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Cuidados especializados a pacientes com fístulas intestinais em pós-operatório imediato

RC: 136151
4.908
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/fistulas-intestinais

CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

CARMO, Vanessa Liberato Rosa do [1], VILELA, Viviane Gabriela Sevidanes [2], SANTOS, Aryane Simone Silva [3]

CARMO, Vanessa Liberato Rosa do. VILELA, Viviane Gabriela Sevidanes. SANTOS, Aryane Simone Silva. Cuidados especializados a pacientes com fístulas intestinais em pós-operatório imediato. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 12, Vol. 07, pp. 187-200. Dezembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/fistulas-intestinais, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/fistulas-intestinais

RESUMO 

As fístulas intestinais são formadas após a abertura e drenagem na área do abscesso da cavidade abdominal. A falta de protocolos institucionais é um viés encontrado no cuidado de enfermagem no tratamento de fístulas intestinais. Este artigo trata-se de uma revisão bibliográfica, com base na seguinte questão norteadora: Quais os cuidados de enfermagem para o manejo da pessoa com fístula intestinal? Tal questionamento objetivou identificar e listar os cuidados de enfermagem para o manejo da pessoa com fístula intestinal disponibilizados na literatura. Realizou-se uma busca nas bases de dados BVS e Scielo utilizando os descritores: fístula, fístula retal, fissura anal, fístula de Eck. A pesquisa realizada nas bases digitais mostrou uma grande lacuna nas publicações em relação aos cuidados de enfermagem específicos ao paciente portador de fístulas intestinais. O cuidado com a pele perifistula, manejo do efluente, constituem os cuidados de enfermagem elencados nesta revisão. As informações coletadas neste trabalho podem ajudar na criação de protocolos institucionais que auxiliarão no cuidado prestado aos pacientes que desenvolveram fístulas intestinais.

Palavras-chave: Fístula, Fístula retal, Fissura anal, Fístula de Eck.

1. INTRODUÇÃO

Fístula gastrointestinal ou digestiva é a comunicação anormal entre o tubo digestivo e qualquer víscera oca ou cavidade abdominal (fístula interna), bem como com a superfície cutânea (fístula externa). Ela é uma das complicações pós-operatórias mais temidas (WERCKA et al., 2016).

No cuidado de enfermagem ao paciente, os profissionais que participam da reabilitação enfrentam dificuldades no tratamento de fístulas intestinais devido à falta de protocolos institucionais e a pouca ou nenhuma informação acessível aos enfermeiros (GOES et al., 2009).

Os cuidados prestados a estes pacientes são realizados por enfermeiros, devendo, portanto, estes profissionais ter conhecimento suficiente para assistir este paciente na fase aguda e começar a planejar o tratamento em longo prazo, uma vez que são curativos grandes e demandam muito tempo de dedicação (WERCKA et al., 2016).

A contenção das secreções, a prevenção de úlcera de decúbito, a aceitação de uma nova imagem, a proteção da pele e o conforto do paciente são os principais objetivos do tratamento (SANTOS; CESARETTI, 2015).

Os cuidados de enfermagem são essenciais nesse contexto. O cuidado à pele perifistula, a mensuração e a contenção de efluentes e a utilização de equipamentos coletores são elementos fundamentais para auxiliar na cicatrização da fístula. Simultaneamente, é possível buscar atender às demais necessidades do paciente como:  manutenção do conforto, controle da dor, alcance do bem-estar e promoção da mobilidade (SANTOS; CESARETTI, 2015).

Considerando a importância da assistência de enfermagem no tratamento das fístulas intestinais realizou-se uma revisão bibliográfica, com base na seguinte questão norteadora: Quais os cuidados de enfermagem para o manejo da pessoa com fístula intestinal?

O presente artigo tem por objetivo listar os principais cuidados ao paciente com fístulas intestinais, classificar as fístulas intestinais e verificar o que há disponível sobre cuidados com fístulas intestinais na literatura. 

2. METODOLOGIA

Foi realizada uma revisão da literatura exploratória e descritiva com análise qualitativa para atender aos objetivos do estudo utilizando os descritores em português: fístula, fístula retal, fissura anal, fístula de Eck.

