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O trabalho como promoção de saúde

RC: 47060
215
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/promocao-de-saude

CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

GONÇALVES, Natamy de Almeida [1], SCATOLIN, Henrique Guilherme [2]

GONÇALVES, Natamy de Almeida. SCATOLIN, Henrique Guilherme. O trabalho como promoção de saúde. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 03, Vol. 04, pp. 164-180. Março de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/promocao-de-saude

RESUMO

Atualmente sabe-se sobre a importância da inserção do sujeito no ambiente laboral, já que o trabalho é constitutivo da identidade do indivíduo. Entretanto, durante toda a história da humanidade, pode-se identificar a concepção de trabalho como algo penoso e esta perspectiva se fortalece diante de muitos casos em que os trabalhadores têm que enfrentar condições de trabalho inadequadas. Não obstante, o trabalho pode ser vivido pelo viés do prazer, daí a importância de que o trabalho faça sentido para o trabalhador, para que o sujeito se identifique com o trabalho que realiza. Nessa perspectiva, o trabalho ganha espaço para um novo papel na vida dos trabalhadores. A partir de tais considerações, a presente pesquisa apresenta a seguinte questão disparadora: o trabalho pode promover saúde ao trabalhador? Esta questão será discutida a partir de uma revisão bibliográfica, perpassando pela Psicologia Social, tendo o propósito de suscitar reflexões acerca da saúde dos trabalhadores, considerando seus aspectos biopsicossociais, e as influências do trabalho como possível promotor da mencionada saúde. Por conseguinte, conclui-se que o trabalho é fundamental para a saúde do ser humano em seus diferentes âmbitos: é indispensável para o desenvolvimento e bem-estar físico, psicológico e social do sujeito. Diante disso, é necessário que dirigentes das empresas assumam seu papel social e questionem quais as possíveis estratégias para a promoção de saúde do trabalhador.

Palavras-chave: Trabalho, saúde, contextos organizacionais.

1. INTRODUÇÃO

Atualmente sabe-se sobre a importância da inserção do sujeito no ambiente laboral, já que o trabalho é constitutivo da identidade do indivíduo. Entretanto, durante toda a história da humanidade pode-se identificar a concepção de trabalho como algo penoso até mesmo na etimologia da palavra que, como afirmam Rodrigues, Alvaro e Rondina (2006), vem de “tripalium”, que se refere a um instrumento de tortura com três paus. Ainda hoje se percebe que esta concepção de trabalho atrelada ao sofrimento é sustentada e reafirmada frente a muitos casos de trabalhadores que têm de enfrentar condições inadequadas de trabalho.

Não obstante, o trabalho pode ser vivido pelo viés do prazer, daí a importância de que o trabalho faça sentido para o trabalhador, para que o sujeito se identifique com o trabalho que realiza.

Nesta conjuntura, a ética do trabalho, conexa à primeira Revolução Industrial, e o marxismo enaltecem a alienação causada pelo trabalho e a sua respectiva crítica. Entretanto, tal importância se funda em valores sociais diferentes. Entre essas distinções, a defesa do trabalho como mercadoria deprecia a identificação do trabalhador com o produto e o processo do seu trabalho, isto é, ganhar a vida trabalhando é visto como digno, não importando em quê.

Sendo assim, com relação à dinâmica nas organizações, para que o trabalho não seja um fazer penoso e prejudicial à saúde física e mental do trabalhador, dentre outros aspectos, deve-se considerar que a empresa precisa oferecer aos trabalhadores a possibilidade de efetuar algo que lhes faça sentido, de realizar e desenvolver suas competências e de exercer seu livre-arbítrio e sua criticidade, de conhecer a evolução de seu desempenho e de ser tratado como pessoa, não como um mero objeto (MORIN, 2001).

