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Aspectos psicossociais de pessoas com obesidade mórbida após a cirurgia bariátrica

RC: 108378
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CONTEÚDO

REVISÃO BIBLIOMÉTRICA

SCHONS, Sandra [1]

SCHONS, Sandra. Aspectos psicossociais de pessoas com obesidade mórbida após a cirurgia bariátrica. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 07, Ed. 03, Vol. 02, pp. 93-120. Março de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/aspectos-psicossociais

RESUMO

A obesidade é uma condição crônica caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura que traz repercussões à saúde. Sua prevalência relaciona-se as mudanças comportamentais, sobretudo devido à alimentação inadequada e ao sedentarismo, reconhecendo-se ainda, a existência de processos subjacentes. A Organização Mundial da Saúde considera obesidade mórbida o Índice de Massa Corpórea acima de 40kg|m2. Estima-se que o problema da obesidade esteja se tornando uma epidemia mundial que está associada a vários problemas de saúde física e mental. Diante da importância do tema obesidade, a pesquisa teve como objetivo identificar as principais dificuldades físicas, psicológicas e sociais de pessoas diagnosticadas com obesidade mórbida após a realização de cirurgia bariátrica. Para o desenvolvimento do estudo, adotou-se a abordagem qualitativa, desenvolvida primeiramente por meio de pesquisa bibliográfica de livros e periódicos científicos. Posteriormente, foi realizado o estudo de caso, com base nos depoimentos de cinco pessoas diagnosticadas com obesidade mórbida que realizaram cirurgia bariátrica. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista individual semiestruturada. A análise dos dados e apresentação dos resultados foi desenvolvida de forma qualitativa, sendo os dados compilados e tratados através da análise de conteúdo. É comum identificarmos em pessoas com obesidade mórbida aspectos psiquiátricos ocasionando uma piora na qualidade de vida. A cirurgia sozinha não garante a manutenção da perda de peso a longo prazo, o sucesso da terapêutica cirúrgica depende de mudanças comportamentais e adesão ao tratamento multidisciplinar.

Palavras-chave: Obesidade mórbida; Cirurgia bariátrica.

1. INTRODUÇÃO

Ao mesmo tempo em que vivemos numa sociedade que tanto idolatra um padrão de corpo magro, esquálido, sarado, nos deparamos com uma realidade bem diferente, na qual nunca se teve índices tão altos de sobrepeso, obesidade e outros problemas relacionados ao corpo que é reflexo dos hábitos de vida, principalmente pelo perfil alimentar e de atividade física. Conforme Almeida et al. (2011), estima-se que o problema da obesidade esteja se tornando uma epidemia mundial, que consequentemente está associada a outros vários problemas de saúde. No presente estudo será abordado a condição de obesidade levando em consideração a definição proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a qual considera a obesidade como uma condição crônica caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura que traz repercussões à saúde. Portanto, é categorizada, na revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), no item de doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas (DIAS et al, 2017). No Brasil, a definição da OMS é respeitada para elaboração de políticas públicas em saúde considerando a obesidade como doença e fator de risco para outras doenças.

Percebemos claramente a dupla faceta do corpo, enquanto se vive a era em que a magreza é vista como sinônimo de felicidade e saúde, nos deparamos com uma grande parcela da população que aumenta seu manequim ano após ano. Estudos apontam que a obesidade está se tornando uma epidemia mundial devido a sua frequência na população. O Brasil acompanha a alta prevalência da obesidade, ocupando o segundo lugar a nível mundial quanto à realização de cirurgias bariátricas (ZILBERSTEIN; SANTO; CARVALHO, 2019).

A obesidade é um problema de saúde pública, uma doença que causa dificuldades físicas, psicológicas e sociais (ALMEIDA et al., 2011). Além de ameaçar a vida da pessoa acometida, também reduz a qualidade de vida e a autoestima do paciente, que se vê, na maioria das vezes, ainda menos motivado a procurar ajuda ou tratamento para o seu problema.

Diante da importância do tema obesidade, a pesquisa teve como objetivo identificar as principais dificuldades físicas, psicológicas e sociais de pessoas diagnosticadas com obesidade mórbida após a realização de cirurgia bariátrica. Dificuldades essas que figuram como elementos do período pós cirúrgico.

A fim de alcançar o escopo da pesquisa, fez-se necessário investigar: as principais dificuldades físicas, bem como as principais dificuldades sociais decorrentes da doença; os motivos que levaram os pacientes a recorrer à cirurgia bariátrica; a identificação de como está a autoestima, e a satisfação com o corpo, após a realização da cirurgia; como é pós-cirúrgico no tratamento da obesidade mórbida através da cirurgia. Visto que o procedimento cirúrgico se mantém como umas das alternativas mais eficazes para o tratamento da obesidade mórbida. (OLIVEIRA; LINARDI; AZEVEDO, 2004). Cabe ressaltar que este tipo de tratamento é muito complexo, e exige empenho do paciente e sua família, bem como de uma equipe interdisciplinar e multiprofissional.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 OBESIDADE MÓRBIDA: ASPECTOS PSICOSSOCIAIS NA CIRURGIA DA OBESIDADE

O corpo é o objeto de estudo muito estudado na contemporaneidade. Sabemos a importância que se atribui ao corpo, à beleza, e aos padrões estéticos, na atualidade o corpo desejado e idolatrado pela mídia é o corpo magro, sarado, esse que é sinônimo de beleza, saúde e felicidade. Ao mesmo tempo em que vivemos numa sociedade que tanto idolatra esse padrão de corpo magro, esquálido, sarado, nos deparamos com uma realidade bem diferente, na qual nunca se teve índices tão altos de sobrepeso, obesidade, obesidade mórbida. A prevalência do problema de saúde está aumentando em um ritmo preocupante, entre 1980 e 2014, a proporção de obesos mais que duplicou a nível mundial. (FERREIRA; SZWARCWALD; DAMACENA, 2019).

O aumento da prevalência de obesidade relaciona-se as mudanças comportamentais, sobretudo devido à alimentação inadequada e ao sedentarismo, quanto os fatores condicionantes da obesidade, evidencia-se a alimentação rica em gorduras e açúcares e o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados, aliados à inatividade física, reconhecendo-se ainda, a existência de processos subjacentes (DIAS et al., 2017).

Percebemos claramente a dupla faceta do corpo: enquanto se vive a era em que a magreza é vista como sinônimo de felicidade e saúde, nos deparamos com uma grande parcela da população que está fora dos padrões estéticos e de saúde (NUNES, 2006). Fica a incógnita, como essas pessoas estão vivenciando seus corpos, se há uma glorificação tão grande quanto à forma e estética, refletindo uma realidade oposta?

Não existe um padrão único que possa tipificar a personalidade do obeso, embora a maioria dos pacientes apresente autoestima rebaixada pela não aceitação de sua imagem corporal e da própria compulsão alimentar, com sentimentos de culpa e arrependimento. Muitos se sentem intimamente diminuídos pela incapacidade de controlar os hábitos alimentares e reduzir o próprio peso. (PINHO et al., 2011, p. 686).

Levando em consideração as colocações de Pinho et al. (2011) a cultura da qual fazemos parte só vem a contribuir para minar a autoestima das pessoas  acometidas pela doença, pois estas por vezes vivenciam uma discriminação social, não só pela aparência, mas pelas limitações físicas que a obesidade traz, Almeida et al. (2007) referem que os parâmetros socioculturais podem influenciar na percepção da imagem corporal, na autoimagem, e na valorização da aparência externa, assim como sentimentos de satisfação com o peso corporal podem ir além do tamanho do corpo real. Desta forma, se a autoestima estiver diminuída há uma desmotivação para que os próprios pacientes se comprometam com o tratamento até o fim, “a vida passa a ser encarada como uma existência sem satisfação, com a marca deletéria da irremediável desesperança”. (PINHO et al., 2011, p. 686). Na maioria das vezes, inicialmente há uma enorme vontade de levar o tratamento à diante, porém no percurso algumas dificuldades, de ordem psicológica principalmente, fazem com que essas pessoas tenham recaídas, pois o início de um tratamento, segundo Silva (2005), tem como base essencial uma mudança profunda no modo de ser, ver e viver.

