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Percepção dos profissionais da equipe multidisciplinar de saúde, atuantes na área de cardiologia, sobre bioética

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SANTOS, Nadinne Andrea dos [1], CASSIMIRO, Gabriela Gonçalves [2], ROCHA, Renata de Paula Faria [3]

SANTOS, Nadinne Andrea dos. CASSIMIRO, Gabriela Gonçalves. ROCHA, Renata de Paula Faria. Percepção dos profissionais da equipe multidisciplinar de saúde, atuantes na área de cardiologia, sobre bioética. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 02, Vol. 06, pp. 166-179. Fevereiro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/percepcao-dos-profissionais

RESUMO

Os avanços biotecnológicos dos últimos anos trazem novos dilemas até então impensáveis. A cardiologia é uma área que demanda um vasto arsenal de materiais tecnológicos cotidianos às práticas de assistência ao paciente, tornando a área suscetível a enfrentamento de dilemas bioéticos. Mas afinal, os profissionais de saúde sabem o que é a bioética e conseguem correlacioná-la com os conflitos que vivenciam no dia a dia de trabalho? O objetivo deste estudo é analisar a percepção dos profissionais da equipe multidisciplinar, que atuam na área da cardiologia, sobre a bioética e, descrever e analisar os conflitos bioéticos por eles vivenciados. Trata-se de um estudo prospectivo, descritivo com abordagem qualitativa utilizando a análise de conteúdo de Bardin. Foi aplicado um questionário estruturado e 20 profissionais da equipe multiprofissional foram entrevistados. As entrevistas foram gravadas para a análise. Sendo assim, o estudo demonstrou que mesmo alguns participantes apresentando dificuldades em conceituar e discutir sobre a bioética, a maioria soube definir e correlacioná-la com os conflitos bioéticos vivenciados no cotidiano de trabalho. Demonstrou a diversidade de conflitos bioéticos que os profissionais vivenciam diariamente. Foi possível perceber também que muitos profissionais ainda confundem a bioética com a ética deontológica, mostrando que mesmo havendo conhecimento sobre o assunto, ainda é algo que precisa ser mais explorado.

Palavras-chave: Bioética, Cardiologia, Insuficiência Cardíaca, Conhecimento.

1. INTRODUÇÃO

O ser humano tem a necessidade de basear o seu comportamento em normas e regras, previamente aceitas como certas ou erradas, pela sociedade em que está inserido. Compreendendo essa necessidade, é possível perceber que a reflexão moral e ação prática dos indivíduos, são pautadas em normas pré-existentes (CARVALHO, 2017).

A origem da palavra “Bioética” vem do grego e é a união de duas palavras; “bio” que significa “vida”, e “ética”, uma das linhas de estudo da filosofia ética que, de acordo com Lopes (2014), analisa práticas desenvolvidas nas ciências da vida. Por ser uma ciência transdisciplinar, está relacionada às diversas áreas como a Medicina, Biologia, Direito, podendo também abranger até questões religiosas (STIGAR, 2017).

Um grande marco para a Bioética aconteceu em abril de 2005, em Paris, França, na sede da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), em que ocorreu a Primeira e Segunda Reunião dos Peritos Governamentais de diferentes países, membros daquele organismo, reunião esta que tinha o objetivo de definir o texto final da futura Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (UNESCO, 2005).

Nestas reuniões, participaram mais de 90 países, que desde o início tiveram uma dicotomia entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Assim, nestas reuniões os países desenvolvidos defendiam um documento que restringia a bioética aos tópicos biomédicos e biotecnológicos, onde o Brasil teve um papel decisivo, defendendo que o documento fosse ampliado para as áreas sanitárias, sociais e ambientais (UNESCO, 2005).

Um dos maiores desafios da sociedade e das políticas públicas consiste no envelhecimento da população, que está associado à redução das capacidades físicas, aparecimento de novas debilidades comportamentais e psicológicas, necessitando de diferentes tipos de cuidado (GOMES e THIOLLENT, 2018).

