ARTIGO ORIGINAL
CUNHA, Ranna Carolina dos Santos [1]
CUNHA, Ranna Carolina dos Santos. Psicossomática: uma abordagem do diabetes. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed.01, Vol. 08, pp. 108 – 116. Janeiro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/psicossomatica, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/psicossomatica
RESUMO
A preocupação básica deste estudo é refletir sobre a relação dos aspectos psicológicos e o surgimento da diabetes. Entendendo que há uma mútua influência entre mente e corpo. Este artigo tem como objetivo analisar a partir da perspectiva da psicossomática os possíveis gatilhos emocionais que geram adoecimento orgânico, bem como as condições que agravam o quadro do paciente. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica considerando as contribuições de autores como: De Marco (2003) Castro (2003), Mello (1992) e (2002), Volich (2005), Silva (1994), Graça e colaboradores (2000), Hisada (2003), entre outros, procurando enfatizar a importância dos aspectos psicológicos na etiologia e curso da doença, bem como a necessidade do trabalho do psicólogo no plano de tratamento da doença, com o objetivo de fortalecer as estratégias de defesa do doente e facilitar a aderência ao tratamento.
Palavras-chave: Psicossomática, Diabetes, Psicólogo.
INTRODUÇÃO
No presente trabalho propõe-se discorrer sobre os aspectos psicológicos na doença conhecida como diabetes Mellitus. A relação mente e corpo frente à experiência de adoecimento vem assumindo posição de destaque no contexto da saúde por introduzir um novo olhar sobre a doença. Chama-se psicossomática a abordagem que considera essa relação.
A psicossomática é uma disciplina que considera o sujeito em seus aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Entende que esses fatores devem ser levados em conta na vivência de adoecimento de causalidade orgânica.
Nessa perspectiva as seguintes questões nortearam esse trabalho:
- Qual a relação dos fatores emocionais no surgimento da diabetes?
- A diabetes deve ser tratada somente através do olhar da medicina?
Para Mello Filho (1992), a psicossomática é compreendida como “uma ideologia sobre a saúde, o adoecer e sobre as práticas de saúde, é um campo de pesquisas sobre estes fatos e, ao mesmo tempo, uma prática”.
Neste contexto, o objetivo geral deste estudo é, pois, compreender como a condição psicológica influencia nos fatores biológicos e se desdobram no surgimento e no curso do diabetes mellitus, provocando a melhora ou a piora das condições do paciente. Como objetivo específico compreender qual a contribuição do Psicólogo nesse processo.
Para atingir os objetivos propostos, utilizou-se como metodologia, a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise de materiais relacionados já publicados na literatura e artigos científicos. O texto final foi fundamentado nas ideias e concepções de autores como: De Marco (2003) Castro (2003), Mello (1992) e (2002), Volich (2005), Silva (1994), Graça e colaboradores (2000), Hisada (2003), Joode (1976) dentre outros que tratam do assunto,
DESENVOLVIMENTO
É consenso que até o século XVII a medicina não diferenciava a doença mental do adoecimento orgânico. Mente e corpo eram concebidos como instância única e indivisível. Para a concepção da época a doença era compreendida como um fenômeno global, descolada da experiência que compõe a história do sujeito adoecido.
A partir de Descarte (1596-1650), há uma mudança de paradigma no entendimento sobre concepção de mente e corpo. Ele introduz o dualismo cartesiano que compreende a mente e o corpo como instâncias distintas que se influenciam mutuamente. Assim, revoluciona o campo científico e inaugura o campo biomédico.
Considera-se que a influência do paradigma cartesiano sobre o pensamento médico foi um fator determinante na construção do modelo biomédico, alicerce consensual da moderna medicina científica. Descartes propõe, por meio de suas concepções, uma separação absoluta entre fenômenos da natureza e fenômenos do espírito e, por consequência, uma separação radical entre mente e corpo (DE MARCO, 2003, p. 34).
Os princípios da taxonomia, próprios da lógica classificatória e descritiva da ciência moderna, exigiram uma ligação cada vez mais próxima entre a definição da doença e seu tratamento.
Com as descobertas dos fatores etiológicos específicos da doença, novas técnicas de cuidado e novos equipamentos efetivaram a visão positivista do homem e contribuíram para a superação da visão global da doença em favor dos princípios teóricos que explicam que cada doença pode ter a origem atribuída a um agente particular. Esse novo olhar sobre o homem abre possibilidade para o surgimento de novas disciplinas, como a psicossomática.
A Psicossomática surge como extensão médica através do psiquiatra Johann Heinroth, em 1818 (MELLO FILHO, 1992) e produziu desdobramentos sobre o adoecimento do corpo. Apesar de não ter um marco inicial bem definido, entende-se que os estudos psicanalíticos impulsionaram as investigações a respeito da psicossomática.
