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Usucapião extrajudicial: Inovação que conferiu celeridade ao procedimento declaratório de aquisição originária da propriedade imobiliária e revela-se meio adequado de solução de conflitos

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

LOURENÇO, Heuler Costa [1], DENARDI, Eveline Gonçalves [2]

LOURENÇO, Heuler Costa, DENARDI, Eveline Gonçalves. Usucapião extrajudicial: Inovação que conferiu celeridade ao procedimento declaratório de aquisição originária da propriedade imobiliária e revela-se meio adequado de solução de conflitos. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 10, Ed. 01, Vol. 02, pp. 103-116. Janeiro de 2025. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/usucapiao-extrajudicial-inovacao, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/usucapiao-extrajudicial-inovacao

RESUMO

Neste artigo, trataremos da análise da usucapião imobiliária, forma de aquisição, espécies, e a tramitação de seu procedimento declaratório pela via extrajudicial, ou seja, perante o Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição do imóvel usucapiendo. Deste modo, seria o procedimento extrajudicial o mais seguro e célere para a declaração de tal direito? Os métodos empregados neste artigo são o dedutivo, sistêmico e axiológico, com emprego de pesquisa bibliográfica (doutrina, artigos científicos e legislação). Com efeito, o Poder Judiciário brasileiro está abarrotado de processos causados por motivos diversos, dentre eles, a ineficiência e a burocracia dos demais Poderes, materializadas pela desigualdade social, pela má gestão dos recursos públicos e pela corrupção. O problema é crônico e extremamente preocupante. Diante disso, crescem no país métodos adequados de solução de conflitos de interesses. Atualmente, a extrajudicialização é um dos mais eficientes e bem aceitos pelos operadores do direito, pois seus fatores preponderantes são a celeridade e a segurança jurídica. Dentre alguns exemplos, mencionam-se o divórcio direto, o inventário e a partilha, a conversão de união estável em casamento e a usucapião extrajudicial, recentemente instituída no Código de Processo Civil de 2015. Esta modalidade de aquisição originária da propriedade revela-se importantíssima, na medida em que serve para regularizar posses de imóveis, urbanos e rurais, num curto prazo de tempo, fortalecendo o setor imobiliário e a economia. A tramitação da usucapião extrajudicial ocorrerá em Cartório de Registro de Imóveis, desde que não haja oposição, e substitui o velho e moroso processo judicial de usucapião, o qual, per si, não possui prioridade de tramitação.

Palavras-chave: Usucapião, Extrajudicialização, Celeridade, Segurança jurídica, Posse.

1. INTRODUÇÃO

A sociedade é muito dinâmica e avança numa “progressão jurídica geométrica”, ao passo que as normas jurídicas são instituídas no que se pode chamar de “progressão jurídica aritmética”. Esse ritmo remonta à época do feudalismo, e ganhou novos contornos com o aparecimento da figura do Estado, o qual avocou para si o poder/dever de organizar o convívio em sociedade e promover a pacificação social. O Estado, no entanto, sempre foi ineficiente, razão pela qual os métodos adequados de pacificação de conflitos ganharam destaque na seara jurídica.

A Lei n. 13.105/2015 (Código de Processo Civil) trouxe a promessa de desburocratizar e de simplificar procedimentos, além da expectativa de maior celeridade e efetividade no provimento jurisdicional. Seu art. 1.071 incluiu o art. 216-A ao Capítulo III do Título V da Lei n. 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos).

Inegavelmente, existe em nosso país um forte movimento legislativo e também administrativo, este emanado do Conselho Nacional de Justiça, via Resoluções e Provimentos, que privilegia a desjudicialização ou extrajudicialização de procedimentos, a fim de possibilitar o exercício do direito material, tal como demarcação e retificação de terras urbanas e rurais, divórcio, inventário e partilha de bens, usucapião de todas as espécies, adjudicação compulsória, alienação fiduciária de bens imóveis e de commodities (soja, milho, cana-de-açúcar, café, etc.), semoventes e busca e apreensão de veículos, dentre outros instituídos pela Lei do Marco Legal das Garantias (Lei n. 14.711, de 30 de outubro de 2023).