Morin (2001) aponta que é indispensável que a organização das tarefas e atividades favoreça a eficiência e que os objetivos visados e os resultados almejados sejam claros e tenham significado para as pessoas que o realizam. Além disso, a autora ainda destaca que é o comprometimento com o trabalho que constitui a principal evidência de uma organização eficiente.

Nessa perspectiva, o trabalho na organização ganha espaço para um novo papel na vida dos trabalhadores. O trabalho é um fazer que coloca as pessoas em relação entre si, o que corrobora para o desenvolvimento de suas identidades (MORIN, 2001). Aspectos como dignidade, reconhecimento, status, independência responsabilidade e realização pessoal compõem a identidade vinculada ao trabalho (MORAES, 2009).

Martinez e Paraguay (2003) denotam que o trabalho é uma das principais formas do homem se posicionar como indivíduo único, o que dá ao sujeito sentido à vida e, por isso, é considerado como um dos elementos da felicidade humana, em que a felicidade no trabalho é vista como o resultado do sentimento de prazer, satisfação plena de necessidades psicossociais e do sentido de contribuição na feitura da atividade profissional. As autoras reiteram que a satisfação com aspectos psicossociais do trabalho é considerada como um dos elementos da felicidade no trabalho e tem sido instrumentalizada como um dos pontos representativos de bem-estar do trabalhador.

A partir de tais considerações, a presente pesquisa se propõe a discorrer sobre a seguinte problemática: o trabalho pode promover saúde ao trabalhador?

Conforme a problemática apontada, esse estudo, a partir de uma revisão bibliográfica e perpassando pela Psicologia Social, tem por objetivo suscitar reflexões acerca da saúde dos trabalhadores, considerando seus aspectos biopsicossociais e as influências do trabalho como possível promotor da mencionada saúde.

Considerando que, para a Psicologia Social, as três categorias fundamentais para se estudar o homem são: atividade, consciência e identidade, parece impossível analisar uma sem explorar as outras. Sob esse olhar, percebe-se o quanto a atividade está arraigada no homem de maneira tão significativa. Daí a relevância social da presente pesquisa, visto que o trabalho está presente na vida de todo ser humano de alguma forma, e pensar sobre suas influências na saúde do sujeito é indispensável. Deste modo, este trabalho apresenta também uma relevância científica à medida que existem muitas pesquisas a respeito dos danos que o trabalho pode causar à saúde do trabalhador, mas pouco se pesquisa sobre a possibilidade de encontrar saúde no ato de trabalhar.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Falar de trabalho é muito comum por este se tratar de um fazer que está presente no cotidiano das sociedades, entretanto sua definição não é óbvia.  Morin (2001) mostra que o trabalho pode ser definido de diferentes formas, mas para autores como Brief; Nord (1990), Fryer; Payne (1984), Shepherdson, (1984), o trabalho está, de modo geral, relacionado a atividades que visam algum objetivo, que varia de acordo com o que se espera como resultado final.

Sabe-se, então, que o significado do trabalho pode envolver diversos pontos de vista de acordo com conceitos e vivências de cada sujeito. Além disso, como afirma Morin (2001), ele pode ser associado a trocas de natureza econômica ou não e ser atravessado por vínculos empregatícios ou não. Além disso, a autora denota que o trabalho pode ser agradável ou desagradável, e isso pode ter uma relação positiva ou negativa com a saúde do trabalhador.

Jaques (2007) aponta, a partir dos conceitos de Dejours (1986), que as concepções do processo de trabalho em relação à saúde do trabalhador, derivam tanto das condições de trabalho como do modo em que este é organizado, e podem dizer respeito a condições físicas, psíquicas e biológicas do ambiente laboral, que se refletem sobre o corpo do trabalhador, como também os aspectos relacionados à divisão técnica e social do trabalho (ritmo, controle, hierarquia, entre outros) influi na saúde psíquica, podendo causar sofrimento, doenças físicas e mentais.

