REVISÃO INTEGRATIVA
BESERRA, Luciana Adaclei Lopes [1]
BESERRA, Luciana Adaclei Lopes. Tuberculose em povos indígenas no Brasil: Revisão bibliográfica. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 02, Vol. 09, pp. 81-89. Fevereiro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/povos-indigenas
RESUMO
A população indígena representa cerca de 4% da população brasileira, que residem em área rural ou urbana. Embora seja uma população dada como especial quando relacionada aos determinantes sociais e de saúde, sendo a tuberculose um dos principais agravos para essa comunidade, existem poucos dados demográficos ou registros do perfil epidemiológico. Apesar de representar uma pequena parcela da população, os indígenas têm os mesmos direitos garantidos na Constituição Federal, mas ainda assim são um público com acesso mais dificultoso aos níveis de saúde secundários e terciários. Trata-se de uma revisão integrativa a partir de artigos e teses coletados do LILACS no período de 2010 a 2020, utilizando os descritores “saúde indígena”, “tuberculose” e “epidemiologia”. Foi realizada uma análise dos dados com o objetivo de sintetizar os estudos sobre as regiões com maior prevalência de tuberculose no Brasil, que embora esteja crescendo, ainda conta com um número baixo de artigos, porém suficientes para realizar um estudo.
Palavras-Chave: saúde indígena, tuberculose, população indígena, epidemiologia.
INTRODUÇÃO
A população estimada do Brasil até o ano de 2010, contava com mais de 195 milhões de habitantes, porém apenas 0,4% desse quantitativo eram de pessoas declaradas indígenas, vivendo em áreas rurais ou centros urbanos, sendo excluídos dessa contagem índios brasileiros considerados isolados. São mais de 270 línguas faladas e 305 etnias por todo território brasileiro e a maior concentração de etnias estão distribuídas na região norte do país. (IBGE, 2010).
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, o número de indivíduos declarados indígenas supera o marco de 896 mil habitantes (IBGE, 2010). E a cada dez pessoas, quatro se encontram em um status de pobreza extrema. Sendo esse um fator que contribui largamente para o surgimento e agravamento de várias enfermidades, assim como outras questões como: condições sociais ruins, condições sanitárias deficitárias e distância das referências de saúde de níveis secundários e terciários (BRASIL, 2014).
De acordo com Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), dentre os principais agravos na saúde da população indígena adulta, destacam-se a sífilis, hepatites virais, malária, hanseníase e tuberculose (MS, 2018). Os elevados casos de tuberculose (TB) tanto na população indígena quanto na população não indígena, torno-a um problema de saúde pública classificada como grave. Além da alta incidência na população geral, o número exacerbado de óbitos em decorrência dessa doença no Brasil e no mundo causa grande impacto social (BRASIL, 2017). Em 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou a TB como doença infecciosa que mais causou mortes no mundo, ultrapassando até mesmo a AIDS. Foi a doença que ceifou 1,5 milhões de vidas ao redor do mundo em 2014 (NOIA; SALES, 2016). Entre os anos de 2004 a 2013, foram diagnosticados uma média de 755 casos na população indígena por ano, com pico nos anos de 2007, 2011 e 2013, levando 47 vidas só no ano de 2013 (BRASIL, 2014).
Todas as populações que têm baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) se tornam alvos de maior incidência para o desenvolvimento de agravos na saúde, dentre elas a TB, por diversos fatores que estão diretamente relacionados, tais como: baixa escolaridade, acesso restrito à educação, condição de habitação e social precária, economia desfavorável e escassez ao acesso a rede secundária e terciária de saúde. Situação em que se enquadram a comunidade indígena, os moradores de rua e a População Privada de Liberdade (PPL) como mais vulneráveis quando comparados a população geral. Sendo que a população indígena tem mais dificuldade ao acesso secundário e terciário devido à distância dos centros de referência (GUIMARÃES et al, 2012).
