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Aspectos do amor afetivo, erótico em Riobaldo e Diadorim

RC: 133926
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SILVA, Daniel dos Santos [1]

SILVA, Daniel dos Santos. Aspectos do amor afetivo, erótico em Riobaldo e Diadorim. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 11, Vol. 15, pp. 139-157. Novembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/letras/aspectos-do-amor

RESUMO 

A elaboração deste artigo científico tem como estudo abordar uma discussão a partir da análise realizada na obra Grande Sertão Veredas, em relação aos aspectos do amor afetivo que Riobaldo desenvolve por Diadorim.  Nesse sentido, segue-se como questão norteadora deste estudo o acompanhamento na trajetória da evolução do envolvimento sentimental das personagens nesse amor platônico. Objetiva-se analisar, através do envolvimento das personagens da obra, a compreensão desse amor ilibado, como pode, diante das dificuldades, extrair um aprendizado significativo para a nossa reflexão humana. A metodologia adotada para a realização deste estudo, inicialmente, consiste na investigação do surgimento e evolução desse relacionamento na obra Grande Sertão Veredas, do autor Guimarães Rosa, no contexto amoroso entre as personagens de Riobaldo e Diadorim.  Discorre-se, ainda, com teóricos como Freud e Aristóteles, que serviram de aporte teórico para reflexões empreendidas para a realização desse estudo. Portanto, por meio dessa pesquisa, foi viável compreender, através da análise da obra Grande Sertão Veredas, acerca do envolvimento sentimental das personagens Riobaldo e Diadorim nesse amor platônico, possibilitando reflexões que ajudem ao aperfeiçoamento dessa temática diante das dificuldades adversas que surgem ao longo da obra, assim como possibilitando aos estudiosos desse campo uma base de aprofundamento desse conteúdo para estudos futuros.

Palavras-chave: Amor erótico, Afetividade, Riobaldo, Diadorim.

1. INTRODUÇÃO

O amor afetivo tem sido uma temática complexa desde os primórdios até nossa contemporaneidade, visto a necessidade de desenvolver uma reflexão mais ampla na compreensão do processo de relacionamento afetivo entre heterossexuais, Contudo, torna-se pertinente analisar tal comportamento, no qual se vê a importância de estudar essa temática no campus dos relacionamentos entre heterossexuais, que ocorre nas personagens de Riobaldo e Diadorim na obra Grande Sertão Veredas, com pesquisas que visam esclarecer tais conflitos existentes com o aporte teórico de estudiosos como Freud e Aristóteles.

Deste modo, o presente estudo tem como objetivo principal investigar a obra “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, analisar os aspectos do amor afetivo e erótico, que é despertado um amor platônico nas personagens de Riobaldo e Diadorim, cuja trajetória indicia o desfecho amoroso do romance. Logo, vê-se a importância de discutir sobre o tema de maneira aprofundada, dissertando sobre os aspectos desse amor afetivo que constituem laços de relacionamentos entre heterossexuais que a princípio parecem ser homossexuais.

Portanto, o estudo desenvolvido para a realização desse trabalho tem como metodologia uma análise feita com base em fontes bibliográficas, através de livros e artigos, que abordam a temática em discussão. Para isso, este estudo foi desenvolvido em três capítulos, que abordam: “Infância de Riobaldo e Diadorim”, “Sonhos e Planos” e “Amizade e Paixões Despertadas”. Sabe-se que este trabalho procura descrever as relações humanas nas personagens de Riobaldo e Diadorim no contexto do amor afetivo entre heterossexuais, servindo como material de suporte para aprimorar estudos futuros a serem desenvolvidos nesse campo da literatura.

2. INFÂNCIA DE RIOBALDO E DIADORIM 

Nascido no sertão de Minas Gerais, em meio a tantas alegrias e tristezas, sonhos e desilusões, não seria diferente a vida de um pequeno garoto. Sendo filho de uma mãe humilde, cuja situação socioeconômica se encontrava abaixo da linha da pobreza, que sonhava o melhor para seu filho, dois caminhos eram citados por sua mãe naquela época, o do sacerdócio ou a vida ao lado dos jagunços, meios esses de viver com algum tipo de dignidade.

O primeiro encontro entre Riobaldo e Diadorim quando crianças marca suas vidas para sempre. O menino fica encantado quando vê Reinaldo pitando um cigarro debaixo de uma árvore: “Menino mocinho, pouco menos do que eu, ou devia de regular minha idade. Ali estava, com um chapéu-de-couro, de sujigola baixada, e se ria para mim. Não se mexeu. Antes fui eu que vim para perto dele” (ROSA, 1986, p. 85). Logo, observa-se que, à primeira vista, Riobaldo fica admirado com os modos do menino, um indivíduo diferente do que estava acostumado ver, no entanto, aproxima-se a fim de observá-lo, contemplando sua beleza, considerando que era um menino bonito, de cor clara, olhos grandes e verdes. Desde já, algo começava a despertar nele, uma admiração que não podia compreender por ser muito jovem. Desde já, observa-se que houve uma ligação enfática a desvendar entre os dois personagens da obra. Contudo, continuou a observar o menino:

Mas eu olhava esse menino com um prazer de companhia, como nunca por ninguém eu tinha sentido. Achava que ele era muito diferente, gostei daquelas finas feições, a voz mesma, muito leve, muito aprazível. […] Fui recebendo em mim um desejo de que ele não fosse mais embora, mas ficasse, sobre as horas, e assim como estava sendo, sem parolagem miúda, sem brincado só companheiro amigo desconhecido (ROSA, 1986, p.86).

Percebe-se, nesse enredo, que Riobaldo encontra-se maravilhado com o menino, não só pelo fato de uma amizade qualquer, mas pelo conjunto de qualidades que era capaz de identificar nesse menino. Era a primeira vez na vida que Riobaldo sentia uma retribuição de alguém que simpatizava consigo mesmo. Surge entre ambos uma afinidade, nasce uma vontade de não querer que o menino vá embora.

