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A cultura sob o olhar da indústria

RC: 119029
588
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/arte/a-cultura

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL 

YAMANE, Narda Teles [1], NOGUEIRA, Jocélia Barbosa [2]

YAMANE, Narda Teles. NOGUEIRA, Jocélia Barbosa. A cultura sob o olhar da indústria. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 06, Vol. 07, pp. 21-33. Junho de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso:  https://www.nucleodoconhecimento.com.br/arte/a-cultura, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/arte/a-cultura

RESUMO

O presente artigo pautou-se na monografia de bacharelado em Comunicação Social que tem por título “Jornalismo Cultural do Amazonas: mídias carentes de uma divulgação apta a transmitir os signos da cultura e da arte local deflagram uma lacuna no enriquecimento poético da sociedade”. Dessa forma, adotou-se como questão norteadora: qual é o significado da arte para o desenvolvimento humano e como a indústria cultural interfere nessa relação? Neste aspecto, teve-se como objetivo refletir sobre o papel da arte no desenvolvimento humano, contemplando a influência do surgimento da indústria cultural neste processo. Para tanto, a metodologia baseou-se na pesquisa bibliográfica a fim de aprofundar essa discussão com base nos teóricos que já estudaram sobre o tema. Assim, como conclusão, evidenciou-se a necessidade da valorização da arte e da cultura para enriquecer a compreensão do mundo e impulsionar o desenvolvimento humano.

Palavras-chave: Arte, Indústria Cultural, Reflexão.

1. INTRODUÇÃO

De acordo com a literatura, a genuína cultura e arte tem por natureza uma essência reveladora que permite o homem reinventar a si e o mundo. A experiência artística e cultural e os seus contextos simbólicos são essenciais à sensibilidade e à reflexão crítica. No entanto, a desvalorização das culturas e da arte parece estar deixando o mundo sem sentido. Atualmente, muitos produtos nomeados como “arte” têm sido comercializados pela indústria, ocasionando uma estagnação que parece expandir-se na humanidade, resultando em uma realidade superficial e diminuta.

Dessa forma, tendo em vista que o tema proposto possui um abrangente contexto, esse artigo se restringiu tão somente em responder a seguinte questão norteadora: qual é o significado da arte para o desenvolvimento humano e como a indústria cultural interfere nessa relação? Para tanto, teve-se como objetivo refletir sobre o papel da arte no desenvolvimento humano, contemplando a influência do surgimento da indústria cultural neste processo.

Logo, no que diz respeito a metodologia, Fonseca (2002, p. 32) aponta que “qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto”. Portanto, este estudo utilizou-se da pesquisa bibliográfica que, por sua vez, auxiliou no desenvolvimento teórico do artigo por meio das ideias e concepções de outros autores.

2. A ARTE E O DESENVOLVIMENTO HUMANO

A arte faz parte do todo da cultura. Ela está em todos os tempos da história e é feita por meios imagináveis e inimagináveis, através de um número infinito de formas. Conforme Cotrim (2000), a arte se distingue da produção humana por revelar um esmero, um talento, uma aptidão, uma habilidade, uma competência, uma sensação. Quando uma música é ouvida, uma pintura é vista, uma poesia é lida ou uma dança é assistida, provocando intensas emoções, observa-se que essas linguagens são arte. No entanto, é difícil explicar o que precisamente encanta nestas simbologias. Posto isso, esta dúvida traz à memória uma experiência vivida por Campbell (1995), em que

No Japão durante um congresso internacional sobre religião, Campbell entreouviu outro delegado norte-americano, um filósofo social de Nova Iorque, dizendo a um monge xintoísta: “Assistimos já a um bom número de suas cerimônias e vimos alguns de seus santuários. Mas não chego a perceber sua ideologia. Não chego a perceber a sua teologia”. O japonês fez uma pausa, mergulhando em profundo pensamento, e então balançou lentamente a cabeça. “Penso que não temos ideologia”, disse. “Não temos teologia. Nós dançamos” (CAMPBELL, 1995, p. 8).

