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Relação entre posição de parto e grau de laceração perineal

RC: 147768
701
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/posicao-de-parto

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

BEZERRA, Alessandro Gonçalves [1], MORAES, Ana Clara Monteiro [2], MOLISANI, Julia Terra [3], NASCIMENTO, Lysya Gabriela Andrade [4], RÊGO, Aljerry Dias do [5]

BEZERRA, Alessandro Gonçalves. et al. Relação entre posição de parto e grau de laceração perineal. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 08, Vol. 04, pp. 114-132. Agosto de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/posicao-de-parto, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/posicao-de-parto

RESUMO

As pesquisas relacionadas à manutenção da integralidade do períneo durante o trabalho de parto vaginal abordam o posicionamento adotado pela paciente como um dos fatores relevantes na prevenção de lacerações. Diante da liberdade de movimento da mulher durante a fase ativa do trabalho de parto e a divergência, entre os diferentes serviços, nas orientações repassadas às pacientes, este estudo avaliou a correlação entre posição adotada pela paciente durante o período expulsivo e a ocorrência de lacerações perineais espontâneas. Trata-se de um estudo correlacional, realizado através de entrevista direta com 184 parturientes no maior centro de referenciamento ginecológico e obstétrico do estado do Amapá, o Hospital da Mulher Mãe Luzia (HMML). Os questionamentos se referiam à posição adotada pela paciente, à orientação por parte da equipe de saúde e a presença de laceração. Informações secundárias, como o grau de laceração, a realização de episiotomia, os dados neonatais e o passado obstétrico da parturiente foram colhidos em prontuários e livros de registros da maternidade. Os dados obtidos foram analisados pelo Statistical Pachage for the Social Sciences – SPSS. Os resultados revelam que a posição de escolha de 85,3% das pacientes foi o decúbito dorsal (horizontalizada). Lacerações perineais foram evidenciadas em 53,1%, sendo 4,7% de terceiro grau. A episiotomia teve baixa prevalência (2,8%). Foi observado que 76% das mulheres não receberam orientação durante o pré-natal sobre o posicionamento no trabalho de parto. Já durante o parto, 47,8% receberam algum tipo de aconselhamento. O presente estudo não encontrou associação estatística suficiente entre a posição adotada e o desfecho da integridade perineal. A laceração do períneo, em qualquer grau, foi mais associada ao histórico obstétrico da paciente, sendo prevalente em primíparas. Notou-se, ainda, um déficit na abordagem, com as gestantes, quanto à mobilidade e posicionamento durante o parto, demonstrando a necessidade de intervenção na atenção do aconselhamento, pelos profissionais de saúde, às gestantes amapaenses.

Palavras-chave: Laceração perineal, Parto vaginal, Trabalho de parto, Período expulsivo.

1. INTRODUÇÃO

Lacerações perineais são rupturas dos tecidos perineais por tensão exercida durante o trabalho de parto vaginal e estão relacionadas a características como biofísica fetal, tempo de período expulsivo, características ginecológicas e obstétricas maternas bem como intervenções obstétricas no parto (MATHIAS et al. 2015).

Uma laceração pode ser classificada conforme as estruturas atingidas, lacerações de primeiro grau – lesão apenas de mucosas; laceração de segundo grau – lesão dos músculos perineais e lacerações de terceiro e quarto graus, definidas como lacerações envolvendo respectivamente o esfíncter anal e o esfíncter anal e o epitélio anal. As formas mais extensas representam complicações graves do parto vaginal, podendo causar incontinência fecal, distúrbios do assoalho pélvico, dispareunia, dor crônica e mesmo graves problemas psicológicos e sociais (CUNNINGHAM. 2016; SCHMITZ et al. 2014; SOUSA et al. 2018).

Visando garantir à mulher uma experiência positiva do parto e prevenir complicações a sua saúde, numerosos estudos, sob diferentes abordagens, foram conduzidos, objetivando delimitar maneiras de manter a integralidade do períneo – principalmente em parturientes consideradas de maior risco para a laceração, como nulíparas, gestantes de fetos macrossômicos e extremos de idade. As pesquisas na área ainda são incipientes, mas alguns dos elementos abordados foram uso de compressa térmica, hialuronidase injetável, massagem perineal e posição escolhida pela paciente (ZHOU et al., 2014; HSIEH et al. 2014; PERGIALIOTIS et al. 2020).