Inicialmente, sua amizade torna-se muito significativa para Riobaldo, o que, mais tarde, deixa-o confuso. Um episódio interessante é o convite que Diadorim faz a Riobaldo para passear numa canoa, que de imediato aceitou o convite do belo par de olhos verdes: “Olhei: aqueles esmerados esmartes olhos, botados verdes, de folhudas pestanas, luziam um efeito de calma, que até me repassasse” (ROSA, 1986, p.  87).

Nota-se que, junto a Diadorim, Riobaldo esquecia de todos os perigos, até mesmo o de não saber nadar, sentia-se seguro com ela, fascinado por essa beleza exótica. Decide acompanhar, contudo, quando, na água, a canoa começa a balançar, o inevitável acontece, Riobaldo fica com medo e apega-se na madeira, tentando se conformar que essa é das que não se afunda, mas é contrariado pelo canoeiro, o que aumenta mais ainda o seu medo de morrer. Então, Diadorim sorriu para Riobaldo e, de imediato, disse que não sabia nadar. Nesse momento, acontece uma breve cena que se aproveita da situação para tentar acalmar Riobaldo: “E o menino pôs a mão na minha. Encostava e ficava fazendo parte melhor da minha pele, no profundo, desse da minha carne alguma coisa. Era uma mão branca, com os dedos dela delicado. – “Você também é animoso… me disse” (ROSA, 1986, p. 90).

Nota-se um momento de afago por parte de Diadorim quando procura consolá-lo, e ele, menino ingênuo, deixa-se levar por essa iniciativa, sentindo aquela mão delicada tocá-lo profundamente. Nesse momento, sem que percebesse, já lhe despertava um desejo oculto, algo que só algum tempo depois vivenciaria com mais intensidade. No entanto, Diadorim torna-se um alvo sexual para Riobaldo. “Uma certa dose de uso do tato, ao menos para os seres humanos, é indispensável para que se atinja o alvo sexual normal” (FREUD, 2006, p. 148). Mesmo sendo crianças, esse contato mais próximo proporcionou a primeira experiência de Riobaldo em termos de estar se relacionando com alguém, pois, através do toque das mãos com dedos delicados, ele sente, nesse momento, duas pessoas em uma só carne, algo que o completava, um sentimento que vivenciou muito jovem, porém, não estava amadurecido para compreender o que era esse sentimento de adultos. Era algo que lhe marcou, mas deixava-o confuso.

Contudo, é visível a intenção de Diadorim após o passeio de canoa. Procurou ficar junto a Riobaldo às margens do rio para realizar um piquenique, portanto, nota-se que ela havia simpatizado por ele desde o primeiro olhar. Observa-se, nesse contexto, como fica confuso o psicológico de Riobaldo nessa neblina quando o momento íntimo dos dois é interrompido por um mulato das feições brutas, que insistia em querer algo, participar do encontro, e o ingênuo do Riobaldo tenta tomar o controle da situação, mas Diadorim, com esperteza, faz o jogo, atraindo o mulato para uma armadilha:

“Você meu nego? Está certo, chega aqui…” A fala, o jeito dele, imitavam de mulher. Então, era aquilo? E o mulato satisfeito, caminhou para se sentar juntinho dele. Ah, tem lances esses se riscam tão depressa, olhar da gente não acompanha. Urutudá e já deu o bote? Só foi assim. Mulato pulou para trás, ô de um grito, gemidourro. Varou o mato, em fuga, se ouvia aquela corre doura. O menino abanava a faquinha a nua na mão, e nem seria. Tinha embebido ferro na coxa do mulato, a ponta rasgando fundo. A lâmina estava escorrida de sangue ruim. Mas o menino não se aluía do lugar. E limpou a faca no capim, com todo capricho.” Quicé que corta…” foi só o que disse, a si dizendo. Tornou a pôr na bainha (ROSA, 1986, p. 91).

Pode-se compreender que Diadorim é uma criança esperta e corajosa; é de uma valentia que poucas pessoas têm, tendo em vista que o agressor era um homem maior e mais velho. Portanto, tamanha valentia, concluía Riobaldo, que vinha do pai, homem valente que passou conceitos de princípios e valentia para a sua cria. E sua admiração aumentava cada vez mais por Diadorim, essa guerreira que se tornara sua amiga, uma criança de uma sabedoria superior a de Riobaldo, que ingenuamente acreditava ser um menino de voz leve e finas feições.

2.1 SONHOS E PLANOS DE DIADORIM E RIOBALDO

Percebe-se, no romance, o zelo e o cuidado que Diadorim tinha por Riobaldo, chegando a fazê-lo jurar a não se deitar com mulher alguma durante essa jornada no bando. Mesmo sem compreender direito, aceitava suas intervenções, era ingênuo, não percebia que era uma forma de guardá-lo, para que, no futuro, Diadorim pudesse desfrutar desse amor. Diadorim, para o seu tempo, era uma mulher evoluída, visionária, que tinha planos para o futuro. Além disso, era um meio que encontrara de ausentar as mulheres de seu pretendente, contribuía para seus pensamentos ficarem mais fortes por Diadorim. Preso a esse sentimento, torna-se possível compreender que, mesmo vivendo uma vida de jagunço, Riobaldo e Diadorim tinham planos e sonhos dos quais ambos faziam parte, logo, assim que tivessem feito justiça pela morte de Joca Ramiro, pai de Diadorim. E propõe um trato ao seu amado:

 Me intimou a um trato: que, enquanto a gente estivesse em ofício de bando, que nenhum de nós dois não botasse mão em nenhuma mulher. Afiançando falou:− “Promete que temos de cumprir isso, Riobaldo, feitos jurados nos santos evangelhos! Sen – o sempre sem mulher, mas valente em qualquer praça. Prometi. Por um prazo, jejuei de nem não ver mulher nenhuma. Mesmo. Tive penitência. O senhor saber o que isso é? Desdeixei duma roxa, a que me suplicou os carinhos vantajosos. E outra, e tantas (ROSA, 1986, p. 166).