As implicações da obesidade mórbida influenciam diretamente na vida social da pessoa, além das limitações físicas, a mesma vivencia a discriminação e o preconceito social. Pinho et al. (2011, p. 686) afirmam que:

São frequentemente submetidos a humilhações no convívio social, seja pela postura preconceituosa e discriminatória de terceiros, seja pela experiência desconfortável com cadeiras, corredores, banheiros e outras instalações não adaptadas a pessoas obesas. A dificuldade para se manterem adequadamente asseados culmina com o aparecimento de odores desagradáveis. Nas esferas sexual e sentimental, os relacionamentos, quando acontecem, geralmente apresentam algum grau de insatisfação, muitas vezes pela escolha errada do parceiro, imaginando que não se poderia conseguir ninguém melhor.

Na maioria dos casos, a condição física, somada à baixa estima ocasionada pelos constrangimentos frequentes, fazem com que as pessoas desistam do trabalho, do convívio social e até mesmo de procurar ajuda para tratar seu problema. Como sugere Almeida et al (2011, p. 230):

Considerando os danos psicossociais que essas pessoas experimentam, como a associação entre excesso de peso e características negativas, pode-se supor que a falta de emprego não acontece apenas por limitações físicas, mas também por constrangimentos internos. Em outras palavras, talvez essas pessoas não têm recursos cognitivos que sejam o suficiente para conter as experiências de ansiedade, bem como para contrariar as atitudes de discriminação e preconceito de que pessoas obesas estão expostas. Em geral, elas são vistas como preguiçosas, desleixadas, repugnantes e poucos acreditam em suas competências cognitivas, condições físicas, sociais e psicológicos.

Inicialmente a obesidade era vista como uma doença típica de países desenvolvidos em que a população tinha hábitos de vida que estimulavam o sedentarismo e consumo de alimentos ricos em gorduras, sem valor nutricional, que só vinham a ser prejudiciais à saúde. Contudo, hoje se observa que a obesidade é identificada em todos os níveis sociais, idades, e gêneros, e está relacionada a um modo de vida. O mais alarmante é que tem se observado o acometimento da população cada vez mais jovem e, não obstante, as estatísticas demonstram que a obesidade mórbida, ou também conhecida como obesidade grau III, tem crescido assustadoramente, sendo considerada uma “pandemia mundial”. (SANTO; RICCIOPPO; CECCONELLO, 2010, p. 616).

Os profissionais que lidam com o assunto costumam definir a obesidade mórbida como um distúrbio originado e mantido por fatores internos e externos ao sujeito, que estão interligados.  Desta forma, o distúrbio é influenciado por condições ambientais, socioculturais e psicológicas. (BUSSE, 2007).

Há pessoas que possuem obesidade em decorrência de um distúrbio nutricional, que comem por impulso, ou recorrem aos alimentos por sintomas depressivos, e há pessoas obesas por alterações endócrinas, por inatividade física, ou por causas genéticas. Entretanto, nos casos de obesidade mórbida geralmente há combinação de vários fatores. Esse caráter multifatorial torna o tratamento mais complexo, pois embora a obesidade tradicionalmente ser tratada de forma clínica, através de reeducação alimentar e prática de exercícios físicos, nem sempre essas medidas sozinhas são eficazes para o tratamento da obesidade mórbida, exigindo tratamentos adicionais, como acompanhamento psicoterápico antes e após a cirurgia (CREMASCO; RIBEIRO, 2017).

Em termos fisiológicos, a obesidade consiste em um excesso de tecido adiposo, ou seja, excesso de gordura no organismo, ocasionado por um desbalanceamento entre a energia gasta e consumida. Nas mulheres, se considera obesidade quando esse excesso de gordura representa mais de 30% de sua massa corporal, enquanto nos homens este percentual é de 20% de massa de gordura no organismo (SILVA, 2005). Para se identificar se o peso de uma pessoa está dentro da normalidade a Organização Mundial da Saúde (OMS) utiliza-se do instrumento chamado Índice de Massa Corpórea (IMC), por meio do cálculo, em que se divide o peso da pessoa (kg) pela sua altura (m) ao quadrado. O IMC considerado dentro da normalidade varia de 19 a 24 kg|m2 para mulheres, e de 20 a 25 kg|m2 para homens. Pessoas com IMC acima de 30kg|m2 são consideradas obesas, e acima de 40kg|m2 considera-se obesidade mórbida ou grave, grau III. No caso da obesidade grau III passa a ter um caráter de morbidade, que apresenta concomitância com outras patologias e diminuição da expectativa de vida do indivíduo (MELO et al, 2014).

Como afirmam Oliveira; Linardi e Azevedo (2004) a obesidade mórbida é vista atualmente como um problema de saúde pública, e sua importância decorre pela frequência na população, e os danos experienciados pelos pacientes, devido ao sofrimento psicológico e associação com outras patologias que aumentam as taxas de morbidade e mortalidade, ocasionando uma queda na qualidade de vida. Dentre as comorbidades mais frequentes, podemos citar diabetes mellitus, doenças cardiovasculares, hipertensão, isquemia cerebral, e algumas certas formas de câncer. (SILVA, 2005).

O tratamento da obesidade mórbida, geralmente é baseado em várias intervenções interligadas, contando com tratamento nutricional, orientação da atividade física, tratamento psicológico e tratamento farmacológico. Uma quinta intervenção, o tratamento cirúrgico, está reservado quando as intervenções anteriores se mostrarem insuficientes ou ineficazes. (NUNES, 2006).

Há aproximadamente meio século a cirurgia bariátrica vem sendo empregada como uma das alternativas mais viáveis para o tratamento da obesidade mórbida. Tamanha importância do tratamento, no nosso país, esse procedimento é coberto pelo SUS (Sistema Único de Saúde), que deve garantir assistência pré e pós-cirurgia, de forma multiprofissional. A abordagem cirúrgica tem como objetivo proporcionar uma redução de peso, melhora das comorbidades associadas à doença e uma melhora na qualidade de vida. A realização de cirurgia bariátrica se impõe como uma opção de tratamento quando as intervenções anteriormente descritas foram ineficazes, pois, “infelizmente, a taxa de insucesso nos tratamentos convencionais para obesos mórbidos é extremamente elevada, ocorrendo falha em mais de 90% dos casos”. (NUNES, 2006, p. 343).

Segundo Coutinho (1999 apud NUNES et al, 2006) a seleção de pacientes para a cirurgia requer um mínimo de cinco anos de evolução da obesidade, sem êxito com tratamento convencional realizado por profissionais qualificados. Além do mais, são candidatos ao tratamento cirúrgico, os pacientes com IMC acima de 40kg|m2 e pacientes com IMC, acima de 35 kg|m2 com presença de comorbidades. Leal e Baldin (2007, p. 325) destacam que “certas alterações psiquiátricas são contraindicações absolutas para a realização da cirurgia bariátrica, dentre elas: psicose em atividade, uso corrente de álcool ou drogas, situação de vida caótica e inabilidade para cooperar com o tratamento pós-cirúrgico”.