Um destes fatores, o posicionamento da parturiente, requer maior atenção e é o enfoque deste estudo. O tema interliga-se com a liberdade de movimento da mulher, por si só divergente entre os serviços, o que permite que a mesma encontre posições corporais que a acalmam e orientam seus esforços durante a fase ativa do trabalho de parto. A paciente pode adotar diferentes posições que, basicamente, são divididas entre posições horizontalizadas e posições verticalizadas (BONAPACE et al., 2018).

Tradicionalmente, posições horizontalizadas eram as mais indicadas por facilitarem intervenções obstétricas, como o estudo do mecanismo de parto,

monitorização cardiotocográfica contínua, indução do trabalho de parto, administração de analgesia e uso de instrumentalização cirúrgica (SCHETTINI et al., 2017).

Contudo, recentes estudos comparam os resultados maternos e neonatais de diferentes posições empregadas. Revisões sistemáticas indicam que posições verticalizadas (banquetas de parto, quatro apoios, sentadas em mesas PPP e cócoras) estão associadas à redução na instrumentalização do parto vaginal, menor realização de episiotomia e menor ocorrência de anormalidades da frequência cardíaca fetal, quando comparadas às posições horizontalizadas (decúbito lateral, deitada com cabeceira elevada 30º e posição de litotomia). Em contrapartida, o parto verticalizado apresentou maior incidência de lacerações perineais de segundo grau (PETRUCCE et al., 2017).

A presente pesquisa objetivou avaliar correlação entre posição adotada pela paciente durante o período expulsivo e a ocorrência de lacerações perineais espontâneas.

2. METODOLOGIA

A presente pesquisa teve como área de estudo o Hospital da Mulher Mãe Luzia (HMML), fundação de caráter público, subordinada à Secretaria de Estado da Saúde (SESA) do Estado do Amapá.  Localiza-se na cidade de Macapá (Amapá), pertencente à Região Norte do Brasil.

A coleta de dados foi realizada a partir de entrevista direta, com ficha padronizada,  interrogando-se a posição da parturiente no período expulsivo e as orientações recebebidas por parte dos profissionais da saúde. Somou-se ainda informações em fonte secundária utilizando prontuários, livros de registros de partos vaginais e indicadores do HMML, incluindo-se partograma, dados neonatais e, a ocorrência de laceração, descrição e grau da lesão. Dentre as informações utilizadas na pesquisa estão: idade, paridade, grau de laceração, posicionamento ao parto e perfil pôndero-estatural do recém-nascido (RN). Os dados coletados foram organizados de forma estatística a fim de verificar associação entre posição no momento do parto e ocorrência de laceração perineal espontânea.

Para os critérios de inclusão, foram elencados os seguintes aspectos:   mulheres  atendidas no HMML , que tenham tido parto vaginal;  em plenas condições de bem-estar físico e mental para participação do estudo;  com o prontuário   corretamente preenchido pelo profissional responsável pela assistência. Que conste assinatura da paciente no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) . Excluem-se do presente estudo dados coletados de pacientes que neguem-se a participar da pesquisa ou que a ficha documental tenha sido preenchida incorretamente.

Ao todo, 184 mulheres foram incluídas no estudo.

Os dados obtidos foram organizados e tabulados pelo programa Microsoftware Excel 2016 e a análise estatística pelo Statistical Package for the Social Sciences-SPSS versão 22.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amapá, com o número de parecer do CAAE: 36769519.7.0000.0003.

3. RESULTADOS

Na tabela 01, são apresentadas  as principais características sociodemográficas, histórico gineco obstétrico e resumo do desfecho do parto das mulheres participantes da pesquisa.

Quanto à faixa etária, 77,3% (136) das mulheres possuíam entre 20 e 39 anos, Importante destacar que 19,9% de mulheres estavam abaixo dos 19 anos; Primigesta representou 27,3% da amostra e 18,6% das gestantes eram grandes multíparas.

A posição de escolha da maioria destas mulheres foi o decúbito dorsal (horizontalizada), opção de 85,3% (157). Lacerações perineais foram evidenciadas em 53,1% (94), sendo apenas 4,7% de 3 graus. A episiotomia teve baixa prevalência – apenas 2,8% (4).

