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Adoção Tardia: Aspectos Legais e Construção do Vínculo Familiar

RC: 16193
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CONTEÚDO

PIVA, Adrieli Bernardi [1], BAUMKARTEN, Silvana Terezinha [2]

PIVA, Adrieli Bernardi; BAUMKARTEN, Silvana Terezinha. Adoção Tardia: Aspectos Legais e Construção do Vínculo Familiar. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 06, Vol. 01, pp. 98-135, Junho de 2018. ISSN:2448-0959

Resumo

Esta pesquisa teve como objetivo investigar e conhecer como ocorre a adoção tardia, a construção do vínculo familiar e os aspectos legais que envolvem o processo. Buscou conhecer famílias que já adotaram crianças maiores e analisar como ocorreu o processo de adaptação da criança com os pais e vice-versa. Para tanto, foram submetidas ao estudo quatro famílias, que aceitaram participar da pesquisa, através do contato com o grupo de Apoio a Adoção da cidade de Passo Fundo-RS, que é composto por famílias que já adotaram ou que possuem pretensão em adotar e interessados sobre o tema da adoção. Os encontros, com duração prevista de uma hora em média, foram agendados previamente por telefone. Estes foram realizados na casa dos entrevistados ou no local em que preferiram, sendo gravados para transcrição na íntegra. Seguiu-se por entrevistas semiestruturadas para guiar o diálogo e a obtenção das informações. Os resultados, organizados em casos e categorias, foram analisados qualitativamente e evidenciou-se os desafios em adotar crianças maiores, os preconceitos, os medos, a resistência dos adotantes e afirmou-se que, apesar dos desafios, a adoção é concretizada.

Palavras-chave: Adoção Tardia, Aspectos Legais, Vínculo e Psicologia.

1. Introdução

A adoção ocorre desde a antiguidade. Na Roma, a adoção era considerada a introdução de um estranho como filho em uma família. Na Idade Média, existiam as “Rodas dos Enjeitados” nas quais as crianças eram deixadas anonimamente; ocorriam muitos abortos e infanticídios, decorrentes da reprovação religiosa e social. Na Idade Moderna, originou-se o preconceito e o valor dos “laços de sangue”, provenientes da religião e da sociedade (BOCHNIA, 2010).

A primeira lei referente à adoção, no Brasil, foi a Lei de 1828. Depois criou-se o Código Civil de 1916, que devido a seus termos acanhados e efeitos restritos, acabou por afastar o público da adoção (BOCHNIA, 2010). No decorrer dos anos, muitas outras leis foram criadas, evoluindo e visando os direitos e o bem-estar dos adotandos.

Com intuito de assegurar proteção aos “sujeitos de direito”, surge em 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A adoção encontra-se no título: “Dos Direitos Fundamentais, Título II, no Capitulo III -Do Direito à convivência familiar” (BOCHNIA, 2010, p. 45). Depois, no ano de 2009, surgiu a Nova Lei da Adoção, lei de n° 12.010 que alterou e atualizou o Estatuto da Criança e do Adolescente, prezando assim, facilitar o processo de adoção.

Nesse breve percorrido histórico, percebe-se o quanto mudou, e para melhor, a questão da adoção a nível mundial. Os direitos que se têm agora nem sempre existiram, os estudos têm aumentado, e o tema está sendo mais abordado, o que evidencia a sua importância.

Atualmente, a adoção é vista como um ato judicial, no qual se criam relações semelhantes à filiação biológica, tornando o adotado um filho, com direitos e deveres, sendo uma ação irrevogável, e vai além do contrato, é um ato de amor (SOUZA, 2009).

A adoção é também um encontro, envolvimento, construção de uma família para uma criança, com segurança, apoio, educação e proteção. É escolher dar afeto e carinho (SOUZA, 2009).

Segundo Weber (2011), a adoção, para aqueles que adotam, representa a responsabilidade frente a uma criança que veio de forma judicial e não de forma biológica. Para os que são adotados, a adoção significa ter um pai e uma mãe e assim uma família.

Com o intuito de saber mais sobre o processo legal da adoção e a criação do vínculo afetivo do adotado com a família adotante, com crianças maiores (adoção tardia), é que se iniciou este trabalho de pesquisa, buscando entender como ocorrem tais processos.

Os principais dados analisados foram a idade das crianças adotadas; o perfil inicial que os adotantes desejavam e o que motivou a mudança ou tal escolha; o processo legal da adoção; a vinculação afetiva da criança adotada para com os pais e família extensa e como está hoje o relacionamento familiar.

Diante do exposto, considera-se que adotar uma criança, principalmente sendo ela maior de dois anos, gera muitas incertezas, dúvidas e ansiedades relacionadas ao futuro filho e à família que se constituirá. Isso ocorre devido ao fato de os adotantes estarem se inserindo em um mundo novo, com outros significados e novas descobertas, assim, é de suma importância compreender como ocorreu o processo da adoção, bem como a adaptação da criança com a família e vice-versa.

Esta pesquisa justifica-se, portanto, em contribuir com o aprendizado dos psicólogos na atuação da temática da adoção. Para tanto, apresenta-se, inicialmente, a fundamentação teórica, seguida da metodologia, da análise e da interpretação das informações, e as considerações finais.

2. Revisão de literatura

2.1 Família

A palavra família tem por significado pessoas do mesmo sangue ou acolhidos por adoção que vivem na mesma casa (PRADO, 1981, p. 7). Ainda segundo Minuchin (1985), a família é um complexo sistema de organização, com crenças, valores e práticas desenvolvidas ligadas diretamente às modificações da sociedade, em busca da melhor adequação para a sobrevivência de seus membros e da instituição como um todo. O sistema familiar acompanha as mudanças da sociedade afetando assim todos os seus membros. Tais mudanças levam-na a modificar-se com a intenção de garantir a continuidade e o desenvolvimento psicossocial de seus membros (MINUCHIN, 1985).

A família e o grupo de parentes e aliados constituem o principal plano de crescimento da criança, facilitando o desenvolvimento desde a pequena infância até o início (pelo menos) da adolescência. A família fornece os modelos e a formação de que o indivíduo tem necessidade sobre diversos planos – afetivo, social, profissional, intelectual e moral – para poder funcionar como adulto (NOWLIS, 1987).

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, tendo assegurada a convivência familiar e comunitária.

2.2 Adoção

Paiva (2004) e Weber (1999) afirmam que a prática da adoção recebeu vários significados ao longo da história, desde religiosos até políticos, sendo valorizada ou não, conforme a cultura e o modo de pensar de determinada época. Na Antiguidade, sua valorização esteve relacionada com a possibilidade de perpetuação do nome de uma família para aqueles que não tinham descendentes. Já na Idade Média, por influência da Igreja Católica, a adoção passa a não ser bem vista, tendo como justificativa o fato de que poderia influenciar o reconhecimento legal dos filhos adulterinos ou incestuosos. Ressurge novamente na Idade Moderna, agora já incluída no Código Civil (MAUX; DUTRA, 2010).

Ainda segundo Maux e Dutra (2010), a adoção, no Brasil, tem um percurso extenso. Esteve relacionada com caridade, em que os mais ricos prestavam assistência aos mais pobres. Era comum haver no interior da casa dos sujeitos abastados filhos de terceiros, chamados “filhos de criação” sendo vistos como mão de obra gratuita. Portanto, foi através da possibilidade de trabalhadores baratos e da caridade cristã, que a prática da adoção foi construída no país (MAUX; DUTRA, 2010).

A adoção, segundo Ayres (2009, p. 19), “é entendida como ato jurídico pelo qual se estabelece, independentemente da biologia ou da genética, o vínculo de filiação”. Também Levinzon (2004, apud FARIAS; MAIA, 2009) define adoção como uma maneira de oferecer a uma criança, que, por alguma razão, não pode ser criada pelos pais biológicos, a oportunidade de ter uma família.

Farias e Maia (2009) acrescentam que a adoção representa a oportunidade de ter filhos, para pais que não podem, por motivos biológicos ou que optam por cuidar de crianças com quem não apresentam ligação genética.

Ladvocat (2002) lembra que o processo de adoção visa, em primeiro lugar, ao interesse da criança, a solução que melhor atenda aos seus interesses, isto é, o ambiente familiar saudável e o desejo legítimo para a adoção.

Por adoção se entende a ação de adotar, aceitar voluntariamente e legalmente uma criança como filho, o ato de adotar também pode ser visto como uma escolha, uma aceitação, um acolhimento, um reconhecimento e uma preferência. (BUSNELLO; BAUMKARTEN, 2017).

A adoção, atualmente, consiste no mecanismo legal que propicia à criança ou ao adolescente a inserção de forma integral em uma nova família, adquirindo condição de filho, com caráter irrevogável. Ela é a possibilidade de garantir o direito à convivência familiar após o esgotamento de todas as outras possibilidades de permanência na família de origem. Assim, a adoção se constitui no ponto de partida para uma nova fase na vida do adotando, a partir da vinculação com a família adotiva. Com isso, surgem transformações sociais e emocionais e, consequentemente, um aprimoramento na imagem que tem de si próprio e do mundo (FONSECA et al, 2002 apud BICCA; GRZYBOWSKY, 2014, p. 156).

Dentro do assunto abordado neste trabalho, estudar-se-á a adoção tardia, a adoção de crianças com idade igual ou mais de dois anos de idade, a qual é caracterizada pela inserção da criança na família adotiva quando esta já não é mais um bebê, apresentando certas particularidades (VERCEZE et al, 2015).

Ainda sobre adoção tardia, Vygotsky (2001 apud DANTAS; FERREIRA, 2015, p. 596) diz que:

[…] o ser humano é capaz de reinventar novas formas de adaptação, uma vez que os sentidos produzidos se atualizam no tempo e no espaço. Para apreender a dinâmica dos processos das adoções tardias, considera-se que os vínculos construídos a partir das relações sociais passam a ter uma importância maior do que as questões de consanguinidade; à medida que possibilitam que os sentidos sejam produzidos de forma dinâmica.