Diante disso, Ostrower (apud FARIA e GARCIA, 2003, p. 40) destaca que

É essa dimensão fundadora da arte que necessita ser resgatada, porque — como nos diz Fayga Ostrower — “quando o homem moldou a terra moldou a si mesmo”. Construiu, digamos, a sua própria imagem. Há aí algo de misterioso embutido em uma pergunta de Fayga: “Que tipo de linguagem é esta que não precisa de interpretação e comunica há milênios sem perder o núcleo da expressividade?” (OSTROWER apud FARIA e GARCIA, 2003, p. 40).

Nesse contexto, a afirmação acima remete a uma linguagem que humaniza a sociedade pela significação da criação. Assim, o artista representa alguém da coletividade ou a própria coletividade que recupera a poesia da coisa em si e a envolta em um mistério essencial ao reencanto existencial humano. E isso mostra que ao criar o artista se liga ao cosmo. Sua produção tem algo de mágico que é transmitido a quem observa, o que traz ao mundo sentimento, percepção e consequentemente transformação. Dessa forma:

Na confluência dos bens simbólicos e espirituais, temos a arte, que impulsiona relações entre pessoas e grupos, renovando vivências, laços de solidariedade, criando imaginários e poéticas imprescindíveis para o conhecimento do outro e de si mesmo. Nesse sentido, desenvolver-se com arte pode tornar a nossa vida mais alegre e o nosso olhar mais sensível à realidade cotidiana. Pode contribuir para a criação de um rico imaginário, apoiado nas raízes e na criatividade coletiva do presente; e resgatar poéticas que dão um sentido à vida em comunidade pela alegria, o lúdico, a imaginação. (FARIA e GARCIA, 2003, p. 43-44).

Neste caso, a arte tem um universo de signos que proporcionam ir além do mensurável e do palpável. Ela alimenta a alma. Ela conecta o homem a elementos imateriais do universo. Sua função é inerente à humanidade. “Brice Parfait, […], afirma ser a arte o ‘último degrau do conhecimento’, e o artista o ‘mensageiro do invisível’” (FARIA e GARCIA, 2003, p. 42). Ela possibilita a conexão com os mistérios do cosmo e da erudição para então reinventar a vida.

Diante disso,

Nietzsche diz algo similar. Segundo ele, só a arte tem o poder de produzir representações da existência que nos possibilitam viver. São essas representações — terreno fértil para a criação artística — que, passando pelos imaginários individual e coletivo, nos possibilitam reinventar o mundo. […] Além de impulsionar transformações sociais, pode contribuir para reencantar o mundo a partir do estabelecimento de fortes trocas simbólicas e formar, assim, uma comunidade de emoção. (FARIA e GARCIA, 2003, p. 39-40).

Todavia, destaca-se que os interesses mercadológicos sufocam esta expressão simbólica a fim de impossibilitar mudanças significativas, pois acima de tudo são movidos pelo desejo do poder, pelo qual se corrompem, e, de certa forma, estagnam o mundo. Galadriel, a elfa do filme O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel, diz que “o coração do homem é facilmente corrompido”. E foi esse caráter que levou muitos homens a falsearem linguagens artísticas, difundindo ideias que os mantivessem no domínio.

As trocas dos dias de hoje são realizadas por uma globalização “que desfaz modos de vidas locais” e “expropria milhões de seres humanos de suas referências culturais e de suas próprias vidas” (FARIA e GARCIA, 2003, p. 27), aniquilando a pluralidade encantadora das identidades, fundada na beleza das diferenças. E isso é totalmente diferente de conduzir a busca da identidade de uma nação. A arte é construtora da diversidade. “O mundo no futuro deve afirmar a diversidade: um mundo repleto de outros mundos” (FARIA e GARCIA, 2003, p. 48). Por isso, os autores propõem construir uma nova forma de globalizar.

A defesa da identidade não está em negar o processo de globalização, ou seja, o encontro de várias culturas no mundo, mas em fortalecer tradições e rupturas com o rosto e as cores dos impulsos mais generosos da localidade. É assim que os seres humanos podem criar, a partir de suas heranças culturais, modos de vida sustentáveis. A defesa de uma globalização da solidariedade, cosmopolita e multicultural, deve estar no nosso horizonte (FARIA e GARCIA, 2003, p. 62).

