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A persistência da paracoccidioidomicose nas zonas rurais Brasileiras

RC: 89002
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CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

MALHEIRO, Djailson Ricardo [1], COSTA, Moises João Ferreira da [2], COELHO, Isadora Almeida [3], FREITAS, Ana Sabrina Linard Aquino [4], PINHEIRO, Sylvia Emanuelly de Oliveira [5], CORREIA, Livia Bezerra [6]

MALHEIRO, Djailson Ricardo. Et al. A persistência da paracoccidioidomicose nas zonas rurais Brasileiras. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 06, Vol. 11, pp. 74-88. Junho de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: ttps://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/paracoccidioidomicose

RESUMO

Os aspectos epidemiológicos da paracoccidioidomicose (PCM) ainda se apresentam pouco evidentes, acarretando dificuldades na geolocalização do patógeno, caracterizando um impasse para seu eventual combate. No entanto, é observada uma grande incidência de infecção em zonas rurais do Brasil, relacionando o agente etiológico Paracoccidioides brasiliensis à terra. O contato direto com o solo contaminado, apesar de ser passível de ocorrer em áreas urbanas, é frequentemente evidenciado no campo, onde moradores e trabalhadores são diariamente expostos ao manejo do solo, aumentando a incidência da contaminação. Desse modo, objetivou-se evidenciar na literatura, os principais aspectos sociais, clínicos e epidemiológicos relacionados à PCM, além de expor fatores que colaboram para sua persistência nas zonas rurais. Para isso, foram analisados estudos bibliográficos através de uma pesquisa qualitativa, a fim de salientar as diferentes vertentes acerca do tema. Apesar dos avanços ocorridos na tecnologia e na medicina, a PCM continua a apresentar-se como importante Doença Infecciosa e Parasitária (DIP), com taxas preocupantes de mortalidade. Considerada uma doença de notificação compulsória apenas em alguns estados, a PCM é constantemente negligenciada, o que contribui com a falta de informações a seu respeito, reduzindo o desenvolvimento de prevenção e de tratamento. Os estudos evidenciaram estreita relação com alterações socioeconômicas, ambientais e demográficas. Compreende-se, portanto, a necessidade de mais pesquisas e de divulgação da doença para a população, principalmente de áreas endêmicas e rurais. Além disso, é importante que aconteça a capacitação dos recursos humanos, instituição da notificação compulsória, implantação de vigilância epidemiológica e a realização do diagnóstico diferencial em todo território nacional.

Palavras-chaves: Paracoccidioidomicose, Micose Fungoide, Zona Rurais, Trabalhadores Rurais.

1. INTRODUÇÃO

A Paracoccidioidomicose (PCM) pode ser definida como uma micose sistêmica endêmica que atinge principalmente os pulmões, a pele, os linfonodos e a boca. Considerada a micose sistêmica brasileira mais importante, essa parasitose é tradicionalmente relatada no Sul e Sudeste e foi primeiramente identificada com alta incidência nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, permanecendo assim até a atualidade. Mais recentemente, verificou-se aumento da endemicidade na região Norte brasileira, acometendo principalmente trabalhadores e moradores das zonas rurais que entram em contato com o solo contaminado. Entre os países da América Latina, estima-se que o Brasil apresenta taxa de até 3,70 casos por 100 mil habitantes ao ano dessa parasitose, demonstrando a concentração dessa doença no país, dada a alta ocorrência de casos em um só território, posto que a doença está distribuída por diversas regiões do continente americano. (MARTINEZ, 2017; TARANTINO et al., 2002; WANKE et al., 2001; ROSA JÚNIOR et al., 2019).

O perfil da população mais acometida é caracterizado por indivíduos do sexo masculino, em uma proporção de 10-15 homens para uma mulher, com idade entre 30 e 50 anos e está frequentemente associada aos fumantes e etilistas, a um baixo poder aquisitivo e a um difícil acesso aos serviços de saúde, apresentando, consequentemente, um diagnóstico tardio. A PCM, representa, portanto, um importante problema de saúde pública, causando impacto social e econômico, visto que além do que foi explanado, essa patologia apresenta um alto potencial incapacitante e um número importante de mortes prematuras (SHIKANAI-YASUDA et al., 2006; SHIKANAY-YASUDA et al., 2017).

