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A Floresta e o Ciclo Hidrológico: Os Modelos para Estimativa de Interceptação Florestal da Precipitação

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CONTEÚDO

VENANCIO, Diego Luis [1], OLIVEIRA, Paulo Costa de Filho [2]

VENANCIO, Diego Luis; OLIVEIRA, Paulo Costa de Filho. A Floresta e o Ciclo Hidrológico: Os Modelos para Estimativa de Interceptação Florestal da Precipitação.  Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Edição 02, Ano 02, Vol. 01. pp 604-616, Maio de 2017. ISSN:2448-0959

RESUMO

A disponibilidade hídrica de uma região está relacionada ao processo de interceptação da água da chuva pelas copas das árvores. Esse processo, conhecido como interceptação florestal da precipitação, é de grande importância para o equilíbrio das bacias hidrográficas, pois distribui e condiciona a água, favorecendo o processo de infiltração e recarga de aquíferos rasos, reduzindo o escoamento superficial. O presente trabalho elencou e comparou os principais métodos utilizados para estimativa da interceptação florestal, evidenciando as principais diferenças entre suas aplicações. A metodologia consistiu em análise de trabalhos que reportaram o uso desses métodos, com seu detalhamento de aplicação e exigência de dados de entrada. O resultado obtido foi a verificação de que os modelos de Rutter e Gash são os mais utilizados para a estimativa da interceptação florestal. Foi possível ainda observar que as teorias sobre as quais se assentam esses modelos são diferentes, sendo Rutter apoiado sobre uma base física, e Gash sobre uma base analítica.

Palavras-Chave: Manejo de Bacias Hidrográficas, Interceptação Florestal, Serviços Ambientais.

1. INTRODUÇÃO

A água é um dos componentes básicos dos ecossistemas e a precipitação, em conjunto com a altitude e latitude, determinam as características e limites de regiões em termos de estrutura da vegetação.  A atuação da água no ecossistema, no entanto, depende da forma como as gotas de chuva serão conduzidas até a superfície. Regiões com ausência de vegetação possuem grande escoamento superficial, que reduz o tempo de concentração da água na região, limitando seu aproveitamento pelo ecossistema. Locais com floresta estruturada retém a água por mais tempo, resultando em maiores possibilidades de uso da água pelas diversas formas de vida (Grigorescu&Geacu, 2017).

Nessas condições, a estrutura florestal é de primordial importância, uma vez que a interceptação inicial da água da chuva determina de que forma e intensidade ocorrerá o escoamento superficial. Existe a necessidade do desenvolvimento de estratégias sustentáveis de planejamento florestal e uso desses recursos de forma ambientalmente favorável (Maetske&Cullotta, 2016). A água é interceptada pelas folhas, escoando pelo tronco ou gotejamento direto, atingindo o solo florestal onde ocorre o escoamento superficial ou a infiltração. Esses fatores determinam as características da bacia hidrográfica, representada pelo padrão de escoamento. Alterações no ecossistema e na estrutura vegetal alteram também o fluxo hídrico local, interferindo diretamente nas características hidrológicas. Essa questão é de externa importância, pois o planejamento do manejo florestal deve levar em consideração o impacto de alterações na vegetação  sobre os valores de escoamento superficial, que podem comprometer o balanço hídrico.

A floresta possui um papel primordial em relação ao ciclo hidrológico, no que diz respeito ao condicionamento do fluxo hídrico proveniente da chuva (Horton, 1919). Auxilia também no controle de erosão e lixiviação de nutrientes, estabilizando o ecossistema de maneira bastante abrangente. Atualmente as florestas, e em especial a Mata Atlântica, apresentam os sinais de uma intensa exploração antrópica, apresentando-se localizadas em fragmentos muitas vezes empobrecidos em diversidade ou com características de floresta secundária. Apesar dessa condição, esses fragmentos são de extrema importância para os estudos da relação entre a floresta e a água. Esse conhecimento é necessário para o entendimento do funcionamento do ecossistema, com suas relações e dinâmicas.

