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A reforma Temer no contexto das reformas educacionais no Brasil: Exclusão da Geografia como disciplina obrigatória

RC: 51003
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CONTEÚDO

ENSAIO TEÓRICO

ALVES, Janael da Silva [1]

ALVES, Janael da Silva. A reforma Temer no contexto das reformas educacionais no Brasil: Exclusão da Geografia como disciplina obrigatória. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 05, Vol. 10, pp. 75-86. Maio de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/geografia/reforma-temer

RESUMO

A implantação do sistema educacional brasileiro e as reformas que se seguiram tiveram o condão de manter um sistema de ensino que preparava as elites para o trabalho intelectual e os pobres para os serviços braçais com a consequente manutenção da ordem social vigente. A geografia é uma ciência que passou por mudanças ao longo de sua trajetória se transmutando de um mecanismo de descrição das paisagens para também pensar criticamente o espaço. Recentemente, a Medida Provisória (MP 746/2016), conhecida como reforma Temer previu a exclusão da Geografia como disciplina obrigatória no currículo escolar do ensino médio, tal exclusão reafirma esta trajetória de uso do sistema de ensino como forma de manutenção do pensamento de dominação de classes e ao mesmo tempo a limitação na possibilidade das massas em refletir criticamente sobre a sua própria realidade. Por meio deste trabalho, a exclusão da Geografia como disciplina obrigatória será tratada pela abordagem de um ensaio teórico com o objetivo de chamar a atenção para o prejuízo na formação do pensamento crítico do estudante e na formação do cidadão, o que fica demonstrado na análise.

Palavras Chaves: Ensino geografia, geografia crítica, ordem social, Reforma do Ensino, Medida Provisória 746/2016.

1. INTRODUÇÃO

A geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra! (LACOSTE, 1988)

As políticas governamentais de reformulação da educação básica no Brasil, os projetos de governo para a educação manifestam o alinhamento ideológico com os grupos dominantes da sociedade brasileira e de interesses internacionais. O objetivo deste trabalho será o de realizar uma análise descritiva do texto da Medida Provisória (MP) 746 de 2 de setembro de 2016 seu contexto e suas motivações político social, que demonstram a adoção de um projeto não discutido com a sociedade e nem com a comunidade acadêmica.

Não há de se esperar de grupos dominantes, como atesta Paulo Freire (1995), a oferta ou proposta de conteúdo, sistemas e métodos de ensino que possam impactar sobremaneira a capacidade de discussão dos indivíduos; seja ao fazer uma autoanálise da real estrutura de dominação social, ou qual o papel do próprio indivíduo nesta estrutura. As mudanças que acontecem no âmbito educacional buscam, tão somente, a manutenção dos grupos de poder e manutenção da condução da forma de pensamento das massas; portanto era de se esperar que em determinado momento histórico poderia acontecer a retirada do ensino da Geografia como disciplina obrigatória da grade curricular do ensino médio brasileiro, uma vez que a Geografia se tornou uma disciplina, que, em constante evolução passou não somente a descrever o espaço e a sociedade, mas a ciência que tomou  uma via revolucionária de denúncia contra os detentores do poder abrindo uma discussão política da análise geográfica e conforme Moraes (2003) veio a se tornar uma disciplina que trata das realidades espaciais que são injustas e contraditórias.

Diversos estudos traçam linhas históricas da política educacional brasileira. São muitos os trabalhos que trazem uma discussão sobre os tempos, motivos, atores e objetivos com que essas reformas foram implantadas. A ampliação dos debates das propostas em torno da educação escolar ganhou força conforme, Souza (2000) no final do século XIX, pois foi desde este período que tais reformas foram tomadas como uma resposta “higiênica” eficaz, por ocasião do fim da escravidão no Brasil.