Palacios e Amorós (2006 apud COSTA; ROSSETTI-FERREIRA, 2007, p. 426) apontam que:

As significações sobre adoção, suas práticas e regulamentações legais sofreram inúmeras mudanças ao longo da história, elas sempre atenderam aos interesses dos adultos e das sociedades, sendo as necessidades das crianças pouco consideradas. Por isso, podemos afirmar que vivemos de algumas décadas para cá um processo novo. Uma era marcada pelo melhor interesse da criança, filosofia internacional que norteia as regulamentações e políticas de atenção à criança em vários países.

Costa e Rossetti-Ferreira (2007, p. 426) colocam que “a partir dessa perspectiva, vimos surgir no Brasil um movimento por uma nova cultura de adoção, a qual preconiza que se deve buscar uma família para uma criança e não uma criança para uma família”.

Freire (2001 apud COSTA; ROSSETTI-FERREIRA, 2007, p. 426) refere que:

Com o apoio de organizações sociais e de técnicos do judiciário, essa nova cultura da adoção busca fomentar adoções diferenciadas, chamadas adoções modernas, como as adoções tardias, de grupos de irmãos, de crianças com necessidades especiais, portadoras do vírus HIV e as adoções inter-raciais.

A adoção, conforme nos apontam Souza e Miranda (2011), envolve a importância da família no desenvolvimento infantil, pois é junto à família que as questões sociais e afetivo-emocionais se estabilizam, criando-se os vínculos necessários que asseguram a formação do indivíduo. De acordo com Levinzon (apud LIPP; MELLO; RIBEIRO, 2011), a adoção proporciona à criança uma família, de quem receberá carinho e cuidados para crescer saudável, incluída numa base social segura.

2.3 Leis sobre adoção: estatuto da criança e do adolescente e lei da adoção de 2009

O Estatuto da Criança e do Adolescente tem como objetivo garantir proteção especial a crianças e adolescentes. Abrange matérias do Direito Civil e do Direito de Família configurando um microssistema (BOCHNIA, 2010). Foi devido a um longo e crescente desenvolvimento histórico que surge o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que passou a reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direito.

O ECA decreta, entre muitas outras coisas, o direito de toda criança brasileira à “vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária” (FONSECA, 2004).

Segundo Maux e Dutra (2010), o ECA passa a esclarecer que o objetivo da adoção é garantir ao menor de idade o direito de ser criado no interior de uma família, em condições dignas e com direitos iguais aos de filhos biológicos.

A Constituição Federal estabeleceu, desde outubro de 1998, que não há diferença entre filhos nascidos dentro ou fora do casamento e entre filhos legítimos (naturais) e adotivos (OLIVEIRA; PROCHNO, 2010).

Os filhos adotivos eram mais conhecidos no Brasil como filhos de criação, contudo, essa denominação tem dado lugar a filho nascido do coração, ou seja, os filhos adotados terão a condição de filhos, com iguais deveres e direitos dos filhos naturais (OLIVEIRA; PROCHNO, 2010).

Conforme Ayres (2009), o Estatuto da Criança e do Adolescente responsabilizou-se pela garantia de uma infância e juventude dignas as crianças e adolescentes, abolindo o termo “menor”, substituindo-o por criança e adolescente. Essa lei propõe o redirecionamento da política de assistência e proteção ao segmento infanto-juvenil. Continua dizendo o autor que seus maiores mérito e inovação foram a conceituação de crianças e jovens como sujeitos de direitos em processo de desenvolvimento.

Em 2009, é publicada a lei da Adoção, Lei 12.010 de 03/08/2009, a qual segundo Bochnia (2010), altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e a Lei 8.560 de 1992; e revoga dispositivos da lei 10.406 de 2002 (Código Civil).

Alguns aspectos relevantes dessa lei da Adoção (BRASIL, 2009):

– Cria-se o Cadastro Nacional de Adoção – que reúne os dados das pessoas que querem adotar e das crianças e adolescentes aptos para a adoção; estabelece uma preparação psicológica, para esclarecer sobre o significado da adoção e promover a adoção de crianças e adolescentes que não são normalmente preferidas (mais velhas, com problemas de saúde, indígenas, negras, pardas e amarelas);

– Aborda conceito de família extensa (ou ampliada), deve esgotar as tentativas de a criança ou adolescente ser adotado por parentes próximos com os quais o mesmo convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade (tios, primos, e cunhados têm prioridade na adoção, mas os ascendentes e os irmãos do adotando não podem adotar);

– Estabelece a idade mínima de 18 (dezoito) anos para adotar, independente do estado civil (casado, solteiro, viúvo, etc.). Contudo, em se tratando de adoção conjunta (por casal) é necessário que ambos sejam casados ou mantenham união estável.

– Se o adotado possuir mais de 12 anos, a adoção dependerá de sua concordância, em audiência.

– Propõe a não separação de irmãos, devem ser adotados pela mesma família;

– A gestante que queira entregar seu filho (nascituro) à adoção terá assistência psicológica e jurídica do Estado, devendo ser encaminhada à Justiça da Infância e Juventude.

– Crianças e adolescentes que estão em abrigos (acolhimento institucional) deverão ter sua situação reavaliada de seis em seis meses, e o prazo máximo de permanência no abrigo de dois anos, salvo exceções;

– A adoção internacional somente ocorrerá se não houver, em primeiro lugar, alguém da chamada família extensa habilitado para adotar, ou, em segundo, foram esgotadas as possibilidades de colocação em família substituta brasileira. E os brasileiros que vivem no exterior ainda têm preferência aos estrangeiros (BRASIL, 2009).

Para os estrangeiros que não residem no País e desejam adotar uma criança ou adolescente, é necessário que possuam um Laudo de Habilitação da comissão Estadual Judiciária de Adoção do Estado em que desejam ser inscritos. Esse laudo é expedido pela comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional para instrução do processo judicial de adoção, após o exame de aptidão e capacidade do pretendente, e verificação de que a validade jurídica da adoção seja assegurada no país de origem do interessado, resguardados os direitos do adotando segundo a legislação brasileira (OLIVEIRA; PROCHNO, 2010).

Ainda conforme Oliveira e Prochno (2010), não podem adotar os parentes ascendentes do adotante, como avós e bisavós, e nem os parentes descendentes, como filhos, netos e irmãos, não impedindo apenas de tios e primos realizarem a adoção.

A adoção é possível para criança e/ou adolescente com, no máximo, dezoito anos à data do pedido de adoção, exceto se já estiver sob a guarda ou a tutela dos adotantes. As pessoas acima de dezoito anos podem ser adotadas, mas seus direitos não serão tão amplos quanto àqueles concedidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Os adolescentes maiores de doze (12) anos devem, obrigatoriamente, dar consentimento para serem adotados (OLIVEIRA; PROCHNO, 2010).

No Brasil ocorre, por muitas vezes, a adoção à brasileira, como é conhecida. Denomina-se assim por não ser realizado o processo legal de adoção, e a pessoa que pretende adotar registra em cartório um filho que não é seu, mas o assume como tal, o que constitui prática criminosa, porém bastante recorrente (OLIVEIRA; PROCHNO, 2010).

Outro tipo de prática também muito comum no Brasil, é a adoção por criação, como ressaltam Fu e Matarazzo (2001 apud OLIVEIRA; PROCHNO, 2010). Segundo as autoras, devido à constituição sociocultural no Brasil, algumas das famílias que têm filhos adotivos não fazem muita distinção entre os filhos adotados legalmente e os chamados filhos de criação, ou seja, a adoção sem o registro judicial.

Há inúmeras possibilidades de adoção, dentre elas, a adoção unilateral ou monoparental (um dos cônjuges adota o filho do companheiro (a)), a adoção singular (pessoas solteiras, viúvas, separadas ou divorciadas) e a adoção conjunta feita por casais ou concubinos. Sendo assim, qualquer pessoa pode adotar, independente do seu estado civil, desde que tenha 16 anos de diferença do adotado e não seja parente ascendente (avô ou avó) ou irmão. Isso torna o processo de adoção mais democrático e facilita a constituição de diferentes modelos de família, desde que sejam atendidos os interesses das crianças (COSTA; ROSSETI-FERREIRA, 2007).

2.4 Vínculo e as adoções tardias

 Segundo Machado, Ferreira e Seron (2015), é através do contato e dos primeiros cuidados do outro para com o bebê que ele se desenvolve, por meio do processo de humanização. Isso significa que um ambiente favorável é de extrema importância para que o desenvolvimento ocorra de maneira mais saudável, mesmo podendo ocorrer algumas frustrações (MACHADO; FERREIRA; SERON, 2015).

Mesmo com o avançar da idade, a família continua sendo essencial até mesmo para a inserção social da criança. A intervenção familiar está diretamente ligada com a formação da personalidade da criança (MACHADO; FERREIRA; SERON, 2015).

Ao que diz respeito à adoção de crianças maiores, estas que passaram por períodos de institucionalização e constituíram uma ideia de “lar”, ao serem adotados passam por mais um processo que é reformular toda a sua ideia de lar já existente. Nesse processo, é importante a compreensão dos pais que serão utilizados como válvula de escape de impulsos e agressividade da criança, questões do amor e ódio para tirar a prova que, dessa vez, os pais sobreviverão (WINNICOTT, 1987 apud MACHADO; FERREIRA; SERON, 2015).

Neste sentido, Costa e Rossetti-Ferreira (2007, p. 426) referem que,

Essa nova cultura da adoção comporta um novo projeto de família, de maternidade e de paternidade e atribui novos sentidos ao ser pai e mãe. Pressupõe uma família que aceite o diferente, a alteridade, que não só lide com projetos de filiação alternativos, mas que efetivamente adote o diferente.

