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Estruturação da linguagem nos processos do desenvolvimento humano: possíveis convergências/ divergências entre Vygotsky e Lacan

RC: 31664
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

COSTA, Rodrigo Cesar [1]

COSTA, Rodrigo Cesar. Estruturação da linguagem nos processos do desenvolvimento humano: possíveis convergências/ divergências entre Vygotsky e Lacan. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 06, Vol. 02, pp. 117-127. Junho de 2019. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/estruturacao-da-linguagem

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo propor uma análise dos conceitos pertinentes ao desenvolvimento da linguagem na perspectiva Lacaniana e na teoria de Vygotsky, observando se existem pontos em comum e/ou distintos entre esses autores. Apesar das diferenças teóricas destes pesquisadores da psicologia, ambos trabalham com a linguagem e atribuem bastante importância daquela como fundamental para o desenvolvimento do indivíduo e de sua apropriação dos signos e significados da cultura. Apesar de ser uma avaliação bem sucinta do que poderia ser um estudo mais aprofundado das teorias de ambos os autores para se demonstrar as grandes divergências entre os postulados sobre a linguagem, este estudo quis demonstrar a importância que os autores atribuíram a linguagem e o quanto esta interfere diretamente na constituição do indivíduo: é a partir da linguagem, para estes psicólogos, que o ser se torna um homem cultural; se torna um humano, um ser da sociedade.

Palavras chave: linguagem, signos, estruturalismo, dialética.

INTRODUÇÃO

Vygotsky, psicólogo inspirado nos ideais marxistas, propôs uma psicologia cujo propósito não fosse se restringir aos conceitos biológicos que até então autores de sua época esboçavam sobre o desenvolvimento e o comportamento humano, muito menos se prendia as pesquisas puramente inspiradas no idealismo: o autor objetivava um diálogo entre as relações sociais e o indivíduo; a interferência da cultura sobre o organismo humano, sendo que a relação que o sujeito estabelece com a cultura é fundamental para o seu desenvolvimento psíquico. Este mesmo autor estudou minuciosamente como se estruturava as funções psicológicas superiores, dentre eles como se desenvolvia o pensamento e a linguagem no indivíduo. Outro autor da psicologia que deu grande ênfase na linguagem foi Lacan que, apesar de ser de uma corrente teórica distinta de Vygotsky, atribuiu grande importância ao estudo e a dinâmica da linguagem no desenvolvimento humano.

Sendo assim, o presente trabalho tem como objetivo propor uma análise dos conceitos pertinentes ao desenvolvimento da linguagem na perspectiva Lacaniana e na teoria de Vygotsky, observando se existem pontos em comum e/ou distintos entre esses autores. Apesar das diferenças teóricas destes pesquisadores da psicologia, ambos trabalham com a linguagem e atribuem bastante importância daquela como fundamental para o desenvolvimento do indivíduo e de sua apropriação dos signos e significados da cultura.

Para realizar tal pesquisa, foram levantados artigos científicos da base de dados da Scielo e Lilacs e obras de Lacan e Vygotsky referentes ao estudo da linguagem. Primeiramente será exposto alguns pontos pertinentes da teoria de Vygotsky que diz respeito à linguagem e a sua estruturação no desenrolar da vida da criança. Em seguida, será apontado alguns pontos teóricos de Lacan que realça a linguagem. Por fim, nas considerações finais deste trabalho, se realizara uma articulação entre esses autores e será apontando as possíveis aproximações e/ou divergências entre o pensamento desses pesquisadores sobre a linguagem e seus desdobramentos.

VYGOTSKY, O PENSAMENTO E A LINGUAGEM: PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

Segundo Vygotsky (1991), os processos de desenvolvimento da cognição do sujeito e todo seu comportamento são frutos da história deste indivíduo enquanto ser cultural, em outras palavras; é o meio social que torna possível o desenvolvimento psíquico do sujeito. O momento histórico e cultural em que o indivíduo está inserido se torna peça fundamental para ele aprender e se desenvolver conforme as expectativas da sociedade. Sendo assim, este autor não acredita que a cognição se estrutura por fatores exclusivamente biológicos, pelo contrário; o sujeito se desenvolve conforme ocorre as interações entre ele e o seu meio: são as atividades e práticas sociais que fazem com que o indivíduo aprenda e se desenvolva.

Desta forma, segundo este mesmo autor supracitado, o que determina a forma de ser e pensar da criança está intrinsicamente ligado com a história, tanto pessoal quanto social, na qual ela está inserida. É aí que a linguagem se torna fundamental para o desenvolvimento da criança: é ela que vai determinar como a criança vai aprender e pensar, isto porque a linguagem é o alicerce de transmissão de pensamentos através das palavras: é a fala do adulto que vai inserindo a criança na cultura e na aprendizagem.