A floresta primária representa o climax de uma seleção natural contornada por fatores limitantes em água, luminosidade e nutrientes, o que permite um longo ciclo de permanência dessa vegetação. A rigor, as transições naturais de tipologias vegetais são lentas e graduais. A conversão de áreas de florestas naturais em florestas plantadas ocorre rapidamente devido a pressão econômica, normalmente com o plantio de espécies exóticas e homogêneas. Ainda que considerado um novo ecossistema, essa floresta atua no condicionamento hidrológico de uma região, da mesma forma que a vegetação original atuava, mas com dinâmicas diferentes, representada pela diferença nas estruturas vegetais. Conhecer as dinâmicas de interceptação das diferentes tipologias vegetais é extremamente importante para a compreensão do ciclo hidrológico (Horton, 1919), e primordial para os planejamentos de ações de manejo. A compreensão da dinâmica hidrológica local é o fator chave para a continuidade da produção florestal ao longo dos anos. E a compreensão desse cenário tem início com o entendimento das características do condicionamento hidrológico efetuado pela floresta primária, e posteriormente com a comparação dessa característica na floresta plantada.

O efeito dos ecossistemas sobre a água auxilia no planejamento e manutenção dos recursos hídricos. As florestas presentes nas bacias hidrográficas influenciam na dinâmica da água no solo. Conhecer a magnitude das diferenças da influência da floresta na dinâmica hídrica é necessário para o estabelecimento de parâmetros básicos para mensuração de ações de intervenção antrópica, como inserção de plantios florestais (Maetske&Cullotta, 2016). Conhecendo essas características, é possível planejar as ações de manejo florestal sustentáveis e com minimização dos impactos as condições dos recursos hídricos.

Elabora cenários e previsões é tarefa importante nas ações de planejamento florestal, principalmente quando relacionado ao uso e ocupação do solo. Um dos principais motivos para o planejamento é a prevenção e controle da perda de solo, que ocorre através da erosão e carregamento de materiais com o escoamento superficial, que é a parcela da água da chuva que escoa sobre o solo. A ausência de vegetação é um dos principais problemas que caracteriza a perda de solos. Existem vários métodos utilizados para modelar o processo de interceptação da precipitação pelas estruturas vegetais, que de certa forma apontam para as variáveis mais importantes a serem observadas nas operações de manejo florestal. O desenvolvimento da temática ambiental, com o aumento da percepção da necessidade de conservação do solo e da água proporcionaram grande atenção ao uso dessas metodologias para cálculo do potencial de interceptação florestal. Esses métodos, no entanto, inicialmente idealizados para avaliar processos de retenção hídrica em topologias florestais específicas, nem sempre configuram cenários com todas as variáveis de interesse em uma temática ambiental como a conservação da água.

O desenvolvimento do conceito de serviços ambientais, com discussões a respeito das metodologias que subsidiam o cálculo do valor econômico dos ambientes, também acaba por fomentar o desenvolvimento de técnicas que permitam o estabelecimento da relação do uso do solo com a sustentabilidade ambiental (Maczka et al, 2016). Um dos principais pontos de interesse é a questão do equilíbrio hidrológico e conservação de bacias hidrográficas.

A interceptação da água da chuva pelas árvores é um fator que potencializa o equilíbrio hidrológico subterrâneo, que é governado pela água que infiltra no solo, e neste ponto, as florestas tem papel essencial, uma vez que amortecem, condicionam e direcionam a água da chuva  para infiltração, reduzindo ainda o pico do escoamento superficial. Esse papel é essencial para promoção de uma reserva hídrica de fluxo lento, responsável pela manutenção do nível médio dos rios ou corpos hídricos. A mensuração desse fator, no entanto, é complexa, uma vez que sofre a influência das condições do solo, da vegetação e da precipitação. O uso de imagens de sensoriamento remoto de alta resolução, com técnicas de Sistemas de Informações Geográficas (SIG), apresenta a possibilidade de diferenciação entre os diferentes tipos de vegetação florestal (Rautiainen&Stenberg, 2005). Associar a forma como esses diferentes tipos de florestas se comportam durante as precipitações proporciona a possibilidade de modelar, com maior precisão, a condição de infiltração de água  no solo e recarga do lençol freático raso. Essa condição auxilia na determinação do escoamento de base de uma bacia hidrográfica.