O viver e a manutenção de relações interpessoais são fundamentais em todos os ciclos da vida, mesmo nas situações em que preservar ou salvá-la não é mais o foco na assistência de saúde, no sentido biológico. Diante disto, a bioética traz a ideia de que todo avanço no campo das ciências médicas aplicado à vida deve estar a serviço da humanidade, voltado para uma nova consciência ética e em busca de equilíbrio diante dos novos conflitos bioéticos (COSTA, 2016).

Nos últimos anos, o grande avanço tecnológico e científico, nas áreas da biologia e saúde tem colocado a sociedade diante de novas situações e dilemas. Diante deste fato, soma-se a incessante aplicação de ciência e tecnologia no cuidado à saúde, o que tem apresentado influência significativa na prática dos profissionais, em decorrência do surgimento de dilemas de ordem bioética durante o exercício da profissão, sendo a bioética importante para esses profissionais na sua tomada de decisões frente a problemas de cunho moral e ético. (MASCARENHAS, 2010)

A relação entre a equipe de saúde e o paciente tem sofrido várias mudanças em âmbito mundial. Influenciados pelos avanços nas diretrizes curriculares dos cursos de graduação ocorridos nas últimas décadas, os profissionais de saúde têm demonstrado novo entendimento sobre o vínculo formado com os pacientes que recebem seus cuidados e dependem do seu trabalho para alcançar a saúde. Nesse contexto, a Bioética traz a preocupação com as consequências da utilização da ciência na assistência à vida humana, fazendo com o que profissionais desenvolvam um pensamento bioético e uma atuação de maneira diferente, mais humanizada e profissional, não violando os limites éticos do ser humano (FERNANDES, 2013).

A Bioética é multidisciplinar, ou seja, ao estudá-la, estudam-se também diversas áreas como as ciências exatas, as ciências políticas, o meio ambiente, dentre outras, além daquelas que estão relacionadas diretamente com o Sistema Único de Saúde. O objetivo de aplicar a bioética nas diversas áreas é encontrar uma boa maneira de minimizar as complicações causadas pelo rápido avanço da tecnologia, da genética e pela própria evolução dos valores e direitos humanos. Exemplo disso é a humanização do cuidado, que é uma tendência da Bioética, muito explorada e discutida atualmente (JUNIOR, 2013).

Embora seja uma área relativamente nova no Brasil, a bioética começou a ter relevância em nível nacional e internacional com a criação de revistas, entidades representativas, programas de especialização e de pós-graduação e a realização de eventos (CARVALHO, 2017).

Os cuidados com a Saúde do paciente e a humanização do atendimento são práticas hospitalares que trazem a Bioética para o cotidiano de todos envolvidos na atenção básica e intermediária ao paciente, seja como protagonista ou coadjuvante do processo de assistência à saúde (JUNIOR, 2013)

O dinâmico processo de envelhecimento da população está diretamente ligado às alterações no perfil epidemiológico, bem como nos avanços obtidos nas ciências voltadas à saúde.  No século XX, a maior causa de óbitos eram as doenças infectocontagiosas, atualmente, as Doenças e Agravos Não Transmissíveis (DANT’s) assumiram esta posição, tendo as Doenças Cardiovasculares (DCV’s) um crescimento endêmico significativo, sendo a via comum dessas cardiopatias a Insuficiência Cardíaca (IC) (TEIXEIRA, 2015).

A IC é uma síndrome complexa que necessita de uma assistência intensiva e que está atrelada a terminalidade, assim como a presença tecnológica na área da saúde, especialmente a tecnologia dura, está muito presente em unidades complexas como terapia intensiva cardiológica, tanto a terminalidade quanto o uso de tecnologias em saúde estão ligadas à Bioética e seus princípios (OLIVEIRA, 2012).

2. MÉTODOS

Trata-se de um estudo prospectivo, descritivo com abordagem qualitativa, utilizando a análise de conteúdo de Bardin, que consiste na reunião de técnicas de análise das comunicações.

Foram incluídos nesta pesquisa 20 profissionais de saúde da equipe multiprofissional, de ambos os sexos, com idade maior ou igual a 18 anos. Os critérios de inclusão foram: Profissionais de saúde que trabalham no hospital privado cardiológico do Distrito Federal e façam parte da equipe multidisciplinar de saúde. Os critérios de exclusão foram: Profissionais que não aceitem participar da pesquisa.