Em muitos casos, pessoas obesas mórbidas preferem evitar o contato social pelo sofrimento psicológico causado pelas constantes discriminações, chacotas e humilhações que estão expostos diariamente. Ao se referir sobre isto, Busse (2007, p. 342) diz que “a consequência devasta dessa discriminação é o isolamento ostensivo ou disfarçado, que de qualquer modo resultará em baixa autoestima e em sérias alterações do comportamento”. Para Khaodhiar (2001 apud OLIVEIRA; LINARDI; AZEVEDO 2004, p. 201):

Pessoas obesas apresentam maiores níveis de sintomas depressivos, ansiosos, alimentares e de transtornos de personalidade. Porém, a presença de psicopatologia não é necessária para o aparecimento da obesidade. A presença de psicopatologia é restrita a grupos específicos, tal como acontece em outras doenças crônicas. Assim, a obesidade poderia ser vista como causadora da psicopatologia e não como conseqüência desta última.

O acompanhamento psicológico é indispensável antes da cirurgia e após, para que o paciente não veja sua condição como algo desprezível ou imutável e para que ele acredite e se comprometa no sucesso de seu tratamento. É necessária uma adequada percepção da complexidade com a qual o paciente se depara no tratamento de sua doença, assim como o grau necessário de maturidade da personalidade de alguém que venha a submeter-se a tal tratamento, influenciando no sucesso, ou ainda, no insucesso do tratamento pós-cirúrgico, pois como afirmam Oliveira; Linardi e Azevedo (2004) a maioria dos que chegam à cirurgia bariátrica possuem alterações emocionais. Essas dificuldades de natureza psicológica podem estar presentes entre os fatores determinantes da obesidade ou entre as consequências.

O tratamento da obesidade pode alterar o emocional da pessoa, “O psicólogo neste contexto tem o papel de avaliar se o paciente se encontra apto para cirurgia” (OLIVEIRA; LINARDI; AZEVEDO, 2004, p. 59), psicológica e emocionalmente, e principalmente motivado a seguir o tratamento posterior a ela, já que o procedimento provocará profundas mudanças físicas e mentais, por isso, a necessidade de o paciente estar consciente de suas condições, limitações, e de seu corpo. O pós-operatório se apresenta como uma fase muito complexa, pois além da necessidade de adaptação de novos hábitos alimentares há a adaptação de um novo corpo. Desta forma, problemas na esfera psicológica podem significar o insucesso do tratamento.

3. METODOLOGIA

O presente estudo visa identificar as principais dificuldades fisiológicas, psicológicas e sociais, de pessoas com obesidade mórbida após a realização da cirurgia bariátrica.

Nesse estudo, serão considerados os fatores de cunho fisiológico, psicológico e fatores de cunho social que se caracterizam por crenças, atitudes, comportamentos, estados físicos e emocionais (FERREIRA, 2016). Os aspectos e fatores identificadas serão abordadas pelo viés da Psicologia clínica Cognitivo Comportamental a fim de melhor compreender as implicações, sejam elas: físicas, sociais e psicológicas, de indivíduos que passaram pelo procedimento, contribuindo para lidarem com o estigma social, autoestima mudança de hábitos e comportamentos.

A obesidade é um problema complexo que deve ser abordada por vários campos da saúde. A psicologia se insere nesse cenário diante da necessidade de evidenciar os fatores psicológicos que levam ao surgimento da doença, ou ainda, para identificar estados mentais patológicos consequentes da enfermidade.

O estudo foi desenvolvido tendo como base depoimentos de cinco pessoas diagnosticadas com obesidade mórbida e que realizaram a cirurgia bariátrica. Os participantes da pesquisa foram escolhidos por conveniência, através de indicação das Secretarias Municipais de Saúde do município que residem, na região extremo oeste catarinense.

A coleta de dados foi realizada no ano de 2014, por meio de entrevista individual semiestruturada com aplicação de um questionário com dados de identificação (idade, sexo, tempo de realização da cirurgia, profissão, estado civil,) antropométricos (peso antes e após a cirurgia). Além disso, foram indagados sobre os motivos que levaram os participantes a realizarem a cirurgia bariátrica, complicações pós-operatórias, evolução de comorbidades relacionadas à obesidade e sobre a importância do tratamento psicoterápico no tratamento da obesidade.

As entrevistas foram transcritas para análise, mediante a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido, que têm por finalidade possibilitar, aos sujeitos da pesquisa, o mais amplo esclarecimento sobre a investigação a ser realizada, seus riscos e benefícios, para que a sua manifestação de vontade no sentido de participar (ou não), seja efetivamente livre e consciente.

Os participantes não foram identificados a fim de resguardar o sigilo e anonimato, para tanto, foram usados nomes fictícios para designá-los. A análise dos dados e apresentação dos resultados foi desenvolvida de forma qualitativa, segundo Richardson (1999), caracteriza-se pela tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e características situacionais apresentadas pelos entrevistados. Trata-se de um estudo com respostas na profundidade dos fenômenos de forma compreensiva e complexa.

Os dados obtidos nas entrevistas foram compilados e tratados através da análise de conteúdo que, conforme Bardin (1977), é um conjunto de técnicas de análise das comunicações. Visa obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos, relativos às condições de produção/recepção destas mensagens. Ainda para a autora, a análise de conteúdo é muito usada na pesquisa em Psicologia, sendo uma das principais modalidades de pesquisa qualitativa, principalmente se tratando da área de ciências humanas e da saúde, visto que objetiva a análise do conteúdo de forma detalhada explicando a dinâmica de um determinado fenômeno.

4. DESCRIÇÃO DOS CASOS

Caso nº 1- P1, gênero feminino, tem 55 anos, é casada, formada em direito, é funcionária pública aposentada, mora com seu esposo, e com seu filho que adotara. Fez a cirurgia há 14 anos, sendo que antes da cirurgia pesava 138,800 kg, e após o procedimento chegou a pesar 84 kg. Atualmente não sabe seu peso, diz não subir em uma balança por medo de saber seu peso, pois na última vez que o verificou estava com 112 kg. Entretanto, relata ter engordado mais, pois nota diferença nas roupas. Ela realizou o procedimento cirúrgico na rede particular, pois tinha plano de saúde. Recorreu à cirurgia por questões estéticas, de saúde e por uma “insatisfação geral”, relata que tinha muitas dificuldades físicas decorrentes de seu peso, problemas para caminhar, para descer e subir escadas e quedas frequentes.

Caso nº 2- P2, gênero feminino, tem 21 anos, é solteira, mora com sua família e no momento não trabalha devido sua condição física que a impossibilita. Passou pela cirurgia há 6 meses, e agora pesa 139 kg, chegou a pesar 198 kg. Aguardou por três anos a realização da cirurgia pelo Sistema Único de Saúde e, ao ser encaminhada para cirurgia, os médicos evidenciaram a necessidade de perder peso, então ela teve acompanhamento com médico, psicóloga e nutricionista, e se preparou por um longo tempo conseguindo emagrecer. Já estava desacreditada a ser convocada para a cirurgia quando foi chamada, já havia ganhado peso mais uma vez, assim novamente teve que esperar até atingir um peso adequado para o processo cirúrgico. Ela relata que suas maiores dificuldades eram sentidas para trabalhar e para caminhar. Ela conta que recorreu à cirurgia por motivos de saúde.

Caso nº 3- P3, gênero feminino, tem 47 anos, trabalha como secretária em um colégio particular, é casada e tem uma filha. Atualmente está com 89 kg, mas chegou a pesar 119,70 kg. Há três anos fez cirurgia de redução do estômago, a qual foi realizada na rede particular. Ela diz que já emagreceu bastante, mas ainda quer emagrecer mais e chegar aos 80 kg. Recorreu à cirurgia pelos problemas de saúde associados à obesidade, teve início de trombose, e sempre teve o sonho de realizar a cirurgia, pois era obesa desde criança. Antes da cirurgia relata que tinha várias dificuldades, desde caminhar, azia e também muita enxaqueca. Sentia-se muito cansada, devido ao excesso de peso.

