessas palavras, que têm o complemento nominal como objeto.

Em consonância com o entendimento de Cunha e Cintra, Cegalla (2010, p. 354) afirma que: “Complemento nominal é o termo complementar reclamado pela significação transitiva, incompleta, de certos substantivos, adjetivos e advérbios.” O autor destaca que tal função vem sempre regida de preposição.

Em uma abordagem mais original, Bechara (2015, p. 470), sem propor definição exata para complemento nominal, explica-o do ponto de vista da gramática tradicional mais recente, classificando-o de acordo com os diversos sentidos em que se interpretam as expansões de substantivo, como em: a resolução do diretor (complemento nominal subjetivo), a prisão do criminoso pela polícia (complemento nominal subjetivo passivo), a remessa dos livros (complemento nominal objetivo), a resposta ao crítico (complemento nominal objetivo indireto), o assalto pelo batalhão (complemento nominal de agente ou de causa eficiente), ida a Petrópolis (complemento nominal circunstancial).

Sob uma acepção mais alinhada às definições de Cunha e Cintra e de Cegalla, Rocha Lima (2011, p. 296) define complemento nominal como “[…] termo que integra a significação transitiva do núcleo substantivo […]”. O autor explica que esse núcleo também pode ser adjetivo ou advérbio quando estes se equiparam a substantivo na sintaxe de regência.

Como é possível observar a partir das definições apresentadas, não há divergências entre os gramáticos sobre o conceito teórico de complemento nominal. É consensual, portanto, o entendimento de que este complementa, completa ou integra a significação transitiva do substantivo, do adjetivo ou do advérbio.

No entanto, faz-se ressalva em relação às classificações de Evanildo Bechara (2015), que inclui o complemento nominal subjetivo, e ao verbete de Caldas Aulete (2011), o qual torna sua definição restrita ao contemplar apenas os substantivos deverbais na condição de termos cujo sentido é complementado. Observem-se a seguir dois exemplos de complemento nominal apresentados por Cunha e Cintra (2017), em que: 1) o substantivo não deriva de verbo e 2) a palavra complementada sequer corresponde a um substantivo.

1. Estou com vontade de suprimir este capítulo.

2. Só Joana parecia alheia a toda essa atividade.

3. COMPLEMENTO NOMINAL VS. ADJUNTO ADNOMINAL

Esta seção visa demonstrar e analisar, sob o ponto de vista da gramática tradicional, os critérios de diferenciação das funções complemento nominal e adjunto adnominal nas construções sintáticas mais complexas.

3.1) ANÁLISE DOS CRITÉRIOS DE DISTINÇÃO SEGUNDO A GRAMÁTICA TRADICIONAL (GT)

Cunha e Cintra (2017) tratam de adjunto adnominal e de complemento nominal em capítulos específicos, sem abordar a dificuldade de se proceder à distinção entre tais funções nas ocorrências de estruturas idênticas, formadas por locução adjetiva.

Uma dica dos autores, constante nas observações do tópico sobre complemento nominal, é ter presente que o nome cujo sentido é completado corresponde, em geral, a um verbo transitivo de radical semelhante, como acontece, por exemplo, na frase “ódio aos injustos” (da forma verbal “odiar os injustos”).

Embora relevante, tal observação envolve critério que não abrange todas as situações de configuração do complemento nominal. Em outras palavras, ter conhecimento da possibilidade de o complemento nominal integrar nome deverbal não garante sua correta identificação nas diversas situações em que ocorre. Como se pode verificar, o próprio autor, ao utilizar o termo “geralmente”, reconhece que nem sempre o complemento se origina de um verbo transitivo de mesmo radical.

Cegalla (2010, p. 355 e 364), por sua vez, para esclarecer a distinção entre complemento nominal e adjunto adnominal formado por locução adjetiva e minimizar a notável confusão entre essas funções, baseia-se na premissa de que o complemento nominal é o paciente, alvo da ação expressa por um nome transitivo, ao passo que o adjunto adnominal é agente da ação ou a origem, pertença, qualidade de algo ou de alguém.

Entretanto, esse critério sozinho não dá conta de todas as dúvidas que surgem em torno das construções sintáticas formadas por locução adjetiva. Em outras palavras, nem sempre identificar o termo como agente ou como paciente funciona para reconhecer o complemento nominal ou o adjunto adnominal, o que pode ser demonstrado pelos exemplos de Rocha Lima (2011, p. 298):

1. A plantação de cana enriqueceu, outrora, a economia do país. (CN)

2. Em poucas horas, o fogo destruiu toda a plantação de cana. (AAdn)

Ao se inferir, nos dois exemplos, que a cana é paciente (cana é plantada), pode-se incorrer no equívoco de julgar ambos os casos como complemento nominal.

Uma análise mais cuidadosa revela que apenas o primeiro exemplo apresenta complemento nominal. Da forma verbal “plantar cana enriqueceu…” tem-se a forma com substantivo “A plantação de cana enriqueceu…”, na qual ‘de cana’ é o complemento nominal de ‘plantação’, assim como “cana” é o complemento verbal de “plantar”.