Em 1919, o primeiro texto apresentando conceitualmente as perdas nos processo de interceptação era feita por Horton (1919). Até a década de 1970 o processo de interceptação foi baseado em previsões empíricas de dados obtidos a partir da chuva bruta. Essas condições restringiam muito a aplicação das fórmulas. A partir de 1971, novos modelos dedicados a estimativa da interceptação florestal começam a surgir. Basicamente os modelos destinados a estimativas de interceptação podem ser divididos em dois grupos: tipo Rutter (RUTTER et al, 1971) e tipo Gash (GASH, 1979). Em resumo, o modelo de Rutter apresenta um modelo de base física, e Gash um modelo de base analítica. Existe ainda um modelo proposto por Calder (1986), que utiliza distribuição de probabilidade.

A mensuração da capacidade da floresta, como condicionante da infiltração da água no solo oferece também um elemento adicional na valoração de florestas em modelos dedicados aos serviços ambientais com possibilidade de retribuição financeira.

Até o ano de 2015 existem mais de 15 modelos para cálculo de estimativa de interceptação pluviométrica, e novos modelos começam a surgir, com novas tecnologias de monitoramento e novas abordagens sobre o processo. O objetivo do presente trabalho foi traçar um perfil dos modelos de previsão de interceptação florestal, verificando suas características e particularidades.

2. AS CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO DE INTERCEPTAÇÃO FLORESTAL DA PRECIPITAÇÃO

Em um ambiente florestal, o processo de interceptação da precipitação é realizado pelo dossel florestal (estrato mais elevado da floresta). O conjunto de folhas e galhos das árvores realiza o primeiro contato da chuva com a superfície terrestre. A precipitação pode também atravessar o dossel através de clareiras, atingindo estratos inferiores, ou até mesmo o solo diretamente.

A interceptação  é realizada pelas folhas da copa “C”, e também pelo solo “L” (ou Litter). Logo, a interceptação (“I”) é descrita como “I = C+L”. Ainda nesse contexto, é preciso expressar a precipitação “P”, a precipitação interna “T” (throughfall), que atravessa a estrutura vegetal das copas e atinge o solo; o escorrimento pelo tronco “S”; e a infiltração “R” (Obs., as letras indicativas referem-se aos termos em língua inglesa como em Dunne & Leopold 1978). A interceptação é expressa em milímetros (mm) de água. O escorrimento pelo tronco (Stemflow) é a menor porção da interceptação, mas possui certa significância em determinadas tipologias florestais, de acordo com a arquitetura da copa (Dunne & Leopold, 1978).

A variação da copa, do estágio secessionais influenciam diretamente na interceptação. Buttle et al (2000), em estudo realizado no Canadá, verificaram os diferentes padrões de retenção, escorrimento e evaporação da água de precipitações em vegetações diferentes, em diferentes estágios. Observa-se, no entanto que o estudo leva em conta florestas canadense, onde os ciclos anuais incluem invernos rigorosos, e ampla insolação no verão.

A evapotranspiração e transpiração estão entre os fatores que afetam a precipitação interna, isto é, a porção de água que atravessa o dossel florestal e atinge a superfície. Para avaliar o processo de precipitação interna é preciso compreender os fatores que incidem sobre a porção de água proveniente da precipitação que é retida no dossel e retorna a atmosfera sem atingir o solo.