E é justamente neste contexto, que se inserem os Cartórios, através de notários e registradores, aos quais delegou-se a solução de questões nas quais há consenso e disponibilidade de direitos disponíveis envolvidos, colaborando para aperfeiçoar e reduzir o volume de processos em trâmite no Poder Judiciário, e, assim, conferir aos nossos cidadãos, num prazo de duração razoável, o efetivo acesso à Justiça.

Os Cartórios no Brasil estão estruturados em Tabelionatos de Notas e Protestos de Títulos ou Documentos de Dívida, Registros de Pessoas Naturais e Jurídicas, Registros de Títulos e Documentos e Contratos Marinhos, e Registros de Imóveis, sendo imperioso destacar que os tabeliães e oficiais de registros públicos ou registradores, são profissionais do direito, investidos através de concurso público, para exercer atividade notarial e registral mediante delegação e fiscalização das Corregedorias Estaduais e do Conselho Nacional de Justiça-CNJ, em caráter privado.

Os serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, e notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. (CF/1988, art. 236; Lei n. 8.935/1994, arts. 1º a 3º).

Ademais, tais serviços são prestados, de modo eficiente e adequado, em dias e horários estabelecidos pelo juízo competente, atendidas as peculiaridades locais, em local de fácil acesso ao público e que ofereça segurança para o arquivamento de livros e documentos, nos termos do artigo 4º, da Lei n. 8.935/1994). Eis alguns dos serviços: escrituras de venda e compra, doação, dação em pagamento, ata notarial para fins de usucapião e adjudicação compulsória, etc., registros de escrituras e de títulos de crédito, averbações, nascimentos, casamentos e óbitos, protestos de título, registros de títulos e documentos, reconhecimentos de firma e autenticações de documentos, dentre outros vários atos e procedimentos.

Deste modo, é forçoso afirmar que a previsão legal contemporânea confere ao oficial registrador competência que, outrora, era exclusiva do Poder Judiciário. Sem dúvida, a extrajudicialização confere maior celeridade e efetividade do provimento, o que deve causar ampla repercussão social e econômica, podendo a usucapião administrativa caracterizar-se como mecanismo de materialização da função social da propriedade imobiliária.

Muitas cidades do Brasil, devido ao processo deficitário e precário de ocupação urbana, perdem receitas tributárias, a exemplo do IPTU, ITBI e IOF (contratos de mútuo), em razão da ausência de título de propriedade por parte de seus munícipes.

A extrajudicialização da declaração de usucapião, neste contexto, malgrado os entendimentos contrários, revela-se meio adequado, simplificado, célere e eficaz de solução de conflitos e regularização imobiliária, em cujas matrizes será alicerçado esse artigo. Esclarece-se, por fim, que, neste texto, foram utilizados os métodos dedutivo, sistêmico e axiológico, com emprego de pesquisa bibliográfica (doutrina, artigos científicos e legislação).

2. USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL

O tema ‘usucapião extrajudicial’ foi abordado a partir de quatro desdobramentos: 1) conceito de usucapião; 2) espécies de usucapião de imóveis rurais e urbanos; 3) celeridade processual e segurança jurídica do procedimento extrajudicial; 4) coerência do procedimento perante o Registrador de Imóveis.

2.1 CONCEITO DE USUCAPIÃO

Diz-se por usucapião a forma de aquisição originária da propriedade, seja de um bem imóvel ou móvel, urbano ou rural, de dimensões diversas, decorrente do exercício da posse mansa, pacífica, sem oposição e ininterrupta e por determinados lapsos temporais, a depender de sua espécie, cujos dispositivos estão positivados na Constituição Federal, no Código Civil brasileiro e demais leis extravagantes, sendo vedada a usucapião de bens públicos.