Por meio das primeiras propostas concebeu-se que os indivíduos poderiam ser mais facilmente docilizados e civilizados, ao se implantar determinado currículo e método de ensino nas escolas nascentes, seria o “elemento de regeneração da nação”, e uma forma de se adquirir cidadania. Para Sousa (2000) concebeu-se dois diferentes mecanismos de privatização da educação, que no ensino básico representava claramente a instalação de dois sistemas de ensino, com objetivos também distintos, ou seja, a escola pública se destinava para as grandes massas de povo já o ensino privado era destinado às elites. Diante desta realidade histórico social e política o objetivo deste trabalho será o de discutir a reforma Temer e possíveis impactos na sociedade brasileira nas gerações futuras.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

O presente trabalho tem o propósito de ser exploratório, sendo eu por meio dele far-se-á uma revisão da bibliografia com a proposta de uma abordagem histórico crítica da reforma Temer no contexto e em correlação a outras reformas na educação ocorridas ao longo da história do Brasil, constituindo-se este trabalho em um ensaio teórico.

Para Meneghetti (2011) o ensaio teórico não se prende aos formalismos da ciência sem, contudo, deixar de ser uma reflexão profunda de temas da atualidade:

Ensaio deve ser lido por sujeitos com espíritos livres de preconceitos, sem estarem dominados pelo formalismo da ciência. Aqui o leitor não encontrará a disposição formal de um estudo que segue a divisão e a lógica estabelecida pelas metodologias científicas tradicionais. No lugar do objetivo geral, dos objetivos específicos, da justificativa, da fundamentação teórica, da metodologia que define os critérios de coleta e análise de dados e da conclusão, no ensaio a orientação é dada não pela busca das respostas e afirmações verdadeiras, mas pelas perguntas que orientam os sujeitos para as reflexões mais profundas. Assim, respeitando a concepção original do que é ensaio, este necessita de leitores preparados para compreender a sua importância para a formação do conhecimento na atualidade. (MENEGHETTI, 2011, p. 321)

3. REFERENCIAL, ANÁLISE E DISCUSSÃO

Conforme Santos (2000), proposta de mudança na educação no Brasil, discutida no final do século XIX, como opção de política pública, não era diferente do que ocorria no exterior, uma vez que em grande parte dos países do mundo vinham sendo implementadas reformas parecidas, tanto no que diz respeito ao currículo como à organização, gestão quanto ao financiamento. No início da república se foi definindo quais seriam as disciplinas a serem ensinadas nas salas de aula com vistas a alcançar seus objetivos de trazer a população às rédeas do desenvolvimento econômico social, sobretudo aos moldes da Europa desenvolvida.

 O advento da República em 1889 ratificou a crença no poder da educação popular, ressaltada, a partir de então, como instrumento de consolidação do novo regime político e de manutenção da ordem social. A educação do povo atendia a uma das condições para a participação política, uma vez que a República manteve a interdição ao voto do analfabeto, excluindo, assim, grande parte da população brasileira da cidadania política. (SOUZA, 2000, p. 105-106).

A proposta da MP 746/2016 reforma Temer tem como centro, a mudança na oferta de disciplinas com a supressão de diversas disciplinas do campo das ciências humanas e sociais da base curricular, mas podemos ver que já anteriormente concebeu-se mudanças desta mesma natureza: “a discussão sobre as matérias que deveriam compor os programas do ensino primário no Brasil esteve no centro dos debates educacionais a partir de 1870.” (SOUZA, 2000, p.106), e influenciou nas análises e definições das disciplinas a serem desenvolvidas no ambiente escolar e a forma como seriam trabalhadas. Sousa (2000) relata que o republicano Rui Barbosa concebeu que a oferta da disciplina de educação física deveria ter como base a – educação física, intelectual e moral –, apelando para a indissociabilidade entre corpo e espírito, e da necessidade de o processo educativo seguir as mesmas leis da natureza. Nas avaliações de alguns educadores à época, as finalidades do ensino incluíam o sentimento de patriotismo, “o desenvolvimento das virtudes cívicas, a moralização dos hábitos, a eugenia e a disciplina corporal” (SOUZA, 2000, p. 108-109).