No entanto, no segundo exemplo, “Em poucas horas, o fogo destruiu toda a plantação de cana”, ao se retornar o nome “plantação” à sua forma verbal para identificar o complemento nominal, compromete-se o sentido do texto (Em poucas horas, o fogo destruiu todo o plantar cana). Nesse exemplo, isso ocorre porque o substantivo não se estende para o objeto (complemento verbal) e, consequentemente, não se torna transitivo.

Além do fato de o critério agente-paciente não funcionar em determinadas construções, ressalta-se a divergência existente entre esse critério e a teoria proposta por Bechara (2015, p. 470), que, em vez de classificar o termo agente como adjunto adnominal, classifica-o como complemento nominal subjetivo, conforme exemplificado a seguir:

1. A resolução do diretor (CN)

(O diretor resolveu – função subjetiva – agente)

2. A descoberta da imprensa (CN)

(Alguém descobriu a imprensa ou a imprensa foi descoberta – função objetiva – paciente)

Focalizando mais os aspectos comuns do que os fatores relacionados à distinção entre essas duas funções, Bechara (2015) discorre sobre várias particularidades gramaticais em que o complemento nominal e o adjunto adnominal possuem os mesmos traços, como a posição à direita do núcleo (obrigatória no complemento nominal), a inexistência de pausa, a introdução por preposição (obrigatória no complemento nominal e muito frequente no adjunto adnominal).

Outro aspecto comum citado pelo autor é o fato de que qualquer variação tanto no núcleo do complemento nominal quanto no do adjunto adnominal não altera a relação com o núcleo verbal. Por exemplo, em “A casa do vizinho é espaçosa”, a alteração do adjunto adnominal para “dos vizinhos” não acarreta mudança no predicado (é espaçosa), assim como em “A resolução do diretor surpreendeu a todos”, a alteração do complemento nominal para “dos diretores” não acarreta mudança no predicado (surpreendeu a todos).

Por outro lado, a partir de uma perspectiva já não voltada para os aspectos comuns, Bechara (2015, p. 471) afirma: “Todavia, o complemento nominal está semanticamente mais coeso ao núcleo, por representar uma construção derivada mediante a nominalização, fenômeno que não ocorre no adjunto adnominal.” O autor acrescenta que essa relação semântico-sintática provoca a impossibilidade de “apagamento” do complemento nominal, mas ressalta que essa imprescindibilidade não é suficiente para distinguir o complemento do adjunto, uma vez que há adjuntos adnominais também indispensáveis.

Acontece que nem sempre o termo complementado é formado por nominalização, como em “Teve raiva de si mesmo” e em “Insaciável de vingança”. Além disso, às vezes ocorre de o mesmo termo originado de nominalização assumir a função de adjunto ou de complemento, a depender do sentido, como em “A redação das normas” (complemento nominal) e em “A redação do aluno” (adjunto adnominal).

Quanto à impossibilidade de “apagamento” mencionada por Bechara, há de se ressaltar que tal critério não é eficiente, pois, como o próprio autor adverte, existem adjuntos adnominais imprescindíveis. Por exemplo, na oração “Ela só toma café em copo de vidro, não gosta de copo descartável”, a retirada do adjunto adnominal “descartável” comprometeria o sentido do texto “Ela só toma café em copo de vidro, não gosta de copo”.

Além do processo de nominalização, Bechara (2015, p. 472) aponta outra possibilidade de formação do complemento nominal: a partir de substantivos que, em função do traço semântico, pede um argumento a ele inerente, independentemente de processo de nominalização. Trata-se dos substantivos relacionais (pai, tia, irmão, braço, rosto, face, amigo, colega, companheiro etc.) e dos substantivos icônicos (retrato, filme, quadro, fotografia etc.).

No entanto, o critério semântico pode levar à confusão entre complemento nominal e adjunto adnominal, em função da ideia de posse presente. Por exemplo, em “O pai de Eduardo”, observa-se, pelo critério semântico, que se trata de complemento nominal, uma vez que o substantivo pai expressa relação entre indivíduos, assim como os termos de parentesco tia, irmão etc.; por outro lado, construções desse tipo passam a ideia de posse, o que implica, segundo a maior parte das gramáticas pesquisadas, a classificação da expressão de Eduardo como adjunto adnominal.

Entre os gramáticos estudados, Rocha Lima (2011, p. 297) é o que mais dá atenção à dificuldade de distinção entre adjunto adnominal e complemento nominal. Sobre essa questão, o autor alerta para o cuidado que se deve ter nas construções com substantivo, casos em que tais funções, expressas por locução adjetiva, possuem a mesma estrutura: preposição + substantivo. Nesse sentido, o autor recomenda que se verifique a transitividade do substantivo: se intransitivo, não admitirá complemento, a locução adjetiva será adjunto adnominal, como na frase “copo de vinho”; se transitivo, a locução adjetiva será complemento nominal, como em “invasão da cidade”.

Quanto à transitividade do substantivo, o autor esclarece que há duas situações possíveis:

1. Substantivo abstrato de ação correspondente a verbo que exige objeto ou complemento circunstancial, como em “ida a Roma” – conforme ir a Roma.

2. Substantivo abstrato de qualidade, derivado de adjetivo transitivo, como em “certeza da vitória” – conforme certo da vitória.