Foi solicitada a autorização para realização do estudo pela coordenação da instituição. Dito isso, o estudo foi avaliado e autorizado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos (CEP) do Centro de Ensino Unificado de Brasília, sendo o número do protocolo de aprovação do comitê de ética: 22-194910.0.0000.0023. Após as autorizações, as entrevistas foram realizadas no ambiente de trabalho dos participantes, individualmente e conforme a aceitação do mesmo. Após leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e com o consentimento do participante, a entrevista foi realizada, seguindo um roteiro semiestruturado e gravado em áudio.

O roteiro de entrevista foi composto por uma parte inicial, de identificação das variáveis de perfil dos participantes, contendo idade, sexo, tempo de formação acadêmica e tempo de atuação profissional. Seguidas de questões abertas relacionadas às percepções de bioética e descrição de conflitos bioéticos já vivenciados, bem como os seus desfechos. Os profissionais foram identificados por números de 01 a 20, de acordo com a ordem de entrevista, para garantir o sigilo e anonimato dos entrevistados. Os áudios foram transcritos em um editor de texto, também de acordo com a ordem de entrevista.

O conteúdo obtido foi analisado pelo método de análise de conteúdo proposto por Bardin que consiste na organização em polos do conteúdo, dividido em três fases: 1) A pré-análise, que inclui a escuta e transcrição das entrevistas; 2) Exploração do Material, que consiste na leitura do material transcrito e organização das informações; 3) Tratamento dos resultados, realizando a inferência, interpretação e discussão dos temas pertinentes ao estudo. As informações destacadas compuseram unidades de contexto que subsidiaram a criação de categorias que foram analisadas e descritas a partir de leituras de conteúdos já existentes sobre o assunto (BARDIN, 2009).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Entre os 20 participantes houve variação de tempo de formação sendo elas, entre 01 e 05 anos (71%), 05 a 10 anos (06%) e maior que 10 anos (24%). Quanto ao gênero, 76% eram do sexo feminino e 24% do masculino. Quanto à faixa etária, variou de 18 a 30 anos (65%), 30 a 50 anos (35%). A partir da análise dos dados obtidos, três categorias se destacaram neste estudo: Os conceitos prévios dos profissionais sobre a bioética, conflitos bioéticos vivenciados no cotidiano e seus desfechos e a importância da bioética na área de cardiologia.

3.1 CONCEITO PRÉVIO DOS PROFISSIONAIS SOBRE A BIOÉTICA

Quanto ao tema “Bioética”, foi possível identificar que entrevistados tiveram dificuldades em defini-la, visto que alguns fizeram correlações às normas e regras do cotidiano e convívio com a sociedade e com sua percepção do que é certo ou errado:

A bioética significa fazer o certo, é a aplicação de regras. Acho que é o conjunto de regras e tem a ver com punição e com consequências de fazer o que é errado (E5).

A minha percepção é que a bioética é aquilo que eu tenho de conceito que difere de cultura para cultura, o que eu acho certo, talvez não seja o que você acha certo (E19).

Alguns profissionais também correlacionaram a Bioética com a ética deontológica:

Eu vejo a bioética como os princípios de organização do trabalho. Tem a ver com a organização, princípios de conduta, trabalho e respeito entre os profissionais (E18).

São alguns conceitos que dão um norte para a profissão de saúde no sentido ético e profissional (E2).

Segundo Barros (2010), a Ética Profissional pode ser definida como um conjunto de normas e valores que direcionam as condutas dos colaboradores para que estes mantenham uma reputação positiva no ambiente de trabalho, que é algo importante e indispensável no ambiente de trabalho, mas difere do conceito de bioética, que está relacionada às intervenções a vida.

Esses discursos revelam ainda uma necessidade de abordar mais esse tema com a população que lida com a saúde, visto que é um assunto de grande importância para todas as profissões que atuam com vidas. Essa dificuldade de compreensão do tema está relacionada à falta de abordagem do assunto na formação dos profissionais e também na educação continuada de hospitais e ambientes de trabalho, que também abordam pouco esse assunto com a equipe.