Caso nº 4- P4, 27 anos, gênero feminino, formada em história, é funcionária pública, atualmente exerce o cargo de diretora, e mora com seu cônjuge. Realizou a cirurgia em 2011, ou seja, está completando dois anos. Hoje está com 75 kg, antes de passar pelo procedimento cirúrgico, chegou a pesar 140 kg. Ela conta que tem a intenção de emagrecer mais 10 kg. Inicialmente procurou pela cirurgia apenas com intuito de emagrecer, entretanto, uns meses antes da data da cirurgia, em virtude do peso elevado, desenvolveu policulite, que é uma inflamação na gordura, a qual lhe impôs muitas limitações para andar e até mesmo para as atividades diárias. Fez acompanhamento psicológico durante um ano e meio antes da cirurgia, e mais seis meses no pós-cirúrgico. Tanto seu pré-tratamento quanto o pós-cirúrgico foram realizados pelo Sistema Único de Saúde. Teve complicações na cirurgia e seu tratamento foi bem extenso, o que a afastou por 6 meses do trabalho.

Caso nº 5- P5, 49 anos é casado, gênero masculino, é agricultor. Está com 144 kg, antes da cirurgia chegou a 170 kg, e vem emagrecendo diariamente após o procedimento cirúrgico, que foi realizado 25 dias antes da entrevista. Antes da cirurgia teve acompanhamento com uma equipe multiprofissional composta por médico, psicólogo e nutricionista. Seu tratamento foi realizado pelo SUS. Passou por avaliação psicológica em dois momentos, pois sua avaliação foi validada por seis meses. Recorreu à cirurgia por questões de saúde, já que estava com hipertensão arterial, apneia do sono, glicose elevada, tomando nove tipos de medicação, sendo que a recuperação da saúde, e a prevenção de novos problemas de saúde foram os motivos propulsores para a cirurgia.

5. DISCUSSÃO E ANÁLISES DOS RESULTADOS

A realização da cirurgia bariátrica é um dos principais tratamentos da cirurgia da obesidade mórbida, grau III. A cirurgia altera aspectos fisiológicos, psicológicos e sociais influenciando claramente no novo estilo de vida do indivíduo que se submete a ela. Foram evidenciadas algumas categorias a partir da análise do conteúdo nas falas dos entrevistados, as quais se apresentam como relevantes, tanto para os entrevistados como na literatura. Para tanto, algumas partes das falas foram transcritas e separadas em categorias distintas, complementadas com achados teóricos tendo como escopo, aprofundamento da análise e discussão.

5.1 CIRURGIA PARA QUÊ?

A cirurgia bariátrica é vista pelos entrevistados como uma forma de recuperar a saúde e autoestima, entretanto em seus estudos, Marchesin (2010, p. 113) evidencia que o discurso do paciente bariátrico é primordialmente a saúde, mas é na aceitação social e na dinâmica psicológica que está o princípio da busca pela cirurgia e mudança corporal. Todos os entrevistados se submeteram a várias outras alternativas para perderem peso sem sucesso, desta forma a cirurgia de redução do estômago representava a eles a última esperança para recuperação física, social e psicológica. Todos relataram que já passaram por várias equipes multiprofissionais, realizaram vários tratamentos, sem conseguir um resultado significativo, a partir de então, foram incentivados a passarem por cirurgia. (P4, 2014) refere que:

Eu apelei a tudo, tudo, fiz tudo que é dieta, tomei vários tipos de medicamentos, inclusive anfetaminas (…) o dia em que me pesei, e vi que deu 115 quilos na semana seguinte eu procurei ajuda médica para encaminhamento para cirurgia.

Ao mencionar os motivos que o levou a recorrer a cirurgia bariátrica P2 (2014) refere:

Foi por questão de saúde, porque chega ao ponto que eu vejo todo mundo trabalhando, todo mundo fazendo o que gosta, e eu também quero fazer, e por causa de meu peso não deu mais, ai eu procurei porque eu quero melhorar a saúde, eu nunca liguei muito pra beleza, eu chegando aos 100 quilos, 90 quilos pra mim como eu era antes, pra mim já está bom, não quero beleza. Eu já cheguei a pesar 198. (P2, 2014).

P1(2014) diz que recorreu à cirurgia “por uma insatisfação geral”, ela relata que tinha muitas dificuldades físicas, problemas para caminhar, para descer e subir escadas, e também quedas frequentes. Outro fator determinante para a decisão de realizar a cirurgia foi “o sonho como todo mundo tem de encontrar alguém e formar uma família”.

Tem dias que você cai numa angústia, na época eu não tinha namorado eu achava que era porque eu era gorda, já estava com 45, 46 anos, nunca tinha namorado ninguém, eu tinha esse sonho como todo mundo tem de encontrar alguém formar uma família, um dos motivos também foi esse! (P1, 2014).

Até então, segundo seus relatos, nunca havia namorado ninguém e acreditava que era reflexo de seu aspecto físico. Percebe-se que ela atribui à gordura, muitas das suas insatisfações pessoais, e depositava na cirurgia a resolução de muitos de seus problemas.

Os entrevistados relataram que também recorreram à cirurgia por questões de saúde, para voltar a exercer as atividades normais, e prevenção de futuros problemas associados à obesidade. Resultado este, que entra em confronto com as colocações de Leal e Baldin (2007, p. 325) que afirmam que “fatores estéticos, não raro, são os maiores motivadores na busca pela cirurgia bariátrica, reforçados por preconceitos de que pacientes obesos são mais frágeis e estigmatizados socialmente”. E que reforçam as colocações de Pinho et al. (2011, p. 686) que alegam:

Mesmo em face de todo esse cenário psicologicamente negativo, estudos têm demonstrado que a principal motivação dos pacientes obesos para se submeterem à cirurgia bariátrica não é a vontade de melhorar sua autoimagem, mas a necessidade de controlar as comorbidades clínicas, algumas vezes incapacitantes e muito ameaçadoras à qualidade e à manutenção da vida.

As expectativas e motivações quanto ao procedimento podem ser variadas, todavia, a cirurgia da obesidade não se encaixa como procedimento estético, mas sim como procedimento para recuperação da saúde, que deve ser recomendado somente quando as intervenções anteriores se mostrarem ineficientes, considerando que “a estética é como um brinde que vem como os resultados da cirurgia; é o benefício psíquico da autoestima que acompanha o kit bariátrico”. (MARCHESINI, 2006, p. 198). Contudo, muitos mitos se criaram a respeito da cirurgia, como se fosse um procedimento simples, rápido e milagroso, que pouco exige do paciente. O que pode vir a frustrar o paciente e comprometer o tratamento. “No começo, os meus problemas eram todos voltados para a questão do meu peso, aí quando eu perdi peso, parece que tu acha outros problemas”. (P4, 2014).

Muitos pacientes chegam à cirurgia com a expectativa de resolver todos seus problemas de vida. Fato que se percebe na fala da entrevistada P4, relatando que inicialmente seu propósito era “ficar magra”, mas assim que conseguiu almejar o que tanto buscara, deparou-se com novos problemas, o que confirma que o peso elevado não era sozinho, o responsável por todas suas insatisfações na vida. A cirurgia bariátrica está longe de alcançar a perfeição estética, seu objetivo enquanto procedimento terapêutico visa resolver os problemas metabólicos e melhorar as atividades socioculturais e profissionais que são prejudicadas em virtude do peso elevado, até porque os pacientes, embora tenham emagrecido, relatam a ideação de novas cirurgias para correção de outras imperfeições, pois seus corpos, ainda impregnam as marcas da obesidade, através da flacidez e pelas sobras da pele. Assim a cirurgia plástica, passa a ocupar o lugar de idealização que anteriormente era representada pela cirurgia bariátrica.