Através da busca na BVS com tais descritores foram encontrados 17.226 artigos sem filtro, filtrando-se entre os anos de 2000 a 2017 foram localizados 54 artigos em português, apenas um título estava relacionado com cuidados com fístulas intestinais, que não foi elegível por se tratar de um pôster e não de um artigo completo.

Por meio da busca na plataforma Scielo com o descritor fístula foram encontrados 118 artigos entre os anos 2000 e 2020, estes eram completos e em português.

Os artigos selecionados, além de responderem à questão de pesquisa, deveriam atender aos seguintes critérios: artigos originais, publicados em inglês, português ou espanhol, de modo a considerar o que há de mais atual na literatura. Foram avaliadas publicações realizadas no período de 2000 a 2020 uma vez que não existe uma quantidade extensa de artigos publicados sobre a temática.

Destes, foram excluídas publicações duplicadas e/ou repetidas e que não atenderam ao objeto desta revisão.

De todos disponíveis, 14 realmente tratavam de fístulas intestinais, todos eram abertos com textos completos, elaborados por médicos ou estudantes de medicina e nenhum se relacionava aos cuidados de enfermagem.

3. REVISÃO DA LITERATURA

3.1 CUIDADOS DE ENFERMAGEM COM FÍSTULAS INTESTINAIS E CONCEITO

A incidência média de pacientes com fístulas intestinais em pós-operatório de cirurgias abdominais é em torno de 5,5%, sendo predominantes as fístulas biliares, seguidas das colônicas e gástricas (WERKA et al., 2016).

As fístulas são comunicações anormais entre dois órgãos ou estruturas revestidas por epitélio e podem ocorrer em sistema digestivo, urinário, linfático, neurológico, reprodutor e outros. No sistema digestivo as fístulas podem aparecer em qualquer parte deste sistema, sendo de extrema importância o conhecimento do enfermeiro sobre o assunto, para que ele possa planejar os cuidados certos e em tempo hábil (SANTOS; CESARETTI, 2015).

As fístulas podem receber classificações variadas, principalmente por sua localização, sendo denominadas a partir do órgão de origem para o órgão de recebimento de sua secreção, como fístulas enterocutâneas ou enterovesicais (ROTHROCK, 2011).

As secreções esperadas nas fístulas digestivas são saliva, gástrica, entérica, fecal, biliar ou pancreática. São consideradas fístulas de alto débito aquelas que drenam mais de 500 ml em vinte e quatro horas, médio débito entre 250 ml e 500 ml em vinte e quatro horas e as de baixo débito menos que 250 ml em vinte e quatro horas (POHL; PETROIANU, 2000).

As fístulas intestinais podem ser de origem espontânea, como em doenças inflamatórias do intestino ou doenças infecciosas, ou podem decorrer de falhas em procedimentos cirúrgicos, principalmente em pacientes com comorbidades e com baixa circulação sanguínea durante o ato cirúrgico (SANTOS; CESARETTI, 2015).

As fístulas pós-operatórias podem ser classificadas em precoces ou tardias; são precoces quando ocorrem antes do período previsto para sete dias. No caso de fístulas intestinais o período esperado é de três a oito dias, mas podem ocorrer antes ou depois deste período. O diagnóstico, na maior parte dos casos, é clínico; a drenagem de secreção característica em feridas e drenos é suficiente para diagnosticar fístulas digestivas; os trajetos fistulosos são estudados através de tomografias e outros exames de imagem. Corantes no momento são contra indicados devido à sua baixa sensibilidade (SANTOS; CESARETTI, 2015).

O tratamento pode ser conservador ou intervencionista. O tratamento cirúrgico depende muito das condições clínicas do paciente. A decisão por ambos os tratamentos não é padrão, depende sempre das condições clínicas do paciente, podendo o cirurgião optar inicialmente por tratamento não operatório e posteriormente o cirúrgico (SANTOS; CESARETTI, 2015).

O tratamento não operatório visa reduzir o débito da fístula prevenindo as complicações de perdas de substâncias essenciais; previne ainda complicações relacionadas à pele ao redor das fístulas que é extremamente prejudicada por enzimas digestivas (DOMANSKY; BORGES, 2014).