Percebe-se que desde o início conforme Patto (2007), que as reformas no ensino entendiam a escola como instituição de auxílio na manutenção da ordem social, desde o século XVIII. O ensino na jovem república foi pensado como mantenedor desta ordem. Uma fórmula de escola foi concebida onde os ricos, eram preparados para a vida acadêmica e a outra para as massas visando preparação para o mercado de trabalho. As reformas desde então foram pensadas para operarem algo concreto na veia social. Ainda conforme Patto (2007) no fim do período imperial, Rui Barbosa (1947) teria ajudado a propor esta partição de preparar alunos para o mercado e outros estabelecimentos que seriam como os liceus para preparar os filhos advindos de famílias abastadas para a universidade, nas carreiras liberais, científica, industrial ou para os postos de comando.

Depois do final das duas grandes guerras mundiais e com o advento da guerra fria, a influência e interferência estrangeira passou a influenciar ainda mais na elaboração das políticas educacionais da república. Se para a república nascente foram formuladas propostas com vistas a introduzir no Brasil, modelos do que se vislumbrava em países pujantes e bem estratificados como Alemanha e Inglaterra, as reformas pós-guerras trouxeram a educação militar com vistas a desenvolver nos indivíduos “valores” republicanos; valores estes que ganharam ainda mais força e eram em grande parte, conforme relata Sousa (2000) uma repetição das políticas adotadas para a geração anterior. Os exercícios militares e os batalhões infantis do século anterior estavam em decadência, eles que foram as marcas dos chamados “batalhão escola”, mas o espírito militar que prioriza a educação física e a educação moral e cívica se consolidaria nas escolas. Para Sousa (2000) a prática de militarização escolar de direcionamento da infância revelava mais uma das faces para a configuração do currículo do ensino primário e um meio de transformar as escolas primárias em agências de civilização das massas.

Percebe-se que nessa nova etapa da república, propunha-se uma educação em estilo militar, e do ponto de vista do direcionamento ideológico acabou contribuindo anos depois para que a sociedade, não manifestasse resistência ao advento de um governo militar, o que já se imaginava factível pela elite ante o crescimento de movimentos trabalhistas,

que se institua a “religião do civismo”, com o culto dos grandes brasileiros mortos ou vivos , o conhecimento de suas biografias e comemoração pelas respectivas classes, das datas que lembrem fatos de vida desses patronos; a instituição do dia da Pátria para o seu culto; Do culto da Bandeira; (…) 3º- propagar e instituir o escotismo como escola maravilhosa de educação moral e cívica (grifos meus); (…) 5º- cuidar do ensino cívico, fazendo-o de toda a maneira, em todas as oportunidades, conjuntamente com as outras matérias, não dispensando, contudo, a adoção de um plano pre concebido que oriente o professor e dê finalidade do estudo. (SOUZA, 2000, p.114)

A educação continuava sendo um instrumento social importante para alavancar os ditames preceituados pela política de crescimento econômico determinada pelo 2º Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND). Para Ferreira e Bitar (2008), eis o que foi a educação brasileira durante a ditadura militar: uma política social instrumentalizada pela ideologia tecnicista, com o objetivo de impulsionar o projeto de Brasil Grande Potência, lema que correspondia, no âmbito político ideológico, ao autoritário: Brasil, ame-o ou deixo-o.

Desde o início foi possível vislumbrar a predominância de duas fontes de influência nos projetos educacionais brasileiros, sendo a primeira a manutenção do status quo da sociedade o que se tratou acima, e deste ponto em diante chama-se a atenção para uma segunda fonte de influência que foi a de submissão do país aos interesses do capital estrangeiro sob argumento de inseri-lo no movimento global de desenvolvimento econômico, ainda que essas duas fontes de influência estejam intimamente ligadas.