Segundo Gomes (2006 apud VERCEZE et al, 2015), na teoria winnicottiana, o fator mais relevante na determinação do êxito no processo de adoção relaciona-se à capacidade da família em cuidar de uma criança, em especial de oferecer a uma criança que sofreu privação emocional um atendimento às suas necessidades, sem subjugar o peso dos traumas vivenciados em sua história prévia.

Costa e Rossetti-Ferreira (2007) mostram que, nas pesquisas de vários autores, sobre maternidade e paternidade no Brasil, ocorre a preferência pela adoção de recém-nascidos, de mesma cor de pele que a família adotante e, preferencialmente, do sexo feminino, visto que mulheres são representadas como mais dóceis e de fácil adaptação a novos ambientes. Apontam ainda os autores que:

Essas pesquisas também revelam o medo da realização de adoções tardias. Medo fundamentado no estigma de que crianças mais velhas trariam consigo maus hábitos, defeitos de caráter adquiridos em suas famílias de origem (por convivência ou por herança biológica) ou ainda adquiridos em abrigos (COSTA; ROSSETTI-FERREIRA. 2007, p. 428).

Valandro e Baumkarten (2013, p. 60) referem que “para adotar, é necessário muito investimento afetivo e grande capacidade de acolhimento”. Para Schettini (1998 apud VALANDRO; BAUMKARTEN, 2013, p.60), “não existem filhos que não sejam adotados, pois a adoção afetiva é o que constrói a relação parental”.  Na mesma linha de pensamento, Salzer (apud LADVOCAT, 2002) afirma que tanto os pais quanto os filhos adotivos criam um vínculo afetivo, e esse vínculo é uma espécie de cola emocional que ultrapassa a barreira da consanguinidade, sendo um sentimento intenso, seja pela criança biológica ou adotada.

3. Metodologia3

3.1 Delineamento

O estudo está dentro de uma abordagem qualitativa, baseando-se em métodos subjetivos. Os dados obtidos são imprevisíveis, têm descrição compreensiva-interpretativa dos dados para a teoria, e objetiva a construção teórica. É um estudo interpretativo (o pesquisador dá sentido) e captura o contexto no qual o problema está inserido. A pesquisa foi realizada de modo descritivo, retratando um perfil de pessoas, eventos ou situações, analisa o fenômeno como acontece naturalmente, típica da pesquisa social e clínica, de caráter qualitativo.

Entende-se a entrevista na pesquisa em Psicologia, como o principal espaço de encontro e instrumento de diálogo interposto entre o pesquisador e seus colaboradores (rapport, o saber ouvir mais do que falar, o acolhimento, o respeito etc.). É com a entrevista que se busca a troca de informações que podem contribuir no processo de análise, na busca da compreensão de determinado fenômeno, e uma compreensão e revisão de sua história de vida. É o momento que o pesquisador cede sua escuta genuína e cala sua voz. É pura e unicamente através da linguagem que as informações são obtidas, um solo fecundo onde brotam significados atribuídos as suas experiências de vida (CAMARGO, 2012, p. 78).

Segundo Scarpo (2000), a pesquisa qualitativa tem um enfoque voltado para a preocupação da profundidade do que é descoberto. Para Triviños (1995), na pesquisa qualitativa, o pesquisador é o instrumento-chave e existe uma preocupação com o processo e com os resultados. González Rey (1997) comenta que a abordagem qualitativa se propõe a elucidar e conhecer os complexos processos de constituição da subjetividade.

3.2 Local

As entrevistas ocorreram nas residências das famílias entrevistadas ou em locais escolhidos pelos entrevistados. Cada entrevista teve duração de aproximadamente 60 minutos.

3.3 Participantes

A pesquisa contou com a participação de quatro famílias que já passaram pelo processo de adoção. O convite às famílias ocorreu durante encontros do Grupo de Apoio à adoção da cidade de Passo Fundo. Este grupo tem por objetivo orientar, apoiar, discutir e divulgar a adoção legal, serve de apoio a pais que já adotaram e para aqueles que ainda pretendem adotar, gerando conversas, depoimentos, um meio de diálogo voltado à adoção.

Os membros da família participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, aceitando assim, sua voluntária participação na pesquisa.

Alguns dados das famílias participantes:

Família  

Iniciais do (s) entrevistado (s)

Idade do (s) membro (s) da família entrevistado (s)  

Estado civil

Tempo que aguardaram para a adoção Idade que a criança foi adotada
Família 1 M.H.M 50 anos União Estável 4 anos E: 1 ano e 1 mês

G: 2 anos e 6 meses

Família 2 S.A.S

E.L.S

S- 52 anos

E- 45 anos

Casados 2 anos 5 anos
Família 3 C.F. 43 anos Solteira 4 anos 3 anos e 8 meses
Família 4 J.A.S 48 anos Casado 5 anos 3 anos e 6 meses

 

 3.4 Instrumentos

A entrevista foi o instrumento para a coleta de informações, sendo um método muito utilizado por pesquisadores das ciências sociais e psicológicas. Recorrem à entrevista sempre que têm necessidades de obter informações que não podem ser encontrados em registros e fontes documentais e que podem ser fornecidos por certas pessoas (BERVIAN; CERVO, 2002).

Foram realizadas entrevistas semidirigidas com as famílias adotantes, e nesta pesquisa, abordou-se as questões que investigam alguns dados sociodemográficos, como idade e sexo das crianças adotadas, o porquê de ser uma criança maior e todo o processo de adoção, a adaptação e o estabelecimento de vínculo do adotado para com adotantes e família extensa.

3.5 Procedimentos

A presente pesquisa respeitou a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, como também o Código de Ética Profissional dos Psicólogos. Considerando os seguintes aspectos éticos:

– Aprovação do projeto pelo Conselho de Ética em Pesquisa da Universidade de Passo Fundo.

– Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE): todos os casais e pessoas entrevistados receberam o TCLE, com o objetivo de dar o seu consentimento, autorizando a sua participação na pesquisa.

3.6 Análise das informações

A análise das informações ocorreu a partir da história de vida das famílias que adotaram e adotantes, o que permite conciliar a observação e a reflexão.  Becker (1997, p. 102) a considera o relato fiel da experiência e interpretação por parte do sujeito do mundo no qual vive. De acordo com Gaulejac (1999), o indivíduo é o produto da história e agente de historicidade. Nesse sentido, a história de vida confere ao saber individual, um saber social.

Como coloca Arpini (2003, p. 84), a história de vida, como método de pesquisa, permite dar voz ativa aos sujeitos pesquisados, possibilitando a reconstrução dos fatos vivenciados, bem como uma reflexão sobre o que viveram. Essa reflexão, conforme diz Debert (apud ARPINI, 2003), permite reconstruir relações afetivas, emocionais e à medida que os sujeitos falam sobre sua história, dão sentido à realidade existente. Arpini (2003, p.85) ainda coloca que esse método permite dar aos informantes, as condições necessárias para que nos levem a perceber outras dimensões do objeto de estudo e a repensar de maneira mais criativa a problemática que através de seu testemunho, nos propomos a analisar. Gaulejac (1999) coloca que as possibilidades de realização e de explicitação estão estreitamente ligadas e determinam a historicidade do sujeito, isto é, sua capacidade de se inscrever em uma história passada para se projetar em um futuro a construir.

4. Resultados

A análise e a interpretação dos dados foram elaboradas pela ordem do roteiro da entrevista semidirigida realizada com os casais, analisando os resultados através das categorias descritas a seguir:

 4.1 A Escolha

Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção – CNA (2013), referentes ao mês de agosto de 2012, 92,7% dos pretendentes cadastrados, definiram que sua escolha era pela adoção de crianças entre zero e cinco anos. Comparando-se esse dado com as crianças aptas à adoção, o resultado exibe um panorama oposto. Enquanto 92,7% desejam uma criança com idade entre zero a cinco anos, o CNA informa que apenas 8,8% de crianças e adolescentes aptos à adoção têm essa idade. Esses números indicam que a idade da criança e do adolescente pode ser obstáculo significativo na adoção. As crianças pretendidas com idade entre zero e três anos, o percentual verificado no CNA fica em 55,7%, enquanto, as crianças aptas nessa mesma faixa etária, é de apenas 3%.

A partir da análise dos dados disponíveis no Cadastro Nacional de Adoção (2013), foi possível identificar que a idade da criança e/ou do adolescente apto à adoção é o principal motivo de desencontro entre as preferências do pretendente e as características das crianças e dos adolescentes que aguardam por uma adoção no Brasil. Nove em cada dez pretendentes desejam adotar uma criança de zero a cinco anos, enquanto essa faixa etária corresponde a apenas nove em cada 100 das crianças aptas à adoção. Reduzindo esse universo para as crianças com idade compreendida entre zero e três anos, o percentual de indivíduos que pretendem adotar uma criança com essa idade fica em torno de 56%, ao passo que o CNA possui somente 3% de crianças correspondentes à mencionada faixa etária. Os números na esfera nacional refletem que variáveis como a idade da criança e a idade máxima definida pelo pretendente, corroboram a disparidade existente entre os pretendentes à adoção (28.151) em relação às crianças aptas à adoção (5.281) (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2013).

Vale ressaltar que o perfil do pretendente demonstra que a grande maioria é composta por indivíduos casados (79,1%) que não possuem filho biológico (75,5%) e têm entre 40 e 49 anos (40,8%). De acordo com o CNA, 85% dos pretendentes residem nas regiões Sudeste e Sul, enquanto somente 2,3% estão situados na região Norte (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2013).

