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Amazônia: naturalistas-viajantes, racismo científico e a inferioridade de indígenas e negros

RC: 107154
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/indigenas-e-negros

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

OLIVEIRA, Arthur Henrique de [1]

OLIVEIRA, Arthur Henrique de. Amazônia: naturalistas-viajantes, racismo científico e a inferioridade de indígenas e negros. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 02, Vol. 05, pp. 158-182. Fevereiro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/indigenas-e-negros, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/indigenas-e-negros

RESUMO

A Amazônia, desde o século XVII esteve na rota e nos relatos de diversos naturalistas-viajantes europeus. Neste texto reflete-se sobre os relatos elaborados por viajantes que, em diferentes épocas, percorreram a região amazônica e surpreenderam-se com a exuberância do seu clima, flora, fauna e sociodiversidade. Também são levantadas questões de como o conceito de raça foi legitimado pela ciência ocidental dos séculos XVIII e XIX, tendo por fio condutor a seguinte indagação: o consenso científico sobre a inferioridade dos povos não-europeus, durante os séculos XVIII e XIX, foi utilizado como justificativa para subjugar os povos ditos “primitivos”? O objetivo geral consiste em compreender como o conceito de “raça” foi erigido e utilizado para justificar a dominação, a exploração e a colonização dos povos não-europeus. A metodologia utilizada segue a linha de pesquisa em História e Teoria da Ciência. No decorrer do desenvolvimento deste artigo constatou-se que a região amazônica, a partir do século XVII, foi visitada por missionários, exploradores, militares, naturalistas-viajantes, aventureiros etc. e, essas idas e vindas acabaram gerando uma infinidade de narrativas e mitos sobre a região e seus habitantes. Grande parte dos naturalistas da época endossava a ideia de raça, alguns não se contentando em demonstrar biologicamente as diferenças, empreenderam verdadeiras cruzadas para “provar” a inferioridade de negros e indígenas. Por fim, concluiu-se que a invenção do termo “raça” foi uma construção social endossada pelo consenso científico da época, um conceito utilizado não apenas para estudar as populações, mas desenvolver sistemas classificatórios para justificar a dominação, a exploração e a colonização dos chamados “povos inferiores”.

Palavras-chave: Amazônia; Naturalistas Viajantes; Racismo Científico; História da Ciência.

1. INTRODUÇÃO

As expedições de cunho científico empreendidas pelos chamados naturalistas-viajantes e organizadas por instituições como museus de história natural e academias de ciências contavam com o apoio oficial do Estado e com a cooperação militar como forma de garantir o sucesso das viagens exploratórias. Durante as incursões pela região amazônica os naturalistas observavam, registravam informações e coletavam grandes quantidades de espécimes da fauna e da flora, além de classificar e adjetivar pejorativamente os seus habitantes naturais (FERNANDES; CARVALHO; CAMPOS, 2020).

Em 1616, de acordo com Fernandes; Carvalho e Campos (2020), os portugueses chegaram e ocuparam a região onde atualmente está localizada a cidade de Belém com objetivo de fiscalizar e controlar a presença estrangeira na região da bacia amazônica cujas terras outrora eram de propriedade da coroa espanhola. Posteriormente, em 1751, foram criados os Estados do Grão-Pará e Maranhão pelo Marquês de Pombal (1699- 1782), para efetivamente demarcar as fronteiras portuguesas e ratificar o Tratado de Madri, que diferentemente do Tratado de Tordesilhas, estava respaldado pelo princípio uti possidetis iuris, ou seja, quem ocupa um território possui direitos sobre ele.

Em 1669, os portugueses subiram o Rio Amazonas e fundaram o Forte de São José da Barra edificado às margens do Rio Negro como forma de garantir a presença do poder imperial e salvaguardar a região de invasões. A região se manteve inexplorada até meados do século XVI quando passou a despertar o interesse de ingleses, holandeses, espanhóis, franceses e, principalmente da coroa portuguesa. Posteriormente, em setembro de 1856, a Fortaleza de São José da Barra que anteriormente havia recebido a denominação de Cidade da Barra de São José do Rio Negro foi redenominada para cidade de Manaus. O nome é uma referência à tribo indígena dos “Manáos” que habitava a região e cujo significado é “mãe dos deuses” (FERNANDES; CARVALHO; CAMPOS, 2020). A partir da primeira metade do século XVIII intensifica-se a presença de naturalistas de diversas nacionalidades em expedições pela região amazônica. Em 1735, uma expedição chefiada pelo francês Charles-Marie de La Condamine (1701-1774) cujos integrantes eram em sua maioria membros da Académie des Sciences trouxe para a fronteira entre o então vice-reino do Peru e o Brasil diversos equipamentos como quadrantes, telescópios e compassos a fim de realizar uma missão geodésica para determinar se a Terra era esférica ou achatada nos polos. Em 1743, La Condamine retorna a Europa cruzando o Brasil pelo Rio Amazonas, chega ao forte brasileiro do Pará e embarca para Caiena antes de partir para a França, em 1744. A expedição pela Amazônia produziu uma grande quantidade de materiais que foram publicados posteriormente (FERNÁNDEZ; FERNANDES, 2020).

Em 1783, chefiando uma expedição a serviço da coroa portuguesa, Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815) parte de Portugal em direção ao Brasil com o objetivo de inventariar os recursos naturais que porventura pudessem servir aos interesses econômicos da metrópole, em solo brasileiro o naturalista esteve na região amazônica e visitou Manaus, em 1786 (PRESTES, 2000).

Em 1817, os naturalistas Johann Baptist von Spix (1781-1826) e Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) iniciaram uma expedição com o objetivo de descrever a fauna, flora e as etnias que povoaram a colônia portuguesa. A expedição chegou ao Pará em 1819, de lá seguiram pelo interior na região amazônica até a cidade de Manaus. Em 1820, retornaram à Europa levando uma quantidade expressiva de materiais coletados (LISBOA, 1995).

Embora inicialmente muitos naturalistas tenham vindo ao Brasil em busca de descobertas de matérias primas, sobretudo minerais, muitos cruzaram o território imbuídos do propósito de coletar materiais para suprir e enriquecer os acervos de museus, jardins botânicos e instituições de história natural com o objetivo de produzir e divulgar novos conhecimentos (GONDIM, 2007).

A presença de naturalistas estrangeiros na região amazônica intensifica-se a partir do século XIX em decorrência da abertura dos portos brasileiros às nações amigas, em 1810 por Dom João VI. Levantamento realizado por alguns historiadores indicam que a partir de 1820 ocorreu um aumento significativo de naturalistas estrangeiros no Brasil (GONDIM, 2007).

Em abril de 1848, foi a vez dos naturalistas Alfred Russel Wallace (1823-1913) e Henry Walter Bates (1825-1892) desembarcarem na região amazônica com o objetivo de coletar materiais para o acervo do Museu de História Natural de Londres. Ao chegar em Manaus os dois se separam para poder explorar melhor a região. Na época, apesar de existirem relatos descrevendo aspectos da fauna, flora e costumes das comunidades indígenas, grande parte do território ainda permanecia inexplorado e aguçava a curiosidade dos habitantes do velho continente (GONDIM, 2007).