Fica evidente sua preocupação com Riobaldo, homem estudado e de bons princípios que lhe despertou amor. Não o poderia deixar ir embora de sua vida. E Riobaldo, enfeitiçado por Diadorim em meio a essa neblina confusa, deixa-se levar, aceitando seus conselhos, e torna-se cúmplice desse sentimento, “mantendo trato entre ambos”. Sabe-se que esse romance de Guimarães Rosa aborda um assunto que mexe com o lado sentimental do protagonista, o que nos desperta a ideia de analisar com um olhar crítico, a fim de compreender melhor essa problemática, um sentimento sufocado que se originou pelo afeto que tinha pelo seu amigo, tornando-se um desejo erótico que o encanta e seduz. Portanto, passa a ser um enigma em busca de uma resolução que possibilite uma compreensão satisfatória acerca desse mistério que envolve Diadorim e Riobaldo.

Observa-se que Riobaldo e Diadorim vivenciaram um amor platônico, nunca tiveram uma noite de amor, homem e mulher juntos carnalmente. No entanto, vivenciaram uma grande amizade. Pode-se compreender que Riobaldo procurou vivenciar os desejos do coração e o da carne de forma separada. Contudo, é possível compreender que Riobaldo é um homem jovem e saudável, que dispõe de um desejo intenso de saciar suas necessidades, que se pode compreender melhor através do que Aristóteles afirma:

A juventude é um estado agradável: por outro lado, as pessoas de natureza excitável necessitam permanentemente de alívio, pois o seu próprio corpo vive atormentado em consequência de seu temperamento, e elas estão sempre sob a influência de um desejo demasiadamente intenso (ARISTÓTELES, 2012, p. 161).

Pode-se entender que Riobaldo é um jovem e está pronto para amar, pois seu corpo clama por um desejo insaciável de amar Diadorim. Logo, a personagem de Riobaldo mostra ter uma natureza excitável, o que aumenta mais o seu apetite sexual, que, consequentemente, vivendo ao lado de seu melhor amigo em meio a essa neblina confusa de sentimentos, que, porventura, Diadorim perceberá e retribuirá, passa a fantasiar sonhos para o futuro. É importante observar que o nome de Diadorim gera uma dualidade entre gênero masculino e feminino, homem ou mulher, uma ambiguidade, porém, mais para o feminino. Diadorim se apresenta em trajes de jagunço, usando o nome de Reinaldo, para proteger sua verdadeira identidade, a fim de ser aceita no bando, então, só depois faz uma confissão a Riobaldo, revelando um dos seus segredos como prova de confiança e devoção a essa forte amizade:

 Riobaldo, pois tem um particular que careço de contar a você, e que esconder mais não posso… Escuta: “Pois então: o meu nome, verdadeiro, é Diadorim … Guarda este meu segredo. Sempre, quando sozinhos a gente estiver, é de Diadorim que você deve me chamar, digo e peço, Riobaldo …  (ROSA, 1986, p. 133-134).

Dessa maneira, compreende-se que, através desse segredo revelado a Riobaldo, fica claro que Diadorim quer ser chamada como mulher quando estiver a sós, o que dá esperanças para Riobaldo ir mais além em seus sonhos, contudo, compreende que Diadorim sente amor e não o assume publicamente, logo, percebe-se que seu amor é correspondido por seu companheiro de bando. Esse relacionamento vai se solidificando a cada momento juntos. Diadorim passa a conhecê-lo melhor e a confiar cada vez mais, conclusivamente, em seus pensamentos como um bom homem, justo e digno de ser seu senhor, portanto, faz planos ocultos em seu coração, sonhando com um futuro fora da vida de jagunço. Consequentemente, esse envolvimento entre ambos no bando desenvolve uma aproximação maior, na qual Riobaldo passa a ouvir mais Diadorim, dando ênfase aos conselhos controladores da mesma, e, nesse critério, embarca em um sentimento que passa a fazer parte de seus sonhos ocultos como Rosa ratifica.

 De um aceso, de mim eu sabia: o que compunha minha opinião era que eu, às loucas gostasse de Diadorim, e também, recesso dum modo, a raiva incerta, por ponto de não ser possível dele gostar como queria, no honrado e no final. Ouvido meu retorcia a voz dele. Que mesmo, no fim de tanta exaltação, meu amor inchou, de amparar todas as folhagens, e eu ambicionando de pegar em Diadorim, carregar Diadorim nos meus braços, beijar, as muitas demais vezes, sempre (ROSA, 1986, p. 29).

Em meio a esse sentimento que crescia consigo, chega o momento que Riobaldo não consegue gostar de Diadorim como amigo, companheiro de jornada, irmãos, entretanto, seria o caminho mais indicado a seguir, gozar de uma boa amizade, mas esse tipo de amizade já não mais bastava para ele. Dentro de si, cria-se uma paixão, um apetite de expandir esse sentimento de dentro para fora, de poder ter em seus braços Diadorim, de saciar a sede, de amá-la e beijá-la. Logo, consegue enxergar em seu amigo de finas feições uma bela mulher que lhe atenta. Contudo, observa-se que Riobaldo era um homem continente, sabia quando poderia ceder a esse desejo, mas procura sufocar essa paixão pelo bom senso da razão.

De fato, é à paixão e ao apetite que não se deve ceder, já que no momento certo o homem continente deve ceder ao raciocínio; mas é o raciocínio que os outros resistem, pois cultivam seus apetites e muitos deles são dominados pelos prazeres. (ARISTÓTELES, 2012, p. 152)

Compreende-se que se alimentou esse sonho entre os dois amigos. Embora, Diadorim, a sabedoria em pessoa, em Riobaldo, o ingênuo que não conseguiu enxergar através dessa neblina a verdade que lhe atormentava. No entanto, existiu uma amizade prazerosa, um amor afetivo que contribuía para o fortalecimento de laços amorosos, passando a existir, no fundo, um amor não assumido perante a sociedade, mas latente no seu “eu íntimo”, que tudo se reduzia a um só corpo.