Uma pesquisa feita por Weber (1996 apud CAMARGO, 2005), sobre a cultura da adoção atuante na sociedade brasileira, revela um perfil dos pais adotivos: 91% dos que adotam são casados, encontram-se dentro de uma faixa etária nominal de 40 anos e 55% não possuem filhos naturais. A maioria dos casais pertence a classes sociais de melhores condições econômicas e realizam a adoção seguindo criteriosamente os trâmites legais, ou seja, por meio dos Juizados da Infância e da Juventude.

O perfil das crianças que mais interessam aos casais são aquelas consideradas saudáveis (76%), sendo a preferência para recém-nascidas, ou seja, 69% dos bebês que têm até três meses de idade, 60% são do sexo feminino e 64% são de pele clara (crianças brancas). Do outro lado desta estatística, estão as crianças que despertam menos interesse nos postulantes à adoção; são, portanto, as que configuram o quadro das não-adotáveis: 16,66% são adotadas com a idade média de dois anos; 36% das crianças são de cor negra ou parda; e 23,15% são adotadas mediante a presença de alguma deficiência ou problema de saúde (WEBER, 1996 apud CAMARGO, 2005).

A pesquisa de Casellato (1998 apud CAMARGO, 2005) revela as expectativas e motivações dos pais para a adoção: 29% dos pesquisados apontam a impossibilidade de ter os próprios filhos; 16,34% afirmam que a decisão está ligada ao desejo de ajudar uma criança; 9,80% já manifestavam o desejo de adoção; 6,54% adotaram porque “a criança apareceu”; 5,88% adotaram por se tratar de filhos de parentes; 9,71% apontam como motivo sentimentos de solidão, compaixão e afeição pela criança; 3,27% somente adotaram depois da morte de um filho natural (biológico); e 2,61% optaram pela adoção porque assim puderam escolher o sexo da criança.

Embora sempre seja um critério subjetivo, as escolhas são sempre acompanhadas por ideais imaginários (WEBER, 2011-b). Ao desejar a maternidade ou paternidade, há sempre um projeto do ideal, portanto, a preparação dos adotantes deve focalizar essas questões do ideal com o que lhe é real, a expectativa romantizada e as coisas verdadeiras, sendo esse um trabalho de médio ou longo prazo, pois nossas expectativas não são facilmente transformadas (WEBER, 2011-b).

De acordo com Camargo (2005), os mitos tomados pelos futuros pais, que levam a não optarem por crianças maiores podem ser:

  • o de que a criança adotada, principalmente a criança maior, por ter permanecido um extenso período de seu processo desenvolvimental na instituição ou entre diferentes famílias, não se adapte à realidade de uma família em definitivo, por crer que a criança já terá formado sua personalidade, caráter e por ter se lhe incorporado “vícios”, “má educação”, “falta de limites” e “dificuldade de convivência” e também tenha dificuldade em se adaptar as “regras” da nova família;
  • a negativa expectativa quanto ao estabelecimento de vínculos afetivos entre os adotantes e a criança, tendo em vista seu histórico de rejeição e abandono;
  • o mito de que, ao longo do processo de desenvolvimento da criança, seus desejos por conhecer a família biológica serão intensificados, de modo a comprometer a relação com a família adotiva,
  • a legislação brasileira, que por cautela e prudência, não dá de imediato a certidão de adoção plena da criança à família adotiva, gerando uma ansiedade e desgaste, levando muitas vezes à desistência da adoção em vez de aceitar a guarda provisória da criança (CAMARGO, 2005).

Camargo (2012, p.43) acrescenta que “As crianças adotadas tardiamente e as famílias adotantes não estão fadadas ao insucesso, mas sim, ousando quebrar um paradigma e trabalhando em função da desconstrução de um mito”.

Ainda Camargo (2012), não parabeniza os pais que adotam por serem mais piedosos ou até mesmo caridosos, mas sim pelo ato humanitário e político em dizer não a uma cultura engessada por mitos, preconceitos, medos ou expectativas desajustadas e desumanizadoras.

Para algumas das famílias entrevistadas, percebe-se a presença muito forte da ideia de que a criança a ser adotada precisava ser bebê, por questões de adaptação, preconceitos, medos e mitos, mas que depois, mudaram seu padrão de escolha como é possível constatar no exemplo a seguir:

“[…]criança de seis anos, que o que ela precisa é de amor e de carinho, nós tínhamos aquela ideia, que não, que tinha que ser pequeninho por causa do preconceito, que já vem com isso e aquilo. Então chegamos em casa e eu disse para o V. vamos mudar o nosso perfil? Vamos colocar de zero a quatro anos e que pode ser irmão? Vamos!” (Família 1).

Machado, Ferreira e Seron (2015) colocam que o convívio com famílias que já haviam passado pela experiência de adoção de criança maior quebrou tal paradigma, fez repensar e perceber que a adoção considerada “tardia” questiona e denuncia a família ideal, sonhada, ao mesmo tempo em que chama para a família real, vivida. As famílias entrevistadas reforçam essa ideia:

“[…] um dia conversando com minha irmã aí ela me disse que era até melhor adoção tardia, a partir dos três anos, porque a personalidade da criança se define dos três aos 12, então vai ser uma fase boa que você vai pegar, já vai conhecer ele melhor, vai saber como ele é, daí o E. também concordou, achou legal. Quando fizemos a habilitação para a adoção daí nossa preferência era por um menino a partir dos três anos, queríamos um menino, pele morena assim como nós. Dentro do perfil nosso” (Família 2).

Influenciados de forma positiva por outras famílias que haviam adotado crianças maiores, a “Família 1” e a ”Família 2” conseguiram perceber que independentemente da idade, em um ambiente que seja acolhedor, contando impreterivelmente com amor, paciência e empatia, era possível que uma criança se desenvolvesse. Somente assim há probabilidade de os mitos e preconceitos sobre a adoção tardia serem desmitificados, que a ideia que não dará certo possa ser desconstruída para que uma nova, baseada em evidências reais, possa ser construída e o resultado positivo pode ser passado a outras famílias.

A participação dos casais e pessoas pretendentes à adoção nos Cursos de Preparação à Adoção, exigido pela Lei da Adoção, e nos Grupos de Apoio à Adoção, pode ajudar muito na eliminação dos mitos e preconceitos a respeito. A “Família 2”, com seu exemplo de adoção tardia bem-sucedida, auxilia outros a entenderem a adoção tardia como uma opção viável e feliz:

Nós começamos com isso lá no curso já, acho que uma das maiores turmas foi quando nós fizemos. Quando a gente deu nossa opinião, explicou porque nós queríamos assim o pessoal mudou de ideia, no final uns 20 casais mudaram, abriram mão de crianças recém-nascidas para até cinco anos, ou a partir dos 5 anos. Então a gente já notou que começou ali. Depois lá no grupo da Adotchê sempre batendo em cima, se você quer ser pai não faz uma opção só, que você fica mais restrito, quer dar amor para uma criança existem outras oportunidades também”. (Família 2)

Na adoção de crianças maiores, tornar-se pai e mãe apresenta especificidades. Longe de ser uma “parentalidade de segunda categoria”, para utilizar a expressão de Costa e Rossetti-Ferreira (2007 apud MACHADO; FERREIRA; SERON, 2015), exige romper com o projeto narcísico da parentalidade e se orientar para o conhecimento do outro, uma alter-idade, já portadora de uma história. Considera-se, portanto, que o exercício da parentalidade na adoção de crianças maiores comporta também a adoção de uma história, de uma subjetividade própria da criança, já constituída, trabalhando constantemente na construção de um vínculo de confiança com a criança (MACHADO; FERREIRA; SERON, 2015). Uma das famílias entrevistadas demonstra essa dificuldade de romper com a parentalidade de um bebê, para passar à adoção tardia:

“A minha esposa queria bebê, mas foi mais uma questão da realidade. Se fosse por ela seria bebê, recém-nascido e menina. Mas aí a gente se deu conta que essa realidade da nossa expectativa não existia, teríamos que esperar muito tempo para ser daquele jeito, então cedemos, até porque quando você está esperando um filho você vai cuidar, seja como for” (Família 4).

É possível perceber que o filho desejado pela “Família 4”, é o anseio da maioria dos que desejam adotar, como o próprio Cadastro Nacional da Adoção mostrou. O diferencial dessa família encontra-se na percepção de realidade a qual demonstram em compreender que o real prevalece ao desejado. Também, pensa-se que essa mãe terá que trabalhar essa questão, uma vez que poderia estar, na adoção de um bebê recém-nascido, imitar uma gravidez biológica. Schaffer (1994 apud LADVOCAT, 2009, p. 290) aponta que: “a partir da frustração da fertilidade biológica, as pessoas buscam a fertilidade adotiva. Entretanto, antes de um projeto de adoção, o luto pela fertilidade de uma criança com traços hereditários dos pais precisa ser elaborado”.

Já para a “Família 3”, a decisão por uma criança maior foi tomada desde o início, apesar de aceitarem também um bebê, não precisando de argumentos para convencer que teria sucesso:

“O perfil escolhido foi de 0 a 4 anos, sem preferência por sexo ou cor” (Família 3)

Cada família, com sua preferência e particularidades na escolha do perfil pretendido, conseguiu realizar o seu desejo em ser pai e mãe. Alguns ainda com pouco conhecimento do processo, fizeram suas escolhas iniciais baseados em seus breves conhecimentos sobre a adoção. Com o passar dos dias, diálogos, esclarecimentos e reflexões houve mudanças em suas opções iniciais. No entanto, outros, desde o início, tinham a certeza do que queriam e cada vez estariam mais próximos de idealizarem seus desejos.

4.2 A história antes da história

A adoção de crianças maiores apresenta características mais especiais que a adoção de bebês. A principal diferença é que essas crianças já possuem um passado. E geralmente ele contém cicatrizes (WEBER, 2011-b, p. 120).