No entanto, identificar se o nome é transitivo ou intransitivo não é um procedimento trivial. Por exemplo, na frase “Semifinalista do concurso”, o substantivo “semifinalista” não seria, em princípio, transitivo (semifinalista de algo)? Além disso, não se poderia afirmar que possui relação com o verbo transitivo “finalizar”?

Ao se fazer analogia com a frase “Finalista do concurso”, deduz-se que finalista seja nome transitivo, o qual se origina do verbo finalizar. Deve-se ter cuidado ao tentar identificar a transitividade. O fato é que, nesse exemplo, “do concurso” não é alvo da ação, como seria, por exemplo, em “Conclusão do concurso” (da forma verbal “concluir o concurso”) o que implica afirmar que “semifinalista” não se estende para o objeto e, portanto, não é transitivo. Assim, na frase “Semifinalista do concurso”, tem-se substantivo + locução adjetiva indicando pertença (o concurso possui um semifinalista).

Preocupado com a complexidade que envolve o conceito de transitividade e intransitividade, Rocha Lima (2011, p. 298) aprofunda-se nesse assunto, demonstrando a existência de mais uma variável no processo de distinção entre complemento e adjunto, qual seja o emprego concreto ou abstrato do substantivo. O autor traz exemplos que apontam para a possibilidade de o substantivo abstrato de ação não exigir complemento nominal quando empregado como concreto. Em outras palavras, ele afirma que, ao se concretizarem, os substantivos se tornam intransitivos e, ao se “transbordarem” para um objeto, tornam-se transitivos. Retomando o exemplo acima, pode-se notar que o substantivo “semifinalista” não corresponde à forma original “semifinalizar o concurso”, ou seja, não se estende para o objeto.

Ainda sobre o emprego do substantivo, o autor acrescenta que tais nomes podem alternar-se entre concreto e abstrato, a depender do sentido em que são empregados. Por exemplo, na frase “A redação das leis requer clareza e precisão”, o substantivo “redação” é abstrato, uma vez que se relaciona ao ato de redigir. Já na frase “Na redação deste aluno, assinalei, a lápis vermelho, vários erros graves”, o substantivo “redação” passa a nome concreto em função do seu sentido (trabalho escolar escrito).

3.1.1) RESULTADO DA ANÁLISE

A análise comparativa e qualitativa das teorias disponibilizadas pela gramática tradicional sobre as características e os critérios de distinção das funções adjunto adnominal e complemento nominal permitiu à autora deste artigo criar um passo a passo com as informações compiladas e hierarquizadas. Tal roteiro poderá auxiliar no processo de diferenciação dessas funções, conforme mostra o Quadro 1.

Quadro 1 – Consolidação dos critérios de diferenciação

Item Característica do AA Característica do CN Critério Associado
1 Não é necessariamente precedido por preposição. É precedido por preposição. Se o termo se apresentar sem preposição, ocorrerá o AAdn.
Exemplo:
Foi uma estratégia inteligente.
Se o termo estiver preposicionado
(locução adjetiva), prosseguir na análise.
2 Acompanha substantivo. Acompanha substantivo, adjetivo ou advérbio. Se a palavra complementada for adjetivo ou advérbio, ocorrerá o CN.
Exemplo:
Ele foi o responsável pelo acidente.
Agiu desfavoravelmente à política atual.
Se a palavra complementada for substantivo, prosseguir na análise.
3 Ocorre com substantivo concreto ou com substantivo abstrato empregado como concreto e, portanto, intransitivo;
Pode ser o agente da ação ou a origem, pertença/posse, qualidade, fim ou outra especificação.
Ocorre com substantivo abstrato empregado transitivo;
Pode ser o paciente da ação expressa por um nome transitivo, geralmente formado pelo processo de nominalização.
Se o substantivo for concreto ou abstrato empregado como concreto, ou se o termo preposicionado for o agente da ação ou a origem, pertença/posse, qualidade, fim ou outra especificação, ocorrerá o AAdn.
Exemplos:
histórias de arrepiar os cabelos (arrepiadoras): qualidadelivro do mestre, as mãos dele: posse pertença
água da fonte, filho de fazendeiros: origem
fio de aço, casa de madeira: matéria
casa de ensino, aulas de inglês: fim, especialidade
aviso do diretor: agente
Se o substantivo for transitivo e for empregado como abstrato ou formado por nominalização, ocorrerá o CN.
Exemplos:
a eleição do presidente
declaração de guerra empréstimo de dinheiro
plantio de árvores
colheita de trigo
descoberta de petróleo
condenação da violência
medo de assaltos
remessa de cartas
compositor de músicas
amor ao próximo
perdão das injúrias
criação de impostos
recordação do passado

Fonte: elaborado pela autora, com base nas gramáticas citadas nas referências.

Ressalta-se que este artigo não esgota o estudo sobre os critérios de distinção entre as funções adjunto nominal e complemento nominal. O Quadro 1 apenas disponibiliza orientações de boas práticas, baseadas na combinação das teorias defendidas pela maioria dos gramáticos tradicionais, para facilitar a identificação dessas funções sintáticas.

Com o intuito de aplicar essas orientações a reais situações linguísticas, foram extraídos trechos de notícias constantes no site UOL. O Quadro 2 a seguir demonstra tal aplicação.