Diante do número reduzido de artigos e boletins epidemiológicos mais específicos, devido a dificuldade na obtenção de dados publicados sobre a saúde indígena em sua totalidade sobre a prevalência de casos de tuberculose nas populações indígenas, houve o estímulo para a criação deste artigo como uma revisão de literatura com o objetivo de condensar as publicações com grau de evidência científica, para que se possam aplicar novas estratégias de saúde com a população mais afetada ou melhorar o plano de ação já existente.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo de revisão integrativa de literatura (RIL) com etapas de elaboração e objetivos definidos em: 1) elaboração da questão norteadora: a “População indígena: Qual a região indígena com maior prevalência de casos de tuberculose?”; 2) buscar e selecionar as publicações com as informações pertinentes ao tema e determinar critérios de avaliação (inclusão ou exclusão); 3) classificação e análise dos dados; 4) discussão e apresentação dos resultados.
Foi utilizada a fonte de informação LILACS, usando os descritores: “saúde indígena”, “tuberculose” e “epidemiologia”, resultaram em 63 publicações. Dos 63 artigos encontrados, foram utilizados como critérios de inclusão artigos completos e de acesso livre, com publicação nos idiomas: inglês, português ou espanhol nos últimos 10 anos. O critério de exclusão foi a não obtenção de respostas para a problemática.
RESULTADOS
Com os termos bem definidos, as buscas resultaram em 63 publicações, nos quais 35 foram publicados entre 2010 e 2020 e se encontram disponíveis para leitura integral. Dentre esses, 27 artigos não correspondiam com o questionamento do presente artigo. Na análise final, 8 artigos farão parte do composição deste estudo.
Quadro 1. Publicações selecionadas para compor a base de dados, com especificações de autores, título e periódico.
Artigo |
Autores |
Título |
Periódico |
1 | PAIVA BL, NOGUEIRA LMV, RORIGUES ILA, BASTA PC, FERREIRA ARM, CALDAS SP. | Modelo preditivo de determinantes socioeconômicos da tuberculose em população indígena do estado do Pará, Brasil. | Portal de Revistas de Enfermagem, 2020. http://dx.doi.org/10.5380/ce.v24i0.64835 |
2 | MALACARNE J, GAVA C, ESCOBAR AL, SANTOS RS, BASTA PC. | Acesso aos serviços de saúde para o diagnóstico e tratamento da tuberculose entre povos indígenas do estado de Rondônia, Amazônia Brasileira, entre 2009 e 2011: um estudo transversal. | Epidemiol. Serv. Saúde vol.28 no.3 Brasília 2019 Epub Sep 09, 2019. doi.org/10.5123/s1679-49742019000300002 |
3 | MENDES APM, BASTOS JL, BRESAN D, LEITE MS.
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Situação epidemiológica da tuberculose no Rio Grande do Sul: uma análise com base nos dados do Sinan entre 2003 e 2012 com foco nos povos indígenas
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Rev. bras. epidemiol. 19 (03) Jul-Sep 2016. doi.org/10.1590/1980-5497201600030015 |
4 | PAIVA BL, AZEREDO JQ, NOGUEIRA LMV, SANTOS BO, RODRIGUES ILA, SANTOS MNL. | Distribuição espacial de tuberculose nas populações indígenas e não indígenas do estado do Pará, Brasil, 2005-2013. | Esc. Anna Nery vol.21 no.4 Rio de Janeiro 2017doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0135 |
5 | VIANA PVS | Tuberculose no Brasil: Uma análise dos dados de notificação, segundo macrorregião e raça / cor, para o período 2008-2011. | Biblioteca de Saúde Pública. Rio de Janeiro; s.n; 2014. 110 p. tab, graf. Localização: BR526.1; T616.995, V614t |
6 | BASTA PC, MARQUES M, OLIVEIRA RL, CUNHA EAT, RESENDES APC, SANTOS RS. | Desigualdades sociais e tuberculose: analise segundo raça/cor, Mato Grosso do Sul. | Rev. saúde pública ; 47(5): 854-864, out. 2013. Doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004628 |
7 | MALACARNE J | Tuberculose na população indígena de Rondônia: caracterização do acesso aos serviços de saúde e diagnóstico situacional entre os Wari’ da aldeia Igarapé Ribeirão | Dissertação (Mestrado em Epidemiologia em Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2013. h ttps://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/36441 |
8 | RIOS DPG | Tuberculose entre os indígenas de São Gabriel da Cachoeira, AM: estudo epidemiológico com base em casos notificados e dados provenientes do Distrito Indígena de Iauaretê | Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2011.https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-620503 |
Fonte: autoria própria.