Continuando com Vygotsky (1991), para se compreender como se dá o processo do desenvolvimento cognitivo da criança, precisa-se entender como ocorre a relação entre o pensamento e a linguagem. Esta última não se restringe ao simples fato de ser apenas uma ferramenta de comunicação entre a criança e o adulto, pois tem-se uma inter-relação entre pensamento e linguagem. Consequentemente, a linguagem é uma peça fundamental na formação de como a criança pensa e como desenvolverá suas características psicológicas e o seu jeito de ser no mundo.

Segundo Pereira (2012) quando Vygotsky começou suas pesquisas com o desenvolvimento da criança nos seus primeiros estágios, ele não observava uma relação de dependência entre o pensamento e a linguagem, ou seja, durante o processo de desenvolvimento, tem-se uma etapa em que o pensamento é pré-linguístico e um outro período pré-intelectual na fala. Desta forma, o autor não acredita que exista uma interdependência nas primeiras fases do desenvolvimento entre intelecto e linguagem.

Apesar disto, Vygotsky não estudou o pensamento e a linguagem como outras correntes teóricas que eram inspiradas nas ciências positivistas, que tinham como métodos o reducionismo e o mecanicismo, que simplesmente reduziam o pensamento verbal em elementos distintos para tentar achar uma explicação deste fenômeno. Assim, o psicólogo russo começou a pesquisar os significados das palavras, pois o significado está contido tanto na linguagem quanto no pensamento. Explicitando de forma mais clara, Vygotsky percebeu que uma palavra sem significado nada mais é do que um som vago, sem sentido, e o que importa é o significado que a palavra trás; ela é um fenômeno do pensamento. (Pereira, 2012)

Continuando com Pereira (2012), Vygotsky observou que o significado só ganha sentido quando a palavras expressa pelo sujeito é pensada, ou seja, a palavra só ganha significado quando ela é expressada de forma pensada. Só que o autor não via esse fenômeno acontecendo como se fosse uma simples cadeia de associações: essa inter-relação entre palavras, significado e pensamento é uma rede complexa. Foi aí então que o psicólogo russo enfatizou sua pesquisa no desenvolvimento dos significados das palavras, e mais do que isso; ele começou a pesquisar os fatores evolutivos do desenvolvimento da linguagem e a sua relação com o pensamento.

O que Vygotsky começou a perceber é que a fala da criança, no seu sentido semântico, vai do todo para a parte. Como exemplo, as crianças pronunciam uma palavra que tem o sentido de expressar uma frase inteira. Já no seu aspecto fonético, a criança começa pronunciando poucas palavras e, posteriormente, vai associando outras palavras até construir uma rede mais consistente de vocabulários, sendo que começa por partes até chegar à um todo. Desta forma, a linguagem não se restringe apenas as comunicações cotidianas, como se fosse apenas uma ferramenta para se comunicar, mais do que isso: ela participa da formação e desenvolvimento do pensamento. (Pereira, 2012).

O mais interessante é a relação dialética da linguagem com o pensamento: segundo Vygotsky (1991) a linguagem não é a expressão pura do pensamento, ela é mais do que isso; o pensamento vai se estruturando conforme a linguagem se desenvolve e vice-versa, sempre se modificando e funcionando de forma reciproca no desenvolvimento da criança.

Segundo Morato (2000) a filosofia tradicional se pautava num dualismo entre linguagem e cognição: ou erámos frutos puramente biológicos na formação cognitiva e linguística, sendo que não existia relação entre esses fenômenos, ou seja, são independentes um do outro, ou existia uma visão que desqualificava a linguagem, colocando-a como apenas uma ferramenta de comunicação. Nesses dois pontos de vista filosóficos, a linguagem nada mais era do que um processo cuja função era apenas comunicar. A contribuição de Vygotsky é superar essa diferenciação e reducionismo até então defendido pelos filósofos e estudiosos da linguagem: esta última não tem o papel de ser apenas uma forma de comunicação, mas ela dá significados, signos, os mais variados sentidos e formas de se expressar no mundo e constituir o pensamento.

A linguagem não é apenas um mediador entre o pensamento e o mundo externo: ela é responsável pelo nosso desenvolvimento psíquico e social, diferencia qualitativamente as relações que estabelecemos com os nossos semelhantes, ela qualifica também o valor subjetivo e objetivo do discurso da linguagem no mundo e para o próprio ser. Ela influência nas formas pelo qual o indivíduo age e se comporta na sociedade no qual está inserido, possibilita vários discursos simbólicos e significativos de como se representa a cultura, dentre outras possibilidades de se ver a riqueza da linguagem e a sua influência na estruturação do ser humano como um todo. (Morato, 2000).