A enorme disparidade entre o número de infectados de acordo com o sexo pode ser derivado de um fator de ordem cultural, em que o trabalho braçal no campo é destinado, majoritariamente, para homens. Em decorrência disso, indivíduos do sexo masculino encontram-se mais expostos à infecção, especialmente quando estão em áreas rurais (BICALHO, 2001)

Sobre o histórico dessa afecção, em abril de 1908, no artigo intitulado por: “Uma mycose pseudococcidica localisada na bocca e observada no Brazil. Contribuição ao conhecimento das hyphoblastomicoses americanas”, Lutz descreveu a paracoccidioidomicose como uma doença que se caracterizava por apresentar lesões graves na mucosa e na gengiva, classificando-a como “micose pseudococcídica” (LUTZ, 1908).

Na primeira metade do século XX, ocorreu uma expansão agrícola no Brasil decorrente do sucesso da cafeicultura para exportação, ocasionando um grande fluxo de imigrantes em busca de trabalhos vinculados à terra, o que acarretou um surto epidêmico na região Sudeste, o qual acredita-se ter sido o primeiro da paracoccidioidomicose no país. Já na segunda metade do século XX, houve uma intensificação nas atividades agrícolas nos estados do Pará e do Maranhão, caracterizando outra área endêmica no país. Isso ocorreu, provavelmente, devido ao fato de ambos os estados fazerem fronteira com a Floresta Amazônica (MARTINEZ, 2015; MATOS, 2012).

Quanto à infecção da PCM, ocorre pela inalação de conídios, esporos produzidos pela forma miceloide dos fungos. Após a inalação, esses esporos podem ser destruídos no parênquima pulmonar ou produzir um foco de infecção. Logo, as leveduras que estão localizadas nos pulmões serão fagocitadas pelos macrófagos, no interior dos quais irão assumir a forma invasiva, com sua disseminação ocorrendo via linfo-hematogênica (MOREIRA, 2008).

A PCM depende da interação direta entre o fungo e o sistema imunológico do hospedeiro, podendo gerar uma cura espontânea ou disseminar-se pelo organismo provocando granulomatose crônica. Apesar do contato inicial com o fungo e a infecção ocorrerem principalmente na infância, as manifestações clínicas, em geral, são vistas em pacientes adultos, em decorrência do seu longo período de incubação. Além dos humanos, animais domésticos e silvestres também podem se contaminar, ainda que seja pouco evidente o desenvolvimento da doença nesses seres (WANKE; AIDE, 2009).

O diagnóstico diferencial da PCM é de suma importância, por ser uma micose sistêmica que pode afetar vários sítios do organismo, inclusive os pulmões, com manifestações sintomáticas, aspectos clínicos, radiológicos e comprometimento pulmonar semelhantes a outras doenças respiratórias como a tuberculose, o que dificulta a efetivação do diagnóstico rapidamente, favorecendo, portanto, a sua evolução (GOMES et al., 2010).

Nos últimos anos, o II Consenso em Paracoccidioidomicose representou um avanço por explanar conceitos, revelar atualizações e orientar de forma geral a assistência, a vigilância epidemiológica, o controle e a prevenção dessa micose. Ao discorrer sobre tal patologia, que é escassa de notificações e, portanto, é considerada “murmurante”, o consenso traz à tona assuntos importantes a serem debatidos, dando visibilidade à micose sistêmica mais recorrente no país. (SHIKANAI-YASUDA, 2017).

Desde 2006, a paracoccidioidomicose já era considerada uma importante questão na saúde pública, visto que traz consequências incapacitantes ao trabalho e atinge majoritariamente um público em idade produtiva. Dessa forma, apresenta-se como fator impactante na economia e na sociedade. A PCM esteve entre as dez causas de morte entre doenças com fator prevalente crônico ou de repetição, dessa forma foi considerada a principal causa de morte dentre as micoses sistêmicas (SHIKANAI-YASUDA et al., 2006).