Vargas (1998, p. 35) acrescenta que as crianças consideradas “idosas” para adoção:

ou foram abandonadas tardiamente pelas mães, que por circunstâncias pessoais ou socioeconômicas, não puderam continuar se encarregando delas ou foram retiradas dos pais pelo poder judiciário, que os julgou incapazes de mantê-las em seu pátrio poder, ou, ainda, foram ‘esquecidas’ pelo Estado desde muito pequenas em ‘orfanatos’ que, na realidade, abrigam uma minoria de órfãos […].

Assim, a preocupação com essa história anterior da criança, pode gerar o preconceito com a adoção tardia. O entrevistado da “Família 4” refere:

“A gente tem aquele preconceito no início, porque acha que a criança vai ter mais problema. Claro que não pode ser idealista, porque você tem uma criança com histórico de violência, de negligência, de abandono, então não será emocionalmente perfeita, mas tem que dar oportunidade dessa criança amadurecer emocionalmente e dar condições para que ela consiga”. (Família 4)

Existiu antes uma outra relação na vida dessa criança. A questão principal para os pais é se essa criança conseguirá amá-los e se eles conseguirão amá-la. Para compreender e amar esta criança, deve-se saber que não será possível apagar a sua história anterior. Então, é necessário proporcionar oportunidades para a criança, para que ela expresse suas dores, tristezas, raiva e, até mesmo, sentimento de perda (WEBER, 2011-b).

Ainda Weber (2011-b) afirma que geralmente os pais que adotam crianças que não são mais bebês estão também com mais idade e trazem características singulares em relação ao seu estágio de desenvolvimento pessoal e/ou conjugal. Essa situação foi encontrada em uma das entrevistas:

“[…] estávamos tentando inseminação artificial, mas nesse mesmo tempo descobriram que eu já estava na menopausa, o que tornaria tudo mais difícil”. (Família 2)

Weber (2011-b) aponta que a criança com um pouco mais de idade pode ter passado por outros vínculos afetivos, seja através da família de origem ou com cuidadores nos abrigos e que não tiveram continuidade. Persiste dizendo a autora que apesar de sua pouca idade, essas crianças acumulam uma história de perdas, na qual diversos adultos já passaram em sua vida, e que de uma forma ou outra executaram funções e papéis de pais e de mães. A “Família 4” reflete essa situação:

“Ele veio de outras duas experiências de adoção que não deram certo. Foi devolvido duas vezes, uma com três meses e outra aos oito meses. Era um menino com histórico emocional bem complicado. No início foi difícil, até hoje minha esposa, ela tem dificuldade de lidar com ele, porque ele é uma criança que tem dificuldade de criar vínculo com adultos”. (Família 4)

A criança citada acima passou por duas situações de abandono quando ainda era pequena. Isso tem marcas e reflete atualmente na convivência com os pais adotivos. Essa criança precisa fazer tamanho esforço para fortalecer sua autoconfiança, sua capacidade de acreditar no mundo e confiar novamente naqueles que afirmam querer ser os pais dela.

Para os pais que adotam uma criança com histórico mais dolorido, como o adotando da “Família 4”, o qual passou por pelo menos duas devoluções, indica um grande desafio. Como trazido pelo entrevistado, a maior dificuldade se concentrou na criação do vínculo com os pais, o que indica uma dificuldade de relacionamento e convívio. Até a segurança ser reestabelecida por essa criança e a certeza de que não sofreria maus tratos novamente, leva à criação de uma espécie de defesa, atacando assim os pais como tentativa de se proteger.

Ao abordar o processo de adoção, é preciso considerar as peculiaridades no desenvolvimento da criança, que possivelmente convive com um histórico de abandonos sucessivos, sejam eles materiais, morais e/ou afetivos. De acordo com Winnicott (1987 apud MACHADO; FERREIRA; SERON, 2015), para uma criança, o processo de transição de um local de convivência para outro é recheado de angústias, seja de uma família a um abrigo e de um abrigo à uma outra família, pois existe uma ameaça de perda de sentimentos e até mesmo de pertencimento, levando a maior fragilidade de laços de confiança, de suporte psíquico.

Weber (2011-b, p.122) acrescenta:

Parece que na adoção tardia, os pais devem ter uma capacidade grande de empatia, ou seja, entender aquela história anterior do seu filho e devem ser também uma espécie de ancoradouro para que a criança ou o adolescente sinta que pode contar essa história, desabafar e até ter raiva dela. A capacidade de qualquer relacionamento familiar, de fato, parece não depender da história anterior dos protagonistas, da aparência física ou da idade, mas da verdadeira capacidade de construir o afeto, com base em trocas e doações.

Desse modo, de acordo com o que diz a autora, é preciso entender a história anterior à chegada da criança na família, desde sua família de origem até a passagem pelas casas de acolhimento, o convívio com outras crianças e com aqueles que a cuidavam. É necessário o estabelecimento de confiança, que a criança se sinta acolhida e entendida. Então, torna-se possível o convívio, os laços de afeto, cumplicidade e convívio.

A Família 3 refere que já conhecia o menino que adotou, em visitas na Casa de Acolhimento, o que facilitou a adaptação dessa adoção tardia (ele foi adotado com quatro anos). A família ampliada, mãe e irmã da adotante também o conheceram, em um fim de semana que ela trouxe o menino para sua casa, “se apaixonaram” pelo menino, apesar da resistência inicial da avó pela adoção.

A “Família 1” adotou duas crianças (irmão com dois anos e meio e irmã com um ano), que ficaram cerca de um ano na Casa de Acolhimento antes da adoção. A entrevistada refere que a menina estava com seu desenvolvimento atrasado, talvez por falta de estímulos, ainda sem cabelo, sem dentes e sem caminhar. Mas, após a adoção, voltou a se desenvolver adequadamente.

“[…] ela era pequeninha, miudinha, não tinha cabelo, nenhum dente, não caminhava, não falava. Trinta dias que ela estava aqui nasceram os quatro dentinhos e deus mais ou menos uns 45 dias, ela não caminhou, ela correu, se foi”. (Família 1).

A entrevistada ainda refere que em casa eram tranquilos, dormiam a noite toda, contudo, houve problemas de adaptação na escolinha do menino. Ele chorava muito, talvez por medo de um novo abandono, mas com o tempo e carinho destes pais adotivos, a insegurança do menino passou.

“Ele com dois anos e meio já ia em uma escolinha, daí logo já matriculamos eles aqui na escolinha P.S.. Mas eu me surpreendi, achei que não teria problema de adaptação, mas tive problema bem sério, chorava, chorava, mesmo que a professora mostrava, tua mãe mora ali, vem te buscar no final da tarde. Ele se prendia igual macaquinho, no meu pescoço e na minha cintura, daí a gente mudou, ia o pai levar, mas a mesma coisa. Mas depois foi embora”. (Família 1)

4.3 O processo legal da adoção

Segundo Weber (2008), o processo legal de adoção é conhecido no Brasil como a adoção concedida por Juizados da Infância e da Juventude, e é um procedimento de natureza jurídica. Conhecido também como processo informal, como o registro da criança no nome dos pais adotivos ou quando a criança é criada e educada sem alterar o registro de nascimento original, fica conhecido como “filho de criação” (WEBER, 2008).

Ainda para Weber (2008, p.48),

As adoções legais são chamadas de “adoções fechadas” nas quais evita-se qualquer contato entre as famílias biológicas e adotivas. As adoções informais podem ser “fechadas” quando existe um intermediário entre a família biológica e a adotiva estas nunca se encontram, ou podem ser “adoções abertas”, quando as duas famílias encontram-se. Mesmo nos casos de “adoções abertas”, procura-se então engendrar nenhum tipo de laço duradouro entre as famílias.

O processo de adoção inicia com a decisão dos pais em querer adotar. Logo após, são inscritos no Cadastro Nacional de Adoção e passam por um processo chamado de habilitação, uma preparação realizada por uma equipe técnica, na maioria dos casos formada por psicólogos, pedagogos, assistentes sociais e advogados que trabalham de forma interdisciplinar (WEBER, 2011-b).  Estes profissionais podem ser contratados para essa finalidade ou podem já pertencer às Varas de Adoção.  Ainda Weber (2011-b) ressalta que o depoimento de pais que já adotaram são sempre uma fonte estimulante e importantes para debates, por isso também se ressalta a importância dos Grupos de Pais e Apoio à Adoção.

Na cidade de Passo Fundo, é notória a importância e efeito positivo que o Grupo de Apoio a Adoção denominado “Adotchê”. Nesse espaço, é compartilhado histórias de quem já adotou, é um momento de troca de experiências, esclarecimento de dúvidas, favorecimento de apoio e orientação no manejo da ansiedade e angústia dos adotantes. Isso é exemplificado na fala a seguir:

“Em setembro nós trocamos o nosso perfil. Recém havia sido criado o grupo e nós escutamos o relato da S. que adotou um menino de seis anos e a gente ficou tão emocionado de ver eles contarem, da criança de seis, que o que ela precisa é de amor e de carinho[…]”. (Família 1).

A primeira etapa do processo de preparação dos adotantes são as entrevistas individuais com os técnicos das áreas já citadas anteriormente. Logo ocorre os grupos operativos, sendo esses uma forma de trabalhar expectativas, desejos e sentimentos e são debatidos temas como preconceitos, onipotência, rótulos sociais, expectativas, tipos de personalidade, herança genética, entre outros (WEBER, 2011-b).

Niblet (1964 apud JOPPERT; FONTOURA, 2011) ressalta a importância da preparação do adotando para o início da relação com a nova família, e assim estabelecer vínculos. A preparação da criança é tão importante quanto a preparação da família. Ainda Weber (1964 apud JOPPERT; FONTOURA, 2011), destaca a importância de trabalhar os sentimentos de rejeição e a baixa autoestima da criança, gerando assim maior valorização diante da nova família.