Existem muitos estudos sobre o adoecimento no trabalho, e é comum que as pessoas tenham uma perspectiva negativa a respeito do assunto e, para Jaques (2007), deve-se levar em conta a história de vida de cada trabalhador, como também suas vivências coletivas, para que se possa compreender determinadas condutas e os sofrimentos vividos, que se manifestam na forma de pensar e de agir do sujeito.

Em contrapartida, Clot (2006) aponta que o trabalho é indispensável para o desenvolvimento do homem diante da sociedade, já que “(…) o trabalho é ação e possui uma função psicológica precisamente porque põe o sujeito à prova de suas obrigações práticas e vitais com relação aos outros e com relação ao mundo” (CLOT, 2006, p.201). Deste modo, entende-se que embora haja adoecimento em muitas das relações homem-trabalho, há também a possibilidade de o próprio trabalho ser um agente de fortalecimento da saúde do sujeito, visto que o trabalho somente “renuncia sua função psicológica quando suas regras são “perdidas” ou confundidas com simples regulamentações” (CLOT, 2006, p.201).

Sendo assim, é necessário que o trabalho esteja configurado de forma a favorecer o seu sentido ao trabalhador que o executa. É preciso que o trabalhador entenda sobre o processo do próprio trabalho à medida que, como defende Dejours (2004), a experiência do contato do corpo com a matéria e com os instrumentos técnicos se permite conhecer ao sujeito por meio de sua resistência à dominação. O autor acrescenta que “trabalhar é, também, fazer a experiência da resistência do mundo social; e, mais precisamente, das relações sociais, no que se refere ao desenvolvimento da inteligência e da subjetividade” (ibidem, 2004).

Sendo assim, o real do trabalho não se trata apenas do sentido material, técnico e objetivo, mas também envolve o mundo social (DEJOURS, 2004). Ainda, pela relação social o trabalho atinge a identidade do sujeito de forma que o trabalho torna-se tão enraizado na identidade quanto o próprio nome da pessoa. Assim, como apresenta Ciampa (1987), “a identidade, que inicialmente assume a forma de um nome próprio, vai adotando outras formas de predicações, como papéis, especialmente” (p. 134).

Sendo assim, o trabalho perpassa a vida corporal, psicológica e social do sujeito, podendo levar a um processo de adoecimento ou, pelo contrário, estabelecer uma potencialidade na saúde e bem-estar do trabalhador.

3. METODOLOGIA

A presente pesquisa é uma revisão bibliográfica de caráter qualitativo que, como aponta Minayo (2001) ocupa-se em trabalhar com o universo de significados, crenças, valores, motivos, aspirações e atitudes, pensando nas complexidades das relações, processos e fenômenos que são muito mais amplos que uma operacionalização de variáveis. Nesta pesquisa busca-se, conhecer os valores, motivos, e atitudes dos trabalhadores mediante aos possíveis reflexos positivos do trabalho à saúde de tais pessoas. Inicialmente aplicada em estudos de Antropologia e Sociologia, agora a pesquisa de caráter qualitativo tem-se expandido para a realização de estudos em outras áreas, como a Psicologia, por exemplo, apesar de ser criticada por seu empirismo, sua subjetividade e pelo envolvimento do pesquisador, emocionalmente.

Silveira e Córdova (2009, p.32) descrevem fatores importantes sobre a pesquisa qualitativa:

As características da pesquisa qualitativa são: objetivação do fenômeno; hierarquização das ações de descrever, compreender, explicar, precisão das relações entre o global e o local em determinado fenômeno; observância das diferenças entre o mundo social e o mundo natural; respeito ao caráter interativo entre os objetivos buscados pelos investigadores, suas orientações teóricas e seus dados empíricos; busca de resultados os mais fidedignos possíveis; oposição ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências.

Assim, a pesquisa qualitativa surgiu como caminho de aprofundamento sobre os aspectos do fenômeno estudado, neste caso, a relação trabalho-saúde, indo em direção oposta ao modelo positivista e a ideia de um único modelo válido de pesquisa científica.