Para Molon (2011) a palavra, ou melhor, o seu sentido, é o conjunto dos fatores psicológicos que faz despertar a nossa consciência. O sentido da palavra, para Vygotsky, se torna praticamente ilimitado. Desta forma, o sentido que a palavra pode nos dar demonstra todo o dinamismo que ela tem contida em si, toda a possibilidade distinta de ser compreendida e significada, flexível e extensa, que pode ganhar e representar o mundo.

Ainda para esta autora, o sentido da palavra, para VygotsKy, expressa toda a gama de vivencias históricas, sociais e culturais, ela permite dar significado e símbolos as mais diversas riquezas do mundo. O autor distingue o significado e o sentido da palavra: enquanto o primeiro representa algo mais objetivo e estático, o segundo explora maiores diversidades e é praticamente ilimitado. Interessante ressaltar a importância que Vygotsky dá as palavras: estas são praticamente inesgotáveis de sentidos; sempre pode ganhar novas interpretações e infinitas possibilidades de ser compreendida e colocada num discurso. Ela ganha novos sentidos a partir do momento que determinado indivíduo a interpreta, sendo que pode se tornar quase infinita pelas variações que cada sujeito pode dar ao sentido da palavra, dependendo das influências que o indivíduo teve na sua constituição subjetiva, tanto historicamente quanto socialmente. Apesar dos sentidos serem praticamente inesgotáveis, o significado não o é: assim como mencionado anteriormente, a significação é fruto das relações sociais determinadas de contexto histórico determinado.

Vygotsky, através de suas pesquisas, observa o quanto a apropriação da linguagem se torna fundamental no desenvolvimento cognitivo da criança, e como ela propicia mudanças profundas no intelecto e na consciência do indivíduo. Pensamento e linguagem, apesar de não ter uma inter-relação tão clara no começo do desenvolvimento, se tornam interdependentes, e a linguagem é peça fundamental para o desenvolvimento do pensamento se tornar racional e verbal. É claro que isso não ocorre de forma mágica (ou mecânica, conforme o pensamento positivista); ela acontece de forma dialética, mudando a forma de como o indivíduo capta os signos da realidade, o interpreta e o transforma, numa relação complexa. (Werner, 2015).

Esta foi uma explicação sucinta do ponto de vista de Vygotsky sobre a linguagem e a sua influência na constituição do pensamento no indivíduo humano. Claro que o assunto é muito mais complexo e exigiria muito mais atenção na ênfase que o psicólogo russo deu a esse fenômeno, mas foram apontados alguns pontos fundamentais de como o autor pensa a respeito do desenvolvimento e apropriação da linguagem, que era a intenção deste trabalho ressaltar. Em seguida iremos expor alguns pontos da visão de Lacan que diz respeito a linguagem e a sua dinâmica na construção do psiquismo humano.

LACAN E A LINGUAGEM: ESTRUTURAÇÃO DO APARELHO PSÍQUICO

Lacan, em meados da década de 50, começa a utilizar em sua teoria alguns conceitos linguísticos, cuja inspiração veio da teoria de Saussure. O psicanalista estava questionando, naquele momento, o rumo que a teoria psicanalítica estava tomando após o falecimento do pai da psicanalise. Muitos discípulos de Freud, dentre eles a sua filha Anna, estavam tomando uma direção mais pautado nos afetos e no fortalecimento do ego dos pacientes, deixando de lado alguns pontos fundamentais da teoria de Freud. Assim, Lacan questionou essas “correntes” psicanalíticas e resolveu voltar a Freud, constituindo sua teoria tendo como alicerce a linguagem. Lacan defende a postura de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, e para sustentar seu estruturalismo linguístico, formulou postulados distintos de Saussure no que diz respeito ao significante e ao significado. O significante seria a parte perceptível e audível do signo da fala, enquanto o significado é a parte invisível e conceitual.

Lacan (1953/2002) nos fala pontos importantes da linguagem na estruturação psíquica do sujeito, dentre eles se destacam: a estruturação do inconsciente se dá pela relação com o outro, e é através da linguagem que o indivíduo vai desenvolvendo sua mentalidade; é também com a linguagem que nasce o desejo da criança e faz com que ela se inscreva no mundo humano. Importante ressaltar a importância do outro sujeito enquanto portador da fala que interfere diretamente na constituição psíquica da criança; o outro, na teoria lacaniana, se torna peça fundamental na constituição inconsciente, consciente, cultural e do desejo do indivíduo.