Para isso, a arte precisa ser de todos e estar com todos. É preciso democratizá-la. Possibilitar que o povo se integre a ela. Sem ser propriedade de ricos ou carência de pobres, ela necessita comungar com a coletividade. A arte não é um domínio apenas de gênios. Eles verdadeiramente existem, tem-se a herança de suas obras para comprovar. No entanto, a arte é intrínseca ao homem, independente de alguns se tornarem gênios e outros não. O relevante é fazer o povo voltar a experienciá-la, e assim, voltar a sonhar. Afinal, como diz Borges, “a beleza está à espreita por toda a parte é necessário promover mais encontros com ela” (FARIA e GARCIA, 2003, p. 41). E isso demanda mudança como aponta a próxima menção:

Para isso, é necessário virar o mundo de cabeça para baixo. Inverter a proposição de que ser é ter. Buscar o lúdico no cotidiano. Olhar o mundo com espanto. O espanto de estar vivo, tão misterioso quanto o não-ser. (FARIA e GARCIA, 2003, p. 35).

E é pensando em todas estas colocações acima que se pode dizer que a genuína arte não tem preconceitos, racismos, ideologias, teologias, filosofias, dogmas ou tiranias. Ela tem a capacidade de transpor o mercado, mesmo que esteja à venda; tem a capacidade de suplantar qualquer tipo de controle, mesmo o mais tirânico; tem a capacidade de converter o horror em encanto e denunciar pelo encanto o horror. Ela está relacionada com todos os sentidos, possibilitadores de pensamentos e emoções que revelam verdades e sensações de forma tão profunda que transforma tanto quem a faz quanto quem a recebe.

3. SURGIMENTO DA INDÚSTRIA CULTURAL

Com o passar dos séculos o homem realizou muitas descobertas. Neste processo, tem-se a Revolução Científica que ocorreu mais ou menos entre os sécs. XV a XVIII e marcou a Idade Moderna com um novo olhar sobre o mundo. Foi um período em que houve uma grande valorização do homem e mudanças no contexto histórico-social que transformaram a mentalidade humana. Entre elas a derrocada do feudalismo para o capitalismo, a formação das nações, o mercantilismo que desencadeou as grandes navegações e a descoberta do Novo Mundo, a Reforma Protestante e a invenção da imprensa (COTRIM, 2000).

Assim, as descobertas científicas impulsionaram o surgimento da Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra, entre os sécs. XVIII e XIX, marcando a passagem da Idade Moderna para a Contemporânea. Foi neste período que o capitalismo se consolidou, provocando uma mudança em todos os aspectos da cultura humana. Entre essas mudanças, Cotrim (2000) destaca a substituição da força muscular pela energia a carvão, eletricidade e petróleo; o aço passou a ser usado em larga escala; inventou-se a locomotiva elétrica, o motor a gasolina, o automóvel, o motor a diesel, o telégrafo, o telefone, o rádio etc.; surgiram duas classes sociais: a rica dona das fábricas e a pobre trabalhadora assalariada; no lugar do governo dos reis e do poder da Igreja Católica criou-se as formas de eleição feitas pelo povo; surgiu a ideia de progresso e de enriquecimento com aspecto competitivo, etc., nascendo uma sociedade moderna com mudanças nas áreas da economia, política e ideologia. Neste contexto, o trabalho tornou-se alheio de quem o faz, não pertencendo mais ao trabalhador e sim ao dono dos meios de produção.

Assim sendo, Marx (apud COTRIM, 2000, p. 29) aponta que

Primeiramente, o trabalho alienado se apresenta como algo externo ao trabalhador, algo que não faz parte de sua personalidade. Assim, o trabalhador não se realiza em seu trabalho, mas nega-se a si mesmo. Permanece no local de trabalho com uma sensação de sofrimento em vez de bem-estar, com um sentimento de bloqueio de suas energias físicas e mentais que provocam cansaço físico e depressão.