Diante disso, esse estudo objetiva evidenciar, na literatura, os principais aspectos sociais, clínicos e epidemiológicos relacionados à PCM, além de expor os aspectos que colaboram para sua persistência nas zonas rurais. Considerando que essa micose necessita de um reconhecimento precoce e que o seu estágio avançado poderá acarretar problemas severos, as evidências obtidas por meio desse estudo poderão contribuir para reflexões sobre essa temática junto aos profissionais que trabalham nessa área, para que haja uma maior atenção voltada a essa doença e ao seu efetivo tratamento.

2. METODOLOGIA

Para a produção deste artigo de revisão de literatura, foi realizada uma pesquisa qualitativa e exploratória com ênfase nas zonas rurais do Brasil, entre os anos de 1990 e 2020. Foram analisados artigos científicos, periódicos, boletins epidemiológicos e trabalhos acadêmicos encontrados nas plataformas Google Acadêmico, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Biblioteca Eletrônica Científica Online (Scielo), além de dados de acordo com informações de ordem governamental, como o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas e o Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS).

Um total de 4860 trabalhos foram encontrados na pesquisa pelas palavras-chave paracoccidioidomicose, zonas rurais e micose e grande parte deles versavam a respeito da prevalência da infecção nas áreas agrícolas. De acordo com o tema discorrido nesta dissertação, foram selecionados 36 artigos científicos nas línguas português e inglês para a análise aprofundada, sendo descartados 10 que não se enquadravam no tema voltado às zonas rurais ou que foram publicados em datas anteriores às consideradas, tornando-se, assim, desatualizados. Nesse estudo, utilizou-se a descrição original da Paracoccidioidomicose, apresentada pioneiramente por Adolfo Lutz, em 1908, por se tratar de fonte histórica e ainda se adequar a atualidade científica da patologia.

Somando-se aos artigos científicos, foram adicionadas informações a respeito dos aspectos epidemiológicos da doença oriundas de publicações por institutos governamentais, entre outros o Instituto Nacional de Infectologia, o Instituto Adolfo Lutz e a Fundação Oswaldo Cruz. Dessa forma, foi possível reunir dados bibliográficos no que tange à persistência da paracoccidioidomicose nas zonas rurais brasileiras.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Considerando-se a importância de se analisar o panorama da PCM nas zonas rurais brasileiras, buscou-se evidenciar, por meio da literatura, os principais aspectos dessa doença que atravessa décadas de negligência, visto que é a responsável pelo maior número de internações por micose sistêmica e mesmo assim não está inserida na notificação compulsória em grande parte do país.

Durante determinado estudo, foram considerados registros, entre 1998 e 2006, de aproximadamente 7000 casos de infecção por PCM e mais de 1500 óbitos por essa doença, provenientes do Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS), índice superior à leishmaniose, caracterizando-a com a mais elevada taxa de mortalidade entre as micoses sistêmicas. Os casos masculinos representaram média superior a 80% das internações e de 88% das mortes, das quais, mais de 50% dessas foram de trabalhadores rurais. Nesse contexto, foi possível observar que a PCM possui casos em todo o território brasileiro, sendo uma causa recorrente de morbimortalidade no país. No período de referência, ela foi classificada entre os 10 principais fatores que culminaram no óbito por doenças infecto parasitárias, revelando seu alto grau de letalidade. (COUTINHO, 2011).