Fatores como idade, desnutrição, anemia, condições de cirurgia, áreas de irradiação dentre outros podem contribuir com o aparecimento. Os sinais de suspeição de aparecimento de uma fístula são caracterizados por cicatriz cirúrgica com aspecto inflamatório e drenagem de secreções intestinais, estas secreções também podem estar em drenos (GOES et al., 2009).

Os sintomas que o paciente apresenta são geralmente taquicardia, leucocitose, febre, dor e distensão abdominal (GOES et al., 2009).

Os principais diagnósticos de enfermagem para pacientes com fístulas intestinais foram descritos como risco de infecção relacionado a defesas primárias inadequadas, pele rompida, destruição de tecidos, defesa secundária inadequada, anemia e desnutrição; ansiedade caracterizada por inquietação, angústia e preocupação, relacionadas à ameaça de morte; mudanças no estado de saúde; necessidade não satisfeita; estresse, conflito inconsciente quanto a metas de vida. Dor aguda caracterizada por relato verbal, expressão facial. Medo caracterizado por relato de estar assustado, relacionado com a hospitalização e procedimentos hospitalares (GOES et al., 2009).

Dentre os artigos médicos encontrados, há trabalhos que tratam de fechamento abdominal com folha de malha de nylon contendo zíper. Mostrou-se uma estrutura fixada na parede abdominal, onde esta estava parcialmente aberta com uma ostomia ao lado, ou seja, algo que demanda muitos cuidados de enfermagem. De 12 a 20% de pacientes com este tipo de procedimento poderiam evoluir com fístula intestinal (UTIYAMA et al., 2015).

Em estudo sobre complicações pós-operatórias após gastrectomia total no câncer gástrico com 300 pacientes, 14,5% do total de pacientes evoluíram com fístulas digestivas. Os cuidados pré-operatórios e pós-operatórios sugerem boa técnica cirúrgica, controle de infecções, cuidados com vias aéreas e cuidados nutricionais (ANDREOLLO et al., 2011).

O câncer de esôfago é a sexta causa de morte relacionada à neoplasia no Brasil, e é reportado que 47,6% dos pacientes submetidos à anastomose esofagogástrica evoluem para fístula (FONTES et al., 2008). Em avaliação de 433 pacientes em pré-operatório de cirurgia de obesidade, 17% eram obesos e 23% apresentavam risco nutricional, o pós-operatórios de alguns pacientes evoluíram com complicações do esôfago, vias biliares, vasculares, cabeça e pescoço (RASLAN et al., 2007).

Para elucidar índices de morbidade, 39 pacientes com fístulas enterocutâneas foram estudados. A sepse esteve presente em 13 pacientes com 61,5% de mortalidade, fístula de alto débito em 23 pacientes, com 30,4% de mortalidade, idade acima de 60 anos em 14 pacientes com 28,5% de mortalidade e albumina sérica baixa na admissão também esteve relacionada com a mortalidade. A sepse não controlada foi a principal causa de mortalidade (TORRES et al., 2002).

Em estudo para análise de complicações em pacientes submetidos à reconstrução de trânsito intestinal, foram pesquisados 56 pacientes. O tipo de colostomia mais realizado foi terminais (70%), com utilização do sigmoide em 71,4% dos casos. Observou-se taxa de complicações de 25%, sendo as mais frequentes a infecção de parede (35,7%), as fístulas (28,6%) e a hemorragia digestiva baixa (21,4%). Concluiu-se que a reconstrução do trânsito intestinal não está isenta de riscos cirúrgicos e apresenta taxas consideráveis de complicações pós-operatórias (BIONDO-SIMÕES et al., 2000).

Alguns dos principais cuidados de enfermagem listados são a realização de curativos, esvaziamento e troca das bolsas coletoras, anotação da característica da secreção drenada, sinais vitais de 4/4 horas (GOES et al., 2009).

Portanto, podemos dizer que todos os princípios norteadores da assistência ao ostomizado, repetem-se para o portador de fístulas em geral, e que, nada mais são, do que a própria essência do cuidado em estomaterapia (SANTOS; CESARETTI, 2015)

A avaliação inicial embasará o planejamento para o cuidado assistencial de enfermagem ao paciente com fístula intestinal e engloba os seguintes aspectos: características da fístula quanto à: origem, localização cutânea; abertura; número de trajetos; características do efluente; volume; características da pele quanto à integridade; doenças associadas (SANTOS; CESARETTI, 2015).