Nesse contexto, compreende-se que ambos compartilhavam do mesmo sonho, vivenciar esse amor heterossexual como homem e mulher, o corpo e o texto, o apetite gastronômico e o sexual, um só corpo e uma só carne, amantes, cúmplices desse amor afetivo e erótico. Embora não tenham assumido esse sentimento abertamente, por Riobaldo acreditar que Diadorim era homem, firmado como jagunço, ainda sim nota-se o cuidado e a dedicação que Diadorim tem por Riobaldo, seu amor. Observa-se que Riobaldo, cabra macho, sabia que não podia ter paixão alguma por seu amigo, mas contraria a regra justa, desenvolve, no seu íntimo, o desejo de realizar esse sonho, porém não assume publicamente essa paixão, por acreditar que Diadorim é homem, visando, assim, não ferir a ética moral da sociedade, prevalecendo a moral e os bons costumes. Um ponto importantíssimo é que, mesmo sabendo que esse amor era impossível, perante os seus olhos, como também os da sociedade, não desistiu de sonhar com esse desejo que estava vivo em sua pessoa.

Mas há uma espécie de homem que é dominado pela paixão contrariando a regra justa: um homem dominado a tal ponto pela paixão, que é incapaz de agir de acordo com a reta razão, mas não dominado a ponto de acreditar que deve buscar tais prazeres sem reservas (ARISTÓTELES, 2012, p. 152).

Contrariando a regra justa, Riobaldo, tomado por uma forte paixão pelo seu amigo, não deixa de sonhar com esse amor mesmo não assumindo abertamente, e mergulha em seus pensamentos de corpo e alma. Sonha poder amá-lo, em seus planos, como uma mulher, poder exibir para todos como quem ganha um prêmio, um homem orgulhoso por ter sua amada. Mesmo Diadorim apresentando-se como homem para Riobaldo, sua beleza feminina resplandece, e é fato que não se pode negar, “jagunço com belo par de olhos verdes”. Uma imagem ambígua a ser apreciada.

Um fato interessante é que Riobaldo, mesmo tendo desenvolvido um amor afetivo por sua amada Diadorim, não consegue enxergar a verdade à sua frente. Quem é o estranho que habita nesse corpo, corpo de homem com alma feminina? Que mistério é esse que o atraía? Fisicamente, semblante com traços suaves, voz aprazível, tudo nele o encantava, convidando a se aventurar em meio a essa neblina confusa que, porventura, não consegue enxergar. O jagunço Riobaldo, cansado dessa vida no bando, sentindo um desejo profundo por seu amigo, sonha e faz planos. Chega o momento que chama Diadorim para ir embora, seguir juntos um novo rumo. Observa-se a vontade de sair desse contexto ao qual está inserido no bando e procurar uma outra direção que o faça refletir melhor, abrindo a visão para o que está oculto ao seu redor. Além disso, torna-se visível sua profunda atração por Diadorim, amigo fiel, mas que contribui para a perturbação em meio a seus pensamentos, subverte, provoca, o deixa confuso. Por alguns instantes, nota-se que Riobaldo não se importa com a ideia de Diadorim ser homem. Corpo de homem, mas alma feminina, essência de mulher que transparecia, era o que alimentava mais seus sonhos, um futuro a dois.

Escuta, Diadorim: vamos embora da jagunçagem, que já é o depois-devéspera, que vivos também tem que viver por só si, e vingança não é promessa a Deus, nem sermão de sacramento. Não chegam os nossos que morremos, e os Judas que matamos, para documento do fim de Joca Ramiro?! (ROSA, 1986, p. 328).

Em Grande Sertão: Veredas, durante leituras realizadas, observa-se que esse romance aborda uma temática preocupante em relação a dois pontos: sobre o encanto que o envolve acerca dessa neblina – Diadorim, um ser indefinido, homem ou mulher – e o medo sobre a opinião da sociedade, o impacto que causaria ferindo a moral e o bons costumes. Em meio a essas preocupações, vê-se perdido, confuso, procurando encontrar uma resposta satisfatória para a resolução desses problemas que giram em torno de si.

2.2 AMIZADE E PAIXÕES DESPERTADAS

No emaranhado de idas e vindas na vida, o inevitável acontece; duas almas, a ingenuidade e a sabedoria, ambas se encontram em uma jornada pelo sertão de Minas Gerais. Diadorim torna-se, nessa obra, um mistério para todos à sua volta. O que está em oculto nessa neblina o convida ao desconhecido, principalmente para Riobaldo, o rapaz ingênuo, perdido em seus pensamentos, que, por algumas vezes, chega a questionar a si próprio se, de fato, tem uma amizade ou é uma paixão demoníaca pelo seu amigo. Compreende-se que Diadorim torna-se um objeto sexual no qual sua beleza resplandece aos olhos de Riobaldo, um jagunço:

que conta a seleção natural ao fazer com que o objeto sexual se desenvolva em termos de beleza. A progressiva ocultação do corpo advinda com a civilização mantém desperta a curiosidade sexual, que ambiciona completar o objeto sexual através da revelação das partes ocultas (FREUD, 2006, p. 148).

Observa-se que a amizade entre os dois jagunços se torna algo mais significativo para Riobaldo, que a princípio não está explícito. O que existe é um desejo oculto por Diadorim, um jagunço cuja beleza destacava-se dos demais companheiros de luta. Sempre passeavam juntos, diferentes dos demais, porque os outros não eram de ter amizades estreitas, pois eram homens com costumes que reprovavam um contato mais próximo do outro, fugindo dos padrões tidos como naturais, mas é importante lembrar que tinham boa prudência. Riobaldo, preso aos seus pensamentos, via-se confuso, em um abismo que o colocava em prova de fogo: assumir esse sentimento que crescia assustadoramente ou recusar.