Segundo May (2010) Lacan, já no começo dos seus trabalhos, começou a demonstrar que a linguagem, desde o que é falado até o seu sentido discursivo, está inscrito desde o desejo dos pais ao conceber o filho, ou seja, já existe antes mesmo do sujeito vir ao mundo, antes do seu nascimento. O indivíduo começa a ser inscrito no mundo a partir do momento que é lhe dado um nome próprio; é a linguagem que inscreve a cultura, o desejo, a falta e o inconsciente no sujeito.

Apesar de Lacan se inspirar na linguística, principalmente a de Saussure, ele refaz alguns pontos e difere do posicionamento de Saussure: Para Lacan, o sujeito que fala, que se expressa, não é o senhor desta expressão, pois antes mesmo de falar, esse sujeito já está mergulhado em um oceano da linguagem, do significante. Desta forma, ele diz de si algo que já estava colocado sobre ele, em outras palavras; é o outro que o insere no mundo da linguagem e da fala sobre si mesmo. Mesmo que o sujeito esteja rodeado por um mundo de significantes, ele ainda pode ter a autonomia de dar outro significado aos signos até então impostos. (May,2010).

Retomando aos conceitos significante/significado, podemos compreende-los da seguinte forma: Lacan empresta de Saussure a fórmula algoritmia significante/significado, mas o psicanalista reformulou o sentido desses conceitos, diferenciando-os de Saussure. Enquanto o linguista faz uma separação conceitual básica, Lacan sobrepõe o significante sobre o significado, e a barreira que separa um do outro é mais espessa. Essa barreira representaria a repressão de conteúdos inconscientes, e ela dificulta o processo de significação dos significantes.

Saussure nos elucida que o fenômeno da significação se dá pela relação entre um significante, representado pelo som, e um significado, que seria o pensamento da ideia que será exposta. Já o psicanalista nos expõe que a significação está conectada à uma rede de significante, em outras palavras, ligadas em uma série de significantes tomada em sua totalidade. Desta forma, não temos uma significação para um único significado, como defendia Saussure. Para Lacan, a significação só ocorre, de forma totalizada, a partir do momento que temos o aparecimento de todos os significantes. Assim, enquanto não tivermos compreendidos todos os significantes embutidos em uma frase, o significado não pode ser formado. (Vicenzi, 2009).

Finalizando alinha de raciocínio sobre a linguagem e a psicanalise de Lacan, May (2010) nos diz que a psicanálise não compreende o sujeito falante, ou seja, o sujeito que adquire a linguagem, como um simples ser que fala, ele é muito mais do que isso: a linguagem propicia ao sujeito o desejo. Essa relação entre sujeito e linguagem não é algo simplesmente dado, mas sim produzidos no discurso. Sendo assim, o que realmente importa para Lacan está nas entrelinhas do que aparece exposto na linguagem falada. Desta forma, o psicanalista propõe uma linguagem que é qualidade do inconsciente. A língua existe porque o inconsciente se estrutura como uma linguagem, e a linguagem e o desejo inconsciente se relacionam concomitantemente.

Após essa demonstração sucinta sobre a linguagem para Lacan, será proposto uma análise comparativa entre os postulados do psicanalista com a teoria de Vygotsky nas considerações finais deste trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: VYGOTSKY E LACAN FALAM A MESMA LÍNGUA?

Antes mesmo de tecermos tais aproximações e distinções entre as teorias desses dois importantes autores da psicologia, vale lembrar que o propósito deste trabalho não é fazer apontamentos profundos sobre conceitos de ambos os autores, isto porque este estudo foi realizado de forma breve, por uma questão de falta de compreensão profunda sobre a teoria dos dois autores, no qual ambos têm teorias complexas. Desta forma, apenas foi pautado a importância da linguagem para os autores e exposto, de forma simplificada, qual a participação da linguagem na constituição do sujeito enquanto ser atuante no mundo.

Sendo assim, seria possível aproximar estes autores ao se tratar de linguagem? Ou existe mais divergências do que semelhanças?