Esta avaliação possibilitará a elaboração e implementação de um plano assistencial individualizado e flexível, visando o alcance dos objetivos de proteção da pele e ferida operatória, além do controle dos resíduos drenados.

Existem atualmente, à disposição para cuidado especializado e proteção da pele, pastas de resina natural ou sintética, que podem ser utilizadas para formar uma barreira ao redor da fístula, preencher zonas irregulares, isolar fístulas em feridas operatórias e aumentar a durabilidade das placas quando em uso de coletores. Podem ser realizadas coberturas nas regiões úmidas de pele lesada e assim, através da absorção da umidade, favorecer a colocação de outros protetores. Barreiras sólidas como: discos, anéis ou placas, são os agentes protetores mais utilizados neste tipo de assistência, isolando a pele o que facilita a cicatrização. Sua flexibilidade, fácil adaptação e resistência ao calor e umidade, associadas ou a outros agentes, permitem a instalação de coletores em quase todos os tipos de superfícies, mesmo as mais irregulares (SANTOS; CESARETTI, 2015).

Para que a assistência de enfermagem seja realizada de forma eficiente é importante avaliar se a área adesiva do dispositivo é suficientemente ampla para garantir a proteção da pele e a contenção do líquido drenado. Para um cuidado de qualidade é necessário acesso ao orifício da fístula para limpeza, irrigação e para favorecer a observação (BROOKE et al., 2019).

Conhecendo os produtos disponíveis, suas características e formas de aplicação, o profissional de enfermagem passa, assim, a determinar a melhor maneira de cuidar do paciente portador de fístula digestiva, cuja avaliação também já executou previamente.

De acordo com Brooke et al. (2019), existem alguns princípios que devem nortear o procedimento de colocação de um dispositivo coletor em uma área de drenagem, a saber: manter a pele perifistula seca e limpa para garantir boa adaptação do sistema e proteção contra lesões por umidade e atrito. A limpeza deve ser feita com soro fisiológico e ao realizá-la, evitar friccionar a pele. As bolsas coletoras selecionadas conforme as características quantitativas e qualitativas do efluente, devem ser colocadas na posição que melhor facilite a drenagem, considerando-se, evidentemente, a posição habitual do paciente. Assim determinar a frequência de esvaziamento da bolsa e trocas do sistema de proteção constituem um cuidado de enfermagem importante para a recuperação e acompanhamento do paciente com fístula intestinal. No plano de cuidados deve constar a reavaliação a cada troca, considerando-se a evolução da fístula quanto aos trajetos fistulosos, às caraterísticas qualitativas e quantitativas do efluente e à cicatrização.

Assim, entendemos que os cuidados realizados no manejo do paciente, com fístula intestinal em pós-operatório de cirurgia abdominal, estão diretamente relacionados aos cuidados de enfermagem dispensados aos pacientes portadores de ostomias, devido às características semelhantes entre os efluentes de ambos os orifícios. Estes cuidados estão relacionados principalmente aos curativos realizados no local, mantendo limpo e seco, bem como a mensuração do quantitativo de secreções drenadas para avaliação dos demais prognósticos relacionados à lesão. Dessa forma, podemos avaliar que as técnicas desenvolvidas na estomaterapia vieram contribuir na assistência ao paciente com fístula intestinal.

3.2 CLASSIFICAÇÃO DAS FÍSTULAS INTESTINAIS

Fístulas intestinais são difíceis de serem cuidadas, pois podem ser dirigidas ou se apresentarem em meio ao tecido de granulação em laparotomias, podem se localizar em qualquer parte do intestino; no intestino delgado pode expelir secreção fecal muito enzimática e ocorrer perda importante de substâncias, levando o paciente à desnutrição e distúrbios do metabolismo (SANTOS; CESARETTI, 2015).

Fístulas gástricas decorrem hoje, principalmente, de cirurgias bariátricas com pós-operatório complicado, se dirigidas para pele exigem muitos cuidados, pois o nível enzimático é alto; as gastrostomias são fístulas dirigidas, portanto, necessitam de proteção da pele igualmente (SANTOS; CESARETTI, 2015).