Na realidade, esse amor existente em Riobaldo, embora não tenha se consumado como homem e mulher, um amor platônico, causa reviravolta de valores porque não é assumido abertamente, tendo em vista que feriria os conceitos morais da sociedade daquela época. Além disso, para todos os efeitos, era seu amigo de luta, Diadorim, figura de homem, pois acreditava estar sendo tocado por sentimentos demoníacos. Mas esse homem que o atormentava, contudo, fazia-lhe ter sonhos para o futuro, ter desejos que ferviam em suas veias. Entretanto, flui um prazer em Riobaldo, o qual, às vezes, esforça-se para negar e tentar ocultar.

De uma amizade nasce um sentimento afetivo que se transforma em uma forte atração pelo seu amigo, capaz de afirmar para si próprio o quanto gosta dele, visão erótica que nasce em meio a pensamentos confusos, mas não assume abertamente, ao contrário, se envergonha em vários momentos desse sentimento. Logo, surge um caminho desconhecido, travessia confusa que precisa percorrer até o final.  “Assim, o caminho para o inconsciente não é reto, mas cheio de curvas e dobras que se desdobram” (HENRIQUES, 2010, p. 37). Já alertava que o indivíduo não revela toda a verdade do seu inconsciente, e sim apenas a metade de sua verdade. Riobaldo, homem de muitos amores, fica confuso, questionando sua masculinidade em relação a esse sentimento despertado pela personagem fictícia de Diadorim. Compreende-se que nenhum indivíduo se conhece por inteiro, porém, perante à sociedade, os homens usam máscaras para encobrir suas falhas, ou melhor, suas verdades. Nesse contexto, fica claro que Diadorim procura, por algum tempo, camuflar, esconder sua verdadeira identidade, revelando apenas algumas partes para seu amado. Para Riobaldo, crescia uma preocupação em relação ao sentimental que o colocava em confronto com os bons princípios da sociedade daquela época.

No entanto, esse amor afetivo que unia ambos era indecente, vivenciado de forma platônica. Para todos os efeitos, dois homens que decidissem se amar transgrediam a ética e a moral dos bons costumes, contribuíam para destruir a imagem de um casal, homem e mulher, pai e mãe, ferindo os princípios da sociedade. Sabe-se que Riobaldo era um jovem que se tornou jagunço, bem instruído nos estudos, sempre gostou de mulheres e nunca de homens, mas algo diferente despertou-lhe em relação a Diadorim, um sentimento, uma atração que supria nas outras mulheres com o intuito de livrar-se desse feitiço, um amor impossível que fazia sonhar com ousadia, como ratifica Rosa:

Em mim a vontade de chegar próximo, quase um a ânsia de sentir o cheiro do corpo dele, dos braços, que às vezes adivinhei insensatamente tentação dessa eu espairecia, aí rijo comigo renegava. Muitos momentos. Conforme por exemplo, quando eu me lembrava daquelas mãos, do jeito como se encostavam em meu rosto, quando ele cortou meu cabelo. Do demo: digo? Com que entendimento eu entendia, com que olhos era que eu olhava? (ROSA, 1986, p. 125-126).

Riobaldo, conhecido como Tartarana, deixa aflorar esse sentimento que vem do seu íntimo, lembrando de momentos de intimidade com Diadorim, quando cortara seus cabelos com mãos delicadas de mulher, uma dualidade, um paradoxo, ser homem ou mulher. Confuso fica mais ainda quando Reinaldo, nome como era conhecido no bando, fala para Riobaldo que pode ser chamado de Diadorim. Desenvolve-se um relacionamento de amigos, mais sólido, porém, confuso. Um desejo que, por muitas vezes, não sabia como conter. Aos poucos ia sendo conquistado com seu modo de agir. Diadorim torna-se aos olhos de Riobaldo, uma obra de arte, um ser angelical, algo intocável. Dessa maneira, fica claro a alimentação de um sonho, ao qual Diadorim dá esperanças preparando o cenário para a propagação desse envolvimento sentimental de Riobaldo. No entanto, é possível perceber que alguns relacionamentos se aprofundam com mais intensidade que outros, surgindo paixões que causam reviravoltas na vida de uma pessoa. “Pois é evidente que as explosões de cólera, de apetite sexual e outras paixões semelhantes alteram efetivamente a condição do corpo, e em alguns casos chegam até a produzir acessos de loucuras” (ARISTÓTELES, 2012, p. 142). É o que acontece com Riobaldo, fica perdido em meio a esse nevoeiro sem conseguir enxergar com clareza, contudo, para Riobaldo, Diadorim fica sendo uma neblina que o atormenta, pois ora o vê como mulher ora o vê como homem, mas não chega a uma conclusão precisa.

Vale ressaltar que Riobaldo, tendo Diadorim como amigo fiel, sentia-se atraído por ele, pois lembrava uma mulher devido seus traços, o que, aos poucos, lhe despertou um amor heterossexual, o qual, na confusão dos seus pensamentos sentimentais, acreditava ser um desejo homossexual, algo que procura esquecer com mulheres, provando sua masculinidade. Mesmo resistindo a esse desejo, após deitar-se com mulheres, pergunta em dado momento: “Diadorim, você não tem, não terá alguma irmã, Diadorim?” (ROSA, 1986, p. 157). Logo, fica evidente a masculinidade de Riobaldo, procurando mostrar seu lado homem e o gosto que faz em ter Diadorim como cunhado, o que alimenta mais a sua admiração pela pessoa dele, mas é nítido sua fascinação por seu amigo, e tenta suprir nele um desejo de ter uma irmã. O jagunço de olhos verdes vem, porventura, atormentar Riobaldo com seus modos de agir e falar, que tornam-se semelhantes aos de uma mulher em várias passagens dessa travessia pelo sertão de Minas Gerais.

