ARTIGO ORIGINAL
VEZZANI, Renata de Macedo [1], MACIEL, Maria Delourdes [2]
VEZZANI, Renata de Macedo. MACIEL, Maria Delourdes. Questões sociocientíficas em livros didáticos: indicadores do enfoque ciência, tecnologia e sociedade. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 08, Vol. 05, pp. 98-116. Agosto de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/questoes-sociocientificas, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/questoes-sociocientificas
RESUMO
Considerando a importância de abordar a tríade Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) durante o Ensino de Ciências, como forma de fomentar a formação cidadã, é preciso identificar se este enfoque é encontrado nos materiais utilizados pelos professores. Uma das dimensões do enfoque CTS são as Questões Sociocientíficas (QSC), que tratam de temas controversos como saúde e meio ambiente. Dada a relevância do livro didático como instrumento de apoio ao trabalho do professor, para o desenvolvimento deste trabalho, partimos das seguintes questões norteadoras: os livros didáticos de Ciências dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), utilizados no município de Guarulhos – SP, contemplam a dimensão QSC, como indicador do enfoque CTS? Caso afirmativo, quais estratégias pedagógicas são sugeridas para a abordagem de temas controversos? O objetivo foi verificar a presença de indicadores do enfoque CTS, considerando as tratativas de questões sociocientíficas no decorrer das unidades e verificar quais estratégias pedagógicas são sugeridas para tal. Metodologicamente, o trabalho consistiu-se em uma pesquisa qualitativa do tipo documental onde foram analisados cinco volumes da coleção AR: Aprender e Relacionar: Projetos Integradores. Os resultados apontam diversas possibilidades para o trabalho de temas controversos, referentes às temáticas Saúde e Meio Ambiente, no enfoque CTS, onde podemos concluir que cabe ao docente mediar e contextualizar os temas com o cotidiano de seus alunos, potencializando uma educação científica e tecnológica, sob o viés dos impactos sociais.
Palavras-chave: Ensino de Ciência, Enfoque Ciência, Tecnologia e Sociedade, Questões Sociocientíficas, Livro Didático.
1. INTRODUÇÃO
Sendo o Livro Didático (LD) o principal material de suporte docente durante sua prática pedagógica, podemos dizer que este é um recurso bastante presente nas instituições educacionais e é utilizado para direcionar o trabalho com conteúdos e estratégias de ensino (LAJOLO, 1996), operando como uma ferramenta importante para o educador. Desta forma, sua escolha deve considerar a proposta pedagógica da unidade escolar e/ou da rede de ensino à qual a escola pertence.
Trata-se de uma solução amplamente utilizada no cotidiano escolar brasileiro. Tanto é assim que se convencionou por regulamentar o tema, no que tange ao arcabouço legal que rege a política educacional pública no Brasil, por meio do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD). A gênese do programa está na provisão legal da efetivação do dever do Estado com a educação escolar básica através da garantia de atendimento ao educando por meio de programas suplementares que abrangem toda a vida escolar, aí incluído o material didático-escolar, constante do Artigo 4º, inciso VIII, da Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Atualmente, o programa é executado nos termos regulamentados pelo Decreto Federal nº 9.099, de 18 de julho de 2017, que objetivou, entre outros pontos, a unificação da normatização, até então vigente, da aquisição e distribuição de livros didáticos e literários pelas unidades escolares, e a previsão da utilização de outros materiais de apoio à prática educativa. O citado decreto, em seu Artigo 1º, prevê:
Art 1º O Programa Nacional do Livro e do Material Didático – PNLD, executado no âmbito do Ministério da Educação destinado a avaliar e a disponibilizar obras didáticas, pedagógicas e literárias, entre outros materiais de apoio à prática educativa, de forma sistemática, regular e gratuita, às escolas públicas de educação básica das redes federal, estaduais, municipais e distrital e às instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos e conveniadas com o Poder Público (BRASIL, 2017, s/p.).
Os livros atualmente utilizados no âmbito do PNLD foram escolhidos através da realização de edital de convocação de obras, avaliadas e aprovadas para utilização durante o período de 2019 a 2022. Para este estudo, foram considerados e analisados os livros didáticos de Ciências dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), utilizados no município de Guarulhos – SP.
Intencionando instrumentalizar o educador atuante nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, geralmente polivalente, na escolha de livros didáticos que contemplem o componente curricular Ciências da Natureza, objetivamos verificar a relação do material escolhido com o enfoque Ciências, Tecnologia e Sociedade (CTS) e verificar a ocorrência da dimensão Questões Sociocientíficas (QSC) no decorrer das unidades didáticas que, no material em questão, apresentam-se como projetos.