Fístulas duodenais exigem extremos cuidados, pois expelem secreção biliopancreática, além de extremamente enzimática há grande perda hidroeletrolítica, o que pode acarretar distúrbios graves (SANTOS; CESARETTI, 2015).

As fístulas colônicas podem ocorrer por ruptura de anastomoses, trauma ou perfurações por doenças crônicas, são de fácil diagnóstico e os cuidados de enfermagem são semelhantes aos das fístulas mais altas, porém este paciente terá uma perda menor de nutrientes e eletrólitos (ROTHROCK, 2011).

Fístulas biliares ocorrem geralmente em pós-operatório de cirurgias das vias biliares, podem ser guiadas por cateteres ou pela ferida, são de alta carga enzimática, a secreção é de aspecto puramente bilioso, ocorre perda de substâncias importantes e exige proteção rigorosa da pele (ROTHROCK, 2011).

Fístulas pancreáticas ocorrem após cirurgia ou trauma, podem fazer trajetos internos para a cavidade abdominal ou torácica, a secreção é conhecida como “água de rocha”, esta secreção pode estar misturada com outras secreções, para confirmar é necessário o teste bioquímico desta (SANTOS; CESARETTI, 2015).

As complicações, precoces e tardias, em pós-operatório de cirurgias do intestino podem estar relacionadas à técnica cirúrgica, aos cuidados pós-operatórios e à falta de demarcação para confecção de ostomias, cerca de 30% dos casos complicados necessitam de cirurgia para correção (SANTOS; CESARETTI, 2015).

A perda das secreções gastrointestinais pode acarretar distúrbios hidroeletrolíticos, por isto é importante saber a composição das secreções e como que a sua perda influencia na homeostase:

a. fístula gástrica: perda de ácidos, NA+, H+ e K+, podem acarretar acidose metabólica, hipocalemia e hipocalcemia (LUFT et al., 2005);

b. fístulas pancreáticas, duodeno e intestino delgado proximal: perda de bicarbonato, Ca++ e Mg++, podem acarretar acidose metabólica, intensa ação corrosiva sobre a pele (LUFT et al., 2005);

c. fístulas colônicas: perda de fezes e flora microbiana, podem acarretar novas infecções e sepse (LUFT et al., 2005).

O volume diário de secreção também é importante para o controle de perdas; em 24 horas os volumes são aproximadamente: saliva 500 a 2.000 ml, estômago 100 a 4.000 ml, duodeno 100 a 2.000 ml, íleo 100 a 9.000 ml, pâncreas 100 a 800 ml, bile 50 a 800 ml (LUFT et al., 2005).

As complicações que demandam mais tempo da enfermagem, são as relacionadas ao cuidado com a pele perifistula e os cuidados com a cicatrização do abdome aberto com fístula não direcionada. São cuidados complexos que demandam muito tempo, pois são diários, difíceis para o paciente e acompanhante entenderem, demandam maturidade e conhecimento profundo sobre o assunto por parte do profissional de enfermagem (ROTHROCK, 2011).

São cuidados que vão além do planejamento, pois as novidades são diárias sendo indispensável o trabalho conjunto com a equipe técnica de enfermagem, de cirurgiões, nutrólogos, nutricionistas, psicólogos, clínicos e fisioterapeutas (ROTHROCK, 2011).

Higienização adequada e proteção da pele perifistula são medidas importantes na prevenção de lesões e podem demandar recursos como: curativos, sistemas coletores, adjuvantes (spray, placas, pastas, anéis moldáveis), terapia por pressão negativa (BROOKE et al., 2019).

Os cuidados com as fístulas representam uma alternativa ao uso das bolsas coletoras para estomas. Esse coletor específico para fístulas apresenta-se com base adesiva maior que a base das bolsas para estomas e abertura anterior do tipo janela para possibilitar acesso à fístula o que facilita o plano de cuidados com os diversos tipos de fístulas dependendo do local (SANTOS; CESARETTI, 2015).