Tabela 01- Caracterização das Mulheres pacientes do Hospital da Mulher Mãe Luzia (HMML), assistidas na maternidade e que tenham dado à luz através de parto via vaginal no período do estudo. Macapá (AP). N:184

N (%) Média±Dp Mediana
Município de Origem  
Macapá 117(67,6)
Outras Regiões 56(32,4)
Nº de Gestação 2,95±1,85 3
1º Gestação 50(27,3)
2-4 Gestação 99(54,1)
≥5 Gestações 34(18,6)
Nº de Abortos 1,67±1,67 1
Sem aborto 56(30,6)
1-2 abortos 76(41,5)
≥3 abortos 51(27,9)
Aborto 0,27±0,59 0
Sim 39(21,3)
Não 144(78,7)
Faixa Etária 25,26±6,37 24
≤19 anos 35(19,9)
20|-|39 anos 136(77,3)
40|-|59 anos 5(2,8)
Nº de consultas pré-natal 5,62±2,82 6
Posição adotada  
Cócoras 9(4,9)
De quatro 1(0,5)
Decúbito dorsal 157(85,3)
Decúbito lateral. 15(8,2)
Sentada 2(1,1)
Laceração  
Ausente 83(46,9)
Presente 94(53,1)
Grau da laceração  
1º Grau 34(53,1)
2º Grau 27(42,2)
3º Grau 3(4,7)
Episiotomia:  
Ausente 138(97,2)
Presente 4(2,8)

Fonte: Autor (2023).

A Tabela 2 resume a percepção subjetiva dessas mulheres frente a experiência do trabalho de parto. Pode-se observar que grande maioria (76%) não recebeu orientação durante o pré-natal em relação às posições durante o trabalho de parto. Já durante período de trabalho de parto, 47,8% receberam algum tipo de orientação.

Tabela 02- Caracterização de orientações sobre posicionamento adequado durante o parto de pacientes do Hospital da Mulher Mãe Luzia (HMML), no período do estudo. Macapá (AP). N:184.

N (%) Média ± Dp Mediana
Orientações recebidas no pré-natal sobre a posição
Não 136(76,0)
Sim 43(24,0)
Orientações sobre posição durante o parto  
Não 94(52,2)
Sim 86(47,8)
Sentiu-se livre para escolher a melhor posição durante o parto  
Não 23(14,4)
Sim 137(85,6)
Houve acompanhante durante o parto?  
Não 34(18,5)
Sim 150(81,5)

Fonte: Autor (2023).

O gráfico seguinte (Gráfico 01) apresenta o perfil do profissional de saúde que assiste às parturientes, com predomínio da equipe de enfermagem (79,69%), seguido pelos profissionais médicos (14,84%).

Gráfico 01- Caracterização do profissional assistente das Mulheres pacientes do Hospital da Mulher Mãe Luzia (HMML), assistidas na maternidade e que tenham dado à luz através de parto via vaginal no período do estudo. Macapá (AP). N:184

Fonte: Autor (2023).

A Tabela 3 apresenta o resultado do cruzamento de dados entre características maternas e fetais e a presença ou ausência de lacerações do períneo. Os únicos dados a obterem p-valor estatisticamente relevante (<0,001) foram os referentes à paridade (número de partos e gestações anteriores), evidenciando que mulheres nulíparas e primigestas apresentavam maior propensão a descontinuidade do períneo. A idade e a posição adotada não indicaram relevância neste grupo.

Tabela 03- Análise de associação entre as características das pacientes do Hospital da Mulher Mãe Luzia (HMML) e presença de laceração, que tenham dado à luz através de parto via vaginal no período do estudo. Macapá (AP). N:184

Laceração
Ausente Presente
N (%) N(%) P-valor¹
Dados da Mãe
Faixa Etária   0,729
≤19 anos 15(18,1) 20(21,5)
20 – 39 anos 65(78,3) 71(76,3)
40 – 59 anos 3(3,6) 2(2,2)
Nº de Gestação   <0,001
1º Gestação 14(17,1) 34(36,2)
2-4 Gestação 41(50,0) 54(57,4)
≥5 Gestações 27(32,9) 6(6,4)
Nº de Aborto   <0,001
Sem aborto 16(19,5) 37(39,4)
1-2 abortos 27(32,9) 46(48,9)
≥3 abortos 39(47,6) 11(11,7)
Posição adotada   0,498
Cócoras 2(2,4) 7(7,4)
De quatro 0(0,0) 1(1,1)
Decúbito dorsal 72(72,7) 78(78,0)
Decúbito lateral. 8(8,6) 7(7,4)
Sentada 1(1,2) 1(1,1)

Fonte: Autor (2023).