Wallace (1908), coautor da teoria evolutiva que infelizmente permaneceu à sombra de Charles Darwin apesar de ter postulado também o princípio da seleção natural deixou também contribuições acerca da importância das cores e ornamentos nos animais e sobre biogeografia, em sua autobiografia afirma que sua viagem à região amazônica foi fortemente influenciada pela leitura do livro A voyage up the river Amazon, publicado pelo naturalista e escritor norte-americano William Henry Edwards (1822-1909), em 1847. Após um período de quatro anos de exploração Wallace acumulou uma coleção de milhares de espécimes na qual pode-se destacar a grande quantidade de peixes, que infelizmente se perdeu no naufrágio de retorno à Inglaterra, restando somente suas anotações e desenhos.

Como visto anteriormente, as idas e vindas de pessoas – missionários, exploradores, militares, naturalistas-viajantes, aventureiros, entre outros, ao espaço geográfico amazônico oriundos das mais diversas latitudes com as mais diversificadas intenções tem ocorrido desde o século XVII gerando uma infinidade de narrativas sobre a região e seus habitantes. Inicialmente, os primeiros exploradores e aventureiros que aqui aportaram perseguiam o sonho de encontrar o Eldorado e a Terra das Amazonas, contudo, em meados do século XVIII predominou o interesse científico nas expedições dos naturalistas estrangeiros e à medida que o número de naturalistas crescia aumentava também os relatos e as crônicas a respeito da “bio” e da “sociodiversidade” da Amazônia. As descrições dos grupos étnicos, fauna e flora realizadas por meio da linguagem escrita e iconográfica registradas nos diários de campo dos naturalistas viajantes e cronistas como Alexandre Rodrigues, Aldred R. Wallace, La Condamine, William H. Edwards, Johann B. von Spix e Carl F. Philipp von Martius, Henry W. Bates, entre outros, ainda hoje são fontes de pesquisas significativas quando o objeto de estudo versa sobre a Amazônia (FERNANDES; CARVALHO; CAMPOS, 2020).

Portanto, o fio condutor deste artigo orienta-se a partir da seguinte indagação: o consenso científico sobre a inferioridade dos povos não-europeus, durante os séculos XVIII e XIX, foi utilizado como justificativa para subjugar os povos ditos “primitivos”?

O objetivo geral consiste em compreender como o conceito de “raça” foi erigido e utilizado para justificar a dominação, a exploração e a colonização dos povos não-europeus. Para se alcançar este objetivo o procedimento metodológico adotado foi a pesquisa de revisão bibliográfica realizada nas mídias impressas e eletrônicas e a linha de pesquisa em História e Teoria da Ciência.

2. A AMAZÔNIA NA NARRATIVA DOS VIAJANTES

Ao longo dos séculos vimos que um número grande e diversificado de visitantes estrangeiros deixou de herança uma rica e diversificada produção de relatos documentados como diários, cartas, relatórios, desenhos, pinturas, romances, crônicas etc. que ajudaram a criar diversas representações sobre a Amazônia (GONDIM, 2007).

Tais relatos construídos a partir dessas narrativas ajudaram a criar imagens distorcidas sobre o Brasil e sua população. Contudo, é preciso destacar que grande parte dessas narrativas remete à algumas questões como a expansão do imperialismo europeu, nesse sentido, as viagens e consequentemente seus subprodutos, estariam a serviço da expansão colonialista. A descrição da Amazônia como terra virgem, selvagem, habitada por criaturas estranhas, tribos exóticas e canibais, inculta, inferior, desconhecida, hostil, misteriosa, fascinante que deve ser conquistada, explorada, conhecida e divulgada ocorre a partir da visão colonialista impregnada pelo discurso da dualidade, pois ora região é retratada como paraíso perdido, ora como inferno escaldante. Segundo Fernandes; Carvalho e Campos (2020, p. 11):

[…] Essa tensão entre a imagem positiva e a imagem negativa da natureza e do homem em contato com ela é importante para nós, na medida em que comanda a discussão sobre o racismo científico e a inferioridade dos povos não-europeus, que marcará a cultura brasileira do século XIX.

Esta colcha de retalhos confeccionada pelos viajantes estrangeiros por meio dos seus discursos alimentou em grande parte o imaginário popular e mesmo científico de que a região amazônica era:

[…] um vazio demográfico, uma natureza hostil aos homens civilizados, habitada por nativos extremadamente primitivos, sem vida política ou cultural. É a Amazônia terra sem história, que tem permitido toda sorte de intromissão e arbitrariedade. Para a maioria daqueles cientistas, nem Portugal nem mesmo a Espanha eram reconhecidas como potências dignas de confiança, o que os impedia de perceber a existência de uma vida correndo com total intensidade, com rotinas, tradições, política e cultura próprias (SOUZA, 2019, p. 163).

Para além das descobertas e levantamento de informações de caráter científico as narrativas estavam pautadas em visões extremamente estereotipadas como se percebe nos apontamentos de La Condamine (2000, p. 60):

[…] reconhecer em todos eles um mesmo fundo de caráter. A insensibilidade é o fundamental. Fica a decidir se a devemos honrar com o nome de apatia, ou se lhe dar o apodo de estupidez. Ela nasce indubitavelmente do número limitado de suas ideias, que não vai além de suas necessidades. Glutões até a voracidade, quando têm que saciar-se; sóbrios quando a necessidade os obriga a se privarem de tudo sem parecerem nada desejar; pusilânimes ao excesso, se a embriaguez os não transporta; inimigos do trabalho, indiferentes a toda a ambição de glória, honra ou reconhecimento; sem a preocupação do futuro; incapazes de previdência e reflexão; entregues, quando nada os molesta a brincadeiras pueris, que manifestam por saltos e gargalhadas sem objeto nem desígnio; passam a vida sem pensar, e envelhecem sem sair da infância, cujos defeitos todos são conservados.

No livro “Visões do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil” (2000), Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) afirma que os diferentes conceitos sobre o Jardim do Éden, como descrito na narrativa bíblica, estão incorporados nos diferentes discursos sobre o Novo Mundo encontrado nas narrativas dos viajantes, desde meados do século XVIII. O continente americano seria a representação desse paraíso perdido de natureza exótica e luxuriante e nesse contexto insere-se também a lenda das mulheres guerreiras: as Amazonas.

Ao mesmo tempo em que a razão era considerada praticamente uma virtude somente dos europeus e o Novo Mundo e seus respectivos habitantes considerados irracionais, selvagens e inferiores, o filósofo francês Jean Jacques Rousseau (1712-1778) se contrapõe a essa visão e propõe o mito do “bom selvagem”: o homem natural e seu respectivo equivalente histórico, o selvagem puro, ingênuo, simples e generoso. Tal metáfora foi uma forte estratégia de confronto do romantismo ao racionalismo do chamado Século das Luzes, lembrando que o “Iluminismo” foi um movimento elitista de cunho filosófico, cultural e intelectual que dominou o cenário europeu no século XVIII culminando com a Revolução Francesa, em 1789, que buscava romper com o pensamento medieval elegendo a razão em oposição a fé (VENTURA, 1991).