É originária porque não há transmissão imobiliária e não conterá os vícios da propriedade anterior, inclusive não havendo a incidência de imposto sobre a transmissão de bens imóveis, por ato inter vivos (ITBI-competência dos municípios), e culminará na abertura de uma nova matrícula no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição do imóvel usucapido.

2.2 ESPÉCIES DE USUCAPIÃO DE IMÓVEIS RURAIS E URBANOS

O gênero usucapião possui diversas espécies, contempladas na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil em dispositivos específicos: usucapião extraordinária (CC, art. 1.238); usucapião extraordinária reduzida (CC, art. 1.238, parágrafo único); usucapião especial rural (art. 191 da CF/88 e art. 1.239 do CC); usucapião especial urbana (art. 183 da CF/88 e art. 1.240 do CC); usucapião especial urbana por abandono familiar (CC, art. 1.240-A); usucapião ordinária (CC, art. 1.242); usucapião ordinária reduzida (CC, art. 1.242, parágrafo único); e usucapião coletiva (CC, art. 1.228, § 4º, e art. 10 da Lei n. 10.257/2001).

3. CELERIDADE PROCESSUAL E SEGURANÇA JURÍDICA DO PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL

A busca pela celeridade e pela segurança jurídica são temas sobre os quais se concentram os mais percucientes estudos, realizados especialmente por juristas brasileiros a respeito de países estrangeiros, signatários da civil law, sistema jurídico mais disseminado no mundo, baseado no direito romano, conforme interpretado pelos glosadores a partir do século XI, e sistematizado pelo fenômeno da codificação do direito, a partir do século XVIII.

Inegavelmente, o Estado, que avocou para si o dever/direito de resolver os conflitos de interesse, não consegue dar uma resposta a contento ao jurisdicionado, cuja deficiência é crônica e de domínio público.

É justamente neste cenário de morosidade e de insegurança, que macula o Poder Judiciário, em que se inserem os métodos adequados de soluções de conflitos, os quais ganharam destaque no Brasil nas últimas décadas, em razão de seus ótimos resultados práticos, como a redução significativa do volume de processos judiciais (CNJ [s.d.]).

A rápida solução do litígio é uma garantia constitucional, prevista no rol dos direitos e das garantias fundamentais (art. 5º, LXXVII, da CF/1988, acrescentado pela Emenda n. 45). E é justamente com o olhar voltado para a celeridade, que o legislador, acertadamente, possibilitou que vários procedimentos tramitem perante os Cartórios, já que, na maioria dos casos, não se justiça a judicialização do pleito. Isso se traduz, sem dúvidas, em efetivo acesso à Justiça.

O novo procedimento de usucapião extrajudicial traduz a materialização prevista na Carta Política de 1988, e espera-se que sua tramitação nos Cartórios de Registro de Imóveis do país seja breve e efetiva, sem máculas de nulidade, proporcionando, aos interessados, a segurança jurídica esperada.

Imperioso registrar, ante a pertinência, que o procedimento da usucapião extrajudicial, a critério da parte interessada, já que a via judicial não restou excluída, será conduzido, à vista dos documentos apresentados, especialmente Ata Notarial especial, sob a orientação do Oficial Registrador de Imóveis, sendo dispensada a intervenção do Ministério Público ou homologação judicial.

O rito é semelhante ao judicial, pelo que há a exigência da ciência dos confrontantes, titulares de domínio, terceiros interessados, e da Administração Pública (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), mapa do imóvel, memorial descritivo e Anotação de Responsabilidade Técnica-ART, tudo nos termos dos Provimentos n. 65, de 14 de dezembro de 2017 e n. 121, de 13 de julho de 2021, ambos do CNJ, Provimento n. 149, de 30 de agosto de 2023, que instituiu o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça –  Foro Extrajudicial (CNN/ CN/CNJ-Extra).