Tabela 1- Distribuição de óbitos por Paracoccidioidomicose, segundo Grandes Regiões e Unidades Federadas de residência, Brasil (2000-2006)

ESTADOS 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006  Total
NORTE 18 26 29 23 23 22 13 154
Rondônia 6 17 14 11 12 5 7 72
Acre 0 3 4 3 3 1 1 15
Amazonas 0 0 0 1 0 0 0 1
Roraima 0 0 1 1 1 0 0 3
Pará 9 2 5 6 4 10 2 38
Amapá 0 0 1 0 0 0 0 1
Tocantins 3 4 5 1 3 5 3 24
NORDESTE 4 3 6 5 13 4 5 40
Maranhão 2 1 3 3 5 3 2 19
Piauí 1 0 0 2 1 0 0 4
Ceará 0 0 0 0 0 0 0 0
Rio Grande do Norte 0 0 0 0 0 0 1 1
Paraíba 0 0 2 0 1 0 0 3
Pernambuco 0 0 1 0 1 0 1 3
Alagoas 0 0 0 0 1 0 0 1
Sergipe 0 0 0 0 0 0 0 0
Bahia 1 1 0 0 4 1 1 8
SUDESTE 70 75 67 83 84 73 81 533
Minas Gerais 18 19 18 20 20 22 29 146
Espírito Santo 3 2 8 5 2 2 3 25
Rio de Janeiro 5 5 4 3 10 9 11 47
São Paulo 44 49 37 55 52 40 38 315
SUL 43 41 37 37 40 36 38 272
Paraná 24 22 28 23 23 18 22 220
Santa Catarina 3 7 2 6 4 2 5 29
Rio Grande do Sul 16 12 7 8 13 16 11 83
CENTRO-OESTE 22 25 29 25 25 25 8 159
Mato Grosso do Sul 4 6 3 1 6 4 2 26
Mato Grosso 14 9 15 20 15 13 2 88
Goiás 4 9 9 3 3 7 4 39
Distrito Federal 0 1 2 1 1 1 0 6
TOTAL 157 170 168 173 185 160 145 1.158

Fonte: DATASUS

Após análise da tabela acima, foi observado que os números de óbitos por PCM no país ao longo de 6 anos sofreram pequena variação, o que mostra que apesar dos avanços ocorridos na tecnologia e na medicina essa afecção continua a apresentar-se como importante Doença Infecciosa e Parasitária (DIP), com taxas preocupantes de mortalidade. Isso se deve, entre outros aspectos, ao fato de que, apesar de existirem áreas endêmicas bem definidas, o caráter casual e não repetitivo das observações, aliado às dificuldades de isolamento do agente etiológico, dificulta a exata localização do patógeno no ambiente. Além disso, a falta de surtos epidêmicos, o prolongado período de latência da doença e as frequentes migrações das populações de áreas endêmicas tornam praticamente impossível a identificação do local onde a infecção foi adquirida (MOREIRA et al., 2008).

É importante salientar também a dinamicidade do perfil epidemiológico da doença diante das mudanças socioambientais ocorridas no decorrer do último século. A intensificação do desmatamento e a migração de populações para áreas antes ocupadas por cobertura vegetal são possivelmente responsáveis pela modificação do espaço geográfico do patógeno e pela persistência da PCM, principalmente, em zonas rurais (VIEIRA, 2014).

Considerando o processo migratório populacional incentivado por políticas públicas de ocupação da parte Oeste do país, relacionada ao aumento de atividades de agricultura e pecuária nessas áreas, estudos mostram que houve a redução da incidência de casos nas regiões Sul e Sudeste, enquanto mostraram elevação dos índices no Norte e Centro-Oeste brasileiros. Evidenciou-se, portanto, a transição epidemiológica da PCM no Brasil, ressaltando-se Rondônia, estado do Norte do país, que nas últimas três décadas apresenta taxa até três vezes superior à incidência nacional (MARTINEZ, 2017).

Figura 1- Graus de incidência da Paracoccidioidomicose nos estados do Brasil.

Fonte: MARTINEZ, 2017. Adaptado.

É possível observar a ainda escassa infraestrutura na periferia de algumas cidades, o que pode ser considerado fator de possibilidade da infecção. Ademais, é observada também, a associação preconceituosa dos casos de PCM aos maus hábitos de higiene, o que não pode ser comprovado, visto que não é possível desconsiderar as chances de contágio na prática de atividades em parques, em terrenos baldios e a prática de jardinagem em áreas urbanas de regiões endêmicas (ZAITZ, 2015; COUTINHO, 2011; SHIKANAI-YASUDA, 2017).