Assim, têm-se como questões norteadoras desta pesquisa: os livros didáticos de Ciências dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), utilizados no município de Guarulhos – SP, contemplam a dimensão Questões Sociocientíficas (QSC), como indicador do enfoque Ciência, Tecnologia e Sociedade? Caso afirmativo, quais estratégias pedagógicas são sugeridas para a abordagem de temas controversos?
Objetivou-se, também, realizar um levantamento das estratégias pedagógicas propostas para trabalhar temas controversos de Meio Ambiente e Saúde, em uma das coleções adotadas pela Rede Municipal de Educação do Município de Guarulhos – SP, observando a presença/ausência do conteúdo Meio Ambiente e Saúde.
2. ENSINO DE CIÊNCIAS E O ENFOQUE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE (CTS)
O ensino de Ciências contemporâneo demanda que os temas científicos sejam focados e trabalhados de uma forma diferente do que é proposto pelo currículo tradicional. A educação bancária, termo cunhado por Freire (1987), onde os conteúdos eram depositados no aluno, buscando enriquecê-lo de conhecimento que seria, posteriormente, sacado em avaliações onde o saber é mensurado de acordo com a capacidade de memorização, não se aplica ao contexto atual. Segundo este mesmo autor, “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987, p. 68).
O movimento por um ensino de Ciência mais crítico e contextualizado, onde aspectos científicos, avanços tecnológicos e seus impactos sociais sejam debatidos de forma indissociável, data de meados do século XX. A corrida espacial, as guerras (Primeira e Segunda Guerras Mundiais, Guerra do Vietnã e Guerra Fria) e a crescente degradação ambiental levaram ao surgimento do movimento CTS, uma vez que a interface entre Ciência, Tecnologia e Sociedade ganhou visibilidade política (AULER; BAZZO, 2001)
A partir deste movimento, surgiu um enfoque didático-metodológico para trabalhar as questões supracitadas, buscando a formação cidadã e crítica.
O Enfoque CTS abarca desde a ideia de contemplar interações entre ciência, tecnologia e sociedade apenas como fator de motivação no ensino de ciências, até aquelas que postulam, como fator essencial desse enfoque, a compreensão dessas interações (AULER; BAZZO, 2001, p. 2).
Segundo Silva e Maciel (2016, p. 1684), “uma nova perspectiva de abordagem de questões científicas e tecnológicas vem sendo construída e debatida desde a década de 1970, através do movimento CTS”.
Estas questões e seu contexto social, quando polêmicos ou controversos, são denominadas questões sociocientíficas, que objetivam a formação cidadã (AIKENHEAD, 2006), como veremos a seguir.
2.1 QUESTÕES SOCIOCIENTÍFICAS (QSC): MEIO AMBIENTE E SAÚDE
Segundo Santos e Mortimer (2009), questões referentes à ciência e à tecnologia, que inferem consideráveis impactos sociais, são tratadas como questões sociocientíficas.
A análise da realidade contemporânea, considerando a relação ciência-tecnologia-sociedade, traz à tona temas controversos, emergentes do cotidiano, que precisam ser discutidos de forma crítica.
No espaço escolar, a utilização de temas controversos nas aulas de Ciências eleva a educação a um patamar que extrapola a transmissão de conceitos científicos, leis, fórmulas e afins; a reflexão sobre o papel da ciência e da tecnologia na sociedade assume papel importante no processo formativo (MARTÍNEZ-PÉREZ, 2012). Para este autor, a formação escolar, por meio do trabalho pedagógico envolvendo QSC, evidencia o papel social da Ciência, indo muito além do conhecimento de diversas temáticas ligadas ao ensino de Ciências. Sua inclusão no processo de ensino-aprendizagem estimula a mobilização de valores éticos e morais, promovendo atitudes que contribuem para uma sociedade democrática, através do exercício da cidadania.
Segundo Penha e Maciel (2020, p. 74), “as questões sociocientíficas (QSC) envolvem controvérsias públicas que são permanentemente discutidas na mídia; também abrangem aspectos éticos e morais, assim como análises de riscos e impactos globais”. Destaca-se o fato de que nem sempre a mídia apresenta as variáveis nuances de um tema, podendo gerar opiniões com base em informações parciais, sem o devido embasamento científico.