A fim de postular a declaração de usucapião extrajudicial, a parte interessada deverá apresentar o pedido fundamentado ao oficial de cartório acompanhado dos seguintes documentos: a) ata notarial lavrada pelo tabelião com tempo de posse e seus antecessores; b) planta e memorial descritivo assinada por profissional habilitado; c) certidões negativas dos distribuidores do local do imóvel e domicílio do interessado; d) justo título que demonstre a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, como pagamento de impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.

Ademais, impende-se consignar que, não havendo pretensão resistida (lide), o procedimento da usucapião extrajudicial será aplicado a todas as espécies previstas tanto na Constituição Federal quanto no Código Civil e na legislação ordinária, a saber: usucapião extraordinária (CC, art. 1.238); usucapião extraordinária reduzida (CC, art. 1.238, parágrafo único); usucapião especial rural (CC, art. 1.239); usucapião especial urbana (CC, art. 1.240); usucapião especial urbana por abandono familiar (CC, art. 1.240-A); usucapião ordinária (art. 1.242); usucapião ordinária reduzida (art. 1.242, parágrafo único); e usucapião coletiva (CC, art. 1.228, § 4º, e art. 10 da Lei n. 10.257/2001).

Some-se a isso, que o procedimento exige a assistência de advogado, o qual deve ser contratado pelo requerente para acompanhar todo o procedimento, inclusive zelar pelos interesses do usucapiente no momento da lavratura da ata notarial, regulada pelo art. 384 do CPC/2015 c/c art. 1.071 do CPC/2015, Provimento do CNJ n. 64/2017, e art. 216-A, “I”, da Lei n. 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos – LRP).

O registrador Leonardo Brandelli assim conceitua ata notarial:

[…] um fato jurídico captado pelo notário, através de seus sentidos, e transcrito no documento apropriado; é mera narração de fato verificado, não podendo haver por parte do notário qualquer alteração, interpretação ou adaptação do fato, ou juízo de valor (Brandelli, 2016, p. 7).

Ainda sobre o procedimento extrajudicial, com o escopo de obter a declaração da usucapião, em especial quanto à segurança jurídica, não há dúvida de que tem por escopo garantir ao cidadão a proteção e a efetividade de seus direitos naturais, como o direito à liberdade, à vida e à propriedade, protegidos e prestados pelo Estado.

A segurança jurídica não é um atributo exclusivo e/ou privativo do Poder Judiciário. Os titulares das serventias extrajudiciais de notas e de registro de imóveis, atualmente em sua maioria investidos através de disputadíssimos concursos públicos, têm a capacidade jurídica suficiente para garantir a necessária segurança jurídica à declaração extrajudicial de usucapião.

A extrajudicialização do procedimento de usucapião é providência consentânea com a realidade alarmante e preocupante de processos em andamento – os quais ultrapassam 80 milhões – segundo dados oficiais do CNJ divulgados em 2023 (CNJ, [s.d.]).

Trata-se de uma quantidade assustadora de processos em andamento num país com pouco mais de 203 milhões de habitantes (Agência IBGE Notícias, 2023).

O que se verifica, portanto, é que desde 2020 o judiciário tem enfrentado nova série de aumento dos casos pendentes, com crescimento de R$ 1,8 milhão entre 2021 e 2022 (2,2%). Pela primeira vez na série histórica, o volume de processos em tramitação superou 80 milhões. Cabe lembrar que, a série histórica de 2020 em diante passou a considerar os termos circunstanciados, antes não computados, e que representam cerca de 1,3 milhão de processos em tramitação (grifo nosso) (CNJ, [s.d.]).