Nos estudos realizados, foi possível observar que as pessoas acometidas por essa afecção, em sua grande maioria, exerceram atividades agrícolas nas duas primeiras décadas de vida, tendo contato direto com a área rural, o que pode ser um grande indicativo de que adquiriram a parasitose nessa época, podendo persistir, no organismo, o patógeno latente. É possível observar também que a maioria dos pacientes já havia saído das zonas endêmicas quando procuraram assistência médica, com a doença em estágio avançado, apresentando em sua maioria lesões extrapulmonares, dificultando ainda mais o diagnóstico precoce (ZAITZ, 2017; SHIKANAI-YASUDA, 2017).

Uma análise realizada em Rondônia entre 1997 e 2012 revelou um número de casos de PCM até 3 vezes superior à média nacional, com incidência de 9,4/100.000 pessoas. Na parte sudeste do estado registrou-se incidência próxima de 40 mil casos por 100 mil habitantes, o que sugere esse estado como o detentor da maior quantidade de óbitos da região Norte. Esse índice pode ser justificado pela intensa atividade agrícola, desflorestamento e lavouras de café, além de condições climáticas, como nível de umidade na floresta e temperatura favoráveis. Diante disso, a descoberta da espécie Paracoccidioides lutzii em Rondônia, o surto ocorrido nesse estado, assim como no estado do Pará e região Centro-Oeste evidenciam sua relação com alterações ambientais e demográficas (VIEIRA, 2014).

Durante a construção da Rodovia Raphael de Almeida Magalhães no Rio de Janeiro, grandes áreas foram desmatadas e grandes quantidades de terra foram removidas, espalhando os propágulos fúngicos pelo ar, fazendo com que residentes das localidades os inalassem. Essa situação provocou acréscimo nos casos de PCM aguda/subaguda, a incidência na Baixada Fluminense foi de aproximadamente seis vezes superior ao de anos anteriores. Verificou-se que as residências dos pacientes estavam a 0,1 km-16,6 km das áreas de construção, apontando que processos como urbanização e desmatamento contribuem para propagação da doença (DO VALLE et al., 2017).

FONTE: DATASUS

Após análise do gráfico acima e de exames histopatológicos de 61 casos de PCM, foi possível concluir que essa doença atinge, predominantemente, homens com faixa etária entre 40 e 50 anos, geralmente vinculados à atividade agrícola. Essa proporção pode estar relacionada ao fato de, nas zonas rurais, o trabalho com a terra ser uma atividade geralmente mais praticada pelo gênero masculino. Há também a questão do estrógeno, hormônio produzido pelas mulheres que atua como potenciador da resposta imune-celular, fornecendo para elas uma espécie de proteção natural contra essa parasitose, reduzindo consideravelmente o número de casos entre pessoas do gênero feminino (FRANÇA, 2011).

O rápido aumento da população nas áreas rurais próximas às florestas nos estados do Maranhão, Pará e Tocantins deu origem a áreas de assentamento desmatadas para agricultura e pecuária, justificando o aumento dos casos juvenis. Nessas áreas, foram encontrados casos de algumas crianças com PCM, as quais apresentavam desnutrição proteico-energética e trabalhavam na fazenda e na carvoaria, o que pode intensificar contato direto com o fungo e aumentar as chances de contágio (MATOS, 2012).

Os casos de PCM encontrados nas referidas crianças pode ser um reflexo de uma cultura muito comum nas zonas rurais, que é a do trabalho precoce, em que as crianças ajudam os pais nas fazendas e fábricas, muitas vezes sem nenhum equipamento de proteção e sem tomar os devidos cuidados com a higiene, o que somado à baixa procura por atendimento médico nessas regiões, acaba dificultando o diagnóstico e as notificações de casos, aumentando consideravelmente o número de casos.