Quadro 2 – Aplicação dos critérios consolidados

Trecho sob Análise Aplicação dos Critérios Resultado
[…] Perda de participação no mercado doméstico de combustível. – O termo sob análise é precedido por preposição? Sim (pela preposição “de”), então se trata de locução adjetiva.
Prosseguir na análise.
Obs.: Se não fosse precedido por preposição, já se classificaria como AAdn.
– Acompanha substantivo?
– Acompanha adjetivo ou advérbio?
Acompanha substantivo (perda).Prosseguir na análise.
Obs.: Se acompanhasse adjetivo ou advérbio, já se classificaria como CN.
– Complementa substantivo abstrato empregado como transitivo, ou é paciente da ação expressa por um nome transitivo formado por nominalização?
– Complementa substantivo concreto ou abstrato empregado como concreto (intransitivo) ou é o agente da ação ou a origem, pertença/posse, qualidade, fim ou outra especificação?
Complementa substantivo abstrato transitivo (perda), o qual é paciente da ação expressa por um nome transitivo formado por nominalização (perder participação). Conclusão: CN.
Obs.: Se complementasse substantivo concreto ou abstrato empregado como concreto (intransitivo), ou se fosse o agente da ação ou a origem, pertença/posse, qualidade, fim ou outra especificação, seria o caso de AAdn.
Reencontro do Supremo com a opinião pública. – O termo sob análise é precedido por preposição? Sim, então se trata de locução adjetiva.
Prosseguir na análise.
Obs.: Se não fosse precedido por preposição, já se classificaria como AAdn.
– Acompanha substantivo?
– Acompanha adjetivo ou advérbio?
Acompanha substantivo (Reencontro).
Prosseguir na análise.
Obs.: Se acompanhasse adjetivo ou advérbio, já se classificaria como CN.
– Complementa substantivo abstrato empregado como transitivo, ou é paciente da ação expressa por um nome transitivo formado por nominalização?
– Complementa substantivo concreto ou abstrato empregado como concreto (intransitivo) ou é o agente da ação ou a origem, pertença/posse, qualidade, fim ou outra especificação?
Complementa nome abstrato que se concretiza, tornando-se intransitivo, já que ele não se estende para o objeto, é o agente da ação (O Supremo se reencontrou com a opinião pública).
Conclusão: AAdn.
Obs.: Se complementasse substantivo abstrato empregado como transitivo ou fosse paciente da ação expressa por um nome transitivo, seria o caso de CN.

Fonte: elaborado pela autora, com base nas gramáticas citadas nas referências.

A fim de explorar um pouco mais o estudo sobre o adjunto adnominal, a próxima seção contempla os fatores que envolvem seu posicionamento em uma oração.

4. POSICIONAMENTO DOS ADJUNTOS ADNOMINAIS NA ORAÇÃO

Quando se pensa no termo adjunto adnominal, a primeira ideia que surge, antes mesmo de se cogitarem palavras ou locuções especificadoras ou delimitadoras do significado de um substantivo, é a da proximidade existente entre o referido termo e o substantivo. Sobre esse tema, José de Nicola (2012, p. 423) faz a seguinte afirmação: “O adjunto adnominal, seja ele representado por um adjetivo, um artigo, um pronome ou um numeral, por gravitar em torno de um substantivo, é uma função adjetiva da oração.” (grifo meu). Ademais, considerando-se a origem do termo adjunto adnominal, tem-se que ad, em latim, significa ao lado de, ou seja, é um termo ou locução que está junto (adjunto), ao lado de um nome (adnominal).

Sob esse ponto de vista, do adjunto adnominal preso ao nome, surge a questão sobre os posicionamentos que ele, de fato, assume nas orações e sobre as situações linguísticas que implicam essa mobilidade.

Segundo Luft (2015, p. 7-9), a nominalização dos verbos transitivos resulta na transformação dos sujeitos e dos adjuntos adverbiais em adjuntos adnominais. Tal afirmação foi um dos pontos que instigaram a escolha desse tema, uma vez que a transformação de adjuntos adverbiais e sujeito da oração básica em adjuntos adnominais seria indício da possibilidade de o adjunto adnominal se posicionar distantemente do nome. Além disso, esse fenômeno indica que o posicionamento do adjunto adnominal pode ser influenciado pelo fato de o nome (a que se refere o adjunto) ser de primeira, de segunda ou de terceira classe (categorias definidas por Luft).

Assim, com base na teoria de Luft (2015), procurou-se pesquisar e extrair dos textos escolhidos não só as ocorrências clássicas do adjunto adnominal (relativas a nomes não transitivos), como também aquelas decorrentes de nomes derivados ou cognatos de verbos, os quais, segundo o autor, constituem a primeira classe de nomes transitivos. Para fins de estudo comparativo, focalizaram-se, também, estruturas com nomes pertencentes à segunda e à terceira classe de nomes transitivos. Tais ocorrências estão relacionadas no Quadro 3.