Dentre os diversos temas controversos passíveis de serem analisados sob a ótica das QSC, temos:
Energias alternativas, aquecimento global, poluição, transgenia, armas nucleares e biológicas, produtos de beleza, clonagem, experimentação em animais, desenvolvimento de vacinas e medicamentos, uso de produtos químicos, efeitos adversos da utilização de telecomunicações, manipulação do genoma e seres vivos, manipulação de células-tronco, fertilização in vitro, entre outros (MARTÍNEZ-PÉREZ, 2012, p. 60).
De modo geral, podemos dizer que as questões sociocientíficas são divididas em duas grandes categorias: meio ambiente e saúde. É nesta constatação que nos fundamentamos para verificar a existência de indicadores do enfoque CTS e de QSC no material didático analisado.
3. METODOLOGIA DE PESQUISA
Esta investigação científica é, a princípio, classificada como qualitativa, uma vez que se baseia na subjetividade, ou seja, “visa à captação do significado subjetivo das questões” (FLICK, 2013, p. 23) e, ao invés de dados numéricos, a preocupação está no contexto e na compreensão do objeto de estudo.
Como neste trabalho foram examinados documentos, podemos dizer que também pode ser classificado como análise documental, considerando ser “um procedimento que se utiliza de métodos e técnicas para a apreensão, compreensão e análise de documentos dos mais variados tipos” (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009, p. 5).
Este tipo de pesquisa, além da escolha dos documentos e de sua disponibilização, demanda a necessidade de realizar uma análise do conteúdo destes materiais. Esse tipo de apreciação dos documentos remete à adoção da seguinte cronologia:
a) Pré-análise: nesta etapa é sugerida a realização de uma leitura flutuante como forma de conduzir para a organização das ideias, a escolha dos documentos a serem analisados, a formulação de hipóteses e o levantamento de indicadores, ou seja, a identificação de recortes passíveis de categorização. É neste momento que o corpus da pesquisa é delimitado.
b) Exploração do material: refere-se à fase de análise propriamente dita, onde os dados selecionados na etapa anterior são codificados, decompostos e enumerados, buscando aplicar a categorização previamente definida.
c) Tratamento dos resultados, inferência e interpretação: é o momento em que o pesquisador sintetiza, válida, infere e interpreta, à luz do referencial teórico, os resultados de suas análises e, assim, converte os dados em conclusões (BARDIN, 2011).
Buscando elucidar a diferença entre os dois tipos de análise que foram realizados ao longo desta pesquisa, se faz necessário entender o objetivo de cada uma delas. Assim, temos que:
O objetivo da análise documental é a representação condensada da informação, para consulta e armazenagem; o da análise de conteúdo, é a manipulação da mensagem (conteúdo e expressão desse conteúdo), para evidenciar os indicadores que permitam inferir sobre uma outra realidade que não a da mensagem (BARDIN, 2011, p. 52).
Nesta pesquisa, buscamos analisar cinco volumes da coleção AR: Aprender e Relacionar: Projetos Integradores, que incluem o componente curricular Ciências, dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (Quadro 1), adotado pelos docentes da Rede Municipal de Educação de Guarulhos – SP, por meio do PNLD 2019-2022. Ressalta-se que os materiais não são exclusivos da disciplina de Ciências, uma vez que sua proposta é a interdisciplinaridade e acaba por versar, também, sobre os componentes curriculares Língua Portuguesa e Matemática.
Quadro 1 – Corpus de análise da pesquisa em livros didáticos de Ciências – Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Livros Didáticos | Código do Livro | Referência |
LD1A | 0049P19500001IM | BACICH, Lilian. AR: Aprender e Relacionar: Projetos Integradores: Ensino Fundamental: Anos Iniciais: 1º ano: Manual do Professor. 1 ed. São Paulo: Moderna, 2017. |
LD2A | 0049P19500002IM | BACICH, Lilian. AR: Aprender e Relacionar: Projetos Integradores: Ensino Fundamental: Anos Iniciais: 2º ano: Manual do Professor. 1 ed. São Paulo: Moderna, 2017. |
LD3A | 0049P19500003IM | BACICH, Lilian. AR: Aprender e Relacionar: Projetos Integradores: Ensino Fundamental: Anos Iniciais: 3º ano: Manual do Professor. 1 ed. São Paulo: Moderna, 2017. |
LD4A | 0049P19500004IM | BACICH, Lilian. AR: Aprender e Relacionar: Projetos Integradores: Ensino Fundamental: Anos Iniciais: 4º ano: Manual do Professor. 1 ed. São Paulo: Moderna, 2017. |
LD5A | 0049P19500005IM | BACICH, Lilian. AR: Aprender e Relacionar: Projetos Integradores: Ensino Fundamental: Anos Iniciais: 5º ano: Manual do Professor. 1 ed. São Paulo: Moderna, 2017. |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.