É importante destacar também que a maioria dos pacientes procuram unidades básicas de saúde que, geralmente, não apresentam profissionais que saibam comprovar as manifestações clínicas da doença investigada, apresentando falhas na observação dos fungos nas biopsias e materiais coletados, o que gera dúvida na identificação correta da micose. Logo, a capacitação dos recursos humanos e estruturais é de relevância indiscutível para analisar as expressões clínicas da doença, conseguindo um diagnóstico diferencial e rápido para auxiliar no tratamento (QUAGLIATO JÚNIOR, 2007; CABRAL, 2005).

Considerado fator de risco em vários estudos, o tabagismo influencia no desenvolvimento da forma crônica da PCM. Já o alcoolismo é considerado um cofator de risco por causar desnutrição, diminuir a defesa do sistema imunológico do organismo e alterar a função mucociliar, podendo causar lesões pulmonares e nas vias respiratórias. Dessa forma, é de suma importância o aprofundamento nos conhecimentos acerca da incidência e das consequências do tabagismo e do alcoolismo na população, para que aumente as ferramentas de prevenção e tratamento da PCM nesses grupos, facilitando o uso de procedimentos específicos para a terapia das pessoas diagnosticadas (ROSEMBERG,1987; SANTOS, 2003; SHIKANAI-YASUDA, 2017).

A PCM constitui um sério problema de saúde pública no Brasil, pois além de acometer indivíduos em sua fase mais produtiva, também pode ser considerada uma doença profissional, pelo longo tempo de tratamento, frequência de reativações, alto potencial incapacitante e quantidade de mortes prematuras que provoca quando não diagnosticada e tratada, pois além de não integrar a lista de doenças de notificação compulsória, também não é objetivo da vigilância epidemiológica em diversos estados (MILLINGTON, 2018).

Diante disso, por ser uma enfermidade de diagnóstico tardio, torná-la uma doença de notificação compulsória poderá contribuir para uma melhor análise dos fatores envolvidos no processo saúde-doença e assim promover medidas de prevenção e controle mais efetivos sobre esta parasitose.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através dos estudos realizados foi possível compreender a transição epidemiológica do Brasil, inserida no contexto América Latina, divergindo com a de países industrializados, visto que passa por uma transição prolongada. Essa diferença se atribui à permanência das doenças infecciosas e parasitárias em concomitância com as afecções crônico-degenerativas, assim como a conservação das variações na propagação de doenças em diferentes grupos sociais. Nesse viés, é visto que a recorrência de parasitoses está correlacionada com a qualidade de vida e de saúde da população, caracterizando-se como indicador para o desenvolvimento de políticas públicas.

É indiscutível que a PCM ainda apresenta elevada taxa de incidência e de mortalidade no Brasil, mesmo depois de vários anos do descobrimento dessa doença e do aumento da compreensão sobre o patógeno, a infecção, as manifestações clínicas e o diagnóstico. É notória, ainda, a dificuldade do diagnóstico correto, tanto pela carência de equipes treinadas para visualização dos aspectos clínicos específicos da doença quanto pela semelhança de sintomas com outras patologias comuns nas áreas rurais, assim como a deficiência de laboratórios com recursos diagnósticos, o que prolonga a permanência do P. brasiliensis no indivíduo, podendo afetar vários sítios do organismo, levando o paciente a óbito.

Portanto, é possível concluir que a PCM é a principal causa de internação entre as micoses sistêmicas no Brasil, representando um grave impacto à saúde pública. Sendo assim, verifica-se a indispensabilidade de mais pesquisas e de divulgação da doença para a população, principalmente de áreas endêmicas e rurais. Constata-se a necessidade de equipes capacitadas, de unidades de assistência responsáveis, de recursos diagnósticos e de acesso ao tratamento na atenção básica. Além disso, é imprescindível a instituição da notificação compulsória e a realização do diagnóstico diferencial em todo território nacional, para que não mais seja classificada como uma “epidemia murmurante”.

REFERÊNCIAS

BICALHO, R. N. et al. Oral paracoccidioidomycosis: a retrospective study of 62 Brazilian patients. Oral diseases, v. 7, n. 1, p. 56-60, 2001.