Quadro 3 – Possíveis ocorrências do adjunto adnominal

Item Excerto Ocorrência
Identificada
Oração Básica Classe de Nome Transitivo Observação
1 …alta de 5,1% nas cotações autorizada na véspera… N + CN + AAdn + AAdn As cotações aumentaram 5,1% com autorização na véspera.
S + VT + CV + AAdv
1ª Classe nominalização baseada no verbo aumentar. – O AAdn é separado do nome por um CN.
– Semanticamente, pode-se considerar que o nome está estritamente ligado ao termo aumento, que é uma nominalização do verbo aumentar.
– VT.
2 …mudanças até diárias das cotações. N + AAdn + AAdn As cotações mudavam até diariamente.
S + VI + AAdv
1ª Classe
Nominalização do verbo mudar.
– os AAdn se posicionam ao lado do nome.
– VI.
3 …perda de participação no mercado doméstico de combustíveis [pela Companhia]. N + CN + [AAdn] A companhia perde participação no mercado doméstico de combustível.
[S] + VT + CV
1ª Classe
Nominalização do verbo perder.
– O AAdn é separado por CN.
– VT.
4 …aumento de 0,2% do diesel válido a partir desta quinta-feira. N + CN + AAdn + AAdn O diesel aumentará 0,2% com validade a partir desta quinta-feira.
S + VT + CV + AAdv
1ª Classe
Nominalização do verbo aumentar.
– O AAdn é separado do nome por um CN.
– VT.
5 Sucesso em séries cômicas de televisão no Brasil e no exterior. N + CN + AAdn *** 3ª Classe
Substantivo (sucesso)
– O AAdn é separado do nome por um CN.
6 Limitação grande para colher informações. N + AAdn + CN *** 3ª Classe
Substantivo (limitação)
– O AAdn se posiciona ao lado do nome.
7 …o trabalho dos detetives. AAdn + N + AAdn Os detetives trabalham.
S + VI
1ª Classe
Nominalização do verbo trabalhar.
– os AAdn se posicionam ao lado do nome.
– VI.
8 A sua própria agência de investigação. AAdn + AAdn + AAdn + N + AAdn *** Não se trata de nome transitivo. – Os AAdn se posicionam ao lado do nome.
9 Com relação à vida conjugal. N + CN *** 3ª Classe
Advérbio (com relação/relativamente)
– Não há AAdn, pois na frase só há o complemento do nome (advérbio) transitivo.
10 Autorização expressa do cliente e da polícia [a atuar em caso criminal]. N + AAdn + AAdn + [CN] O Cliente e a polícia autorizam expressamente [a atuar em caso criminal].
S + VT + AAdv + CV
1ª Classe
Nominalização do verbo autorizar.
– Os AAdn seguem o nome, pois o CN só consta no final da oração.
– VT.
11 Autorização expressa, por escrito, dos clientes [a usar escutas e outras ferramentas de monitoramento]. N + AAdn + AAdn + AAdn + [CN] Os clientes autorizam expressamente, por escrito [a usar escutas e outras ferramentas de monitoramento].
S + VT + AAdv + AAdv + [CV]
1ª Classe
Nominalização do verbo autorizar.
– Os AAdn seguem o nome, pois o suposto CV só consta no final da oração básica.
– VT.
12 Uso crescente da tecnologia em investigações particulares. N + AAdn + CN + AAdn [As pessoas] usam de forma crescente a tecnologia em investigações particulares. [S] + VT + AAdv + CV + AAdv 1ª Classe
Nominalização do verbo usar.
– Há AAdn separado do nome por um CN.
– O CV consta antes de um AAdv na oração básica.
– VT.
13 A divulgação não autorizada da intimidade sexual [por alguém]. AAdn + N + AAdn + CN + [AAdn] [Alguém] divulga sem autorização a intimidade sexual de uma pessoa.
[S] + VT + AAdv + CV
1ª Classe
Nominalização do verbo divulgar.
– Há AAdn separado do nome por um CN;
– O suposto sujeito da oração básica surgiria como AAdn no final da oração com o verbo nominalizado.
– VT.
14 Vítimas de crimes. N + CN *** 2ª Classe
Adjetivo (vítima).
– Não há AAdn.
15 Provas contra o ex-noivo. N + CN *** 3ª Classe
Substantivo (provas).
– Não há AAdn.
16 Apoio a mulheres em situações semelhantes. N + CN + AAdn [A ONG] apoia mulheres em situação semelhante.
[S] + VT + CV + AAdv
1ª Classe
Nominalização do verbo apoiar.
– O AAdn é separado do nome por um CN.
– VT.
17 Reencontro do Supremo com a opinião pública. N + AAdn + CN O Supremo se reencontra com a opinião pública.
S + VT + CV
1ª Classe
Nominalização do verbo reencontrar.
– O AAdn se posiciona ao lado do nome.
– VT.
18 Garantia da igualdade para o político… N + CN + CN Garantir a igualdade para o político.
VT + CV + CV
1ª Classe
Nominalização do verbo garantir.
– Não há AAdn, pois na oração básica não há AAdv, nem S.
19 O Juiz fica vulnerável à pressão. N + CN *** 2ª Classe
Adjetivo (vulnerável).
– Não há AAdn.
20 Certeza de que vai dar a celeridade… N + CN *** 2ª Classe Adjetivos/derivados (certo/certeza). – Não há AAdn.
21 Tudo o que é importante para o País. N + CN *** 2ª Classe
Adjetivo (importante).
– Não há AAdn.
22 Medidas cautelares diversas da prisão são aplicáveis a todos. N + CN *** 2ª Classe
Adjetivo (aplicáveis).
– Não há AAdn.
23 A luta pela conquista de direitos pelos cidadãos. AAdn + N + CN + AAdn Os cidadãos lutam pela conquista dos direitos.
S + VT + CV
1ª Classe
Nominalização do verbo lutar.
– O AAdn é separado do nome por um CN.
– VT.
24 Punição àqueles que desrespeitassem os direitos humanos. N + CN Puniriam aqueles que desrespeitassem os direitos humanos.
VT + CV
1ª Classe
Nominalização do verbo punir.
– Não há AAdn, pois na oração básica não há AAdv, nem S.
– VT.
25 Luta das minorias étnicas nos Estados Unidos e em outras partes. N + AAdn + AAdn As minorias étnicas lutam nos Estados Unidos e em outras partes.
S + VI + AAdv
1ª Classe
Nominalização do verbo lutar.
– O AAdn se posiciona ao lado do nome. Não há CN, uma vez que o verbo na oração básica é intransitivo.
– VI.
26 Nova política de preços da estatal. AAdn + N + AAdn + AAdn *** Não se trata de nome transitivo. – Os AAdn se posicionam ao lado do nome.