3. RACISMO CIENTÍFICO: O LADO OBSCURO DA CIÊNCIA

A escravidão moderna, base fulcral da colonização e do capitalismo mercantilista, teve início no século XV com o tráfico africano pelos portugueses antes mesmo do termo “raça” adquirir um suposto status de cientificidade no início do século XIX. Durante o curso da diáspora africana os promotores do racismo e da supremacia branca cooptaram a autoridade da ciência para justificar a desigualdade racial. Uma história de métodos pseudocientíficos foi construída objetivando “provar” a superioridade biológica do homem branco europeu em relação aos demais povos e consolidar definitivamente o racismo científico. Ao longo dos anos o racismo científico assumiu muitas formas, todas com o objetivo de justificar a desigualdade racial (SMEDLEY; SMEDLEY, 2012).

Diversos naturalistas oitocentistas eram defensores do “poligenismo”, que postulava que as “raças” humanas eram espécies distintas. Essa teoria foi apoiada por métodos pseudocientíficos como a craniometria, a medição de crânios humanos que supostamente “provava” que os brancos eram biologicamente superiores aos negros. No final do século XIX foram elaborados os primeiros dados estatísticos sobre a saúde da população negra americana que foram posteriormente utilizados para propugnar que a “raça negra” estava mais predisposta às doenças e, portanto, fadada à extinção. Estudos mostrando altas taxas de encarceramento entre negros americanos foram usados ​​como prova de criminalidade inata, enquanto testes de inteligência pseudocientíficos justificavam a superioridade cognitiva dos brancos. Tais estudos falhos e tendenciosos não levaram em conta fatores políticos e sociais, como moradia precária, pobreza, falta de assistência médica e opressão racial, contudo, forneceram falsas evidências que alimentaram formas sistêmicas de racismo como a segregação (SMEDLEY; SMEDLEY, 2012).

De acordo com Saini (2019), a pesquisa científica tem abordado o conceito de raça por séculos, muitas vezes propondo explicações enganosas ou errôneas. Debates contenciosos sobre as origens dos humanos modernos começaram no século XIX, e grande parte dos principais naturalistas da época acreditava piamente que os europeus exemplificavam os humanos mais evoluídos e inteligentes. Atualmente, o chamado consenso científico contemporâneo corrobora a concepção de que não existe base biológica para o conceito de “raça”, porém, o racismo científico ainda prevalece, embora seja muito mais sutil do que frenologia desenvolvida pelo médico alemão Franz Joseph Gall (1758-1828) e pela criminologia do italiano Cesare Lombroso (1835-1909).

A frenologia utilizava as características cranianas dos indivíduos para determinar o seu caráter, suas faculdades mentais, personalidade e tendências para a criminalidade. Lombroso, por sua vez, acreditava que a criminalidade era herdada e que os criminosos poderiam ser identificados por meio da análise de suas características fenotípicas:

A doutrina lombrosiana procurava características orgânicas e tipológicas que permitissem identificar o indivíduo delinqüente [sic] de maneira diversa do indivíduo “normal”. Consoante esta doutrina, o criminoso já nascia portando estigmas físicos e psíquicos herdados de seus ancestrais, tais como um tamanho específico de crânio, orelhas grandes e afastadas da cabeça, sobrancelhas largas ou lábios virados (MATOS, 2010, p. 3).

3.1 A PERTURBADORA RESILIÊNCIA DO RACISMO CIENTÍFICO

Segundo Saini (2019), preconceitos racistas continuam a manter uma posição de destaque na pesquisa científica. A autora, jornalista científica residente em Londres, fornece explicações claras de conceitos racistas enquanto mergulha na história da ciência racial, arqueologia, antropologia, biologia e genética. Seu trabalho consistiu em analisar artigos técnicos, relatórios, livros e entrevistas com cientistas das mais diversas áreas, às vezes fazendo perguntas desconfortáveis ​​sobre suas pesquisas. O resultado é estarrecedor, pois diversos cientistas tradicionais, geneticistas e pesquisadores médicos ainda invocam o conceito de raça e utilizem essas categorias, embora reafirmem apenas o significado social e não biológico em suas pesquisas

De acordo com Saini (2019), após os horrores do regime nazista na Segunda Guerra Mundial, o mundo científico dominante praticamente virou as costas para à eugenia e ao estudo das diferenças raciais, porém, uma rede mundial de eugenistas impenitentes silenciosamente fundou revistas e financiou pesquisas, fornecendo um tipo de estudo de péssima qualidade, como o livro intitulado Bell Curve: Intelligence and Class Structure in American Life, publicado em 1996,  em que os autores Richard Hernstein e Charles Murray, defendem que brancos são mais inteligentes que negros, utilizando-se como referência testes de quociente de inteligência (QI).

A revista eletrônica Mankind Quarterly, fundada em 1960, que é uma publicação revisada por pares, atualmente é uma pedra angular do estabelecimento do racismo científico seu conteúdo abrange estudos de antropologia, evolução humana, inteligência, etnografia, linguística, mitologia, arqueologia e biologia, é publicada pelo Ulster Institute for Social Research. A revista foi publicada originalmente em Edimburgo, Escócia, pela Associação Internacional para o Avanço da Etnologia e Eugenia, uma organização fundada para promoção da eugenia e do racismo científico (SAINI, 2019).

4. DETERMINISMO CLIMÁTICO: A INFERIORIDADE DOS POVOS NÃO EUROPEUS

Até alguns séculos, o clima era um problema central para diversos pensadores. Muitos atribuíam ao clima um poder enorme acreditando, por exemplo, que a ascensão e queda de civilizações inteiras dependeriam do clima e de suas mudanças, o clima teria então uma influência muito grande no humor, no caráter e no cotidiano das pessoas (CARVALHO JR, 2011).

Charles Louis de Secondat, o Barão de Montesquieu (1689-1755) é um dos mais conhecidos pensadores quando a referência se trata de determinismo climático. Montesquieu, com sua ênfase no papel do clima sobre a cultura e a sociedade buscou compreender as influências dos fatores naturais e culturais sobre o homem objetivando a elaboração de leis, ou seja, um princípio geral que pudesse guiar o bom legislador. No livro De L’Espirit des lois (1748) afirma que o clima determinaria o caráter dos indivíduos e nações (MONTESQUIEU, 1748).

A teoria do clima em Montesquieu (1748) é apresentada como um sistema organizado e com forte apelo científico, o pensador elabora explicações sobre as influências benéficas do ar frio da Europa e das influências maléficas do ar quente dos trópicos no organismo. O calor dos trópicos predisporia os seus habitantes às paixões e aos prazeres, ao passo que o frio dos países de clima temperado diminuiria essa sensibilidade. O clima quente nesse amplo contexto proposto justificaria também a escravidão: “Não surpreende que a covardia dos povos dos climas quentes os tenha tornado quase sempre escravos, e que a coragem dos povos dos climas frios os tenha mantido livres. É um efeito que deriva da sua causa natural” (MONTESQUIEU, 1748, p. 523).

Jean-Baptiste Du Bos (1670-1742), David Hume (1771-1776) e Thomas Jefferson (1743-1826), por exemplo, corroboravam também a ideia de que o clima exercia influência direta sobre as pessoas e as sociedades. O filósofo, abade e matemático francês Jean-Baptiste Du Bos no livro Réflexions critiques sur la poesie et sur la peinture (1719), afirmou que os gênios não nascem em qualquer clima e que a localização geográfica de uma nação exerceria forte influência sobre a mente e os corpos dos indivíduos (FLEMING, 1998).