São necessários que sejam realizados novos estudos relacionados à bioética que abranjam outros campos do saber em saúde com a finalidade de conhecer melhor o tema e debater mais sobre ele, com novos achados.  O destaque deste estudo foi um achado que difere dos outros estudos encontrados na literatura. Mesmo com algumas dificuldades de definição da Bioética, a maioria dos entrevistados conseguiu correlacionar o termo com ética e intervenção a vida e a saúde:

Bio vem de vida, então acredito que a Bioética pode ser definida como respeito à vida (E13).

Eu acho que são aspectos éticos que estão diretamente ligados à vida humana (E16).

É a aplicação da ética na intervenção à vida e vai além do dia a dia no hospital. É a tomada de decisões sobre a vida de alguém. Eu vejo que as pessoas confundem com ética profissional (E1).

Alguns entrevistados também conseguiram correlacionar a bioética com a realização de estudos e pesquisas feitas com seres vivos e seres humanos e como um apoio a tomadas de decisão sobre intervenções e a própria vida dos pacientes:

É a garantia do respeito à vida durante trabalhos e pesquisas científicas (E3).

É a área da ciência que estuda o julgamento das ações de saúde como maléficas ou benéficas (E12).

Este resultado é positivo, visto que atualmente, segundo os estudos realizados, a bioética ainda é um assunto que deve ser mais amplamente discutido, para melhorar a percepção dos profissionais nesta área. Estas respostas positivas talvez possam ter correlação com algumas discussões que foram propostas pela gerência deste hospital, juntamente com o programa de residência em enfermagem, onde discutiram com alguns enfermeiros em momentos pontuais, sobre bioética e artigos relacionados ao tema.

3.2 CONFLITOS BIOÉTICOS VIVENCIADOS NO COTIDIANO E SEUS DESFECHOS

Na segunda categoria, houve alguns participantes que da mesma forma que relacionaram o conceito de bioética com ética profissional, também descreveram conflitos de cunho ético profissional, acreditando que se tratava de conflitos bioéticos.

Uma supervisora de um hospital brigou comigo porque eu não chamei um médico de doutor. Eu falei para ela que não via necessidade e ela chamou minha atenção na frente do médico e o próprio médico ficou constrangido e disse que não precisava. Eu fiquei com muita vergonha na hora (E2).

Já tive dificuldade com a equipe técnica, de pedir algo e a equipe se recusar a fazer. Também já tive vontade de desistir de um trabalho por conta do jeito que o chefe me tratava (E17).

Nesta categoria os profissionais demonstraram que já vivenciaram diversos conflitos bioéticos no ambiente de trabalho. Os motivos de conflitos que se destacaram foram: autonomia do paciente, quebra de sigilo de informações e terminalidade de vida.

Em relação à autonomia do paciente, os entrevistados relataram:

Teve um paciente que precisava esperar o resultado de exames, que eram mais demorados, ele perdeu a paciência e quis ir embora. A equipe queria manter ele pelo risco né da gente liberar ele sem os exames, mas eu falei para eles que isso era crime, manter uma pessoa onde ela não quer estar e nós pedimos para o paciente assinar um termo de alta a pedido e ele foi embora (E5).

A equipe estipula um horário de banho para o paciente que tem autonomia para tomar essa decisão. O paciente acaba tomando banho no horário em que é mais conveniente para a enfermagem (E13).

Esses discursos mostram que ainda há uma resistência da equipe de saúde, de uma forma geral, em respeitar e incluir ações que garantam a autonomia do paciente de forma individualizada e de acordo com as suas limitações. O princípio de autonomia do paciente é um dos pilares da bioética. Segundo Ugarte (2014), ao paciente deve ser dado o poder de tomar as decisões relacionadas ao seu tratamento.

Outro ponto de destaque dos conflitos bioéticos foram: quebras de sigilo de informações de pacientes e os profissionais relataram:

Já vi, por exemplo, passar dados sigilosos do paciente para outra pessoa, ficar fazendo comentários sobre algo que é sigilo do paciente, aí acaba expondo a pessoa. O paciente não soube que estava sendo exposto. Mas eu acho que deveria ter punição para quem faz esse tipo de coisa.