As famílias passam pelo processo de aproximações com as crianças, como forma de preparação e início do vínculo afetivo. A “Família 1” relata:

“…no dia 29 de novembro ela me ligou que tinha irmão. Isso foi de manhã. Na primeira hora da tarde a gente foi lá e conheceu eles por foto, e no outro dia, isso era na quinta, na sexta-feira a gente conheceu eles lá na SENCAS, acho que ficamos mais de uma hora lá brincando. No domingo a gente já pode sair passear com eles, passamos o dia”.

Como momento inicial, se tem o ato de conhecer a criança, passar algumas horas, passear, depois poder apresentar para a família, mas com dia e horário pré-determinado. Esta é a fase inicial, uma aproximação, com o objetivo de se conhecerem, como forma de iniciar o processo de vinculação afetiva. Momento em que os pais têm a seus cuidados aquele(a) que poderá tornar-se filho(a) e que tudo depende de como ocorre essa fase inicial, a qual é acompanhada pela equipe e logo passa por avaliação, podendo-se consolidar a tão sonhada adoção.    

Quando o procedimento legal não é seguido adequadamente, pode haver algumas dificuldades, como por exemplo a “Família 3”, em que a adotante já conhecia o menino, quando ia na Casa de acolhimento fazer trabalhos voluntários e levar doações. A entrevistada refere: “Eu já conhecia o J., eu ia no lar fazer trabalhos voluntários, levar doações e conheci o J. lá. Ele me chamava de ‘maidinha, minha maidinha’” (Família 3).  Como não se apegar a uma criança com a qual se estabelece este tipo de vínculo? No entanto, nem todas as crianças que se encontram nas Casas de Acolhimento estão disponíveis para adoção. Esse procedimento de visitar as Casas de Acolhimento não é mais permitido em nossa cidade, para evitar complicações.

A adontante coloca: “…eu tive alguns problemas […] busquei ele e trouxe para minha casa […] Aí foi primeiro um dia que passamos juntos, depois um final de semana, e no segundo final de semana ele começou a chorar desesperadamente que não queria mais voltar. Foi então quando eu decidi não levar ele de volta, e essa minha atitude me gerou sérios problemas, demorei quase dois anos para ter a guarda definitiva dele por ter feito isso. Mas no final tudo deu certo”. (Família 3)

As famílias, durante o processo de adoção, ainda com a guarda provisória, passam pelo estágio de convivência que, de acordo com Ferreira (1999), tem por objetivo a verificação da adaptação do adotando na futura família para criação e consolidação do vínculo afetivo. O estágio é dispensado quando o adotante possui menos de um ano de idade e se já estiver em companhia do adotante (FERREIRA, 1999).

Segundo Nogueira (1993 apud FERREIRA, 1999, p. 58):

A disposição de um casal em adotar já está devidamente amadurecida quando chega a requerer a adoção, não sendo fruto de qualquer precipitação, pois figura até mesmo na lista de espera, quando não há menores disponíveis. Com referência ao adotando é que se torna necessária essa convivência, já que ele passará a um novo lar, podendo vir a sentir dificuldade de adaptação.

Assim, segundo Nabinger (2010), adotar uma criança, tanto quanto gerar, implica em uma gestação, uma espera, quando se pretende ter um filho é indispensável passar por acompanhamento técnico. Na gestação natural, é feito o que conhecemos por pré-natal e na adoção é feito a habilitação e o acompanhamento do estágio de convivência. Esse período de habilitação e acompanhamento é necessário para que o filho possa nascer e se desenvolver de modo pleno. É preciso construir uma nova verdade de que, na adoção, assim como quando se concebe um filho, não se pode exigir um padrão ideal, não se exigem garantias, que não a do afeto.

Todas as famílias que participaram das entrevistas passaram pelo processo legal da adoção. Em todas as conversas constatou-se cada etapa: a escolha do perfil, o cadastramento no Cadastro Nacional de Adoção, o período de espera, o processo de aproximação e estágio de convivência, a guarda provisória e guarda definitiva.

A” Família 1” relata como foi a tramitação do processo legal da adoção:

“Foi tranquilo, contratamos um advogado, fez o processo, encaminhou, nós esperamos para fazer o curso, naquele meio tempo a gente foi chamado lá no fórum para conversar com psicólogo, assistente social, atestado de tudo quanto é coisa, fizemos o curso e depois o advogado nos ligou que veio o documento e que a gente estava habilitado”.

 4.4 Uma nova história: adaptação e vínculo

Segundo Verdier (1994 apud WEBER, 2008), adotar é escolher e aceitar uma criança não gerada em seu ventre, é acreditar que a história é mais forte que a hereditariedade, que o amor é mais forte que o destino ou aceitar essa outra possibilidade de ter filhos.

Adotar é ato de inclusão de um ser, seja criança, seja adolescente, em uma nova família, que também tem suas regras, seus costumes, sua dinâmica, assim como o sujeito que nela adentra o tem, e, na maioria das vezes, acrescido de dor e sofrimento em sua vivência com o outro (CARTILHA DA ADOÇÃO, 2004 apud OLIVEIRA; PROCHNO, 2010).

O desenvolvimento humano na fase da infância é determinante para a construção da identidade da criança e de sua relação com o outro. Esse fator é aqui denominado vínculo afetivo e refere-se à capacidade do indivíduo de se vincular a outrem por meio de uma necessidade que vem acompanhada de um sentimento de estar junto com o outro, realizando movimentos de troca entre as partes (BUSSAB, 2003 apud OLIVEIRA; PROCHNO, 2010).

Assim que for concretizada a adoção tardia, é necessário um período de adaptação para o seu êxito, inicia-se o período denominado estágio de convivência, que perdura até o momento em que a sentença de adoção é homologada. A duração deste período depende de determinação judicial e pode ser prorrogada por sugestão da equipe técnica que o acompanha (BRASIL,1990 apud BICCA; GRZYBOWSKI, 2014). Então, o período de estágio de convivência é de crucial importância para o desenvolvimento dos laços de afetividade entre adotando(s) e adotante(s) (PAIVA, 2004 apud BICCA; GRZYBOWSKI, 2014).

Durante a aproximação do adotante com a criança, alguns cuidados são necessários, para considerar o início do vínculo:

“[…] Na sexta- feira a gente já foi conhecer, saímos dar uma volta, no final de semana ele já quis ficar conosco, ficamos sábado e domingo, devolvemos na segunda. No outro final de semana ele ficou de novo e não quis mais voltar. Na segunda na hora de devolver ele começou a chorar e não queria mais voltar, daí conversamos com o juiz e ele disse que já poderíamos ficar com ele, como período de adaptação, daí ele já ficou. Ele ficou um dia no passeio, dois finais de semana e depois já não quis mais voltar” (Família 2).

Segundo Bowlby (1982 apud OLIVEIRA; PROCHNO, 2010), há uma necessidade intrínseca no ser humano de se apegar a algo ou a alguém como necessidade de sobrevivência. Segundo o autor, essa é uma capacidade tão típica do homem quanto qualquer outra capacidade fisiológica vital, ou seja, inerente a ele com valor de sobrevivência. Para isso, o indivíduo manifesta um tipo de comportamento, definido por Bowlby (1980 apud OLIVEIRA; PROCHNO, 2010), como comportamento de apego, que constitui a busca e a manutenção da proximidade de um outro indivíduo, geralmente a mãe ou o pai, se ele estiver envolvido nesse processo.

Bowlby (1982 apud OLIVEIRA; PROCHNO, 2010) ainda ressalta que o comportamento de apego carrega em si o sentimento mais forte do que qualquer outro comportamento que a criança possa expressar. As figuras-objeto desse sentimento são amadas e muito esperadas. Com facilidade para vincular-se, aceitar a nova família e também facilidade na adaptação ocorreu com o adotando da “Família 1”, como o que diz a fala do entrevistado:

“[…] nada de rejeição. Para dar banho, dar comida, para brincar, aquela manhã na hora de querer dormir. Ela acordava no berço e ia olhar pensando que estava dormindo, já estava acordada, com o travesseiro ali brincando, tempo ali, com os pés e com as mãos”. (Família 1)

A presença da figura materna, ou da figura principal de apego, como aqui se pode considerar, traz segurança e tranquilidade para a criança, enquanto a sua falta, entendida como uma ameaça de perda, pode gerar angústia, ansiedade e, no caso de uma perda de fato, um sentimento de profunda tristeza (OLIVEIRA; PROCHNO, 2010).

Por um lado, tem-se a vinculação afetiva como fenômeno preponderante na vida da criança, por outro, tem-se a separação, que constitui a perda do objeto de afeto. Sobre o estabelecimento de vínculos, Ballone (2003 apud OLIVEIRA; PROCHNO, 2010) ressalta a importância da existência de uma pessoa que esteja comprometida em suprir as necessidades do bebê, caso contrário, ele não conseguirá estabelecer uma relação eficiente com o mundo externo. Bowlby (1980 apud OLIVEIRA; PROCHNO, 2010) faz referência à angústia de separação, que configura uma situação na qual a criança não se encontra na presença da figura principal de apego, e, a partir dela, emergem sentimentos como ansiedade e medo. No entanto, esses são sentimentos que poderão dar o sentido de autoproteção, autoconservação e expansão para a criança em situações típicas do desenvolvimento infantil, como a separação da criança na relação mãe-bebê e o seu posterior crescimento como adulto (OLIVEIRA; PROCHNO, 2010).

No processo de adoção, os pais não são os únicos a adotar. A criança ou o adolescente também os adotam (DANTAS; FERREIRA, 2015). Neste aspecto, a “Família 1” relata que foi positivo o fato de terem feito uma adoção tardia: “O positivo que eu acho no fato de maiores, no meu caso com dois foram gêmeos[3], eu sozinha para cuidar então foi mais fácil de administrar. Então assim nenhuma noite eu pude dizer que não dormi, absolutamente nada, bem tranquilo. Tivemos relatos de outros que precisaram de acompanhamento psicológico, eles assim nada, são umas bênçãos!”