Nota-se que, nessa jornada ao longo do sertão de Gerais, Riobaldo desenvolve um desejo homoerotismo no qual condena essa forte atração que o perturba, fica dividido sem saber qual é a causa desse enigma, o que levou a sentir um sentimento que só homem tem por mulher, realmente, seria Diadorim “homem ou mulher” algo encoberto que deixará sua essência transparecer? No entanto, surge um objeto sexual fetichista, no qual Riobaldo cria na personagem fictícia de Diadorim através de seus trajes.

“Constitui-se dos casos em que se exige do objeto sexual uma condição fetichista para que o alvo sexual seja alcançado (determinada cor dos cabelos, certas roupas, ou mesmo defeitos físicos)”. (FREUD, 2006, p. 145).

No entanto, observa-se que quando Riobaldo, jagunço valente dado a muitos amores, vê-se atraído por um homem, amigo de bando, cujo desejo torna-se em sentimento fetichista para que se alcance o alvo sexual desejado na personagem fictícia de Diadorim. Como explicar sentimento considerado tão diabólico pela sua pessoa? No entanto, mesmo Diadorim vestida com trajes masculinos, é possível perceber a essência feminina que exala seus traços afeminados, “linda mulher”, no qual gera uma ambiguidade que põe Riobaldo a ficar perdido em seus pensamentos, sem compreender quem é a personagem em oculto que habita naquele corpo. Sabe-se que é seu amigo, mas, consigo, alimentava uma esperança de que fosse uma mulher, anjo que o seduz, alma feminina que o faz desejar esse amor platônico.

Consequentemente, Diadorim, uma moça que não consegue apagar sua natureza feminina mesmo vestida de jagunço, pois transparece sua essência tentadora. Deste modo, transforma-se num guerreiro que procura por justiça lutando ao lado de Riobaldo, que o atormenta constantemente. Observa-se que é ingênuo ao não perceber sua verdadeira essência de mulher.

Sabe-se que somente com a puberdade se estabelece a separação nítida entre os caracteres masculinos e femininos, num contraste que tem, a partir daí, uma influência mais decisiva do que qualquer outro sobre a configuração da vida humana. É certo que já na infância se reconhecem bem as disposições masculinas e femininas: o desenvolvimento das inibições da sexualidade. (FREUD, 2006, p. 207).

Mesmo assim, Diadorim não consegue sufocar seu lado feminino com as vestes de jagunço, cria um lado masculino que ganha espaço no bando junto a Riobaldo, mas algo de diferente passa a despertar um amor afetivo e erótico, algo incompreensível. Uma mulher que se apresenta como homem, guerreiro sedutor, logo torna de bom agrado, para Riobaldo, suas maneiras, que despertam seus sentidos, e tudo nele encanta e perturba, é visível sua admiração por Diadorim.

Em Grande Sertão Veredas, fica claro. Riobaldo começa a ver seu amigo como uma mulher, a pura essência feminina, o néctar da sua vida, e começa a amá-la em seus pensamentos, destrói, por alguns momentos, a figura de homem e constrói a imagem de uma mulher, uma obra de arte, um anjo, que quando aterrissa com os pés no chão, dá-se conta acreditando ser coisa do Demônio, mas procura logo ocultar esse sentimento. O amor de Riobaldo e Diadorim é uma interrogação problemática para aquela época. Como explicar um sentimento que vai contra os conceitos da sociedade?

podem parecer limitados quando pensamos que, desde o século 18, o romance chamado “licencioso” integra os sentimentos e desejos desviantes na reflexão moral, força uma porta para um continente não tanto desconhecido, mas antes não falado: o mundo de emoções complicadas, dúbias e fora da teia dos discursos legítimos (ROSENFIELD, 2006, p. 87).

Sabe-se que relacionamentos homossexuais ocorriam desde a antiguidade, porém, abertamente, não era algo discutido pela sociedade. Riobaldo vive um amor conturbado, afetividade que o faz pensar nos dois lados, homem ou mulher, amizade ou tentação. Há momentos que chega a questionar-se desse desejo que faz surgir um lado homossexual desconhecido em sua pessoa. Como uma guerreira que Diadorim é no bando de Joca Ramiro, capaz de cumprir ordens para matar, não seria diferente no amor, lutar como uma loba para defender sua presa, algo que tanto deseja de coração.

Nhorinhá …então é assassinar! Ah, que se puxou de mim uma decisão eu o quanto falei. Diadorim me “ já sei que você esteve com a moça filha ele respondeu, seco quase num chio. Dente de cobra. Aí entendi o que pra verdade: que Diadorim me queria tanto bem, que o ciúme dele por mim também se alteava (ROSA, 1986, p. 28).

Percebe-se, na obra, que Diadorim tem ciúmes dos encontros amorosos de Riobaldo. Sendo amigo dele, deixa uma confusão cada vez maior na cabeça do mesmo com todos esses cuidados. Chega repreendê-lo, querendo a morte de Ana Duzuza, porque era uma feiticeira e fazia previsões do futuro, mas, na realidade, ela queria era matar Nhorinhá, uma meretriz com quem seu amado tinha tido um encontro amoroso. Logo, com o passar do tempo, era visível os seus ciúmes em relação a Riobaldo. É importante frisar aqui um ponto que vai nos ajudar a compreender melhor essa ambiguidade em relação a Diadorim, consequentemente, o mal, conhecido como “o inimigo”. Durante uma análise feita no Grande Sertão veredas, torna-se possível compreender que o rio, simbolicamente, é o divisor que corta o sertão de Minas Gerais, responsável pela divisão entre o bem e o mal, onde ele mostra os dois lados da moeda, o caminho a escolher. Portanto, esse caminho a percorrer é uma viagem pela geografia dos Gerais, a geografia do coração que nos leva ao estranho, algo a explorar, mistério a ser decifrado através de experiências vividas ao longo dessa travessia.