Villas-Bôas (2015) traz a confidencialidade e o respeito à privacidade como constituintes dos preceitos morais tradicionais das profissões de saúde, indicando o dever de guardar e reservar os dados de terceiros que se tem acesso em virtude do exercício da atividade profissional, respeitando a vontade do indivíduo em decidir o que ele quer ou não divulgar para julgamento de outros. É responsabilidade do profissional nortear a base de confiança com o paciente.

Dessa forma, o último ponto de destaque desta categoria foram conflitos em situações de fim de vida, sendo o conflito mais citado pelos participantes:

Conheci um paciente que estava em cuidados paliativos, ele teve uma parada cardíaca e o médico que estava de plantão, mesmo sabendo da vontade do paciente e da família de não investir no paciente com medidas invasivas, entubou o paciente. O paciente e os familiares já tinham deixado claro que não queriam medidas invasivas. Eu acho que o médico prolongou o sofrimento do paciente que já estava muito grave. A família ficou revoltada e o paciente ficou ainda quatro dias em uma unidade semi-intensiva, que nem tinha o suporte para ele (E4).

Em uma UTI uma paciente foi diagnosticada com morte encefálica, daí, a equipe médica decidiu não adotar condutas invasivas, mas, a família optou em investir todas as medidas possíveis. Após algum tempo o quadro da paciente evoluiu a óbito. (E12)

Ah, conflitos de final de vida, por exemplo, são muito comuns, já vi um filho queria que investisse no pai e o outro queria cuidados paliativos. Eu não me lembro bem como acabou, mas os filhos conversaram com o médico e acho que decidiram respeitar a decisão do paciente que era não investir (E11).

De acordo com Burla, o Cuidado Paliativo visa o alívio da dor e de outros sintomas que geram sofrimento, valoriza a vida e entende a morte como um processo natural, sem a necessidade de antecipá-la ou postergá-la. Também entende a importância dos aspectos psicossociais e espirituais ao cuidado e oferece um sistema de suporte que ajuda o paciente a viver da melhor forma possível até a morte, não esquecendo também de apoiar à família em todo o processo e o luto, aumentado a qualidade de vida ao longo do progresso da doença. Unida a outras formas de prolongamento de vida, esses cuidados devem ser iniciados precocemente e incluir todas as investigações necessárias para a melhor compreensão e abordagem dos sintomas.

Em relação aos desfechos citados pelos participantes, nenhum deles citou um mecanismo de apoio nos hospitais em que trabalham que auxiliem os profissionais nas tomadas de decisão e conflitos bioéticos. Os desfechos apresentados foram vagos e na maioria das vezes resolvidos entre os envolvidos, sugerindo a falta de um ponto de referência para as equipes e de amparo da instituição para este tipo de enfrentamento.

3.3 IMPORTÂNCIA DA BIOÉTICA NA CARDIOLOGIA

Na última categoria, os entrevistados responderam sobre a sua percepção na correlação entre bioética e cardiologia:

Não só na cardiologia, mas em todas as áreas por fazer o profissional pensar nos dois pontos de vista de certo e errado (E2).

Acho que é muito relativo, porque a bioética é importante em todas as áreas, não só na cardiologia, todas as áreas precisam da bioética (E5).

Não acho que seja importante só na cardiologia, eu trabalhei em Call Center e lá também precisava de bioética, todo lugar precisa de ética (E8).

Uma das opiniões em destaque foi uma visão ampla sobre a importância da bioética em todas as áreas, abrangendo todo tipo de forma de lidar com vidas e pessoas e atribuindo o valor da bioética nesta abrangência.

Outras percepções de destaque foram as que atribuíram à importância da bioética aplicada à cardiologia correlacionando o perfil do paciente atendido em um hospital cardiovascular e o nível de complexidade das patologias, procedimentos e até dispositivos de assistência a vida que são característicos desta área:

Porque a cardiologia tem algumas doenças terminais e limitantes que na maioria das vezes o próprio paciente e os familiares não têm noção da gravidade e eu acho difícil lidar com esse desconhecimento. Também têm muitos conflitos relacionados aos dispositivos que prolongam a vida, por exemplo, o marcapasso (E1).