As concepções de Hume, Montesquieu e Du Bos, até meados do século XVIII, influenciaram muito as discussões acerca da influência do clima no desenvolvimento dos povos. Du Bos, de acordo com Oliveira (2018, p. 5): “[…] desenvolveu uma teoria “ambiental” sobre ascensão e queda de eras criativas influenciadas pelo clima”. Ainda, segundo esses autores, as diferenças entre as diversas nações poderiam ser explicadas pela composição do ar que seria um misto de minúsculas partículas (animais e sementes) e emanações oriundas da própria Terra.

Alterações no clima e na qualidade do ar poderiam ocasionar mudanças também em seus habitantes. Em relação à qualidade do ar na França escreveu Du Bos (1748, p. 214-215), escreveu “Comme la qualité de notre air varie à certains égards et reste inchangée à d’autres, il s’ensuit que les Français de tous les âges auront  un caractère général qui les distinguera des autres nations”.[2]

Em 1766, o naturalista francês Georges-Louis Leclerc, mais conhecido como Conde de Buffon (1707-1788) publicou no volume XIV da Histoire Naturelle um artigo intitulado Dégénération des animaux no qual, além de antecipar a hipótese de que o continente sul-americano no passado estava unido ao continente africano, estabelece a tese da degeneração dos animais. Para Buffon quanto mais distante do centro de origem que seria o continente europeu os animais se degeneravam e diminuíam de tamanho. Foi, portanto, um dos primeiros a admitir que os seres vivos se transformavam com o passar do tempo influenciando de sobremaneira outros naturalistas como o francês Jean Baptiste Pierre Antoine de Monet conhecido como Chevalier Lamarck (1744-1829), um dos primeiros a propor uma explicação coerente para explicar as transformações dos seres vivos por meio de fenômenos naturais até então conhecidos e o inglês Charles Robert Darwin (1809-1882), famoso por propor conjuntamente com Alfred Wallace, em 1859, a teoria da descendência com modificação, ou seja, os seres vivos modificam-se ao longo do tempo dando origem à novas espécies e compartilham, portanto, um ancestral comum (PENA, 2008).

Para Buffon a degeneração dos animais também se aplicava a espécie humana e apesar de nunca ter colocado os pés no continente americano o naturalista francês endossava e ratificava a tese da inferioridade dos povos americanos que eram frutos de um clima inóspito e degradante que causava também sérias debilidades nos animais que eram bem menores em comparação com os animais endêmicos do continente europeu. Ainda, de acordo com o naturalista, todos os humanos eram brancos e teriam se dispersados pela Terra conforme está descrito no relato bíblico contido no livro Gênesis, porém, o clima tropical teria causado uma espécie de patologia tornando a pele escura. Os indígenas, de maneira geral, também seriam portadores desta mesma patologia. Contudo, na lógica “buffoniana” a degeneração não era considerada algo completamente irreversível: se o homem branco se tornou negro, o homem negro poderia tornar-se novamente branco caso passasse a habitar regiões de clima frio. Alguns contemporâneos de Buffon muito se entusiasmaram com a sua teoria como o filósofo francês Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882) que morou no Brasil e atuou como diplomata do governo francês, segundo ele, os brasileiros seriam uma raça extinta em menos de duzentos anos por ser uma população constituída a partir da mestiçagem entre índios, negros e europeus (PENA, 2008).

Ernst Haeckel (1834- 1919), naturalista e filósofo alemão que ajudou a popularizar o trabalho de Charles Darwin e que cunhou alguns conceitos amplamente conhecidos na área da biologia também se envolveu nas discussões acerca da superioridade da “raça branca”, defendeu inclusive que os chamados povos primitivos deveriam estar sob tutela das nações “civilizadas”, uma vez que, o homem branco europeu havia alcançado o ápice da evolução humana (PENA, 2008).

4.1 OS ZOOLÓGICOS HUMANOS E A INVENÇÃO DO SELVAGEM

Zoológicos humanos, uma história chocante de vergonha e exploração que ainda ecoa no presente e que jamais deveria ser omitida pelos livros de história. O apogeu dessa aberração ocorreu na década de 1870, e grandes capitais da Europa e dos Estados Unidos foram palco dessas lastimáveis apresentações – Paris, Milão, Amsterdã, Londres, Barcelona, Nova Iorque, etc. Denominadas pomposamente de “exposições antropológicas de cunho científico”, tais eventos atraiam multidões e tinham como atrações principais povos originais de diversas regiões do globo: negros de diversas nações africanas,  aborígenes australianos, apaches, esquimós e nativos de Samoa, Suriname e Brasil (índios botocudos). Subjacente a esta maneira de popularizar a ciência existia uma forte animalização dos nativos implícita em muitos desses “shows” que muitas vezes eram realizados em parques zoológicos e exibidos em jaulas como animais (CHAUVEAU, 2012).

No Brasil, a “Primeira Exposição Antropológica Brasileira” organizada pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro, em 1882, exibiu representantes de diversos povos indígenas, entre esses, um grupo de indígenas botocudos trazidos do Espírito Santo. Essas exposições reuniam multidões, portanto, eram consideradas importantes para a divulgação e popularização da ciência da época (CHAUVEAU, 2012).

Segundo Poliakov (1986), o francês François Bernier (1625-1688) foi um dos primeiros a escrever um texto em que o termo “raça” aparece em seu sentido atual. Na sua obra “Nouvelle division de la terre par les différentes espèces ou races qui l’habitent” (1684) ele agrupa os seres humanos em quatro grupos: europeus, africanos, amarelos (asiáticos) e lapões (habitantes da Europa setentrional).  Divergindo acerca da concepção de que as raças são frutos do clima, Bernier apud Poliakov (1986), afirma que a cor da pele é definida pelo sangue e sêmen, portanto, o surgimento das “raças” não teria nenhuma relação com fatores climáticos.

Em meados do século XVIII o naturalista e anatomista francês Georges Cuvier (1769-1832), baseado nas diferenças geográficas e na variação da cor da pele propôs três tipos de raças: caucasiana, etiópica e mongólica. Em 1806, alemão Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840) estabelece cinco tipos de “raças”: caucásica, mongólica, etiópica, americana e malaia, porém, foi a partir da publicação do livro Sistema da Natureza (1767) do naturalista sueco Carl von Linnaeus (1707-1778), que a ideia de “raça” ganha conotações científicas. Para o naturalista as causas das diferenças entre as raças seriam o clima, temperatura e condições geográficas. O sueco propôs a seguinte classificação: Homo sapiens europaeus, branco, sério e forte; Homo sapiens asiaticus, amarelo, melancólico e avarento; Homo sapiens afer, negro, impassível, preguiçoso e Homo sapiens americanos, vermelho, mal-humorado e violento (POLIAKOV, 1986 p. 74).