5.2 ALTERAÇÕES E DIFICULDADES PSICOSSOCIAIS

Percebe-se claramente que as implicações da obesidade mórbida influenciam diretamente na saúde física, bem como na saúde mental das pessoas acometidas pela doença, pois as dificuldades se estendem a todos os aspectos da vida. Na maioria dos casos, a condição física, somada à baixa estima ocasionada pelos constrangimentos frequentes, fazem com que as pessoas desistam do trabalho, do convívio social e até mesmo de procurar ajuda para tratar seu problema. Uma questão muito presente na fala de todos os entrevistados é a questão do preconceito com a pessoa obesa.

Eu passei por situações extremamente difíceis, parecia assim que as pessoas me olhavam como se eu tivesse uma doença contagiosa, por ser obesa (…) você chega em um lugar e a pessoa olha pra ti, você vê que a questão de reprovação é porque você é obesa, as pessoas às vezes fazem gozação (…) muitas pessoas veem o gordo como alguém que não quer emagrecer, é gordo porque quer, é gordo porque é relaxado, porque não se cuida. (P1, 2014).

A consequência mais evidente do ponto de vista emocional, quando se fala em obesos mórbidos, refere-se aos danos causados na autoestima das pessoas, resultantes das críticas constantes em relação à condição física, e a rejeição pela sociedade em geral.

Sempre fui gorda, sempre, desde pequena, a gordinha da turma, que tinha os apelidos de rolha de poço, e todos aqueles apelidos (…) sempre naquela constante briga com a balança, na adolescência então era gritante (…) sempre fui uma pessoa que saia por cima das brincadeiras, mas é claro, internamente tu sofre, por mais que tu queira passar uma imagem de tudo bem, se tu tem problema tu sofre. (P4, 2014).

As críticas, ofensas, brincadeiras, vão aos poucos minando a estrutura interna dessas pessoas, fazendo com que os mesmos experimentem sentimentos de menos valia e alterações de identidade. (MAGDALENO JÚNIOR, 2011).

O brasileiro é bem preconceituoso com a questão dos gordos, eu perdi emprego, de ir fazer entrevista, de ter perfil, de ter capacitação e não ser pega pela questão de peso, porque como você vai ser recepcionista de um lugar se você pesa 137 quilos, não vai, tu perde! Não adianta tu ter competência, tu tem que ter aparência também. (P4, 2014).

O preconceito e discriminação social se estendem até na vida profissional. P1, conta que sentiu muito preconceito na sua vida profissional em decorrência de sua condição física, ao procurar empregos em lugares que estavam ofertando vagas, as quais ela preenchia todos os requisitos, mas nunca a contratavam. Ela relata que aconteceu de alegarem que a vaga já estava preenchida e mesmo assim a empresa continuar por semanas divulgar que a vaga estava em aberto. Sendo assim, via como saída passar em um concurso público, já que na sua concepção não teria como ser discriminada, contudo, acredita que a obesidade foi um empecilho para ocupar cargos maiores, ou promoções na empresa. Embora com os constrangimentos frequentes no trabalho e no lazer, P1 descreve que o maior constrangimento que sofreu na vida, e jamais conseguirá esquecer, foi antes de realizar a cirurgia, no ano de 1975, quando começou a ir à aula, na qual ela pegava a lotação para ir até a escola, e o motorista da “kombi” pede para ela descer pois no seu lugar ele colocaria duas pessoas, e a levar para escola teria prejuízo.

(…) então eu desci e fui pro colégio a pé. Todo mundo acha que era porque eu era pobre, e na verdade não era porque eu era pobre, mas foi porque fizeram isso comigo, isso marcou muito minha vida ainda hoje, ainda hoje. Se passaram já quase quarenta anos, mas, não esquece mais, não esquece, isso porque eu era gorda, e realmente, no meu lugar ele levava duas pessoas, eu sai e no meu lugar sentavam duas pessoas. [P1]

Percebe-se claramente que o ocorrido ainda lhe causa muito sofrimento, tratando-se de um evento traumático difícil de ser superado. Apesar dos constrangimentos e humilhações se estenderem por toda a vida, os maiores traumas sofridos por obesos quase sempre aconteceram na infância e adolescência. Os entrevistados espontaneamente contaram traumas que sofreram em idade escolar e que jamais puderam esquecê-los ou superá-los, pois os danos experienciados nessa fase de formação refletem diretamente na saúde mental e autoestima desses indivíduos, por mais que os mesmos venham a emagrecer.

Outra questão muito presente na fala dos entrevistados é sobre a dificuldade de encontrar roupas e calçados que lhes servisse, então, muitos dos constrangimentos eram em relação a isso. Quando encontravam algo que servisse, era uma roupa feia e “sem graça”, conforme descrição dos participantes; assim as roupas tinham que ser feitas sob medida.

Tu ia numa loja, nada servia, então tu ia numa loja sempre procurava 4G, 5G, e assim por diante (…) era uma situação constrangedora quando você ia numa loja e nada servia, ai você tinha que fazer roupa sob medida. (P3, 2014).

5.3 ASPECTOS PSICOLÓGICOS E PSIQUIÁTRICOS

É comum identificarmos em pessoas com obesidade mórbida aspectos psiquiátricos como ansiedade, insegurança, baixa autoestima e sintomas depressivos, consequentemente, ocasionando uma piora na qualidade de vida. (OLIVEIRA; LINARDI; AZEVEDO, 2004). Isto se confirma nos casos apresentados: todos os entrevistados apresentam como determinante ou consequência da obesidade, aspectos psiquiátricos ou psicológicos que lhes causam prejuízo e sofrimento.

Eu sou uma pessoa muito ansiosa, estava feliz comia, estava triste comia, estava… comia, comia, comia, comia. Eu era compulsiva, ainda sou, tenho que pensar muito ainda na hora de comer, porque se eu não me controlar, não tem como comer como eu comia antes (…) mas eu já tentei. (P4, 2014).

Algo muito presente nos entrevistados é a ansiedade, que os faz recorrerem à comida. Para a pessoa obesa a comida tem um enorme significado, indo muito além da alimentação, a comida representa a fuga para as frustrações, e também, uma forma de recompensa ou glorificação nos momentos de êxito. Para Ollitta (2013, p. 45) “a pessoa que sofre de obesidade, utiliza-se do alimento por razões que escapam ao seu controle, para um alívio de um intenso estado de angústia, e a consequência desse ato é a obesidade”. Segundo suas colocações, a obesidade seria uma consequência de alguma desordem psicológica relacionada ao ato de comer, o qual é desencadeado por questões emocionais.

O gordo tem a cabeça gorda, e é isso que atrapalha, para o gordo a comida é uma riqueza, uma supervalorização daquilo que é incrível, e eu era assim, Jesus, eu estava almoçando eu já estava pensando no que eu ia fazer de janta, no que eu ia comer no lanche da tarde! (P4, 2014).

Para Andrade e Fernandes (2013) as questões psíquicas afetam o biológico, que refletem no social, que se volta ao corpo, e ainda com maior intensidade no psíquico, por isso que os problemas emocionais quase sempre estão presentes nos casos de obesos mórbidos, seja, como fator determinante da obesidade, ou uma consequência da condição.

P3 relata que sentia muita “dor no peito”, “afobação” e “ansiedade” e, quando relatou esses sintomas a seu médico, ele lhe prescreveu o uso de psicotrópicos.