Fonte: elaborado pela autora, com base nas gramáticas citadas nas referências.

A análise das ocorrências do adjunto adnominal permitiu as seguintes constatações:

  • Nos itens 1, 3, 4, 5, 12, 13, 16 e 23 do Quadro 3, em que os nomes pertencem à primeira classe (à exceção do item 5, que é de terceira classe) há ocorrências de adjunto adnominal distante do nome, separado por complemento nominal.
  • Nos itens 10, 11, 17, 18 e 24, em que os nomes são de primeira classe, não há ocorrência de adjunto adnominal distante do nome, ou porque o complemento nominal vem no final da frase, ou porque sequer há adjunto adnominal na frase.
  • Nos itens 2, 7 e 25, embora os nomes pertençam à primeira classe, não há ocorrências de adjunto adnominal distante do nome (separados por complemento nominal), uma vez que os verbos das respectivas orações básicas estão empregados como intransitivos, o que implica a ausência de complemento nominal nas orações nominais (com verbos nominalizados).
  • Nos itens 14, 19, 20, 21 e 22, em que os nomes são de segunda classe, não há sequer a presença de adjunto adnominal.
  • Nos itens 6, 9 e 15, em que os nomes são de terceira classe, não há ocorrência de adjunto adnominal distante do nome, ou porque o complemento nominal vem no final da frase, ou porque não há adjunto adnominal.
  • Os itens 8 e 26 mostram o caso mais simples de adjunto adnominal, que envolve nomes não transitivos. Nesse caso, os adjuntos adnominais situam-se todos ao lado do nome a que se referem, já que não há complemento nominal para separá-los.

Em face dessas constatações, compreende-se que os adjuntos adnominais podem aparecer posicionados não só ao lado do nome (ou seguinte a um adjunto adnominal já ligado ao nome) como também em posições distantes do nome a que se referem, separados por um complemento nominal.

Ressalta-se que essa possibilidade de separação por complemento nominal aplica-se a estruturas com nomes transitivos de primeira classe (verbos nominalizados) e a situações bastante específicas de nomes transitivos de terceira classe (substantivos). Nesse sentido, cabe esclarecer que nem todas as ocorrências de adjunto adnominal formado com nome de primeira classe implicarão tal posicionamento (separados do nome por complemento nominal), ou porque o complemento nominal virá no final da frase, ou porque não haverá adjunto adnominal ou, ainda, pela possível ausência de complemento nominal (presença de verbo intransitivo na oração básica).

Em se tratando dos nomes de segunda classe, o que se pode observar, a partir da análise dos dados coletados, é que a ausência de adjuntos adnominais nessas estruturas é justificada pela similaridade existente entre os adjuntos adnominais, cuja função é adjetiva, e os nomes de segunda classe, que são adjetivos transitivos.

Já em relação aos nomes não transitivos, os adjuntos adnominais localizam-se sempre ao lado do nome a que se referem, pois nesse tipo de estrutura não há complemento nominal para separá-los do nome.

5. A RELEVÂNCIA DO CONHECIMENTO DE ASPECTOS SINTÁTICOS PARA O REVISOR DE TEXTO E O PAPEL DAS GRAMÁTICAS TRADICIONAIS COMO FERRAMENTA DE TRABALHO

A vida da língua está na sintaxe, nós só falamos construindo orações.

Evanildo Bechara (2008)

Não se pretende nesta seção supervalorizar a gramática normativa. Saber português não pressupõe saber gramática. O conhecimento da língua envolve o conhecimento dos fenômenos que a cercam e está relacionado à competência comunicativa, ou seja, ao desempenho eficiente e seguro de qualquer tarefa comunicativa oral ou escrita.