Destarte, o presente trabalho fez uma pesquisa acerca da complexidade que perpassa pelas influências do trabalho para a saúde biopsicossocial do trabalhador. Para isto, primeiramente foi elaborado um projeto de pesquisa[3]. A partir de então, foram selecionados 10 (dez) livros e, utilizando as palavras “trabalho”, “saúde” e “contextos organizacionais” no site de busca “Google”, apareceram 90 (noventa) artigos relacionados à temática, e entre eles foram selecionados 8 (oito) estudos. Partindo dos materiais seletos, foi construída a Fundamentação Teórica; posteriormente foi feita a Discussão considerando os aspectos anteriormente apresentados neste trabalho, finalizando então com a Conclusão.

Trata-se de uma pesquisa básica que, como denotam Silveira e Córdova (2009), tem como objetivo produzir conhecimentos novos, que corroborem para o avanço da Ciência, de maneira a não se utilizar de aplicação prática. Além disso, esta é uma pesquisa bibliográfica, em que em que se faz o levantamento de referências teóricas previamente analisadas e publicadas como livros, artigos científicos, dentre outros materiais escritos ou eletrônicos. Todo trabalho científico se utiliza inicialmente uma pesquisa bibliográfica, entretanto, há pesquisas científicas que, como esta, baseiam-se unicamente na pesquisa bibliográfica se utilizando de referências teóricas para colher informações sobre o problema para o qual busca uma resposta (FONSECA, 2002).

4. RESULTADOS

Como apresentado na fundamentação teórica deste artigo, o trabalho ultrapassa a dimensão objetiva e é atravessado pelo trabalhador que o executa e o desenvolve. Assim, é necessário que os trabalhadores sejam escutados para a compreensão da atividade, do sofrimento ou do prazer neste contexto (CLOT, 2006).

Nesse sentido, como já afirmado nesta pesquisa, o trabalho possui uma representatividade individual, entretanto, há um olhar social para o trabalho de acordo com o momento histórico da sociedade. Como já apontado, Borges e Yamamoto (2014), mostram que a primeira Revolução Industrial e o Marxismo apresentaram valores sociais diferentes: por exemplo, a concepção do trabalho como mercadoria faz com que a identificação do trabalhador perca o valor com o processo de trabalho, em outras palavras, é digno trabalhar independentemente em que atividade; o ponto de vista do incentivo à superação da alienação no trabalho permite a percepção do trabalho como uma categoria que corrobora para a construção da identidade da pessoa. Sendo assim, “o trabalho é, ao mesmo tempo, estruturante para a sociedade e para o indivíduo” (BORGES; YAMAMOTO, 2014, p. 34).

Ciampa (1987) discute sobre a representatividade pessoal e social do trabalho, explicando que o sujeito passa a ser conhecido pela sua profissão até mesmo quando não a exerce mais. Por exemplo: Severino trabalhou como lavrador, mas já não desempenha esta atividade; então, Severino é lavrador, mas não lavra mais. Assim, o “(…) Severino-lavrador subsiste independentemente da atividade que a engendrou; torna-se algo com poder sobre o indivíduo, mantendo e reproduzindo sua identidade, mesmo que ele esteja envolvido em outra atividade” (CIAMPA, 1987, p. 139).

Como bem conceitua Jacques (1996), alguns locais de trabalho e categorias profissionais por suas próprias características associadas ao prestígio ou desfavor social, proporcionam aspectos de qualificação boa ou ruim do eu. A autora acrescenta ainda que “em alguns casos, a qualificação é de tal forma representativa desse eu, que o prefixo ex é evocado para dar conta da identidade em determinadas circunstâncias como aposentadoria, por exemplo” (1996, p. 25).