Para Riobaldo, fica uma problemática, “ambiguidade”, termo o qual tem-se tratado, desde o início, em busca de uma compreensão lúcida.  Logo, o personagem tem dois lados nessa travessia, o lado direito, que revela um lugar de paz, intimidade, conforto no convívio familiar, o sonho de poder volta para sua terra assim que vencer o mal, mas existe um empecilho que ameaça essa volta para a fazenda, Diadorim, que tanto perturba-o e põe uma complexidade difícil de solucionar aos seus olhos, realmente algo ambíguo. Entretanto, surge, do lado esquerdo, um outro fator que incita Riobaldo à prova de fogo, perturbando, desafiando saber se o demônio existe e se é possível fazer pacto com o inimigo.

Dessa maneira, o personagem Riobaldo vivencia um momento no qual não consegue enxergar uma resposta satisfatória, e vive uma intimidade ambígua. Pela primeira vez na vida de Riobaldo, eis que vivência uma experiência constrangedora e prazerosa, os dois lados da moeda, à noite e o dia, um enigma a ser decifrado em relação a seus sentimentos, palavras que procurava para descrever algo em seus pensamentos e não encontrava. Portanto, fica dividido, preso a conceitos, conforme Aristóteles explica:

Quando, portanto, está presente em nós um conceito universal que nos proíbe provar, e também o conceito universal de que “tudo que é doce é agradável”, e igualmente a premissa menos que diz “isto é doce” (e a premissa menor é ativa), e quando, ao mesmo tempo, ocorre estar presente em nós o apetite, então um dos conceitos universais nos manda evitar o objeto, mas o apetite que pode mover cada parte do nosso corpo, nos conduz para ele. (ARISTÓTELES, 2012, p. 142).

Logo, entende-se como fica divido seus pensamentos em relação a Diadorim. Movido por conceitos que zelam pelos bons costumes da sociedade, procura prevalecer de forma sóbria, mas, por outro lado, o apetite, o desejo, move cada parte do seu ser ao encontro desse objeto de desejo. Um convite ao desconhecido, descobrir o inusitado.

Portanto, é como soubesse, em seus pensamentos, que seu amigo fosse uma mulher, e a cada troca de olhares via algo de novo, traços e curvas femininas que o excitava e o fazia desejar cada vez mais essa imagem de mulher.  Diadorim, com toda essa armadura em seu corpo, não consegue apagar sua essência feminina, sendo o que leva a despertar o desejo em Riobaldo, mas, ingenuamente, não consegue compreender esse enigma. No entanto, tem medo e vergonha que alguém descubra essa atração que tem por seu amigo, algo que só irá entender após a morte de Diadorim.  “A sabedoria do prudente é entender o seu caminho, mas a estultícia dos tolos é enganar”. (BÍBLIA, 2009). Contudo, homem estudado, com boa experiência de vida, não conseguia discernir o seu caminho. Enganado pela personagem de Diadorim, fica cego em meio a essa travessia pela qual iria passar. Mesmo preso em sua visão de mundo limitada, fica como tolo sem entender o quão enganosos são os caminhos dessa vida.

Nesse sentido, Riobaldo percorre uma longa travessia para encontrar a resposta que procura, que vem com a morte de Diadorim. O enigma é esclarecido, a dualidade confusa que tanto o perturbava finalmente acaba-se, momentos de tristeza manifestam-se, o indivíduo estranho com o qual Riobaldo sonhava um futuro como uma mulher, logo, mostra-se algo que não o enganava. Não estava errado por sentir-se atraído por ele, mas existia uma parede que o impedia de ver a verdade em meios aqueles trajes de jagunço. Nessa ambiguidade, tirava proveito pensando no amigo como Diadorim, o anjo mulher de olhos azuis, que deseja e palpita em seu coração. Como Reinaldo, amigo de fé, tinha respeito e camaradagem.

Fica evidente que, ao longo dessa travessia, Riobaldo aprende e reaprende sobre sua amada, mulher de um temperamento forte, que sempre o surpreendia. Vivenciam uma experiência fantástica, foram se descobrindo aos poucos. Cada olhar, cada conversa, a confissão, contribuirá para um amor de amantes, amor platônico, um segredo entre duas almas, um sentimento oculto para o momento certo.

E disse, eu conheci! Como em todo o tempo antes eu não contei ao senhor− e mercê peço: − mas para o senhor divulgar comigo, a par, justo travo de tanto segredo, sabendo somente no átimo em que eu também só soube… que Diadorim era o corpo de uma mulher, moça perfeita … Estarreci. A dor não pode mais do que a supressa. […] uivei. Diadorim! Diadorim era mulher. Diadorim era meu como o sol não acende a água do rio Urucuia, como eu solucei meu desespero (ROSA, 1986, p. 530).

Após a morte de Diadorim, o segredo é descoberto, o nome que trazia uma dualidade em relação a sua pessoa agora não mais trazia perguntas, questionamentos. Finalmente, a busca pelo desconhecido, o que estava em oculto, acabará por terminar, não existia tentação, homossexualismo que chegará pensar em momentos de perturbação. Agora, apenas Diadorim, moça de corpo perfeito, nua em sua frente como veio ao mundo, um anjo que dorme o sono da morte. Riobaldo, nessa amizade prazerosa, parecia saber que seu amigo tinha a alma feminina, mas não imaginaria que fosse realmente uma mulher por trás das suas vestes, pois, ao longo dessa travessia, em muitos momentos, para suprir esse amor afetivo pelo amigo, sonhava em seus pensamentos como uma mulher, uma forma de poder amá-lo numa visão feminina. Contudo, o que era demônio, para Riobaldo, torna-se, após a morte, anjo, que vivia a vigiá-lo. Portanto, diante desse enigma que tanto atentava-o no desejo sexual pelo seu amigo, tê-lo como mulher, parecia, em todo o romance, saber que era uma bela mulher, porém, um corpo feminino encoberto, um feitiço que não mostrará a verdade, o encanto.