4.2 DARWINISMO SOCIAL, DETERMINISMO BIOLÓGICO E EUGENIA

O Darwinismo Social é um conjunto de concepções e ideologias que surgiu no final do século XIX, a partir da deturpação da teoria evolutiva proposta pelos naturalistas Charles Darwin e Alfred Russel Wallace. De maneira geral, os darwinistas sociais acreditam na “sobrevivência do mais apto”, ideia de que certas pessoas se tornam poderosas na sociedade porque são naturalmente melhores. Desde então o darwinismo social foi utilizado para justificar o imperialismo, o racismo, a eugenia e a desigualdade social (RADICK, 2019).

Herbert Spencer (1820-1903) ficou conhecido por afirmar que os princípios da evolução, incluindo a seleção natural, se aplicaria às sociedades humanas, classes sociais e indivíduos, bem como às espécies biológicas que se desenvolvem ao longo do tempo geológico. Spencer aplicou o conceito de “sobrevivência do mais apto” ao modo de produção capitalista se opondo enfaticamente a quaisquer leis que ajudassem os trabalhadores, os pobres e aqueles que ele considerava geneticamente fracos, pois tais leis iriam contra a evolução da civilização ao retardar a extinção dos “inaptos” (RADICK, 2019).

Spencer, ao contrário de Darwin, acreditava que as pessoas podiam transmitir geneticamente qualidades aprendidas, como honestidade, inteligência, moralidade etc. aos descendentes. Darwin, contudo, raramente comentava as implicações sociais de suas teorias. Mas para aqueles que seguiram Spencer e Thomas Malthus (1766-1834), a teoria de Darwin parecia confirmar por meio da ciência o que se acreditava ocorrer nas sociedades humanas: os mais aptos herdavam qualidades como laboriosidade e a capacidade de acumular riqueza, enquanto os inaptos eram inatamente preguiçosos, estúpidos e incompetentes (RADICK, 2019).

Dessa maneira, de acordo com Radick (2019), a filosofia, a cultura, o estilo de vida, a organização social, a ciência e a tecnologia dos europeus eram superiores e ocupavam o topo da civilização e da evolução humana, portanto, os povos não-europeus estariam em uma condição incrivelmente inferior na escala evolutiva. O Darwinismo Social, juntamente com o Determinismo Biológico e a Eugênia, serviriam de pano de fundo para que as nações imperialistas iniciassem uma verdadeira cruzada de cunho “civilizatório” objetivando levar o progresso aos povos “primitivos” e “atrasados”.

Quando se avalia o alcance da influência exercida pela ciência ao endossar a ideia de raça durante os séculos XVIII e XIX é preciso não esquecer que a hierarquização social era um conceito fortemente enviesado e aceito por grande parte dos intelectuais e naturalistas da época que colocavam os indígenas logo baixo dos brancos e os negros abaixo de todos os outros, dessa forma, indígenas e negros eram inferiores em sua condição biológica, portanto, a colonização e a escravidão eram justificáveis (GOULD, 1991).

Desde a chamada Controvérsia de Valladolid (1550)[3] que o direito de escravizar os chamados povos “inferiores” baseado no princípio da superioridade dos povos europeus “civilizados” foi legitimado. A controvérsia de Valladolid, de acordo com Gutiérrez (2014, p. 231):

[…] é importante porque colocou uma agenda de discussões ainda válida para nossos dias: evangelização, invasão, povos submetidos, raças superiores, guerras religiosas e guerras santas. Todos esses são temas que podem ser encontrados em qualquer jornal de hoje.

Outro grande expoente do Darwinismo Social foi o inglês Francis Galton (1822-1911), primo de Darwin. A eugenia de Galton era um programa que objetivava melhorar artificialmente a espécie humana por meio da regulação do casamento e, portanto, da procriação. Galton deu ênfase especial à “eugenia positiva”, destinada a incentivar os membros da população física e mentalmente superiores a escolher parceiros com características semelhantes, dessa forma, somente as pessoas saudáveis deveriam se casar e ter filhos. A palavra “Eugênia” aparece pela primeira vez no livro Hereditary Genius (1869), que além de tratar do caráter hereditário da inteligência inclui:

[…] a antropometria entre seus critérios, mas seu interesse pela medição dos crânios e dos corpos atingiu o nível máximo quando instalou um laboratório na Exposição Internacional de 1884. Ali, por poucas moedas, as pessoas passavam pela linha de montagem de seus testes e medições, e recebiam sua avaliação no final (GOULD, 1991 p. 68).

As ideias de pureza racial tiveram ampla aceitação em diversos países. Características mentais e, sobretudo, a inteligência eram consideradas hereditárias ao mesmo título dos caracteres físicos. Leis foram promulgadas visando à proibição dos chamados casamentos inter-raciais, pois:

De acordo com as ideias eugênicas a inferioridade seria hereditária, a esterilização em massa serviria para “livrar” a espécie da degeneração, os casamentos só deveriam ocorrer mediante concessão e leis restritivas deveriam impedir a imigração dos chamados povos inferiores para que ocorresse o aperfeiçoamento da espécie humana, os casamentos deveriam ser estimulados apenas entre os chamados bem-dotados biologicamente. Os governos deferiam estimular e promover o desenvolvimento de programas educacionais para a reprodução consciente de casais saudáveis (OLIVEIRA, 2018, p. 6).

O Determinismo Biológico associado ao Darwinismo Social, foi estruturado para justificar o estereótipo das “raças superiores” como forma de dominação utilizando-se como pretexto uma argumentação pseudocientífica. De acordo com Gould (1991, p. 13):

O determinismo biológico é, na essência, uma teoria dos limites. Segundo ela, a posição que cada grupo ocupa na sociedade constitui uma medida do que esse grupo poderia e deveria ser (se bem que permita que alguns raros indivíduos ascendam devido à sua constituição biológica privilegiada).

No final do século XVIII e início do XIX o tamanho do cérebro era a principal medida física de inteligência e grande parte dos “cientistas” europeus compartilhava a ideia de que indígenas, africanos e mulheres:

[…] pertenciam às formas inferiores porque tinham cérebros menores do que os homens brancos. Nesse período a vasta maioria dos cientistas era composta por homens brancos, portanto, os sistemas classificatórios elegiam as características físicas dos homens brancos como as mais importantes para definir os níveis intelectuais (OLIVEIRA, 2018, p. 6).

Cuvier (1812, p. 105), por exemplo, referia-se aos nativos negros da África como “a mais degenerada das raças humanas, cuja forma se aproxima da do animal e cuja inteligência nunca é suficientemente grande para chegar a estabelecer um governo regular”; Charles Lyell (1797-1875) geólogo britânico, de acordo com Wilson (1970, p. 357), afirmara que o cérebro dos bosquímanos, povos indígenas que habitam hoje áreas pertencentes a Botsuana, Namíbia, África do Sul e Angola, remeteria ao dos Simiadae pela falta de inteligência e, que “cada  raça tem seu lugar próprio na natureza, como acontece entre os animais inferiores”; Charles Darwin (1809-1882), evolucionista e abolicionista autor da teoria evolutiva juntamente com Alfred Wallace, também flertou com a ideia de hierarquia racial ao afirmar que no futuro a distância entre o ser humano e o símio seria aumentada pela extinção de espécies intermediárias como o chipanzé e o hotentote, este último constitui até hoje uma etnia negra originária da África do Sul que caracteriza-se pela cultura nômade baseada na coleta, caça e na combinação de plantio com atividades pastoris (DARWIN, 1871) e Blumenbach (1825, p. 37), que apesar de ter enaltecido algumas obras escritas por negros, adotou a ideia de determinismo climático como modelo para justificar as diferenças raciais entre brancos e negros:

A raça caucasiana, levando-se em consideração todos os princípios fisiológicos, deve ser considerada como fundamental, ou central, dentre estas cinco principais raças. Os dois extremos para os quais se desviou são, de um lado, a raça mongólica e, de outro lado, a raça etíope.

Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander von Humboldt (1769-1859), naturalista alemão, apesar reconhecer o legado cultural e científico “rotulou os árabes como uma raça mais bem-dotada, com maior adaptabilidade natural para o aperfeiçoamento intelectual” (GOULD, 1991, p. 25).

O mesmo se pode dizer de Alfred Wallace que mesmo saudado como antirracista defendeu uma “quase igualdade” em relação a capacidade intelectual dos povos não europeus, de acordo com Gould (1991, p. 26):

A seleção natural, afirmava Wallace, só é capaz de construir estruturas de utilidade imediata para os animais que as possuem. O cérebro dos selvagens é, potencialmente, tão bom quanto o nosso. Mas eles não o usam em sua totalidade, como indica o primitivismo de sua cultura. Uma vez que os modernos selvagens são muito semelhantes aos nossos ancestrais, nosso cérebro deve ter desenvolvido suas capacidades superiores muito antes que fizéssemos uso delas.

É preciso ressaltar que o discurso acerca da supremacia do homem branco europeu sobre os demais povos estava pautado em duas vertentes do racismo científico: o monogenismo e o poligenismo.

O monogenismo sustentava a unidade de todos os seres humanos a partir da criação única, pois todos os povos descenderiam de um único casal: Adão e Eva. As raças, portanto, seriam produto da degeneração que seria menor em relação aos homens brancos e maior em relação aos indígenas e negros. Entre os partidários dessa concepção nota-se os defensores que endossavam a ideia de degeneração com possibilidade de reversão gradual da cor da pele escura para a clara com o passar do tempo e, de outro lado os que argumentavam que as diferenças já estavam definidas e, portanto, eram irreversíveis.

Os poligenistas por sua vez defendiam o argumento de que as diversas “raças” não possuíam uma unidade em comum pois teriam aparecido em diferentes partes do globo, portanto, indígenas e negros não fariam parte da mesma unidade biológica dos brancos.

Um dos grandes defensores do poligenismo nos EUA foi o naturalista suíço Louis Agassiz (1807-1873) que conquistou grande notoriedade na Europa por ter sido discípulo de Georges Cuvier. Agassiz também era opositor às ideias evolucionistas de Darwin e defendia a imutabilidade dos seres vivos:

Agassiz não abraçou a poligenia como uma doutrina política consciente. Ele nunca duvidou da pertinência da hierarquia racial, mas colocava-se entre os que se opunham à escravidão. Sua adesão à poligenia foi uma conseqüência direta de procedimentos de investigação biológica desenvolvidos por ele em contextos anteriores. Antes de mais nada, ele era um devotado criacionista e viveu o suficiente para se tornar o único cientista importante a se opor à teoria da evolução (GOULD, 1991 p. 31).

Samuel George Morton (1799-1851), médico e naturalista norte-americano, realizou vários estudos de craniometria e foi um grande defensor do poligenismo bíblico que “iniciou sua coleção de crânios humanos na década de 1820; ao morrer em 1851, tinha mais de mil deles. Seus amigos (e inimigos) referiam-se ao seu grande ossário como “o Gólgota americano” (GOULD, 1991, p. 39).

Toda pesquisa empírica craniométrica de Morton na verdade objetiva simplesmente demonstrar verdadeira sua hipótese de hierarquia racial baseada unicamente nos estudos acerca das características físicas do cérebro especificamente em relação à capacidade craniana.

O francês Pierre Paul Broca (1824-1880), médico, neurologista, anatomista e fundador da Sociedade Antropológica de Paris, também desenvolveu pesquisas na área da antropometria craniana e, segundo Gould (1991, p. 75), argumentou que “o estudo dos cérebros das raças humanas perderia a maior parte de seu interesse e validade” se a variação de tamanho não tivesse nenhum valor”. Contudo, como em ciência a presença de teorias rivais é uma regra e não exceção, algumas vozes dissonantes questionavam os princípios estabelecidos pela craniometria: em 1861, o anatomista e zoólogo francês Louis Pierre Gratiolet (1815-1865), que foi o sucessor do também francês o naturalista Isidore Geoffroy Saint-Hilaire (1805 -1861) na cadeira de zoologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Paris, se apôs à Broca colocando em xeque-mate a ideia de que o tamanho do cérebro tinha relação direta com o grau de inteligência de um indivíduo (GOULD, 1991).

Friedrich Tiedemann (1781-1861), anatomista e fisiologista alemão considerado um antirracista à frente do seu tempo, ao contrário defendeu a igualdade biológica dos seres humanos ao publicar o artigo “Sobre o cérebro do Negro, comparado com o do Europeu e do orangotango” (1836). Para realizar seus estudos empíricos ele enchia os cérebros pesquisados com sementes através do forame magno e depois pesava as sementes. O artigo está dividido em duas partes, na primeira parte: comparação do tamanho do cérebro entre homens e mulheres (28 crânios masculinos e 11 femininos de populações europeias):

Embora Aristóteles tenha registrado que o cérebro da mulher é menor que o do homem em termos absolutos, ele não é menor em comparação com o corpo, porque o corpo feminino é geralmente mais leve do que o masculino. O cérebro feminino, na maioria das vezes, é até maior que o dos homens, em relação ao tamanho do corpo (TIEDEMANN, 1836, p. 503).

Segunda parte: comparação entre cérebros de africanos e europeus. Crânios de 38 homens africanos, 77 europeus, 24 asiáticos, 38 oceânicos e polinésios e 24 ameríndios, incluindo um índio Botocudo do Brasil. Escreveu Tiedemann (1836, p. 511): “É evidente pela comparação da capacidade craniana do negro com a do europeu, mongólico, americano e malaio que a cavidade do crânio do negro não é menor do que a do europeu e das demais raças”.

4.3 CAMINHOS E DESCAMINHOS DA CIÊNCIA

Antes de mergulhar na cultura da ciência de cabeça é preciso compreender que o modelo de racionalidade que preside a ciência moderna constituiu-se a partir da chamada Revolução Científica do século XVI e foi se desenvolvendo ao longo dos séculos seguintes mediante o domínio das Ciências Naturais para posteriormente, no século XIX, alcançar as Ciências Humanas e Sociais e, se estabelecer definitivamente como modelo único de racionalidade. Efetivamente, a epistemologia dominante crava seus alicerces em cenários e contextos sociais, econômicos, ideológicos, culturais e políticos muito bem definidos, ou seja, o mundo moderno cristão ocidental sustentado pelo modo de produção capitalista. Dessa forma, o fazer científico atual tem como referência o modelo ocidental, etnocêntrico, de herança positivista europeia e o único a ser legitimado (SANTOS, 2009). Ao longo da história humana, principalmente durante os últimos três séculos várias teorias racistas foram construídas para justificar objetivos ideológicos, políticos e econômicos que, apresentadas como fatos científicos, acabaram contribuindo e exacerbando o ódio, o preconceito, as desigualdades, a segregação e a intolerância, tudo isso endossado pelo chamado consenso científico da época (SAINI, 2019).