A comida não serve só para suprir uma necessidade biológica, mas sim como uma resposta a tensões emocionais. O alimento é visto como gratificação substituta, como um equivalente de afeto, compensação ou recompensa; na sua ausência pode ser visto como uma forma de punição, um abandono ou uma rejeição. (MATOS, 2006, p. 139)

Podemos supor que isso esteja também ligado a questões sociais e culturais, pois sabe-se o quão comum, principalmente nas etnias italianas e alemãs, frequentes na nossa região, as famílias ou amigos se reúnem para comemorar as mais variadas ocasiões por intermédio da bebida e comida farta. O que é verificado na fala do entrevistado P5 (2014) “Antigamente nas famílias, pra ser bonito tinha que ser criança gorda, essa era a mentalidade dos antigos, minha mãe sempre cuidava bem de nós!”. Como se sabe, a primeira tentativa para acalmar um bebê em choro, é tentando lhe dar algum alimento, assim os indivíduos que possuem alguma dificuldade quanto à alimentação em ocasiões de tristeza, logo recorrem à comida. “A psicologia comportamental considera a atitude alimentar como um produto de um aprendizado: o comportamento repete-se à medida que é reforçado pelas consequências que produz” (MATOS, 2006, p. 138), assim o comportamento alimentar é um produto do hábito, que é aprendido pelo indivíduo ao longo de seu desenvolvimento, se a criança desde cedo aprende a se acalmar através da comida, ao longo de sua vida tende a repetir esse comportamento. Portanto, em se tratando de obesos mórbidos, é comum que ainda na infância que os indivíduos começam a apresentar desajustes quanto à alimentação e peso corporal.

Outra questão que ficou evidente é que a maioria dos entrevistados já eram obesos na infância, e todos possuem casos de obesidade na família. Sendo assim, podemos afirmar sem medo, que nos casos de obesidade mórbida há fatores hereditários envolvidos, somados a fatores socioculturais e psicológicos. Cabe ressaltar que dois dos entrevistados são irmãos.

Nos casos de obesidade mórbida, frequentemente há uma insatisfação geral do próprio paciente em relação ao seu corpo, eles se veem desmotivados e desacreditam em si próprios.

O julgamento sobre o corpo de uma pessoa pode ir além da forma física. Quando as pessoas têm personalidade mais estruturada e bons recursos de funcionamento mental, eles podem experimentar melhor compreensão sobre a sua atratividade física. Sugere-se, portanto, que a percepção da imagem corporal parece ir além da percepção tamanho, peso e forma. Ele também parece refletir a organização interna do indivíduo, especialmente relacionadas com a forma como o indivíduo se sente sobre ele / ela mesma. (ALMEIDA et al., 2012, p. 229).

Como sugere Almeida et al. (2011), se a pessoa tiver poucos recursos cognitivos para lidar com o preconceito e discriminação, ela está mais sujeita a criar uma imagem negativa acerca dela mesma. Assim, pessoas menos estruturas em termos psicológicos e emocionais, tendem a sofrer mais com essa sociedade que prega a magreza como sinônimo de saúde e felicidade. A partir de então se torna possível compreender o porquê algumas pessoas conseguem lidar mais facilmente com sua imagem corporal do que outras.

Antes da cirurgia os pacientes se autocriticavam e se inferiorizavam diante de outras pessoas que lhe eram próximas, P3 refere que ela própria não se gostava, achava que ninguém gostava dela. Os comportamentos e sentimentos de autorrejeição e de autorrecriminação acabam por interferir e prejudicar nas relações sociais e conjugais. É comum obesos mórbidos se isolarem e evitarem ao máximo o contato social. O isolamento social costuma ser diretamente proporcional ao aumento do peso, tanto pelo sentimento de rejeição como pelas limitações físicas, e até mesmo para atividades cotidianas. Pinho et al. (2011) articula que a depressão crônica é uma das condições mais frequentes nesses pacientes, sendo que muitos chegam a declarar que não temem a cirurgia, pois não teriam nada a perder.

A cirurgia representou uma mudança de mil por cento, porque, eu acho que se eu não tivesse feito a cirurgia, eu teria me enterrado na minha depressão, parece meio louco dizer, mas não sei se eu estaria viva, no sentido assim, tudo estava se encaminhando para uma piora, eu estava engordando cada vez mais, eu não estava mais caminhando, não tinha mais vontade de fazer nada, eu estava me fechando, não sei se eu não teria tentado alguma coisa contra mim mesma, (…) a cirurgia pra mim foi um renascimento assim. (P4, 2014).

A baixa autoestima e insatisfação com o corpo estavam tão alteradas que a paciente P4 relata ideação suicida. Percebeu-se, segundo seus relatos, que a paciente estava muito angustiada, em profundo sofrimento psíquico, apresentando sintomas depressivos, e o fato dela apresentar ideação suicida, revela que sua última esperança era a cirurgia.

P2 narra que recorria à comida por não aprovar algumas decisões de sua família, então se trancava no quarto e comia compulsivamente. “Tratando-se de pacientes obesos mórbidos, podemos dizer que a imensa maioria dos que chegam à cirurgia bariátrica traz alterações emocionais” (OLIVEIRA; LINARDI; AZEVEDO, 2004, p. 201), e isso de fato ocorre, associado ou em consequência aos constrangimentos frequentes a que são submetidos, à insatisfação e baixa autoestima.

Como verificado, os pacientes apresentam aspectos psicológicos como ansiedade e episódios de compulsão alimentar, que poderão comprometer o sucesso do tratamento cirúrgico a longo prazo. A paciente P1, que realizou a cirurgia há um tempo elevado, voltou a ganhar peso, apresentando IMC próximo ao que tinha quando passou pela cirurgia.

5.4 ALIMENTAÇÃO E COMPULSÃO ALIMENTAR

Uma questão que muito preocupa a equipe que acompanha o paciente que passa pela cirurgia, e que merece muita atenção, é se o mesmo se adaptará aos novos hábitos alimentares visto que, antes do procedimento, a pessoa obesa necessita de muito alimento para saciar sua fome, e até mesmo sua vontade de comer e, para tanto, os pacientes recorrem à comida por variados motivos. Após o procedimento cirúrgico sua alimentação fica muito limitada em variedade e, principalmente, em quantidade. Desta forma o paciente se vê diante de uma transformação radical.

A intervenção mecânica serve apenas para aumentar a facilidade de adesão a dieta, induzindo a saciedade após a ingestão de pequenos volumes de alimentos a cirurgia bariátrica por si só não conclui o tratamento para a obesidade, o tratamento se estende por toda a vida do paciente, a cirurgia apenas irá diminuir a entrada de alimentos no tudo digestivo, fazendo com que a pessoa coma quantidades muitos pequenas mais vezes. (PREVEDELLO et al., 2009, p. 160).

Percebe-se que há uma questão psicológica envolvida na “fome”[2] desses pacientes, pois o procedimento cirúrgico, por reduzir e limitar o estômago evitaria que esses pacientes sentissem fome tanto quanto antes da cirurgia. Assim a “fome”[3] e a “vontade de comer”[4] trata-se mais de um fenômeno psicológico do que fisiológico.

Eu acho assim que o que vai determinar o sucesso da tua cirurgia é a questão puramente psicológica, porque tu não sente fome, tu não sente sede, tu não sente nada, o teu psicológico, a tua vontade te faz sentir, e isso é muito engraçado (…) Tem momentos que tu tem medo de quebrar, e tu pensa vou comer até eu explodir (…) as vezes eu falo aqui pra psicóloga, que eu estou muito ansiosa e tenho vontade de comer as paredes, não sei o que fazer (…) eu estou beirando a compulsão de novo, ai eles me mandaram a fazer uso de ansiolítico pra controlar a ansiedade, só que eu fico dopada, fico abobada. (P4, 2014).

A cirurgia da obesidade, sozinha, não cura os sintomas psíquicos da obesidade, como a compulsão pela comida, ou outros aspectos psicológicos, o paciente terá que desenvolver habilidades e formas para enfrentamento. Para isso, é buscado o tratamento psicológico que, segundo Magdaleno Júnior (2011), tem como objetivo desfazer a confusão que ocorre entre ansiedade e fome, que leva esses pacientes a procurarem a comida como uma tentativa de resolver o desconforto causado pela angústia, ou seja, como uma forma de suprir as necessidades emocionais.