Essas características se dão devido ao novo modo de produção, que inclusive limita sensivelmente a liberdade. Outro fator de mudanças, como nos diz Caldas (1986, p. 31), foi “[…] a grande concentração populacional no meio urbano, o crescimento desordenado das cidades, a produção industrial em larga escala etc.” O autor reforça que foi neste contexto que a burguesia buscou “[…] legitimar seu poder e controle sobre a sociedade, escudada justamente nos princípios democráticos da igualdade, liberdade e justiça material”. Porém, essas e outras circunstâncias à época, geradas pelo capitalismo, provocaram enormes problemas sociais e isso levou o filósofo alemão Karl Marx junto com Engels a elaborar o socialismo científico, de grande influência nos tempos modernos.

Assim:

Para Marx, a forma como os indivíduos se comportam, agem, sentem e pensam se vincula com a forma como se dão as relações sociais. Essas relações sociais, por seu lado, são determinadas pela forma de produção da vida material […].

Ao falar da produção material da vida, ele não se refere apenas à produção de inúmeras coisas necessárias à manutenção física dos indivíduos. Ele está considerando também o fato de que, ao produzirem todas essas coisas, os homens constroem a si mesmos como indivíduos.

[…] no pensamento de Marx a dialética […] permite compreender a história em seu movimento, em que cada etapa é vista não como algo estático e definitivo, mas como algo transitório, que pode ser transformado pela ação humana.

[…] as grandes transformações históricas se deram primeiramente no campo da economia, causadas por contradições geradas no interior do próprio modo de produção. […] feita pelos homens, que interferem no processo histórico e podem, dessa forma, transformar a realidade social, sobretudo se alterarem seu modo de produção.

Ele afirma que a passagem de um modo de produção a outro se dá no momento em que o nível de desenvolvimento das forças produtivas entre em contradição com as relações sociais de produção. […]. Cabe à classe social que possui um caráter revolucionário intervir […] através de ações concretas, práticas, para que essas transformações ocorram (COTRIM, 2000, p. 200-202).

Estas ideias tiveram grande impacto na sociedade moderna. E muitos estudiosos se debruçaram sobre elas. O seu objeto de estudo era a sociedade capitalista moderna, também denominada sociedade de massa; nome que passou a designar a grande quantidade de pessoas que viviam nas cidades, pois seu aspecto humano foi transformado em algo sem forma, uma massa, que podia ser moldada (COTRIM, 2000). Além disso, é bom enfatizar que a sociedade de massa, como diz Caldas (1986, p. 30), apresenta característica como: “[…] o isolamento, a perda da individualidade, a padronização, a atomização do indivíduo e uma cultura estandardizada […]”.

[…] sociedade de massa, termo que busca caracterizar a sociedade atual, na qual o avanço tecnológico é colocado a serviço da reprodução da lógica capitalista, enfatizando o consumo e a diversão como formas de garantir o apaziguamento e a diluição dos problemas sociais. (COTRIM, 2000, p. 223).

Para estabelecer seu controle sobre esta população, a classe alta passou a difundir ideologias que alienam ainda mais o homem de si mesmo, construindo ideias avessas à prática do pensamento crítico. Através da disseminação de verdades aparentemente “naturais” estabeleceu-se um comportamento passivo à maioria. Assim, de acordo com Cotrim (2000), se empobreceu o discurso, a análise e o pensamento humano através destas ideologias. A esse respeito o autor nos esclarece o conceito da palavra ideologia baseado em uma análise de Marx.

De acordo com a interpretação mais conhecida e difundida, ideologia não seria apenas um conjunto de idéias que elaboram uma compreensão da realidade, mas um conjunto de idéias que dissimulam essa realidade, porque mostram as coisas de forma apenas parcial ou distorcida em relação ao que realmente são. O que se buscaria ocultar ou dissimular na realidade seria, por exemplo, o domínio de uma classe sobre outra. (MARX apud COTRIM, 2000, p. 47).

E foi pelos meios de informação que essas ideologias foram espalhadas na sociedade. Afinal, a invenção da imprensa por Gutenberg, ainda no séc. XV, já havia possibilitado a impressão de um número maior de exemplares em menos tempo, sendo a Bíblia o primeiro. Consecutivamente, no séc. XVIII, já existia grande circulação de impressos, até porque a educação ficou mais acessível e muitas pessoas aprenderam a ler. Foi nesta conjuntura que o jornal se tornou o meio de comunicação de massa, seguido do rádio e da televisão (SANTOS, 2003).