Sob uma perspectiva mais atual, focada na gramática descritiva das línguas e das variedades de cada língua, percebe-se que a gramática normativa representa a gramática descritiva de apenas uma das variedades da língua, que é a norma padrão, a qual se baseia, em geral, na língua escrita, desprezando a oralidade e outras variedades da língua. Assim, tal gramática focaliza o registro formal, que é importante não só para o trabalho do profissional de revisão de texto como para a ascensão sociocultural do indivíduo. A intenção desta pesquisa não é impor a norma culta às diversas situações linguísticas (oral: conversa entre amigos, discurso jurídico, diálogo entre cônjuges etc.; escrita: blog, carta comercial etc.), mas, sim, defender a utilização da língua de acordo com a circunstância.

Sobre o papel da gramática normativa, Joaquim Mattoso Câmara Jr. (2004, p. 14) afirma:

Vimos que a gramática greco-latina era normativa e se podia definir como “a arte de falar e escrever corretamente”. Será que essa gramática deve ser abandonada, como sustentam alguns linguistas, especialmente norte-americanos? […]

A resposta que parece certa é que há em tal atitude uma confusão entre duas disciplinas correlatas mas independentes.

A gramática descritiva, tal como a vimos encarando, faz parte da LINGUÍSTICA pura. Ora, como toda ciência pura e desinteressada, a LINGUÍSTICA tem a seu lado uma disciplina normativa, que faz parte do que podemos chamar a LINGUÍSTICA aplicada a um fim de comportamento social. Há assim, por exemplo, os preceitos práticos da higiene, que é independente da biologia. Ao lado da sociologia, há o direito, que prescreve regras de conduta nas relações entre os membros de uma sociedade.

O autor afirma que a língua deve ser ensinada na escola e esse ensino “tem de assentar necessariamente numa regulamentação imperativa.” (TONNELAT, 1927 apud CÂMARA JR., 2004, p. 14).

Assim, a gramática normativa tem o seu lugar e não se anula diante da gramática descritiva. Mas é um lugar à parte, imposto por injunções de ordem prática dentro da sociedade. É um erro profundamente perturbador misturar as duas disciplinas e, pior ainda, fazer LINGUÍSTICA sincrônica com preocupações normativas. (CÂMARA JR., 2004, p. 14).

Dessa forma, é importante contar com parâmetros seguros para a revisão textual, tais como os preceitos da gramática normativa, sem, no entanto, desconsiderar os conceitos modernos de linguística, os quais propiciam ao revisor pensar na língua como algo vivo, além de uma estrutura imposta pela gramática.

Conforme assevera Bagno (2007, p. 117):

A gramática tradicional tenta nos mostrar a língua como um pacote fechado, um embrulho pronto e acabado. Mas não é assim. A língua é viva, dinâmica, está em constante movimento – toda língua viva é uma língua em decomposição e em recomposição, em permanente transformação.

Diante desse cenário, o revisor deve ter maturidade ao utilizar a norma padrão vigente. Nesse sentido, vale ressaltar a afirmação de Bagno (2007, p. 9): “Temos de fazer um grande esforço para não incorrer no erro milenar dos gramáticos tradicionalistas de estudar a língua como uma coisa morta, sem levar em consideração as pessoas vivas que a falam.” (grifo do autor).

Acontece que, além da preocupação em torno do risco de a teoria gramatical tradicional vir a ser considerada como único parâmetro de estudo da língua, ainda há o fato de as gramáticas tradicionais serem superficiais ou incompletas, quando não divergentes, quanto à abordagem de temas complexos. Como visto nas seções anteriores, os gramáticos tradicionalistas muito pouco se manifestam sobre a dificuldade de se distinguir complemento nominal de adjunto adnominal. Entre as obras pesquisadas, apenas a de Rocha Lima (2011) aborda de forma direta esse tema específico, estabelecendo, portanto, critérios de diferenciação mais eficazes.

É certo que, em se tratando da variedade padrão da língua, o revisor de texto não pode se restringir a uma gramática apenas. Ele precisa inteirar-se da teoria das diversas gramáticas normativas, aprimorando-se dos seus recursos, a fim de conhecer o posicionamento de cada autor e, dessa forma, obter mais segurança em suas decisões linguísticas. Paralelamente, o revisor deve ter a ciência do importante papel de outros tipos de gramática, como a gramática descritiva, que estuda a língua sob um olhar mais crítico e trabalha com qualquer variedade da língua, e não apenas com a norma padrão.

Em suma, o bom senso e o poder de discernimento do revisor de texto só serão bem empregados se alicerçados na busca pelo conhecimento amplo da teoria gramatical tradicional, sem ignorar os princípios gerais da Linguística. É evidente que, no caso específico do revisor de texto, o foco não é a linguagem falada. A respeito da distância entre a linguagem falada e a linguagem escrita, objeto de estudo da GT, Vinícius Romanini (2002) manifesta o seguinte entendimento:

Não é possível abolir de vez a regra sob pena de desorganizar irremediavelmente o sistema. Por outro lado, não é possível evitar que o qualitativo e o particular entrem no sistema e o transformem numa proporção infinitesimal mas continuada. Refutado como “erro” por leis rígidas, o qualitativo se acumula como limalha sobre a membrana do sistema até que o peso dessa poeira desaba e o faz implodir. No caso de uma língua, isso equivalerá aos falantes se distanciarem lenta mas continuadamente da Gramática Tradicional até o ponto em que já não possa mais haver retorno e compromisso entre o que as regras afirmam e os que os falantes praticam.