Objetivou-se apontar se os livros da coleção apresentavam questões sociocientíficas referentes às temáticas Meio Ambiente e Saúde, nos volumes correspondentes aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, que compreendem do 1º ao 5º ano.
Com este propósito, considerou-se a frequência em que as temáticas em questão aparecem nos livros, por meio da leitura e análise dos capítulos e atividades. A Tabela 1 aponta as categorias de análise CTS, referentes à categoria QSC, adaptado de Penha (2020).
Tabela 1 – Matriz de análise CTS – QSC.
Codificação e Aderência Teórica |
Dimensões CTS | Categorias | F(i) | % |
QSC 1 AIKENHEAD (1994) |
Questões Sociocientíficas | Currículo orientado para a saúde: favorece o desenvolvimento de conhecimentos científicos para a compreensão como cidadãos e não como cientistas em relação à temática saúde. | ||
QSC 2 SANTOS; MORTIMER (2009) |
Questões Sociocientíficas | Temas sociais – Meio Ambiente: articula as discussões relacionadas com a educação ambiental; analisa os impactos ambientais promovidos pelo desenvolvimento científico e tecnológico e na promoção de ações de conservação da natureza. |
Fonte: Adaptado de Penha (2020, p. 131).
Para cada um dos livros, foi elaborada uma tabela, onde anotou-se a frequência em que aparecem as categorias QSC1 e QSC2, bem como a estratégia pedagógica utilizada para a abordagem dos temas.
O termo “estratégia pedagógica” é utilizado para definir os meios utilizados pelos professores para atingirem determinados fins do processo de ensino e aprendizagem.
[…] a palavra ‘estratégia’ possui estreita ligação com o ensino. Ensinar requer arte por parte do docente, que precisa envolver o aluno e fazer com ele se encante com o saber. O professor precisa promover a curiosidade, a segurança e a criatividade para que o principal objetivo educacional, a aprendizagem do aluno, seja alcançada (PETRUCCI; BATISTON, 2006, p. 263).
Buscando verificar quais destas estratégias são propostas para o trabalho das categorias QSC1 e QSC2, verificamos e quantificamos as atividades (Tabela 2), utilizando os critérios propostos por Penha e Maciel (2020).
Tabela 2 – Critérios de análise das Atividades de Aprendizagem.
CÓDIGO | CATEGORIAS | F(i) | % |
I | Tarefas convencionais de leitura, Interpretação, Atividades de
verificação /ou Fixação de conteúdos, Síntese. |
||
II | Pesquisa Simples, Debate, Discussões em sala e Reflexões coletivas. | ||
III | Desenvolvimento de Projeto. | ||
IV | Experiências, Oficinas, Atividades práticas e Pesquisa de Campo. | ||
V | Aplicação dos conhecimentos em intervenções na realidade.
Envolvimento em questões do entorno social, com engajamento na busca de soluções para problemas reais. |
||
Total |
Fonte: Adaptado de Penha e Maciel (2020, p. 76).
As categorias I e II englobam estratégias pedagógicas tradicionais de ensino, enquanto as categorias III, IV e V, por estimularem o protagonismo do educando, estão mais em consonância com o enfoque CTS (PENHA; MACIEL, 2020).
Baseando-se nos critérios apresentados, apontamos, na próxima seção, o resultado das análises.
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A educação básica, entre suas finalidades, visa desenvolver a formação para o exercício da cidadania (BRASIL, 1996). Para tal, é comum que os docentes busquem a adoção de livros didáticos, uma vez que estes “asseguram um modelo de prática, segurança no processo de desenvolvimento do trabalho e eficiência na transmissão de conteúdos exigidos por programas ou currículos” (BRASIL, 1998, p. 79).
Após apreciação dos livros didáticos, objetivando identificar a presença do enfoque CTS por meio da presença de QSC, abrangendo os temas controversos Saúde e Meio Ambiente e, ainda, identificar quais estratégias pedagógicas foram utilizadas para trabalhar as temáticas, compilamos as informações que resultaram da investigação no Quadro 2.
Quadro 2 – Estratégias para ensino de Questões Sociocientíficas: Saúde e Meio Ambiente.