[…] os meios de comunicação de massa passaram a dominar a comunicação, por ampliarem o espectro de seus receptores, pela quantidade de informações que vinculam e pelo tempo em que se fazem presentes na vida das pessoas. (SANTOS, 2003, p. 45).

Estes meios de comunicação de massa se reportavam a espectadores, ouvintes ou leitores passivos, meros receptores das informações. Eram mídias que pertenciam ou estavam atreladas à burguesia, servindo assim, aos seus propósitos, que eram: além de dominar a massa, o lucro, motor do sistema capitalista (SANTOS, 2003). Neste contexto, produziu-se uma cultura a fim de controlar os humanos e moldá-los de acordo com os interesses da classe dominante, surgindo, assim, a cultura de massa.

A cultura de massa mudou inteiramente o estilo de vida das pessoas, revolucionando e criando as mais variadas alternativas para o consumo de objetos e produtos culturais. […] Aqui o consumo é elevado à sua potência máxima e ao cidadão cabe assumir seu papel de consumidor sempre mais (CALDAS, 1986, p. 9).

Tais conjunturas acima citadas levaram muitos pensadores, como os da Escola de Frankfurt, que eram em sua maioria marxistas, a especularem esta realidade.

3.1 OS PENSAMENTOS DA ESCOLA DE FRANKFURT

Esta escola iniciou com a fundação do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt em 1923. Ela funcionava junto à Universidade de Frankfurt, mas possuía autonomia financeira e acadêmica, possibilitando o debate livre. Além das ideias de Marx, esses teóricos refletiram sobre a teoria de Freud, Hegel, Kant, Nietzsche e Max Weber. Sua produção ficou conhecida como a teoria crítica, e seus principais pensadores foram: Jurgen Habermas, Walter Benjamin, Erich Fromm, Herbert Marcuse, Theodor Adorno e Max Horkheimer. Dessa forma, entre eles, destaca-se os dois últimos por elaborarem dois conceitos convenientes a esta discussão: a dialética do esclarecimento e a indústria cultural (SANTOS, 2003).

O primeiro, segundo Santos (2003, p. 88), “desmascara a idéia de que a racionalidade libertaria a humanidade por meio da técnica. […] o iluminismo […], que se apoiava na racionalidade científica – libertou o homem do misticismo, mas o acorrentou à razão”. Assim, o homem passou a ter uma posição secundária dentro da sociedade.

A racionalidade técnica, na sociedade capitalista, em lugar de garantir a autodeterminação dos indivíduos, submeteu-os à dominação de uma sociedade regida por princípios econômicos, excluindo a condição de se insurgirem contra o sistema estabelecido. (SANTOS, 2003, p. 88).

Então, enquanto Marx acreditava na possibilidade de mudança pela revolução, Adorno e Horkheimer pareciam desesperançosos em relação a isso.

[…] Horkheimer e Adorno, […] fazem dura crítica ao iluminismo, que estimulou o desenvolvimento dessa razão controladora e instrumental que predomina na sociedade contemporânea. Denunciam também o desencantamento do mundo, a deturpação das consciências individuais, a assimilação dos indivíduos ao sistema social dominante (COTRIM, 2000, p. 223-224).

Esta cooptação e alienação da consciência humana têm como impulsor principal o segundo conceito tratado pelos dois teóricos frankfurtianos: a indústria cultural.

Indústria cultural é um termo difundido por Adorno e Horkheimer para designar a indústria da diversão vulgar, veiculada pela televisão, rádio, revistas, jornais, músicas, propagandas etc. Através da indústria cultural e da diversão se obteria a homogeneização dos comportamentos, a massificação das pessoas. (COTRIM, 2000, p. 224).

O sociólogo Caldas (1991, p. 33) diz que Adorno abandonou o termo cultura de massa, passando a substituí-lo por indústria cultural para “evitar que se confundisse Cultura Popular com Cultura de Massa”, pois a cultura popular é uma manifestação do povo, um conhecimento espontâneo, que muitas vezes vem de tradições antigas. Oliveira (2003, p. 157), por sua vez, corrobora explicitando que ela é “produzida e consumida pela própria população, sem necessitar de técnicas racionalizadas e científicas” e “alcança formas artísticas expressivas e significativas”. Já a cultura de massa, segundo Caldas (1991, p. 33), diz respeito a um produto “que nada oferece de satisfatório ao consumidor”.