DISCUSSÃO
Como uma realidade ainda dos tempos atuais, a TB é considerada um enorme problema de saúde pública mundialmente. O Brasil e outros 21 países subdesenvolvidos, concentram 82% dos casos de tuberculose do mundo, metade dessa porcentagem distribuída no México, Peru e Brasil. Além da Taxa de Incidência (TI) utilizada como indicador da TB, utiliza-se também o percentual de cura dos novos casos. No nosso quadro atual, apesar do número elevado de casos, contamos com um percentual de cura satisfatório, marcando pouco mais de 70% de sucesso. No entanto a taxa de abandono de tratamento foi mais do que o dobro esperado pela OMS, que recomenda um percentual menor do que 5% (VIANA, 2014).
As desigualdades sociais entre a população indígena e a população geral se tornam mais evidentes ao analisarmos alguns estudos, que trazem comparativos entre as duas categorias. No Mato Grosso do Sul, as taxas de incidências chegam a ser seis vezes maior nos índios residentes em área rural, comparado com a média nacional. A TB se manifesta com mais frequência entre homens do que em mulheres, com a faixa etária predominante entre 20 a 44 anos de idade (BASTA et al., 2013). Enquanto em Rondônia, os mesmo comparativos entre classes, indígenas e não indígenas, traz como resultado, TI dez vezes maior nos povos indígenas. Nessa região, a predominância dessa enfermidade também ocorre em homens adultos (MALACARNE, 2013).
As maiores evidências de TI em relação ao local estão situadas na Região Norte e na região Centro-Oeste (MS, 2019). A afirmação fica ainda mais clara ao analisarmos os demais artigos onde, os principais estudos foram realizados nos estados dessas duas regiões. No estado do Pará, mostram resultados semelhantes sobre a TB, onde a prevalência também é maior entre os homens do que em mulheres, chegando a ter o dobro de casos. Há também outros fatores de adoecimento, como por exemplo: menor grau de escolaridade, uma vez os índios com menos instrução procuram bem menos por serviços relacionados à saúde; e ausência de qualquer benefício de programas do governo (PAIVA et al., 2017).
E ainda como mais uma problemática, nem sempre há o fechamento do diagnóstico em todos os casos de adoecimento, o que pode ocasionar um levantamento de dados incorreto, dando a entender que o número de casos por TB não é alarmante. Assim também como a demora em detectar os casos precocemente nas aldeias, dificultando ainda mais o tratamento e consequentemente o processo de cura.
CONCLUSÃO
Os registros nas bases de dados em relação à tuberculose não tão totalmente fidedignos, apresentando diversas falhas de notificação, como dados incompletos ou duplicados. Fato que prejudica a criação de estratégias para diminuir a incidência de tuberculose nas comunidades indígenas.
No Brasil existe uma relevante diferença nas taxas de morbidade e mortalidade por TB na população geral e principalmente na população indígena. Apesar disso o quantitativo de estudos sobre as desigualdades étnicas é baixíssimo, em alguns casos não contam com nenhum levantamento de dados mais específicos relacionados à comunidade indígena, que é considerada uma população mais vulnerável assim como a População Privada de Liberdade (PPL) e moradores de rua. O baixo número de artigos publicados sobre a saúde indígena pode estar relacionado com a dificuldade em coletar os dados dentro de uma aldeia e nos trâmites necessários para posterior publicação.
AGRADECIMENTOS E FINANCIAMENTO
Meus agradecimentos a Instituição Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus por me incentivar e possibilitar a realização deste artigo e aos meus colegas de trabalho por me apoiarem emocionalmente e proporcionarem um ambiente de tranquilo durante o processo.
REFERÊNCIAS
BASTA, Paulo Cesar et al . Desigualdades sociais e tuberculose: análise segundo raça/cor, Mato Grosso do Sul. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 47, n. 5, p. 854-864, Oct. 2013.