¹Teste Exato de Fisher

Tabela 04- Análise de associação entre as características das pacientes do Hospital da Mulher Mãe Luzia (HMML) e o grau de laceração, assistidas na maternidade e que tenham dado à luz através de parto via vaginal no período do estudo. Macapá (AP). N:64

Grau da laceração
1º Grau 2º Grau 3º Grau
N (%) N (%) N (%) P-valor¹
Dados da Mãe
Faixa Etária   0,643
≤19 anos 4(6,3) 3(4,8) 1(1,6)
20|-|39 anos 28(44,4) 23(36,5) 2(3,2)
40|-|59 anos 1(1,6) 1(1,6) 0(0,0)
Nº de Gestação   0,604
1º Gestação 8(12,5) 9(14,1) 1(1,6)
2-4 Gestação 21(32,8) 17(26,6) 2(3,1)
≥5 Gestações 5(7,8) 1(1,6) 0(0,0)
Nº de Partos   0,500
Sem aborto 9(14,1) 9(14,1) 2(3,1)
1-2 abortos 17(26,6) 15(23,4) 1(1,6)
≥3 abortos 8(12,5) 3(4,7) 0(0,0)
Posição adotada   0,655
Cócoras 2(3,1) 4(6,3) 0(0,0)
De quatro 0(0,0) 1(1,6) 0(0,0)
Decúbito dorsal 28(43,8) 19(29,7) 3(4,7)
Decúbito lateral. 4(6,3) 2(3,1) 0(0,0)
Sentada 0(0,0) 1(1,6) 0(0,0)

Fonte: Autor (2023).

¹Teste Exato de Fisher

Tabela 05- Análise de associação entre as características das pacientes do Hospital da Mulher Mãe Luzia (HMML) e presença de laceração, assistidas na maternidade e que tenham dado à luz através de parto via vaginal no período do estudo. Macapá (AP). N:184

Laceração
Ausente Presente
Média±Dp Média±Dp P-valor
  Dados da Mães  
Nº de Gestação 3,65±2,03 2,35±1,51 <0,001
Nº de Partos 2,35±1,88 1,12±1,23 <0,001
Idade 26,10±6,72 24,44±6,06 0,112
Nº de consultas pré-natal 5,25±3,09 5,98±2,53 0,099

Fonte: Autor (2023).

¹Teste U de Mann Whitney

Tabela 06- Análise de associação entre as características das pacientes do Hospital da Mulher Mãe Luzia (HMML) e o grau de laceração, assistidas na maternidade e que tenham dado à luz através de parto via vaginal no período do estudo. Macapá (AP). N:64

Grau da laceração  
1º Grau 2º Grau 3º Grau
Média±Dp Média±Dp Média±Dp P-valor
Dados da Mães
Nº de Gestação 2,91±1,91 2,30±1,23 2,00±1,00 0,410
Nº de Partos 1,62±1,50 1,11±1,09 0,67±1,15 0,276
Idade 25,64±6,16 25,63±6,18 21,33±3,21 0,404
Nº de consultas pré-natal 5,70±2,26 6,00±2,75 10,33±2,89 0,810

Fonte: Autor (2023).

¹ Teste de Kruskal Wallis

4. DISCUSSÃO

4.1 LACERAÇÕES PERINEAIS

Apesar das taxas mais baixas de morbidade materna e neonatal associadas ao trabalho de parto via vaginal, o trauma perineal ainda é comum nestas pacientes, afetando 53 a 79% das mulheres em todo o mundo.

A presente pesquisa encontrou lacerações  em 53,1% das participantes, totalizando 94 mulheres, sendo  53,1% com lacerações de primeiro grau, 42,2%  de segundo grau e 4,7%  terceiro grau. Não houveram lesões de quarto grau registradas.

Os fatores que apresentaram relevância estatística na ocorrência de lesão perineal espontânea foram a paridade e o número de gestações (p <0,001) evidenciando tendência de laceração em  nulíparas e primigestas.  Outros aspectos explorados, como a idade, número de consultas pré-natal e posição adotada no momento no parto não evidenciaram associação estatística relevante se comparados os graus de laceração.