Daí porque, inegavelmente, a via extrajudicial, dentre outros procedimentos – a exemplo do divórcio consensual, inventário e partilha, retificação de terras (urbana e rural), divisão e determinação de terras, regularização fundiária (urbana e rural), alienação fiduciária de bens imóveis, móveis e de commodities – têm se mostrado tão eficaz na diminuição do volume de processos no Poder Judiciário e na rápida e segura solução das questões jurídicas bilaterais envolvendo direitos disponíveis.

Nesta senda, Rodolfo Kronemberg Hartmann afirma:

Este dispositivo segue uma tendência de desjudicialização de certos procedimentos jurisdicionais, autorizando que a usucapião possa ser reconhecida diretamente perante Tabelião. A rigor, porém, não se trata de uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista a viabilidade de usucapião na seara de regularização fundiária urbana através de procedimento administrativo, em favor do detentor de título de legitimação de posse, correndo a prescrição aquisitiva deste registro (art. 60, Lei n. 11.977/2009) (Hartmann, 2016, p. 208).

Neste contexto, o procedimento extrajudicial da usucapião, realizado perante o Registrador de imóveis da circunscrição do imóvel usucapiendo ou maior fração dele, proporciona celeridade, eficiência, baixo custo e segurança jurídica. Deste modo, cumpre-se o princípio constitucional do direito à moradia e à propriedade privada.

A propósito, pertinente registrar os requisitos necessários ao acolhimento do pedido declaratório de usucapião. Ei-los: a) certidão de inteiro teor do imóvel usucapiendo ou certidão de inexistência de registro; b) anuência dos confrontantes; c) documentos comprobatórios da posse mansa, pacífica e ininterrupta, e com animus domini, pelo prazo da prescrição aquisitiva; d) nome, endereço e qualificação completa do proprietário tabular; e) certidões negativas de débitos; de ações de inventário e/ou partilha e do distribuidor cível; f) planta e memorial descritivo do imóvel; e g) assistência de advogado (requerimento e procuração particular ou pública).

4. COERÊNCIA DO PROCEDIMENTO PERANTE O REGISTRADOR DE IMÓVEIS E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

A legislação brasileira prevê duras sanções à especulação imobiliária, como a majoração de alíquotas do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), de forma progressiva e desapropriação, tudo para minimizar a desigualdade social e possibilitar que todos tenham acesso à propriedade imobiliária.

Some-se a isso o fato de que o cumprimento da função social da propriedade depende de efetiva intervenção estatal, no sentido de viabilizar a obtenção do título de domínio, como ocorre com a usucapião, que é forma de aquisição originária da propriedade.

Tanto assim que, desde a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, ao possuidor de imóvel urbano ou rural possibilitou-se obter a declaração extrajudicial da usucapião.

Não é demais asseverar que, dentre os requisitos legais, está a ausência de litígio. Os demais requisitos específicos da ação de usucapião dependem da espécie do instituto sob análise. São requisitos comuns: posse, tempo, animus domini e objeto hábil.

Quanto ao procedimento, necessário à efetivação do direito material, pertinente transcrever o artigo 216-A e § 1o, da Lei de Registros Púbicos, incluído pela Lei n. 13.105/2015 (Código de Processo Civil). Verbis:

Art. 216-A.  Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com

I – ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias, aplicando-se o disposto no art. 384 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil);

II – planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes;

III – certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;

IV – justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.

§1oO pedido será autuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido (Brasil, 2015).

Repare que o procedimento tramitará perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, e instruído com os documentos pertinentes, prorrogando-se o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido.

Noutra senda, cediço que a propriedade é um direito real sobre coisa própria, e possui os seguintes atributos: usar, gozar, dispor, fruir e reivindicar. Ao lado deles, os doutrinadores clássicos costumavam falar que o direito de propriedade tinha característica de plenitude, que permitiria toda espécie de poder lícito de utilização (Araujo, 2015, p. 112).