No final do século XIX a integração mente-corpo proposta por Freud, em seus “Estudos sobre Histeria”, demonstrou que acontecimentos psíquicos poderiam ter consequências orgânicas e abriu caminho para que inúmeras pesquisas buscassem as correlações entre os aspectos biológicos, psicológicos e sociais.
Para Mello Filho (1992), a psicossomática evoluiu ao longo do tempo e chegou à fase denominada de atual ou multidisciplinar, valorizando o social, a interação e interconexão entre os profissionais das várias áreas da saúde. Essa ideia é corroborada por outros autores de referência no campo.
O entendimento mais atual acerca da psicossomática direciona-se à compreensão dos processos de saúde e doença como biopsicossociais, ou seja, aspectos biológicos, psicológicos e sociais estão sempre em mútua relação, integrando essas dimensões para uma compreensão e ação terapêutica mais abrangente e significativa (CAPITÃO; CARVALHO, 2006; FERREIRA; MULLER; JORGE, 2006; SPERONI, 2006 apud VIEIRA; MARCON; OLIVEIRA, 2011, p. 220).
A valorização da ideia de ampliação do olhar em relação ao adoecimento, é reforçada através do conceito de saúde atualizado pela Organização Mundial de Saúde em 1978, em Alma-Ata, que entende saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades” (OMS, 1978).
Na perspectiva clínica esse conceito caracteriza o deslocamento da clínica da doença para clínica do sujeito. De acordo com Mello (2002), no contexto da psicossomática, representa a consideração de que sintomas e doenças surgem ou são agravados em decorrência de questões subjetivas, as quais precisam ser consideradas no caminho em busca da recuperação do paciente.
Essa ideia também é compartilhada por Hisada (2003), que compreende que dentro da visão psicossomática cada indivíduo possui uma forma singular de viver e adoecer, dessa maneira, o adoecimento está diretamente relacionado à história de vida do sujeito que adoece.
Para Hisada (2003, p. 7), “A psicossomática é o estudo das relações mente-corpo com ênfase na explicação psicológica da patologia somática; é uma proposta de assistência integral e uma transcrição para a linguagem psicológica dos sintomas corporais.”
Para Mello (2002), “A disciplina busca uma etiologia psicogênica para as doenças, que deve se juntar às causas identificadas pela medicina para a determinação da sintomatologia, levando em consideração o histórico do indivíduo”.
A partir dos desdobramentos que ocorreram no campo de investigação da psicossomática, entende-se que, o corpo através de sintoma orgânico possui uma representação emocional (HISADA, 2003). Em outras palavras, isso significa dizer que o sintoma é a representação de um estado de tensão afetiva, cujas vias naturais de elaboração estavam bloqueadas.
Em alguma medida é possível afirmar que os aspectos psicossomáticos estão presentes em todas as patologias, como câncer, doenças do coração, transtornos gastrointestinais dentre tantas outras. Para atender ao objetivo dessa pesquisa, serão destacados a seguir os aspectos psicológicos do diabetes mellitus.
O diabetes mellitus é uma doença crônica, caracterizada pela elevação da glicose no sangue acima da taxa normal. Ele é causado por fatores genéticos, emocionais e ambientais. A doença coloca o Brasil na 6° posição em gastos com diabetes em relação aos países do mundo, segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes.
Autores como Graça e colaboradores (2000), e Debray (1994), consideram o diabetes mellitus uma doença psicossomática, ou seja, que sofre influência de fatores emocionais em sua etiologia.
Silva (1994) parece concordar com Hisada, (2003), quando propõe que a doença psicossomática surge em decorrência do modo como o indivíduo vivencia as emoções. Para ele as emoções são situações novas frente às quais o organismo se desequilibra e se prepara para descarregá-las. Porém, muitas vezes, essas emoções não são descarregadas por vias normais, através da fala, por exemplo, e terminam por se expressarem no corpo através do adoecimento.
A incapacidade de comunicar com palavras os seus pensamentos faz com que essa pessoa “fale” com a “linguagem dos órgãos”, ou seja, o adoecer de determinado órgão é a forma inconsciente do indivíduo proclamar seu sofrimento, por não conseguir fazê-lo de outra forma… (SILVA, 1994, p. 87)
Nos estudos realizados por Carvalho e Marcelino (2005), sobre a relação entre o emocional e a diabetes, concluiu-se que em pesquisa que as principais causas associadas ao aparecimento do diabetes foram: traumas emocionais, modificações externas violentas, perda dos pais através de morte ou separação, problemas com os pais, com a família e até com relação à escola.
A partir disso é possível considerar a que o início da diabetes apresentava além do fator genético, está associada à existência de um fenômeno desestruturante, como as perdas, conflitos e situações produtoras de estresse intenso.