Percebe-se, então, a possibilidade de as pessoas se identificarem e/ou serem identificadas pelo que fazem, e isso oferta ao sujeito um determinado sentimento de pertencimento na sociedade. Quando uma pessoa se apresenta pela sua profissão, tem-se acesso a informações sobre ela, se podendo ter uma noção, ainda que superficial, do seu cotidiano e suas relações na sociedade. “A articulação entre identidade e trabalho vem de uma tradição que confere ao papel social expressividade na constituição da identidade” (JACQUES, 1996, p. 22).

Jacques (1996) explicita o pressuposto de que o exercício das atividades se nominalizam e se fazem presentes, tornando-se qualificações para o trabalhador e em virtudes que definem o eu (lavro, sou lavrador). O valor social apresenta-se no ingresso ao mundo do trabalho, reproduzindo a ideia coletiva de moral ao ser trabalhador. Isto permite a obtenção de qualificações como disciplina, seriedade, entre outros posicionamentos esperados no mundo do trabalho, que são envolvidos à identidade do trabalhador e incorporados ao eu.

Contudo, assim como o trabalho oferece um valor social ao sujeito, ele também é necessário para a construção da civilização, e neste processo, o trabalho permite a estruturação da organização psíquica que ocorre pela troca do princípio do prazer pelo princípio da realidade, como explica Drago (1992), considerando as teorias freudianas.

Drago (1992, p. 60) reitera que “a cultura coage o ser humano, mas é a condição do seu progresso”, e afirma ainda que “se o homem tivesse liberdade de perseguir seus objetivos naturais, seus instintos básicos seriam incompatíveis com toda associação e preservação duradouras” (ibidem, 1992, p. 60).  Sendo assim, ao se abdicar de suas pulsões é possível que o sujeito se organize e conviva em civilização, se adequando essas condições e privações, bem como corroborando para o progresso da sociedade.

Desta forma, pode-se observar o papel que o trabalho e as organizações possuem na perspectiva da construção coletiva da cultura e também na estruturação psíquica do sujeito, e ainda ocupa um lugar insubstituível na construção da identidade e da saúde, pois:

O trabalho é o lugar em que se desenrola para o sujeito a experiência dolorosa e decisiva do real, entendido como aquilo que – na organização do trabalho e na tarefa – resiste à sua capacidade, às suas competências, ao seu controle (CLOT, 2006, p. 59).

Além de o trabalho já pressupor certa renúncia do princípio do prazer, como já discutido, há ainda muitas situações em que o homem tivera de enfrentar más condições de trabalho. Mesmo com as lutas e conquistas dos Sindicatos, Movimentos Sociais Reivindicatórios, Medicina do Trabalho e outras entidades que lutara por remunerações mais justas aos trabalhadores, segurança contra acidentes, fim da opressão e exploração, jornadas de trabalho adequadas, direito à aposentadoria e férias remuneradas, condições adequadas de higiene e saúde do trabalhador, ainda há muitas situações em que trabalhadores se submetem a condições precárias de trabalho para manter sua subsistência e de sua família (TRACTENBERG, 1999)

Todavia, não apenas os trabalhadores com vínculo empregatício enfrentam tribulações no trabalho, mas também outros profissionais como autônomos, gestores, comerciantes, entre outros, de acordo com as circunstâncias e exigências da sua profissão. Para Dejours (1996, p. 137), “o sofrimento é inevitável e ubíquo. Ele tem raízes na história singular de todo sujeito, sem exceção. Ele repercute no teatro do trabalho ao entrar numa relação, cuja complexidade já vimos, com a organização do trabalho”.

Entretanto, com o apoio de e informações e planejamentos, é possível corroborar para que o trabalho tenha um papel favorável na vida do trabalhador.

5. DISCUSSÃO

Diante dos enfrentamentos, desajustes e desafios postos às pessoas frente a sua relação com o trabalho, a problemática deste artigo pode ser vista como um tanto provocativa quando questiona: o trabalho pode promover saúde ao trabalhador?