Evaporação é a conversão de água líquida em vapor de água, e sua consequente remoção da superfície (remoção do vapor). A água evapora de várias superfícies (solo, rios, etc), considerando também as plantas molhadas. O fator que inicia o processo de evaporação é a radiação solar direta (em maior grau) e a temperatura ambiente (em menor grau). A diferença de pressão de vapor na superfície e na atmosfera adjascente é o que determina a velocidade de evaporação. A evaporação é constante, mas fica mais lenta a medida que o ar circundante fica saturado, dependendo da velocidade do vento para substituir o ar saturado por ar mais seco.

O fator de entrada no processo de evaporação no dossel florestal é a água atmosférica, uma vez que não existe fornecimento direto de água do solo nessa faixa de altura. Os parâmetros climatológicos da radiação solar, velocidade do vento, temperatura e unidade do ar interferem diretamente no processo. Caso não ocorra precipitação em alguns dias, considerando que o processo de evaporação é constante, ela tende a reduzir gradativamente cessar completamente.

A transpiração é a evaporação da água líquida dos tecidos vegetais para a atmosfera. Esse processo é realizado pelos estômatos. Nesse processo existe também a dependência de energia, condição de pressão de vapor e vento. A taxa de transpiração é influenciada pelo tipo e estágio de desenvolvimento da cultura. Em superfícies com cobertura vegetal, a transpiração sobressai sobre a evaporação do solo. Em florestas, o processo resume-se em transpiração e evaporação da água excedente nas folhas após a precipitação. Uma das mensurações utilizadas para avaliação desses processos, considerando que é difícil a separação entre os dois, é a utilização do Índice de Área Foliar (LAI – leaf area index). Esse valor é associado a prevalência de  transpiração dos vegetais, frente a evaporação de água no solo. Entretanto, processos de evaporação no dossel florestal, não são mensurados com a técnica.

O LAI (Leaf Área Index), segundo Behera e Tuli 2015, é uma estimativa de extrema importância para caracterização funcional de ecossistemas. A atmosfera possui na superfície das folhas a área de contato para permutas de gases e fotossíntese, controlando, além das condições de radiação, fatores térmicos e hídricos. O LAI é fundamental para condução de estudos sobre processos biológicos em plantas, sendo essencial como variável de entrada em muitos modelos, e  fundamental para estudos nos processos do dossel.

O LAI (ou IAF – Índice de Área Foliar) é diretamente proporcional a produção primária líquida e a transpiração, e inversamente proporcional a penetração de luminosidade (transitividade) do dossel. Observa-se que esses estudos estão muito relacionados a condições de florestas temperadas, com ainda poucos estudos em florestas tropicais, que possuem maior complexidade (Witehead et al, 1984). O LAI é uma variável adimensional, que refere-se a área total de uma face do tecido vegetal responsável pela fotossíntese, sendo bem aplicável a folhas largas (mesma superfície em ambas as faces). Em folhas modificadas, enrugadas ou acículas (como das coníferas) é levada em conta uma projeção da área foliar. Essa questão é mais relativa a métodos diretos de medição, que são mais trabalhosos e não possuem muita praticidade devido ao intenso trabalho de campo. As medidas indiretas são mais utilizadas, e contam com aparelhos que capturam imagem utilizando uma lente hemisférica (tipo “fish eye”).

A utilização de aparelhos com lente hemisférica para obtenção de valores de LAI fornece resultados satisfatórios em florestas tropicais, mas a interceptação da luz por galhos e caule pode resultar em inconsistências. A solução é, em estudos altamente específicos, retirar manualmente esses elementos, utilizando tratamento de imagem. O LAI também possui uma relação com o depósito de serrapilheira no solo, e pode, sobre certas condições, apresentar valor de material lenhoso (no inverno, em espécies caducas).

3. UMA ABORDAGEM DOS PRINCIPAIS MODELOS

O modelo de Rutter apresenta a questão da interceptação através do equilíbrio entre a água da precipitação (como entrada), e saída no formato de drenagem e evaporação. A drenagem e evaporação depende da quantidade de água armazenada no dossel e em 1975 (RUTTER et al, 1975), a versão final do modelo conta com um particionamento adicional representado pelo escoamento pelo tronco.