Em se tratando da importância do conhecimento de sintaxe para o revisor de texto, especificamente da compreensão do funcionamento do adjunto adnominal e do complemento nominal, ressalta-se que saber distingui-los nas mais variadas construções sintáticas requer conhecimentos que vão além do mero reconhecimento de nomenclaturas; é necessário, por exemplo, identificar a transitividade dos nomes, e classificar o substantivo, levando em conta que o mesmo nome pode ora figurar como concreto, ora como abstrato. A compreensão desses fenômenos sintáticos proporciona ao revisor segurança, subsidiando-o no embasamento (justificativas pontuais) de suas intervenções. Às vezes, o revisor, por hábito ou intuição, é assertivo na proposta de alteração, sem, no entanto, respaldar-se na teoria que justifica tal intervenção.

Ademais, saber classificar sintaticamente os termos nas orações implica, entre outros aspectos, saber avaliar o quão imprescindível é o termo na oração, e isso pode nortear decisões sobre pontuação e escolhas lexicais (substituição ou omissão de palavras). Se o termo for um complemento nominal, certamente ele não poderá ser removido da oração sob pena de se comprometer o sentido do texto. Não que tal classificação seja necessária para verificar a imprescindibilidade do termo na oração, contudo, assim como ocorre em outras ciências, mais de um caminho ou estratégia de análise podem levar ao mesmo resultado, e isso facilita qualquer processo de entendimento.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme demonstrado neste artigo, a dificuldade de se proceder à distinção entre adjunto adnominal e complemento nominal surge em função de essas duas funções sintáticas possuírem, em determinadas construções, os mesmos traços gramaticais, como a posição à direita do núcleo, a presença de preposição e o fato de a alteração em seu núcleo não alterar a relação com o núcleo verbal. Esse cenário ocorre quando tais funções assumem esta estrutura: substantivo + locução adjetiva.

O estudo sobre a notável dificuldade de distinção dessas funções sintáticas demonstrou que as gramáticas tradicionais – por sua abordagem incompleta, superficial ou divergente – podem não cumprir seu importante papel de suporte ao trabalho de revisão de texto. De fato, verificou-se divergência na definição de alguns tipos de complemento nominal por um dos autores.

Por outro lado, observou-se que, em geral, os gramáticos concordam sobre as definições e características do adjunto e do complemento, e os critérios de distinção se sustentam justamente nessas características. O principal problema constatado é que a abordagem de cada gramática não esgota as possibilidades de ocorrência do complemento nominal e do adjunto adnominal, fornecendo, assim, critérios que podem ajudar a distinguir os dois termos, sem, no entanto, serem primordiais para distingui-los.

Para que o revisor faça valer os benefícios dessa importante ferramenta de trabalho, que são as gramáticas tradicionais, ele precisa conhecer o posicionamento de cada autor e consolidar as teorias, de forma a obter segurança em suas decisões linguísticas. Nesse sentido, a pesquisa tornou evidente a importância do entendimento de sintaxe para o revisor de texto ao ressaltar que conhecimentos relacionados às funções sintáticas estão atrelados a percepções que vão além do mero reconhecimento de nomenclatura, as quais proporcionam ao revisor segurança e subsídio para o embasamento de suas propostas de intervenção.

Além disso, é necessário que o revisor de texto tenha bom senso, discernimento e conhecimento de mundo, qualidades que se adquirem não só por meio do conhecimento da teoria gramatical normativa como também pelo acesso à relevante fonte de conhecimentos proporcionada pelos estudos da Linguística.

REFERÊNCIAS

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 49. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2007.

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 38. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.

______. O amor de Machado de Assis pela língua portuguesa. Depoimento do acadêmico Evanildo Bechara. Academia Brasileira de Letras, 20 maio 2008. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=a72n-KihVZo>. Acesso em: 16 out. 2018.

CALDAS AULETE. Novíssimo Aulete: dicionário contemporâneo da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Lexikon, 2011.

CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. 33. ed. São Paulo: Vozes, 2004.

CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa. 48. ed. revista. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2010.

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 7. ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2017.

LUFT, Celso Pedro. Dicionário prático de regência nominal. 5. ed. São Paulo: Ática, 2015.

NICOLA, José De. Gramática: palavra, frase, texto (aluno). 2. ed. Rio de Janeiro: Scipione, 2012.

ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua portuguesa. 49. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.

ROMANINI, Vinícius. Por uma gramática da língua solta. Jornal da USP, 24-30 jun. 2002. Disponível em: <http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2002/jusp602/pag12.htm>. Acesso em: 5 out. 2018.

[1] Especialista em Revisão de Texto pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, Tecnóloga em Processamento de Dados pelo Centro Universitário de Brasília –UniCEUB, Especialista em Sistemas Orientados a Objetos pela Universidade Católica de Brasília, Analista de Sistemas – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT.

Enviado: Novembro, 2018.

Aprovado: Fevereiro, 2019.

4.2/5 - (5 votes)
Raquel Machado Pivetta

Uma resposta

  1. O escopo deste artigo está bem fundamentado, claro e conciso. Excelente meio de pesquisa.

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