Nesse contexto, Caldas (1991) também se reporta às críticas dos dois teóricos em relação à distinção entre a cultura de massa e a cultura erudita, sendo importante lembrar que esta última exige estudo sistematizado, um conhecimento acadêmico, muitas vezes com regras e técnicas rígidas, mas com a mesma função da cultura popular, o enlevo humano. Assim, destaca que a indústria cultural provoca a distorção tanto da cultura popular quanto da erudita, prejudicando a função e a expressão autêntica das duas.

Ao industrializar todos os produtos ela mistura valores da arte popular e da arte erudita com prejuízo de ambas. Isto porque, a primeira perde sua função mais importante que é a de servir como elemento agregador e de sociabilidade através do lazer e da arte. […]. Sua produção cultural passaria por um processo de transformação, de reprodução industrial e de adaptação do consumo em grande escala que acabaria por descaracterizá-la. Dessa forma, a cultura popular tenderia a se distanciar das suas origens e a perder a própria identidade. […] Com a arte erudita os efeitos são semelhantes. Adaptá-la ao consumo de massa, significa adulterá-la para que seja aceita. Mas nesse processo, nessa metamorfose, a grande arte perde sua qualidade, sua seriedade (o termo é de Adorno) para tornar-se um produto Kitsch, ou seja: uma obra de arte diluída e despida de sua grandeza, mas com pretensões de manter seu status de grande arte. (CALDAS, 1991, p. 33-34).

Diante das colocações supracitadas observa-se que a produção humana, especificamente a artística, pela qual o homem se realizava e encantava o mundo, parece se perder na fabricação industrial, pois a indústria dá grande ênfase à comercialização de produtos, em sua maioria kitsch, termo que vem de kit, algo pré-feito, também denominado de produtos midcult.

3.2 OS PRODUTOS DA CULTURA

A palavra Midcult foi introduzida por Dwight MacDonald (1906 – 1982), escritor norte-americano, filósofo, crítico de cinema etc. Segundo ele, a cultura se manifesta de três formas: superior, média e inferior. Para melhor esclarecê-las, tem-se a seguinte explicação de Coelho (1993).

Não é difícil saber o que abrange o rótulo cultura superior: são todos os produtos canonizados pela crítica erudita, como as pinturas do Renascimento, as composições de Beethoven, os romances “difíceis” de Proust e Joyce, a arquitetura de Frank Lloyd Wright e todos os seus congêneres. Também não é complicado identificar os produtos da midcult: são os Mozarts executados em ritmo de discoteca; as pinturas de queimadas na selva que se pode comprar todos os domingos nas praças públicas; os romances de Zé Mauro de Vasconcelos, com sua linguagem artificiosa e cheia de alegorias fáceis, daquelas mesmas que as escolas de samba fazem desfilar todos os anos na avenida; as poesias onde pulula um lirismo de segunda mão e de chavões; as fachadas das casas que, pelo interior adentro, reproduzem, desbastadamente, o estilema (isto é, o traço central do estilo) do Palácio da Alvorada. E os exemplos poderiam continuar indefinidamente, segundo a memória e a imaginação de cada um.

Já quando se tenta catalogar os produtos típicos da masscult, a facilidade não é a mesma. Antes de mais nada, há um equívoco em que geralmente se incorre: o fato de a cultura fornecida pelos meios de comunicação de massa (rádio, TV, cinema) vir comparada com a cultura produzida pela literatura ou pelo grande teatro, quando deveria ser relacionada com a cultura proveniente desses outros grandes meios de comunicação de massa que são a moda, os costumes alimentares, a gestualidade, etc. Superada essa barreira, surgem as outras dificuldades. Por exemplo, nos anos vinte e trinta, as histórias em quadrinhos puderam ser classificadas, por MacDonald e seus amigos, como sendo um produto típico da masscult. Hoje esse conceito não é tão pacífico assim. Muitos dos que conheceram Flash Gordon ou Little Nemo (mais recentemente: Jacovitti) não aceitam o rótulo de masscult para esses produtos, embora reconheçam que ele vai muito bem para coisas como Batman e Pato Donald. De igual modo, se mesmos fãs das telenovelas reconhecem seu caráter degradado, os admiradores do rock jamais chamariam de masscult uma forma musical que já teve um caráter contestatório (COELHO, 1993, p. 8-9).