Fica claro a influência externa em assunto tão relevante para o desenvolvimento da nação nos relatos de Domingos (2000) que destaca um particular aspecto nesses movimentos reformistas de 1960 e 1970, quando se constata que as reformas tiveram financiamento externo no processo de elaboração, e nessas reformas, em geral, as equipes foram bem remuneradas contando com o apoio de assessores estrangeiros. Para Bitar e Ferreira (2008) A submissão da educação aos interesses econômicos seja da elite nacional ou da elite internacional fica clara durante as reformas do ensino no regime militar, quando, o contexto da estratégia de crescimento acelerado e autoritário do capitalismo brasileiro, adotada durante a ditadura militar, a educação seguia a lógica dos interesses econômicos, a institucionalização do tecnicismo como ideologia oficial de Estado.

o regime militar implementou as reformas educacionais de 1968, a Lei n. 5.540, que reformou a universidade, e a de 1971, a Lei n. 5.692, que estabeleceu o sistema nacional de 1° e 2° graus, pois ambas tinham com escopo estabelecer uma ligação orgânica entre o aumento da eficiência produtiva do trabalho e a modernização autoritária das relações capitalistas de produção. Ou seja, foi concebida como um instrumento a serviço da racionalidade tecnocrática, com o objetivo de se viabilizar o slogan “Brasil Grande Potência”. (BITTAR e FERREIRA, 2008, p. 334)

Além de estabelecer as bases para manutenção de um grupo no poder os pensadores da educação que sustentavam o regime militar estavam também preocupados em atender às exigências que vinham da pressão externa, de forma que o modelo de ensino fosse base para uma sustentação econômica de interesse dos grupos estrangeiros. O que para Patto (2007) deixou consequências educacionais nefastas, causadas por uma política neoliberal e de interferência de órgãos de agiotagem internacional nos rumos da educação escolar no Brasil. Durante o período em que durou o golpe militar no Brasil, Clark et al (2006) relatam que para adequar o sistema educacional as necessidades do tipo de desenvolvimento adotado e responder às pressões sociais, governo então buscou ajuda no exterior, através dos acordos MEC-USAID” (Ministério da Educação e Cultura-United States Agency for International Development), por meio se permitiu que especialistas internacionais definissem padrões para a educação brasileira. Martins (2008) também relata a influência de pensamentos da escola de Genebra na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacional (PCN).

Identifica-se grande similaridade de métodos, formas e motivações entre as propostas de modificação da educação básica no Brasil ao longo dos últimos dois séculos, cujos objetivos se mostram claros dentro de um sistema capitalista crescente, que é o de formar sujeitos passivos ou em conformidade com os critérios de mercado ou com os interesses das elites e na reforma desencadeada neste ano de 2016. Com a MP 746/2016, estamos diante de uma reedição das mesmas formas e motivos alegados nos séculos passados O contexto social, político e econômico em que se dá a reforma Temer guarda similaridade ao da implantação dessas primeiras mudanças na educação no início do período republicano; pois que o ambiente atual está sendo apresentado, assim como no final do século XVIII, como um cenário de grave crise econômica, de uma concreta instabilidade política, e ainda de uma saudosista e persistente comparação de nossa realidade à realidade estrangeira, o que coloca a medida provisória 746/2016 e suas propostas de mudanças na educação, bastante divergente ao se comparar os pano de fundo da reforma e as propostas que ela apresenta.

Na exposição de motivos para a edição da medida Temer está definido que: “Atualmente o ensino médio possui um currículo extenso, superficial e fragmentado, que não dialoga com a juventude, com o setor produtivo, tampouco com as demandas do século XXI” (BRASIL, 2016). A medida Temer apresenta outros argumentos que escamoteiam sua finalidade. Os argumentos da exposição de motivos sempre começam por demonstrar preocupação com o indivíduo e com a sociedade, mas terminam por clarear suas reais intenções e preocupações com o indivíduo produtivo e economicamente ativo, sendo o que realmente interessa ao mercado.  A medida assevera que “a falta de escolaridade reflete diretamente nos resultados sociais e econômicos do país….” (BRASIL, 2016), depois de expor números estatísticos com críticas ao rendimento e uma pretensa preocupação com o baixo aprendizado nas disciplinas de português e matemática, a exposição de motivos fala porquê os números são prejudiciais, o que seria motivo suficiente para justificar o corte de todas as outras disciplinas conforme se vê a seguir:

…isso é reflexo de um modelo prejudicial que não favorece a aprendizagem e induz os estudantes a não desenvolverem suas habilidades e competências, pois são forçados a cursar, no mínimo, treze disciplinas obrigatórias que não são alinhadas ao mundo do trabalho, situação esta que, aliada a diversas outras medidas, esta proposta visa corrigir, sendo notória, portanto, a relevância da alteração legislativa…. de modo que este é o momento mais importante e urgente para investir na educação da juventude, sob pena de não haver garantia de uma população economicamente ativa suficientemente qualificada. (BRASIL, 2016) (Grifo Nosso)

A exposição de motivos para a promulgação da medida provisória Temer, MP 746/2016 ao falar da redução de disciplinas obrigatórias, o faz alegando que os estados, escolas e professores tenham mais autonomia; este argumento já tinha sido utilizado em outros momentos, como na reforma de 1971:

Deveríamos limitar o número de matérias ensinadas, ensinar poucas matérias, mas ensinar bem. No primário deveríamos ensinar apenas: Português, Matemática e trabalhos manuais. História, Geografia e Ciências podem ser objeto de leitura e a sala de aula com mapas, desenhos e fotografias ajudariam a dar as primeiras noções dessas matérias. Achamos que, desde o primário até o fim do colégio, deveríamos ensinar poucas matérias. Hoje, um aluno aprende História no Primário, no Ginasial e no Colegial e, quando chega ao Vestibular, não sabe quem descobriu o Brasil. Vamos ensinar uma só vez, mas bem. (RODRIGUES, 1972, p. 69)

A MP que propõe as mudanças para a educação é promulgada em um mesmo momento em que se decreta o congelamento de investimentos em educação no Brasil, pelos próximos 20 anos; isto para se adaptar à exigência das Agências de Risco e investidores internacionais, que recomendaram em boletins recentes os cortes nas despesas para equilíbrio das contas públicas mostrando claramente a finalidade econômica da reforma; Conforme o jornal Folha de São Paulo, Temer discursou que: “o intuito da mudança é aproximar o ensino no país do adotado em países mais desenvolvidos “Estamos fazendo uma especialização compatível com o que é feito na Europa, nos EUA, na Coreia do Sul.” ”. ( FOLHAPRESS, 2016). E em outra fala Temer diz que a reforma proposta dará suporte popular ao governo: “Estamos no governo há pouco tempo, tomando medidas ousadas, porque se não houver ousadia o governo se converte numa covardia, e não vamos fazer nada pelo país. Elas podem ser mal compreendidas num primeiro momento, mas depois darão suporte popular ao governo.” (FOLHAPRESS, 2016). (grifo meu) Na exposição de motivos da MP 746/2016 ao justificar este suporte ao governo alegado por Temer temos que:

No entanto, o mais relevante é que, nesse mesmo período, a taxa de crescimento da população idosa caminha em torno de 3% ao ano, ou seja, serão esses jovens (a base contributiva do nosso sistema social de transferências de recursos dos ativos para os inativos) que entrarão no mercado de trabalho nas duas próximas décadas, razão pela qual se mostra urgente investir para que o Brasil se torne um País sustentável social e economicamente……a, a medida torna obrigatória a oferta da língua inglesa, o ensino da língua portuguesa e da matemática …(BRASIL, 2016)

Em Martins (2008) temos que o “letramento restrito” se dá pelo pouco acesso ao ensino da cultura. E as reformas sempre buscaram extinguir disciplinas que levassem o indivíduo ao exercício do pensar, para privilegiar disciplinas que auxiliassem na manutenção do sistema econômico de produção.

Gostaríamos, ainda, de alertar que não se trata de investigar, apenas, as origens dessa gramática normativa e de suas prescrições, de vincular seu preciosismo à elite de épocas passadas que a teriam formulado; é importante percebermos de que forma e por que ela é ainda reforçada e, à sua maneira, se faz necessária nos protocolos que colaboram para a manutenção do poder na sociedade contemporânea. É como parte da microfísica do poder, no sentido foulcautiano da expressão (FOULCAULT, 1992 in MARTINS, 2008)

Vê-se que a reforma Temer, quer ser um passo em direção ao passado, uma reedição das medidas já pensadas por interventores estrangeiros e pela elite nacional na tentativa de se ter um modelo de educação onde os indivíduos sejam preparados para a prática e o exercício do trabalho técnico manual, sem uma maior preocupação em formar indivíduos reflexivos, críticos da própria realidade, das estruturas de estratificação social e do lugar que ocupa nela, portanto sem a possibilidade de reagir.