Vale a pena ressaltar que o produto resultante da atividade científica é sempre algo inacabado, pois em ciência as “verdades” são sempre provisórias e a rivalidade entre teorias opostas é salutar para a existência da própria ciência. É preciso deixar bem claro, o trabalho da ciência não é obter consenso como muitos pesquisadores colocaram e foram veementemente contestados, consenso é problema de política. Em ciência, consenso não tem a mínima importância, pois relevantes são os resultados obtidos por meio das pesquisas passíveis de serem reproduzidas. Ademais, o tal consenso científico quando evocado objetiva única e exclusivamente vender a ideia de que o debate em torno de determinado tema está encerrado, o que não passa de uma falácia (BALL, 2014).

Consenso científico significa julgamento, posição e opinião coletiva sobre determinado campo de estudo, mas então qual é o papel do consenso na ciência?

O consenso científico, em geral, é o que a maioria dos cientistas acredita ser verdade sobre um determinado assunto com base em interpretações de supostas evidências que se tem à disposição. Em outras palavras, é uma resposta coletiva a uma questão particular. Entretanto, os grandes cientistas da história justamente se destacaram porque romperam com o consenso. Esta falácia de consenso inexiste na atividade científica. Se é consensual não pode ser ciência. O mais impressionante em tudo isso é que o questionamento permanente do estado geral do conhecimento é uma característica intrínseca da atividade científica. Em ciência duvidar é uma dádiva, os cientistas éticos, honestos e comprometidos com a verdadeira ciência procuram refutar os conhecimentos aceitos baseando-se no ceticismo para promover avanços nas pesquisas, portanto, a ciência nunca esteve, não está e nunca estará definitivamente resolvida, é assim que ela funciona (BALL, 2014).

Karl Popper (1902-1994), filósofo conhecido por rejeitar as visões indutivistas clássicas sobre o método científico, propôs que para uma teoria científica ser aceita deve ser passível de falsificação, ou seja, deve ser possível “provar” que é falsa, seja por observação ou pela experiência. Em outras palavras, uma boa teoria encerra em si a própria destruição. Em ciências naturais não existem proposições imunes aos testes empíricos, portanto, não existem enunciados que não estejam sujeitos a contestação. Princípios que se mantém a despeito das evidências contrárias, e que a experiência não seja capaz de refutar nada mais do que mitos. Uma passagem rápida pela história da ciência é suficiente para que se possa recordar o quanto o conceito de consenso científico não é motivo de orgulho (POPPER, 1978).

A história da ciência oferece vários episódios nos quais as crenças sociais ou pessoais distorceram o trabalho dos pesquisadores. O campo da eugenia usou as técnicas da ciência para tentar demonstrar a superioridade dos “brancos” sobre os demais povos (africanos, indígenas, asiáticos, aborígenes etc.). A rejeição ideológica da genética mendeliana na ex-União Soviética, iniciada na década de 1930, prejudicou a biologia soviética por décadas. O vínculo empírico entre o conhecimento científico e o mundo físico, biológico, econômico, ideológico e social pode restringir a influência dos valores na ciência. A ciência é sempre um empreendimento inacabado que por vezes incorre em erros, em ciência “errar é a regra, não a exceção” (MARTINS, 2006 p. 11).

Geralmente, as pessoas estão inclinadas a acreditar que o método científico é um meio completamente imparcial e totalmente objetivo de observar o mundo, que o trabalho de cientista é completamente apolítico, entretanto, o campo da ciência é meramente um reflexo dos sistemas mais amplos de desigualdades que sustentam a sociedade. A academia é apenas mais uma interseção complexa de dinâmicas de poder, sistemas de opressão e desigualdade profundamente enraizada. A ciência ao longo da história foi manipulada ardilosamente para justificar o preconceito e perpetuar a discriminação, afinal ela é conduzida por seres humanos que trazem para a mesa seus próprios preconceitos e a realidade nua e crua é que o racismo científico ainda sobrevive entre nós (SAINI, 2019).

Para Saini (2019), é tentadora a possibilidade de se descartar o racismo científico como produto de um passado ou aceitar a falsa premissa de que “isso não aconteceria hoje”, porém, o racismo científico está vivo: no mundo da genética populacional ou no desenvolvimento, comercialização e venda de medicamentos destinados exclusivamente a pacientes negros. Assim, resolver o problema do racismo científico consiste em mudar também as normas operacionais da própria ciência por meio de ações em múltiplas frentes.

Karl Popper apud Martins (2006, p. 12) propôs uma interessante analogia que ilustra muito bem o que é este grande empreendimento social chamado Ciência:

A ciência não está fundamentada sobre um leito rochoso. A estrutura ousada de suas teorias se eleva, por assim dizer, sobre um pântano. É como um edifício erguido sobre palafitas. As estacas são cravadas de cima para baixo, mas não atingem nenhuma base natural. Se pararmos de empurrar as estacas mais para baixo, não é porque tenhamos alcançado um solo firme. Simplesmente paramos quando aceitamos que elas estão suficientemente estáveis para suportar a estrutura, pelo menos por enquanto.

Contudo, a mesma ciência que no passado endossou e utilizou a hipótese de inferioridade das “raças” não-brancas, que estabeleceu uma relação simbiótica entre racismo e cientificidade, que utilizou o termo raça como categoria biológica, atualmente desempenha um papel hercúleo na mudança desse cenário desolador. Desde a década de 1950, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) estabeleceu uma “agenda antirracista e ainda sob o impacto da Segunda Guerra Mundial buscou negar o valor científico do conceito de raça a partir de reuniões e declarações envolvendo cientistas sociais e naturais” (MAIO; SANTOS, 2015 p. 3).

Henry Gates, apud Pena (2008, p. 7), historiador norte-americano que foi diretor do WEB Du Bois Institute for African and African American Research na Universidade de Harvard, escreveu:

[…] a última grande batalha sobre o racismo não será lutada com relação ao acesso a um balcão de restaurante, a um quarto de hotel, ao direito de votar, ou mesmo ao direito de ocupar a Casa Branca; ela será lutada no laboratório, em tudo de ensaio, sob um microscópico, no nosso genoma, no campo de guerra do nosso de DNA. É aqui que nós, como uma sociedade, ordenaremos e interpretaremos a nossa diversidade genética.

É sempre oportuno lembrar aqueles que acreditam ingenuamente que a ciência é sempre objetiva e apolítica que “raça” é uma construção social sem base na biologia e não passa de um conceito altamente equivocado, pernicioso e profundamente falho. Há décadas que a Genética e a Biologia Molecular têm demonstrado que não existe realidade biológica que sustente o conceito de “raça” humana, no entanto, ao longo dos últimos dois séculos fomos bombardeados pela falsa ideia de que a biologia racial humana é real e que certas raças são biologicamente melhores que outras (SUSSMAN, 2014).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A região amazônica desde a chegada dos portugueses recebeu ao longo dos séculos a visita de uma série de figuras ilustres e outras nem tanto. Foram viajantes naturalistas, exploradores, missionários, militares, funcionários administrativos, ou seja, um grupo bem diversificado de pessoas que deixaram como herança uma rica e variada produção como cartas, romances, crônicas, mapas, pinturas, relatórios e diários que influenciaram a construção de algumas representações que até hoje se mantém vivas no imaginário popular.