Brodzinsky et al. e Vargas (1998,1998 apud COSTA; ROSSETI-FERREIRA, 2007) em trabalhos realizados com crianças de adoção tardia, relatam que as crianças testam a aceitação dos pais adotivos, os quais precisam ser preparados para lidar com tais situações, não devendo entender como ataque pessoal, rejeição ou desafio da criança, mas sim como parte do seu processo de adaptação a um novo contexto de relações.

Exemplos a seguir:

 “[…]levamos uns quatro ou cinco meses até ele obter confiança, nós não sabíamos o que iria acontecer, porque de uma hora para outra ele mudava, ele estava brincando, se emburrava, ia para debaixo do carro” (Família 4).

“[…]ele tinha uma rejeição muito grande pelas coisas, tinha medo de voltar para o abrigo, era um menino muito frágil, se jogava no chão, chamava atenção, não queria tomar banho, todas essas dificuldades, a gente passou”. (Família 4)

Com esse relato, é possível observar, mais uma vez, o que já se falava anteriormente sobre os afrontamentos da criança no processo de vinculação. Devido a seu histórico, seus medos, quando em contato com a nova família, parece que a criança tem a necessidade de se certificar que não irá passar pelas mesmas situações anteriores, como a negligência e o abandono.

Nas Famílias 1, 2 e 3, houve uma semelhante aceitação e reação dos adotandos, tiveram facilidade em aceitar a nova família e logo reconhecer os adotantes como pais, adaptar-se ao novo lar, a nova rotina as novas pessoas e o novo ambiente. A adoção tardia pode exigir um pouco mais de tempo de adaptação, mas o afeto e a empatia dos pais conseguiram resolver essas dificuldades. Como nos coloca a entrevistada da “Família 1”:

Por isso que se a criança tiver 5, 6, 7 anos ou quanto tiver, problema pode dar aqueles que você gerou, assim como eles também, agora você precisa saber trabalhar, dar carinho, atenção”.

Ambos os pais se dedicando, e com a ajuda da família ampliada, a adaptação ocorre mais facilmente:

“Tem que repartir, ceder de um lado e de outro, ajusta as coisinhas, mas sempre foi muito tranquilo, nunca teve problema. A família ajudou muito também, tanto a minha quanto a da S. ajudaram muito nesse processo da adaptação. Porque a gente era marinheiro de primeira viagem”. (Família 2)

Já na “Família 4”, percebe-se uma maior resistência por parte da criança em aceitar seus novos pais. Devido ao histórico de abandonos sofridos anteriormente, violência, negligência e maus tratos, cria-se uma resistência por parte da criança, como uma forma de defesa e de “teste”, se poderá confiar e não sofrer novamente o que já perpassou.

Todas as famílias, cada uma em sua subjetividade, cada uma de forma singular e não menos afetuosa, obteve êxito; e suas escolhas mostraram que são capazes de dar uma família a uma criança, que é possível que essa criança se desenvolva, dentro do seu tempo sendo necessário apenas paciência, aceitação e amor.

A fala a seguir exemplifica perfeitamente o que o amor, a criatividade e a empatia dos pais pode fazer para a criança que já passou pelo trauma do abandono:

“Hoje mesmo a gente pegou o parecer dele e está tudo ótimo. Acredito que ele superou bem. A interação social dele melhorou muito, ele era agressivo com outras crianças, agora ele é carinhoso, afetuoso, a professora adora ele. Ele demora criar vinculo, mas é muito espontâneo”.  (Família 4)

4.5 Tornar-se pai, tornar-se mãe

É possível perceber que adotar não é só um gesto de caridade, apesar de fazer bem a todos os envolvidos nela, mas quem o faz é por desejo de ser pai e mãe e por vontade de ter um filho, como aponta a “Família 1”:

“Aí aquela fala de todo mundo ‘que ação linda que vocês fizeram’.  Aí eu digo ‘ se vocês soubessem a ação linda que eles fizeram para nós’, para todo mundo, família, amigos, parentes, para todo mundo”.

Com o passar dos anos, uma nova forma de olhar a adoção surge no Brasil, é uma nova cultura de adoção que busca famílias para crianças e não crianças para famílias. A adoção passa a ser vista pelos interesses da criança (COSTA; ROSSETI-FERREIRA, 2007).

Para muitos casais, tornar-se mãe, tornar-se pai, é um processo que implica em inúmeras peculiaridades, como por exemplo, dividir os espaços, os objetos e a significativa alteração em suas rotinas:

“É daí mês que vem estamos mudando aqui do apartamento, vamos para a casa da minha mãe […]. Já estamos saindo daqui para dar um conforto maior para eles, porque é casa, e eles dois no mesmo quarto já não está dando mais, muitas brigas pelo mesmo espaço” (Família 1).

“[…] então ele queria ficar na frente da televisão e o play 2 não é, pai? A partir desse momento a TV não foi mais nossa, era as coisas que ele gostava que a gente assistia” (Família 2).

“[…]Hoje está tudo muito bem, mudei de casa para dar mais conforto ao J., um lugar onde ele tem espaço, pode brincar, correr, andar de bicicleta, subir em árvore” (Família 3).

A inserção de crianças no grupo familiar, que até então era composto por um casal ou uma única pessoa, é sem dúvidas, sinônimo de mudanças. Nas famílias entrevistadas se pode perceber nitidamente a alteração de ambiente, mudanças de casas visando o bem-estar dos filhos que recém chegaram, como também modificações no uso de eletrônicos e a modificação do espaço de acordo com a necessidade da criança adotada. Nesses discursos, é possível perceber que a maternidade está associada a mudanças, adaptação, abrir mão de seu espaço, lugares, objetos e privacidade.

A paternidade aparece associada à imposição de regras e limites, para que a criança que já fala, argumenta, contraria, possa se adaptar e que esse pai aprenda a lidar com tais peculiaridades:

“Eu acho importante a questão do limite, não dar tudo o que quer e na hora que quer. Então conseguimos criar espaços que ele se sente seguro. Ele fica chateado, é normal, depois passa. Hoje ele processa muito mais rápido as emoções, as frustrações dele” (Família 4).

A “Família 1” também fala da noção de limites, como algo importante e expressão de cuidado e amor:

“Claro que as vezes tem que pegar chinelo, limites eles têm. Amor e carinho não falta dentro dessa casa, mas também exigir, tanto nas tarefas. Não criar da forma que eu fui criada, mas saber que tem limite, frustração um pouquinho. Eles sabem que amor sobra aqui, mas quando precisa. E eles entendem muito bem”.

Adotar sozinha é uma possibilidade que existe na lei, e a função paterna pode ser exercida pela mãe ou por outra pessoa da convivência da criança. No Caso da “Família 3”, essa função está sendo exercida por alguém da família ampliada, como relata a entrevistada: “O J. hoje tem como figura paterna o tio dele, marido de minha irmã que se apegaram muito a ele e esse tio também”.

Ainda, o processo de tornar-se pai, tornar-se mãe, implicado na impossibilidade de ter filhos de forma natural, tende a causar feridas narcísicas nas pessoas, que buscam, de forma inconsciente, deixar descendentes como modo simbólico de burlar a mortalidade (MORELLI; SCORSOLINI-COMIN; SANTEIRO, 2015). Levinzon (2006 apud MORELLI; SCORSOLINI-COMIN; SANTEIRO, 2015 p. 180) aponta que “a busca da adoção como saída diante da dor gerada pela impossibilidade de procriação proporciona aos pais a vivência do narcisismo, mas a presença da criança também pode significar sua limitação de não poder gerar”.

Há também filho ideal e o filho real, uma vez que a experiência do luto da perda do filho imaginado favorece a aceitação do filho real em sua plenitude. Desse modo, com o elaborar da idealização, o casal passa a aceitar o adotivo como filho, e este, por sua vez, passa a assumi-los como pais (MORELLI; SCORSOLINI-COMIN; SANTEIRO, 2015).

A “Família 4” aponta essas questões:

“Embora ele discuta com a mãe, mas para dormir e acordar tem que ser com ela, ele chama e diz ‘mamãe eu te amo’, ‘vem aqui me fazer carinho’, às vezes chama ela só para dar um abraço” (Família 4.)

“Ser pai e mãe é uma experiência que se constrói” (Família 4).

4.6 A verdadeira história de amor

Manter segredo sobre a real história não faz mais sentido nos dias de hoje, onde se prevalece a verdade. As conversas devem começar desde muito cedo (WEBER, 2011-b).

Em caso de adoção de bebê, é preciso que desde muito cedo seja falado sobre adoção e a sua própria história de adoção, assim é possível que o tema seja absorvido com naturalidade (WEBER, 2008).

É importante que os adultos possam perceber o processo da adoção através do olhar da criança (WEBER, 2011-b). É por algum motivo desagradável, como por exemplo, dificuldade econômica, doenças, abandono, negligência, violência, dentre outros, que a criança precisou ser destituída da família de origem. Por outro lado, ser colocada em uma família adotiva, na qual a expectativa é de um ambiente de amor e segurança, em que os adultos precisam ter paciência e empatia para lidar com toda a demanda que virá (WEBER, 2011-b).

Vale lembrar que o momento de diálogo é também uma troca afetiva estabelecendo vínculo, confiança, compartilhando o pouco que se sabe, divide-se as angústias, comenta-se sobre a tristeza do abandono e a alegria da chegada (WEBER, 2010).

Das famílias entrevistadas, todas de adoção tardia, os filhos ou já eram cientes do que estava ocorrendo ou desde sempre sua real história foi contada, de forma muito afetiva e simples para ir significando e entendo o real sentido das palavras e, assim, prevalecendo a verdade.