O controle da passagem de efluentes pela fístula também se pronuncia como uma ação válida no tratamento conservador. O método de irrigação do cólon para redução da frequência das evacuações e, portanto, redução de débito de efluente pela fístula é um método já bem consolidado no cuidado a pessoas com estomas. Consiste na administração de fluido (água) no intestino grosso para estimular a peristalse e promover a eliminação fecal (SANTOS; CESARETTI, 2015).

Internações prolongadas, restrição ao leito, distúrbio de imagem, dificuldades em lidar com insumos, são alguns dos desafios enfrentados pelos pacientes e profissionais; a suspensão prolongada da dieta leva os pacientes ao desenvolvimento de mudanças de humor, porém é necessário estar preparado para novos desafios diários. Apesar das diversas classificações das fístulas, pouco se difere o cuidado de enfermagem que será aplicado no local. Entretanto, é importante esse conhecimento para saber os possíveis efluentes dessa fístula, bem como determinar o aspecto do local e os tipos de curativos a serem utilizados.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A busca realizada nas bases digitais mostrou uma grande lacuna nas publicações em relação aos cuidados de enfermagem específicos ao paciente portador de fístulas intestinais e os poucos encontrados não são objetivos. Em se tratando de fase aguda, que geralmente acontece na UTI, não há nada específico.

Sabe-se que os pacientes mais acometidos são os oncológicos, politraumatizados e os que passam por gastroplastias. Muitos destes pacientes desenvolvem fístulas intestinais e todas as complicações que podem vir junto com elas como sepse, distúrbios de imagem, depressão, imunossupressão, desnutrição dentre outras.

O cuidado de enfermagem é basicamente manter a pele íntegra, sendo este o maior desafio, manter dispositivos que permitam o paciente mudar de decúbito, coletar secreções constantemente, o que exige atenção dos enfermeiros de todos os plantões, não somente os horizontais estomaterapeutas, conhecer as barreiras protetoras disponíveis no mercado e os sistemas coletores, estar sempre em contato com o médico assistente e o nutricionista responsável pelo paciente.

Foram encontrados poucos estudos sobre cuidados com a pele, curativos, bolsas específicas e insumos que possam ser utilizados especificamente para pacientes com fístulas intestinais. Os cuidados de enfermagem para o manejo da pessoa com fístula intestinal elencados nesta revisão são: cuidado com a pele perifistula, manejo do efluente, utilização de equipamentos coletores, administração de fármacos para controle de efluente e combate a infecções.

Assim, considerando a importância da assistência de enfermagem a esta problemática, acredita-se que esta revisão tem o potencial de subsidiar a assistência de enfermagem a pessoas com fístulas enterocutâneas de forma integral e integrada ajudando a subsidiar a criação de protocolos institucionais.

REFERÊNCIAS

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BIONDO-SIMÕES, M. L. P.; BRENNER, S; LEMOS, R.; DUCK, D.; REY, S.D. Análise das complicações pós-operatórias em colostomias. Acta Cir. Bras., v.15, (supl. 3), p.53-57.2000. Disponível em: https://www.scielo.br/j/acb/a/KzFTrfkZ9 qjnMQ5M6wV7HGh/?format=html. Acesso em: 01/06/2022.

BROOKE, J.; EL-GHANAME, A.; NAPIER, K.; SOMMEREY, L. Executive summary: nurses specialized in wound, ostomy and continence Canada (NSWOCC) Nursing Best Practice Recommendations: Enterocutaneous Fistula and Enteroatmospheric Fistula. J. Wound Ostomy Continence Nurs., v. 46, n. 4, p. 306-308, 2019. Disponível em:  https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31274860/. Acesso em: 04/06/2022.

DOMANSKY, R. C.; BORGES, E. L. Manual de prevenção de lesões de pele: recomendações baseadas em evidências. 2.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Rubio, 2014.

FONTES, P. R. O.; KRUSE, C. K.; WAECHTER, F. L.; NECTOUX, M.; FOCHESATO, L. B. S.; GOETTERT, G. F.; SILVA, M. F.; PEREIRA-LIMA, L. Fístula cervical pós-anastomose esofagogástrica: é possível diminuir a ocorrência? ABCD Arq. Bras. Cir. Dig.; v.21, n.4, p.158-163,  dez. 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ abcd/a/kmrmybn9 ywmhgbdtjkhrfqk/?lang=pT. Acesso em: 04/06/2022.