Como já exposto nesta pesquisa, a o trabalho possui historicamente um lugar social comumente atravessado por concepções negativas, e até mesmo o próprio nome “trabalho” pressupõe sofrimento, já que a etimologia do termo é oriunda de “tripalium”, um instrumento de tortura de três paus (RODRIGUES; ALVARO; RONDINA, 2006).

Entretanto, como apresentado nesta pesquisa, o trabalho pode não apenas não ser prejudicial ao ser humano, como também desempenhar papéis importantes para a saúde e desenvolvimento do sujeito que o executa. Para se entender, então, os mecanismos que envolvem bem-estar ou sofrimento do homem no trabalho é preciso levar em consideração todas as circunstâncias que envolvem este processo. Dejours (1994) apresenta três fatos sobre a relação homem-trabalho:

      • O organismo do trabalhador não é um “motor humano”, na medida em que é permanentemente objeto de excitações, não somente exógenas, mas também endógenas.
      • O trabalhador não chega a seu local de trabalho como uma máquina nova. Ele possui uma história pessoal que se concretiza por uma certa qualidade de suas aspirações, de seus desejos, de suas motivações, de suas necessidades psicológicas, que integram sua história passada. Isso confere a cada indivíduo características únicas e pessoais.
      • O trabalhador, enfim, em razão de sua história, dispõe de vias de descarga preferenciais que não são as mesmas para todos e que participam na formação daquilo que denominamos estrutura da personalidade (ibidem, 24).

Estes três apontamentos direcionam ao seguinte questionamento: a tarefa que o trabalhador realiza oferece uma canalização adequada a sua energia psíquica? Esta questão resume a problemática da relação entre o trabalho e o aparelho psíquico. Esta condição se difere do que ocorre em relação à carga física: nesse âmbito o perigo é a aplicação excessiva de aptidões fisiológicas. Quando se trata de carga psíquica, o principal perigo é o de um subemprego de aptidões psíquicas, psicomotoras ou fantasmáticas, que gera uma retenção de energia pulsional constituindo a carga psíquica do trabalho (DEJOURS, 1994).

Nessa perspectiva, o trabalho acaba oferecendo perigo ao aparelho psíquico quando ele se opõe à sua atividade livre. Entretanto, com relação à carga psíquica, o bem-estar não advém apenas da ausência de funcionamento, mas de um livre funcionamento que perpassa o conteúdo da tarefa dialeticamente. Por conseguinte, como defende Dejours (1994, p.24), “em termos econômicos, o prazer do trabalhador resulta da descarga de energia psíquica que a tarefa autoriza, o que corresponde a uma diminuição da carga psíquica do trabalho”.

Souza e Athayde (2006) reafirmam o pressuposto de se considerar vários fatores quando se pensa na saúde do trabalhador, quando contam que Le Guilhant (1984) buscava estabelecer uma relação entre as vivências psicopatológicas, as situações de existência e as vivências do doente. Assim, ele desejava estabelecer nexos causais que vinculassem fatos realmente vividos em um certo ambiente a uma situação real de adoecimento. Desta forma poderia realizar a “nova clínica”, que considerasse situações concretas de vida e trabalho.

Desta forma, entende-se que em se tratando da saúde do trabalhador, sua vida biológica, psicológica e social deve ser levada em conta, já que esses fatores são interligados na vida humana, sendo que um pode influenciar ao outro negativa ou positivamente. Dejours (1994) explica que o trabalho pode ser fatigante ou equilibrante: se um trabalho oferece diminuição da carga psíquica, ele é denominado equilibrante; já se o trabalho se opõe a esta diminuição, ele é fatigante.

Portanto, o trabalho pode favorecer a saúde do trabalhador se ele for livremente organizado oferecendo vias de descarga mais apropriadas para as necessidades; assim, o trabalho torna-se um meio de relaxamento, às vezes de tal maneira que quando a tarefa termina, o trabalhador sente-se melhor do que antes de tê-la executado. “Esse é o caso do trabalho que reverte em proveito da homeostasia. Estamos aqui dentro do enfoque do trabalho equilibrante” (Dejours, 1994, p.25).