Segue relatos das formas contadas por algumas das famílias:

“E: A gente foi adotado? Sim, lembra que vocês são nossos filhinhos do coração? Isso que é muito importante eles saberem, desde sempre eles sabem que são nossos filhinhos do coração, nunca escondemos” (Família 1).

“[…] na verdade quem escolheu foi o Papai do Céu, ele enxergava papai e a mamãe pedindo que nós queríamos uma família, que nós queríamos ter um filhinho e uma filhinha e daí ele viu que lá naquela casa tinha um filhinho e uma filhinha que precisava de uma mamãe. Daí ele disse assim: ‘esse casal aqui vai ir morar com aquele casal lá’. (Família 1)

A linguagem utilizada nas conversas com a criança precisa ser adequada ao estágio de desenvolvimento em que a criança se encontra:

“[…] inventei essa história, de um príncipe e uma princesa, que saem de um livro de contos de fadas e não são felizes e falta um objeto, um presente que eles precisam receber. No primeiro momento é essa busca desse casal por ter um filho, que eles não sabem o que é, então a fada dá conselhos até eles descobrirem que é o grande mago quem vai resolver, que vai colocar eles em uma lista, que simbolicamente é a lista da adoção, e mesmo assim não vem, demora, demora. Então eles ligam da casa dos ‘Perdidos e Achados” e eles vão lá buscar o ‘presente’, e aí eles vão ser felizes” (Família 4).

Agora ele está tomando consciência, a gente vai transformando esses elementos simbólicos na verdade, ele sabe quem é o príncipe e a princesa, sabe quem é o presente. Tem uma parte onde digo que ele foi encontrado depois da floresta das bruxas, porque nas histórias infantis os pais zelam para que os filhos não entrem na floresta, que é lugar de perigo, como ele foi encontrado depois, então eu quis simbolicamente colocar o abandono, que foi encontrado em uma casa depois da floresta das bruxas, ou seja, atravessou sozinho, ninguém lhe acompanhou, não teve pai, não teve mãe. […] eu não quis idealizar a história dele, mas não colocar tão aberto. […} eu transformando isso que é simbólico. Agora ele já está com oito anos, vai perguntando mais, assim que ele vai perguntando eu vou esclarecendo”. (Família 4)

Estas foram as histórias e significações da “Família 1” e da “Família 4”. Os próprios filhos já conseguem questionar, e isso faz parte do entendimento do que se fala.

A “Família 4” optou por contar uma história inventada e neste sentido, Valandro e Baumkarten (2013, p. 73) colocam que:

É muito importante que os pais falem sobre a adoção para os filhos, não importando a idade. A forma lúdica, através de historinhas, se revela como sendo uma maneira de fácil compreensão para a criança, pois, por mais que a criança não tenha maturidade suficiente para entender o sentido de ser adotada, isso já vai ficando gravado nas suas memórias. E quanto mais maturidade tiver, melhor vai poder elaborar sua história, tanto a pré-adotiva quanto a atual. Também se ressalta que é um assunto para ser tratado de forma espontânea e sem preconceitos, deve sempre ter acesso livre entre as pessoas envolvidas, o que reforçará o sentimento de confiança e de pertencimento na família, tanto dos pais quanto dos filhos.

Não é necessário que, se houve uma história dramática em sua família de origem, está venha à tona, pelo menos não quando a idade for pouca avançada, não há necessidade que tudo seja dito em uma única vez e as conversas geralmente são repetidas várias vezes, segundo o desenvolvimento emocional da criança e sua compreensão (WEBER, 2011-b).

O fato das crianças já serem maiores quando chegam nas famílias, possibilita que elas tenham entendimento do que está acontecendo, de que não há condições de permanecerem em suas famílias de origem e de que a instituição que estão abrigados não é um lar. Assim não permitindo que a história seja escondida, há um facilitador para diálogo, fazendo com que a criança se sinta acolhida, segura e amada novamente. É o que ocorreu com a “Família 2” e também com a “Família 3”:

“Cuidador disse que perderíamos perguntar o que a gente quisesse, que ele estava ciente da situação dele e ele quer uma família”. (Família 2)

Na “Família 3”, a mãe adotiva já conhecia o menino que chegou para a família com cinco anos, já sabendo da situação que se encontrava e com a necessidade em ter uma família novamente. Ele teve uma boa adaptação com a mãe e família extensa, tendo assim um novo núcleo familiar.

Ainda segundo Weber (2011-b), o não falar sobre a história de origem do filho adotivo pode ser uma defesa, de forma a evitar alguns problemas, mas tendo como consequência o surgimento de outros maiores. Em muitos casos, os pais optam por não falar devido ao medo de que os filhos formem vínculo com os pais genéticos, sentem ciúmes da família de origem, idealizam que podem fazer o passado desaparecer, dentre inúmeras situações.

Além disso, segundo Souza (2009, p. 47), a criança “conhece instintivamente a verdade, isso deve-se ao fato de o inconsciente captar impulsos e percepções com peculiaridades específicas”, uma vez que os fatos ocorridos desde seu nascimento estão gravados em seu inconsciente.

Rosas (2012 apud VALANDRO; BAUMKARTEN, 2013, p.67) acrescenta que:

Os pais devem, desde cedo, conversar com o filho sobre a adoção, tentando abordar o assunto da maneira mais tranquila, segura e confiante possível. Dentre os muitos elementos que justificam essa escolha, está o fato de que há que se considerar que sempre existe a possibilidade de a criança ficar sabendo da adoção sem querer, por outras pessoas que não sejam os pais. E se essa descoberta se der a partir da revelação, ou do envolvimento de terceiros, poderá implicar o surgimento de um sentimento de traição, de enganação que, por sua vez, pode implicar a perda da confiança nos pais.

Considerações finais

Adoção é um ato que perpassa o sistema jurídico e somente se concretiza se a empatia e amor estiverem presentes. Ser pai e mãe de coração é um ato que requer paciência, requer aceitar e acolher uma criança que outros pais geraram, mas que por condições adversas da vida não foi possível que ela se desenvolvesse na família de origem. Ser pais do coração envolve peculiaridades que vão além do querer, é preciso paciência, empatia, dar espaço e suporte para que a criança adotada possa crescer de forma mais saudável.

Na adoção, o que fala mais alto é a dedicação dos pais, o ato corajoso e sublime, o amor que se constrói antes mesmo do filho chegar, é reconhecer como filho uma criança não gerada, visto que os traços genéticos são de menor importância quando o amor e dedicação são predominantes.

A adoção é considerada tardia a partir dos dois anos de idade. Com este estudo, foi possível analisar de que modo ocorre a adoção tardia, os aspectos legais da adoção, a construção do vínculo afetivo entre adotado e família adotante, desde o processo de adaptação até os dias atuais. Tal interrogativa surgiu após a constatação literária de que muitas crianças sofrem inúmeros desafetos, como por exemplo, negligência, violência, maus tratos, entre outros e precisam ser destituídas da família de origem, passam por períodos em casas de acolhimento na espera por um novo lar onde possam se desenvolver de forma plena, contando com fatores de grande importância como o afeto e assim a consequente formação do vínculo afetivo com essa nova família.

Diante de tais colocações, o contato com as famílias que adotaram crianças maiores possibilitou a verificação e constatação de que todos os questionamentos citados anteriormente de fato ocorreram.

No decorrer do trabalho, com as entrevistas realizadas e a comprovação dos dados obtidos com o que a literatura afirma, foi possível conhecer mais de perto o processo inicial e legal da adoção. Além de cada família seguir seu processo legalmente, possibilitou conhecer a peculiaridade da expectativa, da espera, do preparo de cada família para receber o tão esperado filho. O tempo, para aqueles que esperam ansiosos, é sempre visto como extremamente longo e até mesmo dolorido, pois não há nada que se possa fazer para diminuir a espera.

Quando a criança adotada chega, traz consigo uma bagagem muito maior do que aquela que tem na mão. Vai além do imaginado por muitas vezes. Nas famílias entrevistadas, três tiveram adaptação e vinculação tranquila por parte da criança com a família. Em uma das famílias, constatou-se dificuldade da criança em se adaptar e vincular com a família e também da mãe para com a criança.

A adoção de crianças maiores dá aos pais a responsabilidade de compreender seu histórico que perpassa pela destituição da família de origem, tal situação necessária, em inúmeros casos, devido à negligência de cuidados, violência, maus tratos entre outros. A dificuldade adaptativa e de vinculação do adotado da “Família 4” vem ao encontro com a violência sofrida de sua genitora, possuindo até mesmo cicatrizes físicas. Isso tudo veio a contribuir de forma negativa para a criança, refletindo seu comportamento com a família adotante, dificuldade de aceitar regras, de lidar com a frustração e muita aversão a figuras femininas como a mãe e professoras.

O trabalho buscou investigar aquilo que não é dito sobre a adoção, as peculiaridades e percalços que podem ocorrer. Também procurou-se mostrar que toda a adversidade possui forma de contornar e fazer com que, no seu tempo e do seu jeito se concretize. Foi possível constatar que onde existe empatia, afeto e amor, as chances de não dar certo são poucas ou quase inexistentes.

Com essa pesquisa, é possível contribuir para a literatura da adoção, para famílias que pretendem adotar, pois há exemplos de fatos reais e que estão presentes na adoção. Pode também contribuir para os pais que já adotaram, como forma de significar o processo percorrido, podendo haver identificação com as histórias relatadas, reforçando a trajetória e a consolidação da adoção.

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[1] Psicóloga formada pela Universidade de Passo Fundo

[2] Professora do Curso de Psicologia da Universidade de Passo Fundo. Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília.

[3] A Família adotou crianças de idades diferentes, a mãe adotiva deve se referir ao fato de serem duas crianças.

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Silvana Terezinha Baumkarten

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