Eu acho que é para direcionar esses casos de conflitos bioéticos. Na cardiologia cada vez mais esses conflitos vão acontecer porque a gente tem dispositivos novos, equipamentos novos e que os convênios não cobrem e aí a gente fica numa situação, sem saber o que fazer. Eu uso e dou a assistência que o paciente precisa? Ou não uso? O nosso hospital não é filantrópico e nem público, então não vai fazer sem receber. Claro que não vamos deixar o paciente morrer, tô falando dessas melhores tecnologias como por exemplo o heartmate, que custa caro e os convênios não pagam, e aí, o que fazer? (E11).

As doenças cardiovasculares são tantas e dentro de cada uma delas existem tantos quadros clínicos. Tem aqueles pacientes que evoluem para a deterioração progressiva da doença, no caso da insuficiência cardíaca, por exemplo, e aí começa a gerar conflitos de fim de vida (E12).

O perfil do paciente cardiológico tem prevalência em pacientes idosos e as doenças cardiovasculares têm como desfecho comum, a insuficiência cardíaca que é uma patologia crônica e agravante com o passar do tempo, o que leva realmente o paciente a deterioração e enfrentamento de conflitos de fim de vida. Além de ser uma característica desta área o uso de dispositivos de auxílio hemodinâmico, como foi citado pela participante, o marca-passo, que são dispositivos, na maioria das vezes de alto custo, onde entram as questões financeiras relacionadas aos planos de saúde, que também se caracterizam como conflitos bioéticos. Por isso, há a necessidade de serem realizadas mais pesquisas e discussões sobre a bioética aplicada à cardiologia por ser uma área tão complexa e por isso geram diversos conflitos bioéticos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo demonstrou que alguns participantes ainda apresentaram dificuldades em conceituar e discutir sobre a bioética. Porém a grande maioria dos profissionais que participaram da pesquisa soube definir e relacionar à bioética e conflitos bioéticos vivenciados no cotidiano de trabalho.

Demonstrou também que os profissionais convivem, no cotidiano do trabalho, com diversos conflitos bioéticos envolvendo casos de desrespeito à autonomia, quebra de sigilo e conflitos de final de vida. Essas são questões delicadas que devem ser decididas coletivamente, após reflexão e embasamento teórico, relacionado à bioética. Nessa lógica, é importante estimular e fortalecer a comunicação e troca de experiências entre a equipe de saúde, organizando e estimulando discussões em momentos propícios entre profissionais de todas as áreas.

Por fim, mostrou que os participantes entendem que a bioética é importante em diversas áreas, de forma abrangente, em todas as profissões que lidam com vidas e com tomada de decisões sobre vida, saúde e doença. Alguns profissionais também relacionaram a importância da bioética associada à cardiologia, identificando a área como propícia ao aparecimento de conflitos bioéticos relacionados ao perfil de paciente cardiopata e as tecnologias e dispositivos de assistência cardiológica que são, na sua grande maioria, de alta complexidade e alto custo.

Ainda são poucos os estudos encontrados na literatura, relacionados a esse tema, concluindo que é de grande relevância a realização de novos trabalhos aprofundando e correlacionando bioética à cardiologia, para identificar e compreender os conflitos enfrentados pelos profissionais que trabalham nesta área abrindo espaço para novas discussões que sejam relevantes neste âmbito.

REFERÊNCIAS

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VILLAS-BOAS, M. E. O direito-dever de sigilo na proteção ao paciente. Rev. Bioét., vol.23, n.3, pp.513-523, 2015. Disponível em: < https://www.scielo.br/pdf/bioet/v23n3/1983-8034-bioet-23-3-0513.pdf>. Acesso em: 05 de jan. de 2020.

[1] Graduada em Enfermagem. Pós-Graduação Lato Sensu em Residência em Enfermagem Cardiovascular.

[2] Graduada em Enfermagem. Pós-Graduada Lato Sensu em Terapia Intensiva Adulto e Oncologia.

[3] Orientadora.

Enviado: Fevereiro, 2021.

Aprovado: Fevereiro, 2022.

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Nadinne Andrea dos Santos

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