Quando retomamos alguns pontos expostos desse trabalho, Vygotsky (1991) explica o que entende por linguagem e sua importância no desenvolvimento do indivíduo, dentre alguns pontos destaca-se: a importância que o autor dá ao significado da linguagem, mais do que a simples palavra expressa; a forma de como a pessoa expressa o pensamento a partir das palavras; o desenvolvimento do indivíduo se dar pelo aprendizado e aquisição da linguagem a partir do adulto, e também a importância da linguagem para inseri-lo a cultura; a distinção ente significado e sentido nas palavras expressadas pelo sujeito ( a primeira é conduzida pelo que é posto pela cultura, e assim limitada, enquanto a segunda é praticamente ilimitada pela capacidade do sujeito interpretar cada palavra dita); e a inter-relação entre pensamento e linguagem, mesmo que, no começo do desenvolvimento da criança, não exista uma dependência de uma pela outra.

Já na abordagem Lacaniana, a linguagem não é só algo que dá condições do indivíduo desenvolver sua cognição e sua relação com o meio; aquela também é estruturante do desejo, do inconsciente e das repressões pulsionais que não podem vir à tona na consciência, ou só algumas lembranças inconscientes podem vir para a consciência. Desta forma, a linguagem não só estrutura e faz parte do pensamento e cognição, assim como podemos observar na teoria de Vygotsky; para Lacan, a linguagem é mais profunda.

Embora tem-se a impressão que a linguagem lacaniana compreende outros pontos distintos do que Vigotsky propôs, talvez pela distinção teórica e a ênfase que Lacan dá ao inconsciente, ao desejo, pulsão e gozo, alguns pontos podem ser aproximados, dentre eles:

      1. Ambos os autores acreditam na relação existente entre a significação da palavra e o seu sentido expresso. Embora os conceitos “significante/significado” de Lacan ser diferente do que Vigotsky chama de significado da palavra e sentido da palavra, dá-se para pensar que os dois psicólogos se preocuparam mais no sentido das palavras, na profundidade e interpretação da linguagem, do que simplesmente se preocupar com o som emitido pela fala. O que importa é a capacidade simbólica, imaginaria e interpretativa expressa nas palavras.
      2. Os autores também atribuem importância da linguagem na constituição do sujeito enquanto ser pensante, ser da cultura, e isso se dá pela interferência de um adulto, introduzindo a criança ao mundo a partir da linguagem: é claro que existe muita diferença na profundidade e análise que cada autor dá a esse processo do desenvolvimento do indivíduo, mas é interessante observar o quanto a linguagem interfere diretamente na constituição psíquica do sujeito.

Mesmo citando alguns pontos que parecem ser convergentes, é evidente que a postura e preocupação que cada autor dá a linguagem é distinta: enquanto o psicólogo russo se preocupa mais com a relação dialética entre pensamento e linguagem e foca seus estudos no desenvolvimento do pensamento, aprendizagem e cognição do indivíduo na sua relação com a cultura, Lacan enfatiza a questão inconsciente, o reprimido, o desejo, como constituintes também da linguagem e do sujeito, a partir da relação com o outro.

Apesar de ser uma avaliação bem sucinta do que poderia ser um estudo mais aprofundado das teorias de ambos os autores para se demonstrar as grandes divergências entre os postulados sobre a linguagem, este estudo quis demonstrar a importância que os autores atribuíram a linguagem e o quanto esta interfere diretamente na constituição do indivíduo: é a partir da linguagem, para estes psicólogos, que o ser se torna um homem cultural; se torna um humano, um ser da sociedade.

REFERÊNCIAS

Lacan, J. (2002) Función y campo de la palabra y del lenguaje en psicoanálisis. En Escritos 1. Bs. As.: Siglo XXI Editores. (Obra original publicada 1953)

May, A.P. (2010) psicanalise e linguagem. Revista de Letras, Artes e Comunicação. Blumenau, 4, (2). 258-266.

Molon, S. I. (2011) Notas sobre constituição do sujeito, subjetividade e linguagem. Psicol. estud. [online].,16, (4)., 613-622.

Morato, E. M. (2000) Vigotski e a perspectiva enunciativa da relação entre linguagem, cognição e mundo social.Educ. Soc. [online].21, (71). 149-165.

Pereira, C. L. (2012) Piaget, Vygotsky e Wallon: contribuições para os estudos da linguagem. Psicol. estud.[online].17, (2). 277-286.

Vicenzi, E. (2009) Psicanálise e linguística estrutural: as relações entre as concepções de linguagem e de significação de Saussure e Lacan. Ágora (Rio J.) [online].12, (1). 27-40.

Vygotsky, L. S. (1991) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.

Werner, J. (2015). A relação linguagem, pensamento e ação na microgênese das funções psíquicas superiores. Fractal, Rev. Psicol. [online].27, (1). 33-38.

[1] Doutorando, Mestre e graduação em psicologia.

Enviado: Fevereiro, 2018.

Aprovado: Junho, 2019.

 

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Rodrigo César Costa

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