Os achados deste grupo encontram tanto confluências quanto divergências quando comparados à literatura. Pesquisa observacional realizada na cidade de Florianópolis com 244 parturientes via vaginal expôs prevalência de 62,7% de laceração perineal, e, em semelhança aos resultados apresentados, a posição materna durante o parto e o peso do recém-nascido não determinaram p-valor significante em associação às lesões. Entretanto, os dados do estudo catarinense divergem ao apontar idade maior ou igual a 35 anos como fator associado (p = 0.03) e paridade como não significante (p = 0.165) (SANTOS et al., 2018).

Em extenso registro longitudinal na França, entre 2000 e 2009, totalizando 19.442 mulheres que tiveram parto vaginal, Schmitz documentou apenas 0,5% de lesões perineais graves, delimitando como principais fatores de risco independentes a nuliparidade, orientação occipito-posterior persistente do pólo cefálico fetal e aumento do peso ao nascer (SCHMITZ et al., 2014).

Ampla meta-análise de revisão sistemática, com população de 716.031 parturientes revisados de artigos do Medline, Scopus, Scholar google,  e Cochrane, revelou prevalência de 3,1% de lacerações de terceiro e quarto graus, identificando a episiotomia da linha média e a posição occipito-posterior do feto associados ao maior risco (PERGIALIOTIS et al., 2020).

4.2 POSIÇÃO ADOTADA DURANTE O TRABALHO DE PARTO

No presente estudo, o decúbito dorsal foi a posição majoritária, adotada por 85,3% (157) das mulheres, em segundo lugar o decúbito lateral adotado por 8,2% (15). As posições de quatro (0,5%) e sentada (1,1%) foram as de menor preferência. Nove (4,5%) mulheres optaram pela posição “de cócoras”, ou agachada. É possível que esta opção guarde alguma relação com influências da cultura indígena no Amapá, uma vez que a literatura prévia especializada relata ser a posição mais adotada entre parturientes desta etnia na comunidade de origem (TORNQUIST, 2002; AZEVEDO, 2009).

A alta taxa de pacientes que optaram pela posição horizontalizada deve ser analisada em conjunto com a sensação de liberdade referida pelas participantes. Entre elas, 85,6% (137)  alegaram sentimento de liberdade no período do parto, possibilitando admitir que, apesar dos referidos benefícios da posição verticalizada, a maioria das mulheres atendidas optou voluntariamente pela posição horizontalizada. Entretanto, faz-se pertinente cautela na interpretação destes achados, pois uma baixa taxa de orientação acerca das possíveis posições – apenas 47,8% (86) receberam esse tipo de informação durante o parto e somente 24% (43) receberam durante a assistência pré-natal – o que pode ter influência no processo de decisão, pelo desconhecimento das plenas possibilidades.

Por sua vez, estudos argumentam a favor da movimentação durante o trabalho de parto e o posicionamento vertical, encontrando associação entre estes e o alívio da dor, melhor circulação materno-fetal, melhor oxigenação fetal e contrações uterinas mais eficazes. Guideline para a prática clínica de equipes obstétricas aprovado pela Society of Obstetricians and Gynaecologists of Canada  associam essas condutas também à redução da duração do trabalho de parto, descida fetal facilitada e diminuição do trauma perineal (BONAPACE et al., 2018).

Diante destes achados e das recomendações das entidades mais consagradas na área, conclui-se que  mudanças frequentes de posição durante o trabalho de parto são naturais na busca materna pelo conforto e podem promover o posicionamento fetal ideal. A mobilidade deve ser apoiada pela equipe assistente, desde que as posições adotadas permitam o monitoramento e tratamentos maternos e fetais adequados e não sejam contra-indicadas por complicações médicas ou obstétricas maternas (ACOG, 2019).

4.3 ASSISTÊNCIA E ORIENTAÇÃO PRÉ-NATAL

As desigualdades regionais no acesso e na qualidade da assistência pré-natal e ao parto entre as usuárias dos serviços públicos ainda são evidentes. Apesar da alta cobertura em âmbito nacional, a proporção de mulheres sem nenhum pré-natal é 60% maior na região Norte do que a média do país. A região Norte detém também particularidades como a maior proporção de mulheres com três ou mais partos anteriores e maior deficiência em exames de ultrassom, com cobertura inferior a 70% (LEAL et al., 2020).

Não obstante, o estudo mostrou que a média de consultas pré-natal por mulher entrevistada foi de 5,62, revelando-se limítrofe ao mínimo de 6 consultas recomendadas pelo Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento – PHPN. Além disso, 136 mulheres declararam não ter recebido nenhuma orientação quanto à posição no momento do parto, revelando a falta de orientação recomendada pelo PHPN sobre adoção livre de posição no momento do parto pela parturiente.