P4 relata que sua alimentação atualmente não é ideal, que come coisa que não poderia, e tem consciência disso, se diz muito ansiosa por causa de seu trabalho, que ela configura como “extremamente estressante”. Segundo  Sarwer; Wadden; Fabricatore (2005, apud VENÂNCIO; CONCEIÇÃO; MACHADO, 2011, p. 74):

A presença de comportamentos alimentares desajustados está associada a outros quadros sintomáticos (maior depressão, impulsividade, ansiedade), o que poderá comprometer o sucesso na adaptação a estilos de vida mais saudáveis e o cumprimento das prescrições médicas no período pós-cirúrgico.

Sintomas estes, que são descritos pela entrevistada P4. Após o emagrecimento, se o paciente operado não tiver um acompanhamento psicoterapêutico satisfatório, ele estará muito propenso a apresentar compulsão que, segundo os entrevistados, se apresenta passado o momento do triunfo, ou seja, da perda significativa de peso, pois o traço compulsivo, existente já na base da personalidade do obeso, tende a pressionar o indivíduo em relação ao alimento. Se outrora o indivíduo recorria à comida como uma via de facilitação do aparelho psíquico, como uma fuga para as frustrações, se não houver um suporte psicossocial, que permita mudanças estruturais internas, novamente os antigos sintomas surgirão.

Matos (2006) refere que o procedimento cirúrgico pune com dor o paciente que tenta transpor o limite do novo estômago, contudo, a técnica cirúrgica sozinha não é capaz de conter o comer compulsivo. Frequentemente, se tratando de obesos mórbidos pós-operados, encontra-se hábitos de cuspir ou vomitar os alimentos, para continuarem comendo. Dos cinco entrevistados apenas P5 diz que não tem problemas em vomitar, os demais entrevistados relatam muitas dificuldades quanto a isso.

Nos primeiros 15 dias eu me sentia muito fraca, pois a fome você tem igual, você sente fome, o cheiro da comida, do mesmo jeito, só que só podia tomar líquido, você tem que começar que nem uma criança, primeiro os líquidos, depois as papinhas, que nem uma criança… toda vez que eu voltei a comer sólidos, assim, toda vez que comia uma comida que não tinha mais comido, o estômago assim tinha que reconhecer essa comida, então a primeira vez que eu comia voltava sempre. (P1, 2014).

A insatisfação ou problemas relacionados à cirurgia estão relacionados à intolerância psicológica, à restrição, ao vômito contínuo e dificuldades quanto à alimentação sem efeito considerável, que é a perda de peso. (VENÂNCIO; CONCEIÇÃO; MACHADO, 2011). Embora ocorram muitas dificuldades, a preocupação central geralmente é com a perda de peso, as demais dificuldades são vistas como secundárias, e “valem a pena” quando ocorre uma real perda de peso.

Logo após eu voltar pra casa da cirurgia, eu estava de aniversário, ai meu pai quis dar uma festa, e eu nem podia comer nada na festa eu tive que me esconder e chorar. Ai as pessoas me pediam está com vontade? E eu: vontade não capaz! E a minha vontade era avançar arrancar um pedaço da carne e comer. [P4]

Assim como percebido nas falas das participantes, a alimentação, que anteriormente era vivida como prazer, que era uma obsessão, passa a ser um problema a ser enfrentado, por causa dos vômitos frequentes, as restrições quando a quantidade e variedade dos alimentos, “até hoje, eu não consigo me alimentar direito, eu passo mal”. (P1, 2014) A partir disso, percebe-se que a cirurgia impõe ao paciente mais que mudanças nos padrões alimentares, mas mudanças internas, para que ele se conscientize do que ele pode ou não estar consumindo.

5.5 AUTOESTIMA E SATISFAÇÃO

De acordo com as verbalizações dos entrevistados, só o fato de terem realizado a cirurgia já os fez sentirem-se melhores, física e emocionalmente. São relatos frequentes entre os entrevistados que, a partir da cirurgia, “a autoestima foi lá em cima”, mesmo não tendo emagrecido o quanto esperavam. Todos os pacientes relataram que, se precisassem, passariam pela cirurgia novamente. P4 (2014) afirma que

Eu acho que passei a ter autoestima depois da cirurgia, porque antes eu não tinha vontade de sair”, em tempo que P3 (2014) menciona “Eu falo sempre, autoestima, autoestima, muito feliz, porque hoje as pessoas falam, nossa como tu está bem como tu está feliz, está bonita, tudo melhorou, tudo, a autoestima sobe lá em cima!

As participantes P3 E P4 contam que antes da cirurgia não se gostavam, se autocriticavam, não tinha autoestima, referem que o procedimento mudou sua vida para melhor, e que estão muito felizes com os resultados. Contudo, esse sentimento genuíno de alegria e satisfação é ameaçado pelo medo de voltar a engordar, há um “pavor”, como descrito nas falas das pacientes em voltar a ter o peso que tinham antes.

Enquanto P1 relata que pecou no tratamento pós-cirúrgico e que, por alguns anos seguiu todas as recomendações médicas, fazia tratamento psicoterápico e nutricional, conseguindo emagrecer, contudo, após o falecimento de seu irmão, que era a sua família, passou a esquecer de tomar as medicações e prosseguir o tratamento, voltando a ganhar um peso elevado em pouco tempo. Por falharem no tratamento medicamentoso surgiram vários problemas, que resultaram das carências nutricionais, deficiências vitamínicas, consequentemente ocasionando osteoporose e artrose, e problemas na coluna. Atualmente tem dificuldades de realizar as atividades mais rotineiras nos afazeres domésticos e para caminhar, e conta que “a história da roupa continua porque não encontro roupa que serve”. Apesar de todos os problemas ela relata:

Eu ainda me sinto melhor que antes que a cirurgia, mesmo que eu tenha engordado, mesmo que eu tenha todos esses problemas, tenho a impressão que eu estou melhor que antes emocionalmente, e até no físico. (P1, 2014).

Os entrevistados P2 e P5, até então estão muito satisfeitos com os resultados, e estão perdendo peso diariamente, mas para se referir sobre a manutenção dos resultados, levará um tempo maior, pois foram entrevistados logo após a cirurgia. Mesmo assim, P2 (2014) já tira algumas conclusões a respeito “Após a cirurgia posso dizer que está 90% mudado, estou me sentindo muito feliz”.

5.6 ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO

A cirurgia bariátrica deve ser uma terapêutica interdisciplinar e multiprofissional, composta pela equipe mínima de médico, nutricionista, psicólogo, e um educador para atividades físicas. Esses são os pilares que, juntamente com o comprometimento do paciente, amparam o sucesso do tratamento, se algum deles faltar, ou falhar compromete a intervenção de todos os outros. “Assim como em qualquer doença crônica em que a aderência ao tratamento e o seguimento são difíceis e constituem foco do tratamento, em qualquer comportamento aditivo a prevenção de recaídas é o cerne do programa terapêutico.” (Marchesini, 2010, p. 112), contudo se tratando de pacientes no pós-cirúrgico, comumente percebe-se que o primeiro pilar a ser abandonado é o tratamento psicoterápico. Passado algum tempo da cirurgia, depois de conseguirem emagrecer, grande parte dos pacientes abandonam a psicoterapia, fato esse, que é demonstrado por Gleiser e Candemil  (2006)  e Pacheco (2006), bem como verificado nos participantes do estudo.

Hoje se eu passaria por todo o processo de novo, é bem difícil, mas é suportável, não é impossível, só talvez eu investiria mais no pós operatório na questão psicológica, porque eu fiz seis meses, mas eu teria que estar até hoje. (P4, 2014)

Dos cinco entrevistados, três fizeram acompanhamento psicoterápico após a cirurgia, os outros dois pacientes não retornaram a nenhuma sessão de psicoterapia, após o procedimento cirúrgico.  O paciente P5 chegou a relatar que “nunca precisou, mas que era um dos pré-requisitos para a cirurgia, ter a avaliação de um psicólogo”.