Como citado por Coelho (1993), para MacDonald era muito clara a diferença entre as formas de manifestação da cultura. Mas isso mudou, pois mesmo quando insurgem movimentos como a contracultura, onde, segundo Oliveira (2003, p. 149), “[…] contestam certos valores culturais vigentes, opondo-se radicalmente a eles, […]”, como foi o caso dos hippies, eles são logo absorvidos pela indústria cultural e transformados em moda comercializável. Por isso, Coelho (1993) mostra a dificuldade em estabelecer quais são os produtos da cultura de massa atualmente. Afinal, muitos artigos que no passado foram considerados cultura de massa, como o cinema, hoje são arte expressivamente autênticas. Diante desta questão, o sociólogo chama atenção à necessidade de abrir mão de preconceitos relacionados a esta produção.

4. CONCLUSÃO

Tendo em vista que o presente artigo visou responder a questão norteadora: qual é o significado da arte para o desenvolvimento humano e como a indústria cultural interfere nessa relação? Com o objetivo de refletir sobre o papel da arte no desenvolvimento humano, contemplando a influência do surgimento da indústria cultural neste processo, por meio desta pesquisa, foi possível observar que a arte é essencial na formação humana, faz parte da cultura de todos os povos e tem a capacidade de ressignificar a existência no tempo e no espaço. Porém, ao olhar para a cultura dentro do processo industrial depara-se com uma lógica avessa ao extraordinário revelador da arte.

A indústria buscou enfraquecer as criações reveladoras e fortaleceu um entretenimento voltado ao mercado global. Produziu uma cultura banalizada e massificada que tem conduzido o homem contemporâneo à apatia, à coisificação e a um vazio de ideias, e através dos meios de comunicação de massa, essas ideologias têm sido disseminadas e calcificadas dia após dia, corroborando com a formação de um povo controlável e inerte; e assim, conduzindo a sociedade à barbárie. O mundo passou a funcionar sob a ótica do tecnicismo, das futilidades, dos preconceitos e da violência. Frente a este contexto, acredita-se que urge a valorização da arte e da cultura para enriquecer a compreensão do mundo e impulsionar o desenvolvimento humano.

REFERÊNCIAS

CALDAS, Waldenyr. Cultura de Massas e Política de Comunicações. 2ª ed. São Paulo: Editora Global, 1991.

CAMPBELL, J. O poder do mito. Tradução de Felipe Carlos Moisés, São Paulo: Editora Palas Athena, 1990.

COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural. 35ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1993 (Coleção primeiros passos, vol. 8).

COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. 15ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2000.

FARIA, Hamilton; GARCIA, Pedro. Arte e identidade cultural na construção de um mundo solidário. 2ª ed. São Paulo: Instituto Pólis, 2003.

O SENHOR dos Anéis: A Sociedade do Anel. Direção: Peter Jackson. Produção: Robert Shaye e Peter Jackson. Interpretes: Elijah Wood, Sean Astin, Ian McKellen e outros. EUA e Nova Zelândia: New Line Cinema e WingNut Films. 2001. 1 DVD (178 min.) widescreen, color., legendado.

OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Introdução à Sociologia. 24ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2003.

SANTOS, Roberto Elísio dos. As teorias da comunicação: da fala à internet. São Paulo: Paulinas, 2003 (Coleção comunicação-estudos).

[1] Mestranda Profissional em Filosofia PROF-FILO na Universidade Federal do Amazonas – UFAM, Especialista em Metodologia de Ensino em Filosofia e Sociologia pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI, Bacharel em Comunicação Social pelo Centro Universitário do Norte – UNINORTE, Licenciada em Filosofia pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM. ORCID: 0000-0001-9989-9228.

[2] Orientadora. ORCID: 0000-0001-8230-4857.

Enviado: Setembro, 2020.

Aprovado: Junho, 2022.

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Narda Teles Yamane

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