Massman (1983),  apresenta uma variação do modelo de Rutter (1975), onde são observadas diferenças nas equações de drenagem e evaporação. Liu (LIU et al, 1988), difere do modelo de Rutter (1975) por apresentar um dossel multi camadas, onde a saturação hídrica de armazenamento ocorre progressivamente, com uma camada fornecendo água para o nível inferior. Sua concepção baseia-se em uma forma de contemplar as copas heterogêneas e ainda minimizar a entrada de dados. Xiao (Xiao et al, 2000), estima interceptação tendo como base árvores individuais, e nesse contexto exige uma arquitetura tridimensional, requerendo parâmetros especiais para arquitetura de copas.

Gash (1979), propõe um modelo analítico, com solução simplificada. O modelo basicamente apresenta os valores de entrada, caracterizado como chuva, em forma de eventos discretos separados no tempo de forma que o as estruturas florestais (folhas, galhos etc., ) estejam completamente secos no início da próxima tempestade. Cada tempestade é dividia em três fases: encharcamento do dossél, saturação e secagem. Essa condição aporta peso sobre a variável climática em oposição a estrutura da planta. Ocorre a substituição, por valores médios, dos valores das duas primeiras variáveis (encharcamento do dossel e saturação), sendo essa premissa válida para todo o período modelado.

Outras modificações ao modelo original de Gash foram desenvolvidas posteriormente, como o de Mulder (1985), que utiliza valores de evaporação diferentes para condições úmidas e secas. Zeng et al (2000), apresenta um incremento estatístico aos dados de entrada, e Murakami (2000) utiliza uma fase única para as fases da tempestade.

Calder (1986) desenvolveu um modelo que difere de Rutter e dos modelos tipo Gash. O modelo Calder usa distribuição de probabilidade para determinar gotas que atingem a copa e são retidos, e também para remoção por evaporação. A distribuição de Poisson é utilizada e a água atinge o solo sempre que o limite de armazenamento é atingido.

Um modelo estocástico caracteriza-se por um conjunto de variáveis aleatórias que evoluem através do tempo. Nesse tipo de modelo, mesmo com o conhecimento da condição inicial, existem direções infinitas de evolução do processo. Um modelo estocástico para precipitação interna é baseado em uma distribuição probabilística de Poisson, referente ao número médio de gotas de chuva que se acumulam sobre as superfícies das folhas eu número de gotas que precipitam. O modelo proposto por Calder (1986), apresenta a racionalização da observação do processo gradual de saturação de água nas copas da floresta, em evento pluviométrico. O valor de entrada é a média do volume da gota de chuva, prevendo que a capacidade de armazenamento máximo das copas será alcançada em menor tempo por gotas de chuvas com maior volume.

O desenvolvimento do modelo passou a considerar (Calder, 1996) que a saturação do dossel ocorre por impacto direto dos pingos de chuva para as camadas superiores, e pelo gotejamento secundário, onde as gotas precipitadas de camadas superiores atingem as camadas inferiores, saturando a superfície de aderência hídrica. O volume das gotas secundárias é relativo a cada espécie vegetal, com as particularidades da folha. O avanço ocorre para um modelo estocástico de duas camadas, considerando a saturação da superfície de aderência a partir das gotas primárias e secundárias. Ocorre também um outro efeito, relacionado a energia cinética das gotas de chuva, que determina o máximo armazenamento possível no dossel.

A utilização de um simulador testou a hipótese estocástica para determinar seus parâmetros dependentes das estruturas vegetais, evidenciando que para todas as espécies investigadas o fator de saturação foi maior para gotas de pequeno volume e que a capacidade máxima de armazenamento não é constante, e sim dependente do tamanho da gota. Essa condição de redução da capacidade máxima de armazenamento relativo ao tamanho da gota deve-se a energia cinética relacionada (Calder et al., 1996). Uma revisão da questão, após algumas aplicações, ocorreu a sugestão de utilizar o volume significativo da gota de chuva em substituição ao diâmetro médio de volume, tornando mais significativo o efeito do tamanho das gotas no processo de saturação do dossel (Calder, 1999).