BRASIL. Ministério da Saúde. Brasil livre da tuberculose: Plano Nacional pelo fim da tuberculose como problema de saúde pública. Brasília, 2017. Acesso em : 20 de maio de 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Tuberculose, população indígena e determinantes sociais. Boletim epidemiológico, v. 45, n. 18, p. 1-13, 2014. Disponível em: Acesso em: 20 de maio de 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Especial de Saúde Indígena. Perfil epidemiológico dos indígenas assistidos pelo SasiSUS e panorama dos serviços de atenção primária. p. 1-109. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/3649/13/Perfil%20epidemiologico.pdf Acesso em: 19 de maio de 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Tuberculose, população indígena e determinantes sociais. Boletim epidemiológico, v. 45, n. 18, p. 1-13, 2014. Disponível em: . Acesso em: 20 de maio de 2020.
BRASIL. Boletim epidemiológico. Secretaria de Vigilância em Saúde − Ministério da Saúde. Volume 45 N° 18 – 2014. Disponível em: http://www.saude.gov.br/images/pdf/2014/agosto/13/BE-2014-45–18—-Tuberculose.pdf. Acesso em: 04 de agosto de 2020.
GUIMARÃES, Raphael Mendonça; LOBO, Andréa de Paula; SIQUEIRA, Eduardo Aguiar; BORGES, Tuane Franco Farinazzo; MELO, Suzane Cristina Costa. Tuberculose, HIV e pobreza: tendência temporal no Brasil, Américas e mundo. Jornal Brasileiro de Pneumologia versão impressa ISSN 1806-3713. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-37132012000400014&lng=pt&tlng=pt Acesso em: 02 de junho de 2020.
INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística. População estimada do Brasil. Disponível em : https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados Acesso em: 18 de maio de 2020.
MALACARNE, Jocielii. Tuberculose na população indígena de Rondônia: caracterização do acesso aos serviços de saúde e diagnóstico situacional entre os Wari’ da aldeia Igarapé Ribeirão. Dissertação (Mestrado em Epidemiologia em Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2013. h ttps://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/36441
MALACARNE, Jocieli et al . Acesso aos serviços de saúde para o diagnóstico e tratamento da tuberculose entre povos indígenas do estado de Rondônia, Amazônia Brasileira, entre 2009 e 2011: um estudo transversal. Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília , v. 28, n. 3, e2018231, 2019.
MENDES, Ana Paula Martins et al. Situação epidemiológica da tuberculose no Rio Grande do Sul: uma análise com base nos dados do Sinan entre 2003 e 2012 com foco nos povos indígenas. Rev. bras. epidemiol., São Paulo , v. 19, n. 3, p. 658-669, Sept. 2016.
NOIA, Ethel Leonor Maciel. SALES, Carolina Maia Martins. A vigilância epidemiológica da tuberculose no Brasil: como é possível avançar mais? 2016. Artigo de opinião (SCIELO) – Universidade Federal do Espírito Santo, Laboratório de Epidemiologia, Vitória-ES, Brasil. Acesso em: 25 de maio de 2020.
PAIVA BL, NOGUEIRA LMV, RORIGUES ILA, BASTA PC, FERREIRA AMR, CALDAS SP. Modelo preditivo de determinantes socioeconômicos da tuberculose em população indígena do estado Pará, Brasil. Cogitare enferm. [Internet]. 2019. Acesso em: 20 de maio de 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5380/ ce.v24i0.64835.
RIOS DPG. Tuberculose entre os indígenas de São Gabriel da Cachoeira, AM: estudo epidemiológico com base em casos notificados e dados provenientes do Distrito Indígena de Iauaretê. Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2011. https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-620503
VIANA PVS. Tuberculose no Brasil: Uma análise dos dados de notificação, segundo macrorregião e raça / cor, para o período 2008-2011. Biblioteca de Saúde Pública. Rio de Janeiro; s.n; 2014. 110 p. tab, graf. Localização: BR526.1; T616.995, V614t. Acesso em: 10 de junho de 2020.
YUHARA, L.S. Papel da quimioprofilaxia na prevenção da tuberculose na população indígena. Dissertação. (Mestrado em Ciências da Saúde) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Dourados, 2012.
[1] Enfermeira.
Enviado: Novembro, 2020.
Aprovado: Fevereiro, 2021.