Eu estendi as mãos para tocar naquele corpo, e estremeci, retirando as mãos para trás, incendiável: abaixei meus olhos. E a mulher estendeu a toalha, recobrindo as partes. Mas aqueles olhos eu beijei, e as faces, a boca. Adivinhava os cabelos. Cabelos que cortou com tesoura de prata … Cabelos, que no só ser, haviam de dar para baixo da cintura… e eu não sabia por que nome chamar; eu exclamei me doendo: “Meu amor!…” (ROSA, 1986, p .530-531).

Riobaldo sente o peso do amor que tem por Diadorim, afetividade que vem desde criança, queria acreditar que não fosse verdade a cena que acabara de ver, morte cruel, gostaria de voltar no tempo, como fosse um encanto, voltando a tempo de viver esse amor com a bela mulher. Agora o encanto foi quebrado, o mistério que o deixava perturbado já não mais existe, o segredo foi revelado, de quando estiver em ofício de bando não poder revelar sua verdadeira identidade para não sofrer preconceitos e abuso por parte dos jagunços, pois se sustenta até a morte sendo um fato real. Uma personagem fictícia de gênero masculino criado por Diadorim.

Num ato de desespero, parecia não acreditar no que seus olhos evidenciavam, e imaginava viva, com seus cabelos longos abaixo da cintura, uma deusa no amor e na beleza, pois Riobaldo só encontra realmente o verdadeiro amor quando encontra sua amada morta. Enfim, a neblina que impedia de enxergar o que antes estava oculto agora se desfaz, o mistério é revelado.  Contudo, é um trágico fim, amar e não enxergar a verdadeira felicidade a sua frente, tê-la só pela metade e não o todo, anjo que dorme o sono profundo da morte.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio dos estudos realizados nesse trabalho científico, foi possível compreender, nesta análise, a temática proposta acerca do amor afetivo entre indivíduos de sexos opostos, que a princípio acredita-se ser do mesmo sexo. Logo, percebe-se que a obra apresenta uma travessia na qual o protagonista passa por um estágio de aprendizado e descobertas.  Assim, consegue compreender os aspectos desse amor afetivo que desperta tantos desejos pelo seu amigo, que só conhece total verdade após a morte de Diadorim.

Trabalhou-se, neste artigo, como objeto de estudo, a obra Grande Sertão Veredas, com enfoque nos aspectos do amor afetivo na personagem de Riobaldo por Diadorim. Esclarecer esse sentimento que causa angústia e sofrimento em meio a essa neblina que o deixa confuso. Amor que só sentirá pelas mulheres, agora passa a sentir, e vê Diadorim com outros olhos, como mulher, anjo que o atenta, um amor platônico. Logo, foi possível acompanhar o crescimento e a maturidade do personagem em relação aos seus conflitos internos vividos ao longo do romance, que contribui para a elucidação da problemática em discussão.

Utilizou-se como estudo uma metodologia através de pesquisas bibliográficas, artigos e livros, que serviram de referencial teórico para direcionamento da temática proposta. O referente artigo visou apenas fazer uma discussão prévia sobre obra Grande Sertão Veredas, focando nos aspectos do amor afetivo e erótico da personagem de Riobaldo que tem por Diadorim.  Contudo, esse estudo foi desenvolvido em três capítulos, que abordam: “Infância de Riobaldo e Diadorim”, “Sonhos e Planos” e “Amizade e Paixões Despertadas”. Dessa maneira, visa contribuir para uma melhor compreensão do conteúdo proposto.

Vale salientar que se torna claro o amor afetivo que o protagonista tem pelo seu amigo. Logo descobre que o sentimento de amor não é homossexual, mas de um homem por uma mulher, caso elucidado ao final desse romance, sendo, assim, descoberto com a morte de sua amada Diadorim. Sugere-se que estudos posteriores, principalmente no campo literário, possam se interessar por esta temática, servindo como ferramenta de trabalho para aplicar em estudos futuros.

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret Ltda., 2012.

BÍBLIA. Português. Bíblia de estudo plenitude. Traduzido por João Ferreira de Almeida. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2009.

ALVES, C. Anjo ou demônio? Revista eletrônica de crítica e teoria de literaturas, v. 04, n. 02, 2008. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/NauLiteraria/article/view/4611/4536. Acesso em: 21 out. 22.

FREUD, S. Um Caso de histeria: três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos (1901-1905). Rio de Janeiro: Imago Editora, 2006.

HENRIQUES, I. S. A. A travessia pelo sertão como percurso analítico em Grande Sertão: Veredas. Psicanálise & Barroco em Revista, v. 8, n. 1, p. 33-55, 2010. Disponível em: http://seer.unirio.br/index.php/psicanalise‑barroco/article/view/8776/7472.   Acesso em: 25 out. 22.

ROSA, J. G. Grande Sertão Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

ROSENFIELD, K. H. Reflexões em torno do Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. O eixo e a roda: revista de literatura brasileira, v. 12, p .85-91, 2006. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/159427/000588206.pdf?sequence=1. Acesso em: 28 out. 22.

[1] Pós-graduação Lato Sensu em Língua Portuguesa pelo (Centro Universitário Barão de Mauá). Graduação em Letras pela Faculdade de Ensino Superior AESA-CESA. Arcoverde-Pernambuco. Com Licenciaturas em Língua Portuguesa, Língua Inglesa e com Licenciaturas em Literatura Brasileira e Literatura Norte Americana.  ORCID: 0000-0002-0731-3136.

Enviado: Setembro, 2022.

Aprovado: Novembro, 2022.

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Daniel dos Santos Silva

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