4. O CASO DA PRECIPITAÇÃO QUE NÃO ATINGE AS ESTRUTURAS FLORESTAIS

Considerando que existe uma grande variedade de florestas, e notadamente existem espaços abertos por onde a chuva atinge camadas inferiores do dossél, ou o chão florestal, sem o contato com as copas, algumas variáveis de modelos foram propostas por Gash e Rutter, adaptando essa condição. A principal vantagem dessa adaptação ocorre no momento em que a evaporação das superfícies molhadas é ajustada às áreas cobertas por dossel. Isso superou uma questão de modelos anteriores, colocando a possibilidade de uma condição de contorno mais satisfatória.

O modelo de Gash foi ainda adaptado para o período de crescimento da vegetação (Van DJIK & BRUINJNZEEL, 2001), onde a variação de alguns parâmetros, como a área foliar, sofrem variações de acordo com o ciclo da cultura. O modelo de Calder, de uma camada, foi ainda recebendo variações como as de Lockwood (1981), que adicionou multicamadas.

5. AS COMPARAÇÕES ENTRE OS DOIS MODELOS

Existem duas maneiras distintas de se comparar os modelos (incluindo Calder): quanto aos processos e estruturas envolvidos, e quanto aos parâmetros de entrada e saída. Quanto aos processos, foram verificadas a existência de espacialização, drenagem da copa, evaporação do dossél, condição pré-evento do dossél. Quanto aos parâmetros de entrada e saída foi verificada resolução temporal e o número de parâmetros envolvidos.

Em consideração a espacialização, todos os modelos consideram as árvores em fragmentos ou povoamentos (exceto Xiao, que considera árvores individuais). A drenagem da copa é referida genericamente nos modelos como sendo uma função do tempo ou uma parte integrante do balanço hídrico da copa. O modelo de Xiao (que pode ser considerado derivado de Rutter), considera detalhes como inclinação da chuva e inclinação das folhas do dossél.  O modelo de Calder (1986) não considera a drenagem da copa.

A taxa de evaporação da copa utiliza predominantemente a formulação de Peinman (Montheit, 1965). Apenas em dois casos as formulações consideraram alternativas (XIAO e MASSMAN). A condição pré-existente do dossel é assumido como seco em praticamente todos os modelos, sendo então cada evento de chuva considerado individualmente.

Em relação aos dados de entrada, os modelos usam predominantemente dados de precipitação horária ou diária (exceto Massman, que usa 10 minutos). Na maioria dos modelos os dados de precipitação são usados para estimar a evaporação. O número de parâmetros de cada modelo varia de 2 a 7 para uma camada, e de 8 a 16 para múltiplas camadas.

A questão da capacidade de armazenamento de chuva na copa é referida em todos os modelos, mas com algumas diferenças significativas. Enquanto Rutter apresenta a capacidade como mínimo de volume retido, Calder apresenta como máximo retido. A estrutura do dossél, também referida em todos os modelos, possui certa semelhança em Rutter e Gash, sendo verificada uma simplificação no caso da chuva interceptada livre (que não atingiu nenhuma superfície vegetal antes de chegar ao solo florestal). Os modelos de Calder consideram a questão de maneira mais elaborada, em uma exigência comparável com o Índice de Área Foliar.

A questão da padronização da classificação climática e do tipo de vegetação também é feita nos modelos, bem como o parâmetro de calibração. Para classificação climática é normalmente utilizado Koppen. Sobre o tipo de vegetação estudado, normalmente os modelos variam de acordo com a região de aplicação. Na América do Norte e Europa, coníferas são as tipologias predominantes, enquanto na América do sul e Ásia, as florestas tropicais folhosas são o objeto de estudo.

O resultado desses modelos muitas vezes acaba em reflexão quanto a disponibilidade de dados. Nos locais onde somente dados de precipitação estão disponíveis, o modelo tipo Gash acaba sendo mais utilizado. Observa-se no entanto que muitos estudos não apresentaram o erro obtido entre o uso de diferentes modelos, quando havia essa opção.

6. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir da comparação dos modelos, é possível observar que existem inúmeras diferenças entre sua estrutura e funcionamento. A decisão sobre qual modelo utilizar depende da escolha do usuário. É preciso levar em conta, além das informações teóricas, o conjunto de dados a ser utilizado para cada modelo. Também deve-se levar em consideração o desempenho dos modelos de acordo com a variação de tipologias.

A exigência de parâmetros é uma das limitantes de alguns modelos, como por exemplo o modelo de Calder, uma vez que não são fáceis de ser obtidos. Outras limitantes são a ausência de uma descrição mais detalhada dos parâmetros (para o caso de ajustes regionais), ou ainda o tempo de publicação (alguns modelos são recentes), e ainda limitações na descrição das tipologias florestais e suas particularidades. A facilidade de uso também é um fator limitante, uma vez que a dificuldade de interpretação dos conceitos e a complexidade de programação tem grande interferência. O modelo de Gash teve uma grande frequência de uso devido a facilidade de satisfação de seus requisitos principais.

Alguns modelos possuem um uso limitado devido a complexidade computacional e conceitual exigida, além da habilidade o operador. Nesse caso, somente um esforço massivo da comunidade científica poderia auxiliar na melhor distribuição de aplicação dos modelos. Outro fator é que quanto maior o  número de publicações referentes a um modelos, mais estímulo este recebe para aplicações futuras, em detrimento a outros modelos. Em termos gerais, o volume reduzido de informações sobre alguns dos modelos dificulta sua aplicação.

A complexidade de definição da exigência temporal e o grande número de parâmetros e requisitos exigidos pela maioria dos modelos dificulta sua utilização. É uma situação onde o uso em parcelas específicas é possível, mas o erro aumenta significativamente na extrapolação dos resultados para outras áreas. Muitos desses erros podem ser atribuídos as condições de distribuição das precipitações, que ocorrem de maneira variável e esparsa.

A questão das tipologias florestais também exige atenção, uma vez que em florestas sazonais de climas frios, a realidade pode ser mais estável do que em florestas mistas. Florestas tropicais também apresentam algumas questões relacionadas a condição da distribuição espacial, uma vez que alguns modelos prevêem árvores esparsas. Um dos pontos de dificuldade é a modelagem da evaporação do dossel, variável de acordo com muitos parâmetros. A consideração de um modelo de evaporação para um conjunto de árvores acaba sendo bem diferente da realidade de uma floresta contínua. Em termos de tipologias florestais, a questão dos arbustos acabam ganhando pouco destaque devido a dificuldade de verificação do ciclo hídrico. Mas a aplicação dos modelos nessa tipologia mostrou-se bastante viável.

A questão da validação dos modelos também é complicada, uma vez que em várias situações, os trabalhos publicados não revelam essa condição (modelos não foram validados). Uma última condição de complexidade é o percentual de incerteza quanto aos parâmetros de entrada no modelo. Essa situação acaba tornando complexa a estimativa do intervalo de confiança dos modelos.

CONCLUSÃO

A utilização de modelos para predição da condição da interceptação em ambiente florestal depende basicamente do tipo de dado disponível e da tipologia florestal. Observa-se que as adaptações conferidas aos modelos originais de predição devem-se a ausência de dados ou inadequação ao tipo de vegetação, uma vez que a configuração clima/vegetação é bastante variada, dificultando a aplicabilidade de um mesmo modelo em duas situações diferentes.

A situação apresenta a condição de que a eficiência de um modelo depende do número de adaptações realizadas para adequação a realidade, buscando minimizar os erros sistemáticos.

REFERÊNCIAS

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[1] Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Florestais da Universidade Estadual do Centro Oeste – PR.

[2] Doutor em Engenharia Florestal e Professor da Universidade Estadual do Centro Oeste – PR.

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Diego Luis Venancio

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