GOES, V. M.; ASSIS, F.; SANTOCHENE, C. V. Diagnóstico de enfermagem para pacientes portadores de fístulas decorrentes de complicações no pós-operatório de cirurgia oncológica abdominal e pelve. INCA, 2009. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/FERNANDA_ASSIS.pdf. Acesso em: 03/06/2022.

LUFT, C. V.; BEGUETTO, M. G.; GAZAL, C. H. A.; MELLO, E. D. Fístulas do trato gastrointestinal. Rev. Bras. Med., v.62, n. 9, p.372-377, 2005.

POHL, F. F.; PETROIANU, A. P. Tubos, sondas e drenos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.

RASLAN, M.; et al. Risco nutricional e complicações em obesos hospitalizados submetidos à cirurgia. ABCD, Arq. Bras. Cir. Dig., v.20, n.4, p.261-265, dez. 2007. Disponível em:  https://www.scielo.br/j/abcd/a/vqLJW wpytxDjQ9Ngj 7Zz7bb/abstract/?lang=pt. Acesso em: 09/06/2022.

ROTHROCK. A. Care of the patient in surgery. 14th ed. Amsterdan: Elsevier Mosby, 2011.

SANTOS, V. L. G.; CESARETTI, I. U. R. Assistência em estomaterapia. Cuidando de pessoa estomizada. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2015.

TORRES, O. J. M.; et al. Fístulas enterocutâneas pós-operatórias: análise de 39 pacientes. Rev. Col. Bras. Cir., v.29, n.6, p.359-363, dez. 2002.Disponível em: https://www.scielo.br/j/rcbc/a/KnmwLjbb5q7yk8yn95r9Lvb/?lang=pt Acesso em: 04/06/2022

UTIYAMA, E. M.; et al. Fechamento abdominal temporário com dispositivo tela-zíper para tratamento de sepse intra-abdominal. Rev. Col. Bras. Cir. (online), v.42, n.1, p.18-24, 2015. Disponível em:  https://www.scielo.br/j/rcbc/a/R5Nptw7 vwmsHCC bQ3xkxp6w/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 02/06/2022

WERKA, J. et al. Perfil epidemiológico, incidência e desfecho dos pacientes com fistula abdominal pós-operatória. Rev. Col. Bras. Cir., v.43, n.2, p.117-123, 2016. Disponível em:  https://www.scielo.br/j/rcbc/a/FBSKsyGMLNVqyLx7HKBwcQz/? format= pdf&lang=pt#:~:text=Houve%20predomin%C3%A2ncia%20de%20f%C3%ADstulas%20biliares,f%C3%ADstula%20foi%2025%2C4%25. Acesso em: 02/06/2022

[1] Pós-graduação Enfermagem em Estoma terapia, Saúde Pública Especialização, Enfermagem do Trabalho Especialização, Saúde da Família, Trauma, Emergências e Terapia Intensiva para Enfermeiros Especialização. ORCID: 0000-0003-3592-9496.

[2] Pós-Graduação- MBA em Gestão da Excelência nas Organizações, Graduação em Enfermagem. ORCID: 0000-0002-6379-507X.

[3] Graduação em Enfermagem. ORCID: 0000-0001-9047-1356.

Enviado: Julho, 2022.

Aprovado: Dezembro, 2022.

4.8/5 - (11 votes)
Vanessa Liberato Rosa do Carmo

Uma resposta

  1. Minha esposa foi diagnosticada com câncer de ovário no mês de março deste ano. Em junho fez uma videolaparoscopia com retirada de material para biópsia. Começou a quimioterapia, porém seu índice tumoral estava em 57 mas havia uma massa na alça intestinal. Foi levada ao centro cirúrgico para realizarem uma cirurgia aberta. O intestino estourou. Foi colocado uma bolsa de colostomia, uma semana de UTI, foi para o quarto e veio a primeira fístula. Retorno ao centro cirúrgico, mais nove dias de UTI, com a colocação do ilistomia. Voltou ao quarto e nova fístula. Os médicos não querem arriscar uma nova cirurgias. O que fazer? Ela está em tratamento paliativo na Unesp de Botucatu. Super confiante. O que fazer?

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