Não se acredita que a bondade dos tomadores de medida provisória ao proporem uma flexibilização de currículos, com a inserção de disciplinas técnicas, numa reedição de escolas técnicas de referências seriam conforme alega a medida o motor para uma sociedade mais igualitária.

Currículos flexíveis propostos desde muito cedo, ou seja, nos anos iniciais do ensino fundamental como está previsto na MP 746/2016, ao contrário pode ser algo danoso, uma vez que poderia desde muito cedo definir classe e papeis na sociedade estratificada, medida que é bastante diferente, quando se propões esta opção em graus mais avançados de ensino, como na graduação e pós graduação, níveis de estudo que deveriam ter amplo acesso a toda a população para que desta forma, se operasse uma qualificação e valorização igualitária entre as diversas atividades laborais.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os números e índices educacionais difundidos vem dar uma falsa sustentação ao discurso oficial, pois não modificam a realidade do indivíduo que permanece juntamente com as gerações futuras na mesma condição social e chamados à participação, mormente por meio do voto, acabam fazendo opção por sistemas de governos e políticas educacionais alinhadas à ótica dominante sendo de fácil percepção esta dificuldade de emancipação de um pensamento crítico ao se comparar os projetos desenvolvidos e os governos eleitos posteriormente, apresentando um descompasso cognitivo ao reagir de forma coerente às mudanças, ficando patente a ineficácia dessas reações quando acontecem, pois são rapidamente cooptadas e redirecionadas pelos grupos dominantes.

O fato de condenar desde cedo, por meio de políticas públicas, os alunos de periferia por exemplo, que não terão acesso a um número maior de opções reais de escolha, seja pela dificuldade de transportes, seja pela dificuldade de locomoção para irem em busca do que realmente ele julgue favorável a si próprio, quando a única escola de sua cidade ou de seu bairro não lhe oferecer os cursos que ele julgar conveniente a si, ou que faça parte do constructo de seu sonho pessoal, será uma condenação a que determinados setores ou localidades sejam aquilo que seus governantes querem que eles sejam. Esta medida será portanto, seletiva para pobres em relação aos mais ricos, pois que as classes mais abastadas e dominantes, apenas irão antecipar suas escolhas ao de enviar filhos para estudarem em outras cidades ou em regiões da cidade mais específicas que ofereçam possibilidade de engajamento no setor escolhido pela classe dominante e que proporcionarão a manutenção do status quo de dominação social. A história da educação no Brasil vem sendo construída sem atenção a necessidade que se tem de que as pessoas sejam motivadas a participação política já na base do conhecimento, ou seja, à relação das ideias com a realidade concreta onde são engendradas e ganham relevo. Em Patto (2007), é demonstrado que a educação popular não se trata de um perigo, ou ameaça, mas a educação pública é sim uma condição da vida. Ao se pretender excluir a Geografia como disciplina obrigatória, no ensino médio, é retirar da vida escolar dos estudantes a chance de discutir o espaço de forma crítica.

O trabalho não pretende esgotar o assunto, deixando a proposta de aprofundamento por meio de uma análise de discursos dos pronunciamentos dos ministros, secretários e presidentes que precederam a implementação de mudanças na educação básica e fundamental, realizando-se uma análise combinada ao método comparativo dedutivo das expectativas e assertivas desses agentes, em relação aos impactos causados na sociedade como um todo, medindo os impactos que estejam demonstrados no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e índice de Gini[2], e não apenas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) dos anos seguintes à implantação das reformas.