CABRAL, Carolina Gama et al. Paracoccidioidomicose pulmonar: manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento. Rev. méd. Minas Gerais, v. 15, n. 1, p. 53-58, 2005.

COUTINHO, Ziadir Francisco et al. Morbimortalidade por paracoccidioidomicose no Brasil: 1998-2006. 2011. Tese de Doutorado.

DO VALLE, Antonio C. Francesconi et al. Paracoccidioidomycosis after highway construction, Rio de Janeiro, Brazil. Emerging infectious diseases, v. 23, n. 11, p. 1917, 2017.

FRANÇA, Diurianne Caroline Campos et al. Análise retrospectiva de 61 casos de paracoccidioidomicose diagnosticados na Faculdade de Odontologia de Araçatuba/UNESP. Revista Odontológica de Araçatuba, p. 9-14, 2011.

GOMES, Elenice; WINGETER, Márcia Arias; SVIDZINSKI, Terezinha Inez Estivalet. Dissociação clínico-radiológica nas manifestações pulmonares da paracoccidioidomicose. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 41, n. 5, p. 454-458, 2008.

LUTZ, Adolfo. Uma mycose pseudococcidica localisada na bocca e observada no Brazil. Contribuição ao conhecimento das hyphoblastomicoses americanas. Brazil-Médico, v.13 p.121-124, 1908.

MARTINEZ, Roberto. Epidemiology of paracoccidioidomycosis. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, v. 57, p. 11-20, 2015.

MARTINEZ, Roberto. New trends in paracoccidioidomycosis epidemiology. Journal of fungi, v. 3, n. 1, p. 1, 2017.

MATOS, Wilma Batista de et al. Paracoccidioidomycosis in the state of Maranhão, Brazil: geographical and clinical aspects. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 45, n. 3, p. 385-389, 2012.

MILLINGTON, Maria Adelaide et al. Paracoccidioidomicose: abordagem histórica e perspectivas de implantação da vigilância e controle. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 27, p. e0500002, 2018.

MOREIRA, Adriana Pardini Vicentini. Paracoccidioidomicose: histórico, etiologia, epidemiologia, patogênese, formas clínicas, diagnóstico laboratorial e antígenos. BEPA. Boletim Epidemiológico Paulista (Online), v. 5, n. 51, p. 11-24, 2008.

MONTES, Giulia Sgarbi. Paracoccidioidomicose em uma mulher: Relato de caso. BWS Journal, v. 2, p. 1-10, 2019.

PARACOCO – Endemia Brasileira. Direção: Eduardo Vilela Thielen. Roteiro: Vilela Thielen. Produtor: Video Saúde. Dvd (24min.): ntsc, Son., color, 2015. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/28955

SANTOS, Werbena Aguiar dos et al. Associação entre tabagismo e paracoccidioidomicose: um estudo de caso-controle no Estado do Espírito Santo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 19, p. 245-253, 2003.

SHIKANAI-YASUDA, Maria Aparecida et al. Consenso em paracoccidioidomicose. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, p. 297-310, 2006.

SHIKANAI-YASUDA, Maria Aparecida et al. II consenso brasileiro em paracoccidioidomicose-2017. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 27, p. e0500001, 2018.

VIEIRA, Gabriel de Deus et al. Paracoccidioidomycosis in a western Brazilian Amazon State: clinical-epidemiologic profile and spatial distribution of the disease. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 47, n. 1, p. 63-68, 2014.

WANKE, Bodo; AIDÊ, Miguel Abidon. Capítulo 6-paracoccidioidomicose. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 35, n. 12, p. 1245-1249, 2009.

ZAITZ, Clarisse. Compêndio de Micologia Médica. Segunda edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.

[1] Mestrado, pós-graduação, graduação.

[2] Graduando.

[3] Graduanda.

[4] Graduanda.

[5] Graduanda.

[6] Graduanda.

Enviado: Novembro, 2021.

Aprovado: Junho, 2021.

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