Sendo assim, como já se sabe o trabalho, de acordo com seu contexto, pode ser prejudicial à saúde, entretanto, ele também pode promover saúde ao trabalhador de acordo com a história do sujeito, da organização do trabalho, do sentido que ele atribui a este fazer, entre outros aspectos que possui direta ou indiretamente influências na vida laboral do trabalhador. Para Dejours (1992), a principal ideia é que o sujeito está sempre na busca pela melhor forma de trabalhar por meio de reconhecimento e da realização de si mesmo, e isso pode transformar o sofrimento em prazer.

6. CONCLUSÃO

Este estudo teve por objetivo discutir sobre as possibilidades do trabalho promover saúde ao trabalhador, indo de encontro a uma perspectiva negativa sobre o tema que fora construída historicamente de acordo com as diversas situações inadequadas deste fazer, às quais muitos trabalhadores se submeteram para sua subsistência, sendo esta uma realidade ainda nos dias atuais.

Contudo, considerando o conceito da Organização Mundial da Saúde que preconiza que “a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças ou enfermidades[4]”, viu-se que o trabalho é fundamental para a saúde do ser humano, em seus diferentes âmbitos: é indispensável para o desenvolvimento e bem-estar físico, psicológico e social.

Não obstante, as influências do trabalho à saúde do trabalhador derivam não apenas das organizações do trabalho, como mostrado por Jaques (2007), mas também as dizem respeito às condições físicas, psíquicas e biológicas do ambiente laboral, refletindo sobre o corpo do trabalhador, como também as divisões técnicas e sociais do trabalho que influem também na saúde psíquica do sujeito. A autora reitera que deve-se levar em conta a história de vida de cada trabalhador, bem como suas vivências coletivas que se manifestam na forma de pensar e de agir do sujeito, e influenciam em sua relação com o trabalho.

Por conseguinte, como Borges e Argolo (2007) apontam, o significado do trabalho e a motivação são importantes para a o bem-estar psíquico dos indivíduos, mas é importante que não se espere que o trabalhador busque individualmente estratégias para a promoção do próprio bem-estar como lazer, práticas esportivas, entre outras ações, como medidas paliativas para a prevenção de problemas socio psíquicos, esperando que os trabalhadores busquem até mesmo por tratamentos via medicamentos visando solucionar o que é de ordem social. Então, se tratando do trabalho nas organizações, conforme Borges e Argolo ( 2007), necessita-se de dirigentes com sensibilidade e visão antecipatória para indagar-se sobre estratégias eficazes na promoção da saúde mental do trabalhador.

7. REFERÊNCIAS

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TRACTENBERG, Leonel. A complexidade nas organizações: futuros desafios para o psicólogo frente à reestruturação competitiva. Psicologia: ciência e profissão, Brasília, v.19, n.1, p.14-29, 1999 Disponível em:<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98931999000100003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 30 ago. 2018.

APÊNDICE – REFERÊNCIAS DE NOTA DE RODAPÉ

3. Este trabalho foi submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa e Mérito Científico da Fundação Hermínio Ometto – Uniararas e recebeu a aprovação sob o número 734/2018.

4. OMS. Organização mundial da saúde. Disponível em:<|http://www.who.int/about/es/>. Acesso em: 01 set. de 2018.

[1] Graduada em Psicologia pela Fundação Hermínio Ometto – UNIARARAS, pós-graduada em Psicologia Organizacional e do Trabalho pela mesma instituição e pós-graduanda em Neuropsicologia pela Faculdade de Tecnologia, Ciências e Educação – FATECE.

[2] Doutor em Psicologia Clínica pela PUC-SP, mestre em Psicologia Clínica, graduação em Psicologia pela Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba).

Enviado: Setembro, 2019.

Aprovado: Março, 2020.

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Henrique Guilherme Scatolin

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