Entrementes, o direito de propriedade não é absoluto e deve ser analisado à luz do princípio da função social, razão pela qual o proprietário tabular “perde” a propriedade pelo exercício do direito de usucapião de imóvel urbano ou rural, por aquele que detém a posse, e contempla os requisitos constitucionais e legais, especialmente o da função social.

A propósito, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 182, § 2º, dispõe: “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. Já a Lei n. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), em seu art. 40, assim rege sobre o plano diretor: “aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”.

Assim, não há negar a legalidade do procedimento extrajudicial da usucapião perante o Oficial Registrador de Imóveis, sem prejuízo da via judicial, ante o princípio.  constitucional da inafastabilidade jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), conforme estabelecido pelo art. 1.071 do Código de Processo Civil, que acrescentou à Lei de Registros Públicos o art. 216-A.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sistema judiciário brasileiro, em todas as searas, ainda padece de grandes melhorias, sobretudo no que toca à rápida e segura solução dos conflitos de interesses inerentes aos direitos imobiliários e disponíveis.

A Constituição Federal de 1988 acrescentou no próprio conceito do direito de propriedade, a observância à sua função social, não havendo falar em limitação ao exercício desse direito.

É dizer, aquele que detém a propriedade tem o direito de usar, gozar, dispor, fruir e reivindicar seu bem imóvel, mas também deve cumprir a função social inerente ao referido direito, sem a qual, por exemplo, no caso de abandono do imóvel por determinado lapso temporal, poderá ver seu direito ser mitigado pela usucapião. Nesse sentido, o processo de usucapião judicial é importante ferramenta para regularizar a situação fundiária no Brasil, mas pouco utilizado em razão da morosidade do Poder Judiciário e do alto custo das despesas judiciais.

Tendo em vista a necessidade premente de efetivar o direito de milhões de brasileiros, nasceu o instituto da usucapião extrajudicial, inserido no fenômeno da extrajudicialização do direito, caracterizado pelo deslocamento de competências do Poder Judiciário para órgãos extrajudiciais, notadamente as serventias notariais e registrais.

O art. 216-A, § 2º, da Lei de Registros Públicos estabelece um caráter de consensualidade ao procedimento em foco. No entanto, a usucapião é um instituto que não exige consenso ou concordância entre as partes, na medida em que, dado o seu caráter declaratório e não constitutivo, mesmo não havendo consenso, se preenchidas as condições legais pelo usucapiente, este estará em plenas condições de obter a declaração da propriedade imobiliária.

Neste contexto, a usucapião extrajudicial representa um avanço para se efetivar o direito, e, assim, responder ao clamor da sociedade por uma justiça mais célere e eficaz, pois trata-se de uma ferramenta que abre a oportunidade de se realizar um direito fundamental, o de propriedade, via procedimento administrativo, sob o manto da Lei Federal n. 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), a ser realizado junto aos Tabeliães (ata notarial) e Cartórios de Registros de Imóveis de todo o país, conferindo ao trâmite celeridade, baixo custo e segurança jurídica.

Em 2021, o Conselho da Justiça Federal promoveu, entre os dias 26 e 27 de agosto, a II Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios. Sete anos após a realização da sua primeira edição, participaram dessa II Jornada ministros, desembargadores, juízes, membros do Ministério Público, profissionais da advocacia pública e privada, professores, mediadores, árbitros, registradores, tabeliães e outros profissionais que se dedicam aos temas tratados.

A novidade legislativa que instituiu a declaração de usucapião na forma extrajudicial, portanto, é totalmente compatível e hábil a viabilizar o cumprimento do princípio da função social da propriedade, conforme expresso na Constituição Federal de 1988, tendo em vista o fato de que o reconhecimento da usucapião, agora na via extrajudicial, continuará exercendo papel de extrema relevância perante a sociedade, servindo como instrumento de regularização fundiária, realização de justiça, equilíbrio e pacificação social.