Muitos pacientes chegam ao acompanhamento psicológico antes da cirurgia por se tratar de uma obrigatoriedade, que é vista por muitos apenas como uma formalidade a ser cumprida, um relatório ou uma avaliação que irá liberá-lo para cirurgia (PACHECO, 2006), enquanto o pós-operatório apresenta-se como uma necessidade sem caráter de obrigatoriedade, por isso, muitos abandonam o tratamento, embora apresentem sintomas e características psiquiátricas que poderiam ser tratadas. Nas entrevistas os pacientes evidenciam a importância do tratamento psicoterápico para o sucesso do tratamento, e dizem sentir a necessidade de voltar ao tratamento, porém nenhum dos entrevistados faz acompanhamento atualmente. Verticalmente ao abandono na psicoterapia, percebe-se o ganho de peso. “Eu acho que a questão psicológica é determinante, acho que nem é a questão de não poder comer tal coisa, da questão da dieta alimentar, é questão do teu psicológico, é isso que influência”. (P4, 2014).

Contar com ajuda profissional especializada para tratamento psicoterápico no pré e pós-cirúrgico, é uma forma de evitar recaídas e atingir a função principal do equilíbrio corpo e mente, mas evidencia-se que “o número de pacientes que procuram manter-se em acompanhamento emocional regular após a cirurgia não é significativo”. (GLEISER; CANDEMIL, 2006, p. 189). O procedimento cirúrgico sozinho não garante a manutenção da perda de peso a longo prazo, o sucesso da terapêutica cirúrgica depende de mudanças comportamentais significativas, e umas das habilidades fundamentais que o paciente terá que desenvolver é “diminuir a função do alimento como meio de suprir necessidades emocionais” (MAGDALENO JÚNIOR, 2011, p. 111), que pode incidir muito mais facilmente com ajuda de psicoterapia. Os autores proferem que cerca de 20% dos pacientes operados não atingem o peso esperado, ou reganham peso a longo tempo, também se verifica números elevados de pacientes que “não se beneficiam psicologicamente da cirurgia, desenvolvendo transtornos alimentares, e quadros psicopatológicos”.

O tratamento psicológico após a cirurgia bariátrica objetiva prestar suporte ao paciente na reorganização de sua vida, a fim de prevenir que comportamentos desajustados sejam novamente adotados a longo prazo. Para Melo et al (2014) a cirurgia bariátrica acarreta mudanças importantes no estilo de vida do paciente, e é de suma importância que ele esteja consciente para que o tratamento seja eficiente. Importa destacar ainda que num processo psicoterápico os psicólogos superem a mera observação dos comportamentos alimentares dos pacientes, e objetivam a compressão do sofrimento e o funcionamento psíquico relacionado aos sintomas apresentados (CREMASCO; RIBEIRO, 2017).

Dentro da Psicologia, há a abordagem da Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) comumente indicada para o tratamento psicoterápico no pré e pós cirurgia bariátrica, a abordagem atua na influência do pensamento sobre o comportamento e o ambiente, auxiliando o paciente na elaboração da nova rotina, nas mudanças de pensamentos e crenças, na organização de uma nova perspectiva e estilo de vida. Para Melo et al, (2014) foca-se na adaptação da nova dieta, elaborada por nutricionistas, de acordo com as necessidades do paciente. O tratamento psicológico atua para evitar a recorrência de episódios depressivos e reaparecimento de transtornos alimentares e quadros de compulsão alimentar que podem gerar graves prejuízos se tratando de pós operados.

6. CONCLUSÕES

A obesidade mórbida é uma condição que causa muitos prejuízos fisiológicos, psicológicos e sociais nas pessoas que convivem com o problema, o impacto da obesidade não se refere somente às questões relacionadas à saúde, mas reflete sobretudo na qualidade de vida.  A cirurgia bariátrica se mostra como uma das opções mais efetivas na recuperação de todos esses fatores prejudicados. Entretanto, é de suma importância que o paciente esteja ciente de todas as restrições, consequências, dificuldades que terá que enfrentar no pré e pós-cirúrgico para que seu tratamento tenha êxito.

Verifica-se que além da perda de peso a cirurgia bariátrica, tem sua eficácia apoiada na melhora de aspectos importantes para os pacientes, tais como, melhora na qualidade de vida e de aspectos psicológicos e sociais que melhorem a saúde física e mental. Os entrevistados relatam sentirem-se melhores, em termos físicos e emocionais, após o procedimento cirúrgico, apesar de não terem almejado o resultado por eles esperado, que seria uma perda de peso maior do que a evidenciada.

Os pacientes também relatam uma melhora significativa das comorbidades e dificuldades relacionadas ao excesso de peso. Entretanto, o sucesso cirúrgico procede de várias questões multidimensionais. Assim, as mudanças comportamentais, o cumprimento de um novo estilo de vida e a adesão do tratamento de forma multidimensional e contínua, também devem ser consideradas na avaliação do sucesso terapêutico. As condições psicossociais são determinantes para a manutenção da perda de peso, bem como para o seguimento a longo prazo do tratamento pós-cirúrgico. O tratamento cirúrgico, sozinho, não resolverá o problema da obesidade, muito menos as consequências psíquicas da doença. Ficou evidente que os pacientes, mesmo os que perderam um peso elevado, continuam a apresentar sintomas e problemas psíquicos, principalmente relacionados à alimentação, o que nos leva a pensar que alguma parte do tratamento se mostrou falha.

Nos casos apresentados é notório que os entrevistados ainda possuem comportamentos e sinais psíquicos e emocionais que estão interferindo no tratamento e, ao mesmo tempo, percebe-se abandono do acompanhamento multiprofissional, sendo a psicoterapia a primeira especialidade a ser abandonada, verificando-se logo em seguida o ganho de peso.

Embora as dificuldades e problemas apresentados, a cirurgia tem ocasionado uma melhora na qualidade de vida em geral, o que reforça a recomendação de tratamento cirúrgico nos casos de obesidade mórbida. O acompanhamento psicológico se mantém como peça fundamental para o bom funcionamento psíquico e emocional, em qualquer condição, quanto mais num tratamento pós-cirúrgico.

Importa destacar que o trabalho do Psicólogo se mostra essencial no pré-operatório, na avaliação psicológica dos pacientes que recorrem à cirurgia, bem como no acompanhamento psicoterápico antes e após o procedimento. A psicoterapia se mostra como fundamental no pó cirúrgico, visto que a cirurgia em si não será a solução para todos os problemas do indivíduo, sendo necessário tratar as causas da obesidade. O paciente precisa estar preparado para lidar com as mudanças fisiológicas e comportamentais. Nesse sentido, constata-se que a Psicologia por meio da abordagem de Terapia Cognitivo Comportamental mostra-se positiva, trabalha com a psicoeducação nos pacientes, propondo mudança dos pensamentos disfuncionais e dos comportamentos.

Evidencia-se por fim, a necessidade do acompanhamento psicológico, independente da abordagem escolhida, pois todos objetivam melhora na qualidade de vida do paciente, propondo mudanças para o sucesso do tratamento, é necessário conhecer a si mesmo, para lidar com nossos desejos, medos e fraquezas, assim, fica mais fácil de alcançarmos nossos objetivos e metas, e consequentemente viver melhor. O corpo só estará bem quando estiver em consonância com a psique.

REFERÊNCIAS

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APÊNDICE – NOTA DE RODAPÉ

2. Grifo do autor.

3. Grifo do autor.

4. Grifo do autor.

[1] Cursando Mestrado em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná- UNIOESTE; Especialização em Gestão Pública com ênfase em Direitos Humanos e Cidadania, Planejamento e Avaliação de Políticas Sociais da UEPG – Universidade Estadual de Ponta Grossa; Bacharel em Psicologia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC. ORCID: 0000-0001-8627-7761.

Enviado: Maio, 2021.

Aprovado: Março, 2022.

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Sandra Schons

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