Nessas viagens o Novo Mundo se abria aos viajantes como um universo insólito a ser desbravado por exploradores ansiosos não somente por aventuras, mas também por novos conhecimentos e enriquecimento. As visões contraditórias acerca da região e seus habitantes foram sendo gestadas paulatinamente e se consolidaram inicialmente por intermédio dos relatos de portugueses, espanhóis e, posteriormente nos discursos de europeus de várias nacionalidades que aqui estiveram como holandeses, franceses, ingleses, além obviamente dos relatos dos próprios brasileiros.

Durante o século XIX o interesse dos viajantes pela região pauta-se mais pela perspectiva científica como se observou nas expedições conduzidas por Wallace, Spix e Martius, William H. Edwards, Henry Bates e Alexandre Rodrigues. Essas expedições tinham como intuito a pesquisa e a coleta de materiais de interesse científico para museus e academias de ciências.

Além do interesse pela exuberante fauna e flora os viajantes escreveram sobre a estrutura da organização social, cultural, costumes, hábitos alimentares, língua, miscigenação, descrições fenotípicas das comunidades indígenas, além de outras questões relacionadas as preocupações que suscitavam grandes debates científicos da época como a inferioridade dos povos não europeus, o determinismo climático, a eugênia, a craniologia, a monogenia e a poligenia.

Dessa forma, o mundo ocidental inventou o conceito de “selvagem” e o fez em forma de espetáculo por meio de performances, cenários, narrativas fictícias e tramas. A história da inferioridade dos povos não será e nem pode ser esquecida porque está registrada no cruzamento da história colonial, na história da ciência, na história do mundo dos espetáculos e das grandes exposições internacionais que moldaram as relações internacionais por mais de um século. Este período de exibições humanas tem relação direta com o racismo científico erigido e justificado pela ciência europeia dos séculos XVIII e XIX, uma época em que os homens passaram a enxergar os diferentes como “monstros” ou “exóticos”. O conceito de “zoológico humano”, no sentido mais amplo do termo, serve para descrever a transição de um racismo exclusivamente científico para uma versão mais difundida e popular. Essas grandes exposições ditas antropológicas foram específicas do Ocidente e produto das potências coloniais e serviram apenas para reafirmar uma hierarquia entre as pessoas de acordo com a cor da pele, cujo legado ainda pode ser sentido na atualidade.

A craniometria do século XIX procurou de várias formas justificar a ciência numérica em que se apoiou o determinismo biológico para hierarquizar as “raças” de acordo com o formato e o tamanho do cérebro. Quase todos os grandes naturalistas do século XIX deixaram-se influenciar pelas convenções sociais racistas e mesmo admitindo a igualdade e rechaçando as hierarquias apoiadas na estética e na capacidade craniana flertaram com a ideia de que o homem branco constituiria a regra básica da vida e as demais “raças” somente desvios dessa regra.

Grande parte das respostas formuladas pelos naturalistas acerca da origem da inferioridade de negros, indígenas e das mulheres estava ancorado apenas no preconceito e na preferência social do que realmente em evidências científicas, portanto, o racismo científico teve sua origem não em resultados de um estudo de dados claros e objetivos coletados com a intenção de submeter  a prova um problema, mas simplesmente justificar uma crença construída e sustentada pelo consenso científico da época, baseada unicamente no formato e tamanho do crânio, ou seja, quanto maior a caixa craniana maior o grau de inteligência.

Por fim, em relação a indagação inicial é possível afirmar que o consenso científico da época, corroborou de maneira significativa para estabelecer a falsa ideia de hierarquização racial e, consequentemente, a colonização dos povos chamados “inferiores” seria plenamente justificável, ou seja, para as nações imperialistas e seus apologistas a ciência moderna racista estava entre os presentes graciosos dos impérios europeus ao mundo colonial. Além disso, os ideólogos imperiais do século XIX enxergavam os sucessos científicos do Ocidente como uma forma de alegar que os não-europeus eram intelectualmente inferiores e, portanto, mereciam e precisavam ser colonizados.

Apesar da ciência ocidental ter sido construída sobre um repertório global de conhecimentos, sabedoria, informação e espécimes vivos e materiais coletados de vários cantos do mundo colonial, a extração de matérias-primas de minas e plantações coloniais andavam de mãos dadas com a extração de informações e espécimes oriundas dos povos colonizados.

Desta forma e muito mais, os saltos da Europa em ciência e tecnologia durante este período impulsionaram e foram impulsionados por sua dominação política e econômica. A ciência moderna foi efetivamente construída por meio de um sistema de exploração e subjugação que influenciou enormemente a forma como os europeus viam os outros povos. Infelizmente, o legado colonial continua a moldar as tendências da ciência ainda hoje e as antigas nações imperiais ainda parecem quase evidentemente superiores à maioria dos países outrora colonizados quando se trata de pesquisa científica. Os impérios podem ter praticamente desaparecido, mas os preconceitos e desvantagens culturais que eles impuseram não, basta observar as estatísticas sobre a forma como a pesquisa é produzida globalmente. Os rankings anuais das universidades são publicados principalmente pelo mundo ocidental e tendem a favorecer suas próprias instituições. Os periódicos acadêmicos dos diferentes ramos da ciência são dominados principalmente pelos EUA e pela Europa Ocidental. Alguns acadêmicos identificaram essas tendências como evidência da persistente “dominação intelectual do Ocidente” e as rotularam como uma forma de “neocolonialismo”. Dessa forma, para definitivamente deixarmos para trás a bagagem do colonialismo, as colaborações científicas entre norte e sul precisam se tornar mais simétricas e, é preciso descolonizar a ciência, mas essa é uma outra história.

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APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ

2. Tradução livre: Como a qualidade do nosso ar varia em alguns aspectos e continua inalterada em outros, segue-se que os franceses em todas as épocas terão um caráter geral que os distinguirá de outras nações.

3. A Controvérsia de Valladolid foi um dos primeiros debates a tratar dos direitos e do tratamento dado pelos colonizadores europeus aos povos indígenas (GUTIÉRREZ, 2014).

[1] Mestre em História da Ciência (PUC/SP), pós-graduação em Educação Ambiental (Centro Universitário SENAC), Gestão Ambiental (FAMOSP- Faculdade Mozarteum de São Paulo), Educação e Neurociências (Faculdade Campos Salles), Formação Docente (Faculdade de Ciências e Tecnologia Paulistana – FACITEP), licenciatura plena em Ciências Biológicas (Centro Universitário São Camilo), Educação Física (Faculdade de Ciências Humanas- FCH), Pedagogia (Universidade Nove de Julho/UNINOVE) e bacharelado em Ciências Biológicas (Centro Universitário São Camilo). ORCID: 0000-0003-0816-3376.

Enviado: Setembro, 2021.

Aprovado: Fevereiro, 2022.

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Arthur Henrique de Oliveira

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