4.4 PRESENÇA DE ACOMPANHANTE NO PARTO

Das mulheres participantes desta pesquisa, 81,5% (150) informaram estar acompanhadas – por pessoa de sua escolha, durante o momento do parto. A pesquisa não objetivou elucidar as razões pelas quais 18,5% (34) dessas gestantes vivenciaram o parto desacompanhadas.

A prevalência de partos acompanhados é um comemorativo das diretrizes atuais do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos direitos da mulher e sua família. Segunda a Lei Federal n. 11.108/2005, popularmente conhecida como “Lei do Acompanhante”, os serviços de saúde do SUS, em rede própria ou conveniada, possuem o dever de permitir a presença de um acompanhante da parturiente durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato – a própria mulher deve indicar o acompanhante de sua preferência (SOUZA et al., 2016).

Todavia, mesmo amparado pelo legislativo, frequentemente mulheres e seus acompanhantes enfrentam dificuldades no exercício deste direito. Pesquisa realizada em Santa Catarina, composta por 138 serviços de assistência obstétrica vinculados ao SUS, apenas 54,8% referiram que sempre permitem a presença do acompanhante, chegando a 11,9% os serviços que nunca permitem (BRUGGEMANN et al., 2013).

A presença do acompanhante incide igualmente sobre desfechos favoráveis e tendências mensuráveis no trabalho de parto. Os estudos analisados, coletados em 17 diferentes países e totalizando 15.858 mulheres, forneceram dados que possibilitaram inferir que mulheres que contaram com suporte contínuo eram mais propensas a ter um parto vaginal espontâneo e menos propensas a usar qualquer analgesia intraparto. Além disso, seus partos foram mais curtos e o desfecho em parto cesáreo ou vaginal instrumentalizado foi reduzido. Também apresentaram menor frequência de analgesia regional e bebês com um índice de Apgar baixo em cinco minutos (BOHREN et al., 2017).

5. CONCLUSÃO

Este estudo buscou analisar a influência da posição adotada pela parturiente no período expulsivo e o desfecho de sua integridade perineal. Entretanto, não foi encontrada associação estatística suficiente entre os elementos. A laceração perineal em quaisquer graus foi mais associada ao histórico obstétrico da paciente, sendo prevalente em primíparas. Nenhuma das características fetais analisadas demonstrou impacto relevante na integridade perineal.

Paralelamente, expõem-se média de consultas pré-natal abaixo do número mínimo recomendado pelo Ministério da Saúde e lacuna de orientações cedidas à gestante quanto à mobilidade e posicionamento durante o parto, demonstrando deficiência quali-quantitativa na atenção básica prestada à mulher amapaense.

A experiência das participantes do estudo perante o atendimento hospitalar foi predominantemente positiva no sentido de percepção de liberdade e direito ao acompanhante.

Com base nos dados obtidos, para a diminuição de lacerações no momento do parto vaginal, faz-se necessário intervenção na atenção do aconselhamento por parte dos profissionais assistentes e liberdade quanto a posição adotada na sala de parto pela parturiente.

REFERÊNCIAS

ACOG. Committee Opinion No. 766. Obstetrics & Gynecology, 133(2), e164–e173; 2019. DOI:10.1097/aog.0000000000003074.

AZEVEDO, Marta. Saúde reprodutiva e mulheres indígenas do Alto Rio Negro. Cad. CRH, Salvador, v. 22, n. 57, p. 463-477, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-49792009000300003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 26 Mar. 2021.  https://doi.org/10.1590/S0103-49792009000300003.

BOHREN, M. A. et al. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database of Systematic Reviews; 2017. DOI:10.1002/14651858.cd003766.pub6

BONAPACE, J. et al. No. 355-Physiologic Basis of Pain in Labour and Delivery: An Evidence-Based Approach to its Management. Journal of Obstetrics and Gynaecology Canada, 40(2), 227–245; 2018. DOI:10.1016/j.jogc.2017.08.003

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[1] Graduando em medicina. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8978-4873.

[2] Graduanda em medicina. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4744-666X.

[3] Graduanda em medicina. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0101-9304.

[4] Graduanda em medicina. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7681-556X. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/7090589807093085.

[5] Orientador: Mestre em Ginecologia USP. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3049-7727.

Enviado: 27 de junho, 2023.

Aprovado: 24 de julho, 2023.

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