REFERÊNCIAS

BITTAR, M.; JR FERREIRA, A. Educação E Ideologia Tecnocrática Na Ditadura Militar Cad. Cedes, Campinas, vol. 28, n. 76, p. 333-355, set./dez. 2008

BRASIL República Federativa do. Medida Provisória 746/2016. publicada no diário oficial da União em 22 de Setembro de 2016 . Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Mpv/mpv746.htm

CLARK, J .U.; NELITO, M.; NASCIMENTO, M.; SILVA, R. M. A Administração Escolar No Período Do Governo Militar (1964-1984). Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. especial, p.124–139, ago. 2006 – ISSN: 1676- 2584

DOMINGUES, J. L.; TOSCHI, N .S.; OLIVEIRA, J. F. A reforma do Ensino Médio: A nova formulação curricular e a realidade da escola pública. Educação & Sociedade, ano XXI, nº 70, Abril/00

FOLHAPRESS. Temer defende novo ensino médio e chama críticos de ‘vozes dissonantes’. Disponível em: http://tnonline.uol.com.br/noticias/geral/58,388457,30,09,temer-defende-novo-ensino-medio-echama-criticos-de-vozes-dissonantes.shtml. Acessado em 30/09/2016 21h15min.

FISCHER, R.M.B.; Foucault E A Análise Do Discurso Em Educação. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 197-223, novembro/ 2001.

FREIRE, P. Educação Como Prática de Liberdade. 23ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/livro_freire_educacao_pratica_liberdade.pdf

HOBSBAWM, E. e RANGER, T. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. MARTINS, M. S. C. Avanços E Retrocessos Nas Propostas De Ensino De Língua Portuguesa: Questões De Ideologia E De Poder. Linguagem em (Dis)curso – LemD, v. 8, n. 3, p. 519-539, set./dez. 2008.

LACOSTE, Yves. A Geografia Serve Antes de Mais Nada Para Fazer a Guerra (edição brasileira: A Geografia, Isto Serve, Antes de Mais Nada, Para Fazer a Guerra, São Paulo. 1988.

MENEGHETTI, Francis Kanashiro. O que é um ensaio-teórico?. RAC-Revista de Administração Contemporânea, v. 15, n. 2, 2011.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. Annablume, 2003.

OLIVEIRA, M. M. As Origens da Educação no Brasil Da Hegemonia Católica Às Primeiras Tentativas De Organização Do Ensino: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.12, n.45, p. 945-958, out./dez. 2004.

PATTO, M. H. S. “Escolas cheias, cadeias vazias”1 Nota Sobre As Raízes Ideológicas Do Pensamento Educacional Brasileiro. ESTUDOS AVANÇADOS 21 (61), 2007.

SOUZA, R. F. A militarização da infância: Expressões Do Nacionalismo Na Cultura Brasileira. Cadernos Cedes, ano XX, no 120 52, novembro/2000.

SOUZA, R. F. Anuário do Ensino do Estado de São Paulo, 1920-1921. p. 296-297.

APÊNDICE – REFERÊNCIA DE NOTA DE RODAPÉ

2. O Índice de Gini, criado pelo matemático italiano Conrado Gini, é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Fonte: IPEA. Disponível em: (http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2048:catid=28&Itemid)

[1] Mestre em Gestão Pública e Sociedade – Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG, 2014. Especialista em Planejamento e Gestão de Trânsito 450h- UNICESUMAR, 2014. Especialista em Direito Administrativo- 620h- FAVENI, 2018. Especialista em Gestão de Segurança Pública 720h- FAVENI, 2019. Especialização em Educação em Direitos Humanos 520h – FAVENI, 2020. Graduado em Geografia – Universidade Vale do Rio Verde – UNINCOR, 2006. Professor do módulo presencial da disciplina -Gestão de Processos Educativos Escolares e não Escolares – nos cursos de Graduação e Pós-Graduação do CENTRO EDUCACIONAL RADIANTE – UNIPAC no polo em Eloi Mendes/MG Ano 2017 e Varginha 2018. Cursos de especialização e extensão nas áreas de segurança, trânsito e gestão.

Enviado: Janeiro, 2020.

Aprovado: Maio, 2020.

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Janael da Silva Alves

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