Segundo Silva (1994), fazendo uma correlação entre perda com os aspectos emocionais envolvidos no diabetes, propõe uma análise representacional.
O indivíduo que vivencia uma perda sofre por ela, sente raiva do objeto perdido, tem o desejo de jamais ter amado, pois assim não teria sofrido com a perda. Desejar não amar para não sofrer é um sentimento comum entre as pessoas que somatizam, ele classifica isso como narcisismo – o não conseguir amar o outro por não tolerar a frustração de perdê-lo. Toda esta dinâmica psíquica envolvida na perda, se assemelha ao quadro do diabetes, pois o diabético não permite que o açúcar (doce), que simboliza amor, entre nas suas células, ou seja, não permite que o amor entre no seu corpo e o faça sofrer. O diabético transporta o emocional (medo de sofrer) para a soma (não permitir a entrada do açúcar, simbolicamente do amor). Isso também pode ser observado na alteração da glicemia. (SILVA, 1994, p. 98).
Pode-se perceber que os aspectos emocionais estão presentes no surgimento do adoecimento, através da conversão de afetos reprimidos que acionam os fatores genéticos funcionando como um gatilho patológico.
No curso da doença os aspectos emocionais continuam impactando no quadro clínico do paciente. Alguns autores apontam para o surgimento de sintomas secundários associados ao diabetes que agravam a condição do indivíduo, tais como: ansiedade, depressão e até ideação suicida.
O diabete é uma doença crônica, potencialmente invalidante, que determina mudanças internas nas atividades diárias da pessoa. São vivenciados vários sentimentos, como regressão, perda da autoestima, insegurança, ansiedade, negação da situação apresentada e depressão. De acordo com a estrutura psíquica da pessoa e seus recursos internos, ela lidará, melhor ou pior, com a nova situação de doença… (GRAÇA e COLS., 2000, p. 215).
Para Joode (1976), O paciente diabético apresenta sentimento de inferioridade e inadequação em decorrência do distúrbio físico. Afirma também que os diabéticos apresentam ansiedade a respeito da saúde, medo da morte e ideias de suicídio.
Perante o exposto, entende-se que a Diabetes é uma doença multifatorial e que pela complexidade convoca diferentes disciplinas para a construção de um projeto terapêutico eficiente, que dê conta da integralidade do cuidado ao paciente.
Diante de tamanho impacto dos fatores emocionais, entende-se que a presença do psicólogo na estratégia de enfrentamento da doença é de significativa importância. Nesse sentido, Carvalho e Marcelino (2005), ressaltam que é extremamente importante o trabalho psicoterapêutico individual ou em grupos, a fim de potencializar a aceitação da doença e elaboração de conflitos adjacentes.
Entende-se que através do trabalho terapêutico busca-se minimizar o sofrimento envolvido no adoecimento. Abre-se o espaço de diálogo, onde é possível trabalhar questões secundárias à doença, como: fantasias, medos, sentimentos de perdas provenientes das limitações, além de facilitar a aceitação do quadro clínico. Assim, o trabalho do psicólogo é potencializar o sujeito para lidar com sua realidade, fazendo com que o paciente desenvolva estratégias de enfrentamento da doença que promovam a sua qualidade de vida.
CONCLUSÃO
Portanto, concluiu-se que a psicossomática além de uma abordagem filosófica, por se tratar de certa concepção de sujeito – biopsicossocial, trata-se também de uma ciência que considera a correlação do entre as instâncias emocional e biológica.
No que se refere ao Diabetes, pode-se evidenciar a partir de diferentes autores que, se trata de uma doença psicossomática. Os fatores emocionais estão presentes desde o surgimento da doença, tendo o início marcado por um trauma, mudanças abruptas e perdas, até nos possíveis agravantes da doença como o surgimento da depressão, sentimento de desesperança e até ideações suicidas.
A presença ou não desses agravantes dependerá dos recursos internos de casas individuais. Sendo assim, percebeu-se a importância do trabalho psicoterapêutico realizado pelo psicólogo, no enfrentamento do diabetes, pois o emocional também influencia no controle da doença.
REFERÊNCIAS
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[1] Especialista em Psicologia Hospitalar e da Saúde; Especialista em Gestão em Saúde Mental; Graduada em Psicologia.
Enviado: Dezembro de 2018.
Aprovado: Janeiro de 2021.
Uma resposta
Adquiri essa doença que na minha visão é uma doença do mal , é muito difícil aceitar que estou diabética ,pois não posso apreciar as gostosuras da vida.
Esse artigo me esclareceu
,Pois fiquei com essa coisa depois de uma separação ,onde minha uma
Parte de minha família não aceita
A separação.