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA IBGE NOTÍCIAS. De 2010 a 2022, população brasileira cresce 6,5% e chega a 203,1 milhões. 28 jun. 2023. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37237-de-2010-a-2022-populacao-brasileira-cresce-6-5-e-chega-a-203-1-milhoes#:~:text=A%20popula%C3%A7%C3%A3o%20do%20pa%C3%ADs%20chegou,foi%20de%200%2C52%25. Acesso em: 08 jan. 2023.

ARAUJO, Fabio Caldas de. Usucapião. 3. ed. São Paulo. Malheiros, 2015, p. 112.

BRANDELLI, Leonardo. Usucapião administrativa. São Paulo: Saraiva, 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.

BRASIL. Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre a Lei de Registros Públicos – LRP.

BRASIL. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.

BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.

BRASIL. Lei n. 14.382, de 27 de junho de 2022. Dispõe sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp); altera as Leis nºs 4.591, de 16 de dezembro de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.935, de 18 de novembro de 1994, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 11.977, de 7 de julho de 2009, 13.097, de 19 de janeiro de 2015, e 13.465, de 11 de julho de 2017; e revoga a Lei nº 9.042, de 9 de maio de 1995, e dispositivos das Leis nºs 4.864, de 29 de novembro de 1965, 8.212, de 24 de julho de 1991, 12.441, de 11 de julho de 2011, 12.810, de 15 de maio de 2013, e 14.195, de 26 de agosto de 2021.

BRASIL. Lei n. 14.711, de 30 de outubro de 2023.  Dispõe sobre o aprimoramento das regras de garantia, a execução extrajudicial de créditos garantidos por hipoteca, a execução extrajudicial de garantia imobiliária em concurso de credores, o procedimento de busca e apreensão extrajudicial de bens móveis em caso de inadimplemento de contrato de alienação fiduciária, o resgate antecipado de Letra Financeira, a alíquota de imposto de renda sobre rendimentos no caso de fundos de investimento em participações qualificados que envolvam titulares de cotas com residência ou domicílio no exterior e o procedimento de emissão de debêntures; altera as Leis nºs 9.514, de 20 de novembro de 1997, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 13.476, de 28 de agosto de 2017, 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), 9.492, de 10 de setembro de 1997, 8.935, de 18 de novembro de 1994, 12.249, de 11 de junho de 2010, 14.113, de 25 de dezembro de 2020, 11.312, de 27 de junho de 2006, 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e 14.382, de 27 de junho de 2022, e o Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969; e revoga dispositivos dos Decretos-Lei nºs 70, de 21 de novembro de 1966, e 73, de 21 de novembro de 1966.

CNJ. Justiça em Números. [s.d.]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/08/justica-em-numeros-2023.pdf. Acesso em: 08 jan. 2023.

HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Curso completo do novo processo civil. 3. ed. Niterói. Impetus, 2016.

[1] Mestrando (2023/2024) em Direito na área “Soluções alternativas de Controvérsias Empresariais” pela Escola Paulista de Direito-EPD, São Paulo – SP; Especialista em Direito Notarial e Registral (2017/2018) pela Faculdade de Tecnologia Avançada-FTA, Anápolis – GO; Especialista em Direito Processual Civil (2005/2006) pela Universidade do Sul de Santa Catarina-UNISUL. Graduando em Direito (2004) pela Universidade de Rio Verde – GO. ORCID: https://orcid.org/0009-0007-2062-3706. Curriculo Lattes: http://lattes,cnpq.br/2890961195959711.

[2] Orientadora. Doutora (2012) e Mestre (2007) em Direito do Estado (Direito Constitucional) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduada em Direito (2004) e em Jornalismo (1998) pela mesma Instituição. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1484-383X. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3531312758130578.

Material recebido: 03 de dezembro de 2024.

Material aprovado pelos pares: 24 de dezembro de 2024.

Material editado aprovado pelos autores: 14 de janeiro de 2024.

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Heuler Costa Lourenço

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