Fonte | Questões Sociocientíficas abordadas na coleção estudada | Saúde (QSC1) |
Meio Ambiente (QSC2) |
Estratégias Pedagógicas |
LD1A | Lavando as mãos – p.15/16 | X | Atividade prática/ Discussão em sala/ Pesquisa simples | |
Fique por dentro – p. 19 | X | Leitura e interpretação | ||
LD2A | Como agir em caso de acidentes domésticos – p. 47 | X | Pesquisa simples/ Aplicação dos conhecimentos em intervenções na realidade | |
Fique por dentro: Estrutura de emergência – p. 53 | X | Leitura e interpretação | ||
As pessoas influenciam o ambiente – p. 68/69 | X | Pesquisa simples/ Discussão em sala/ Atividades de verificação ou Fixação de conteúdos |
||
LD3A | Do que precisamos para viver – p. 61 a 63 | X | Pesquisa simples/ Discussão em sala | |
O que entra e o que sai de nossa moradia? – p. 64/65 | X | Pesquisa simples/ Discussão em sala/ Síntese | ||
Fique por dentro: Qual é a melhor forma de nos livrarmos do lixo? – p. 66 | X | Leitura e interpretação | ||
Criando um protótipo de comunidade sustentável – p. 70 a 72 | X | Desenvolvimento de projeto/ Atividade prática. | ||
LD4A | Os alimentos e o ambiente – p. 50/51 | X | Pesquisa simples/ Leitura e interpretação | |
Os seres vivos e o ambiente – p.52/53 | X | Pesquisa simples/ Síntese | ||
Fique por dentro: Distribuição da água na Terra – p. 64 | X | Leitura e interpretação | ||
A água pode estar contaminada – p.70/71 | X | X | Pesquisa simples/ Síntese | |
LD5A | Quais são os nutrientes dos alimentos – p. 13 a 15 | X | Pesquisa simples/ Discussão em sala/ Atividades de verificação ou Fixação de conteúdos |
|
Fique por dentro: Prato: alimentação saudável – p. 14 | X | Leitura e interpretação | ||
Equilíbrios e desequilíbrios – p. 16 | X | Atividades de verificação ou Fixação de conteúdos/ Discussão em sala/ Atividade prática |
||
Fique por dentro: O corpo em ação – p.17 | X | Leitura e interpretação | ||
A elaboração de um cardápio equilibrado – p. 21 | X | Aplicação dos conhecimentos em intervenções na realidade | ||
Todos precisam se alimentar bem – p. 22 | X | Aplicação dos conhecimentos em intervenções na realidade | ||
O que jogamos fora? – p. 29/30 | X | Atividades de verificação ou Fixação de conteúdos/ Atividade prática/ Reflexão coletiva/ Síntese |
||
Quanto lixo produzimos? – p. 31/32 | X | Atividades de verificação ou Fixação de conteúdos/ Pesquisa simples/ Síntese |
||
O que acontece com o lixo? – p. 33/34 | X | Pesquisa simples/ Discussão em sala/ Síntese | ||
Por que devemos nos preocupar com o lixo? – p. 35 | X | X | Pesquisa simples/ Discussão em sala | |
Fique por dentro: O princípio dos 3Rs – p. 36 | X | Leitura e interpretação | ||
Alternativas para o lixo – p. 37 | X | Pesquisa simples/ Discussão em sala/ Síntese | ||
Criando a partir do lixo – p. 38 | X | Atividade prática/ Discussão em sala | ||
Fique por dentro: Como descartar nosso lixo? – p. 39 | X | Leitura e interpretação | ||
Como usamos a água – p. 65/66 | X | Pesquisa simples/ Atividade prática/ Discussão em sala/ Atividades de verificação ou Fixação de conteúdos |
||
A água que consumimos, mas não vemos – p.70/71 | X | Pesquisa simples/ Atividade prática | ||
Como podemos economizar água? – p. 72/73 | X | Leitura e interpretação/ Atividades de verificação ou Fixação de conteúdos/ Discussão em sala/ Atividade prática/ Desenvolvimento de projetos. |
Fonte: Dados da pesquisa.
Considerando as estratégias pedagógicas indicadas na Tabela 2, todas as categorias foram contempladas como forma de referir-se às QSC. A coleção apresenta um total de 610 atividades, das quais 81 abordam as questões sociocientíficas.
O Gráfico 1 mostra a frequência em que a Categoria I – Tarefas Convencionais de Leitura, Interpretação, Atividades de verificação e/ou Fixação de conteúdos, e Síntese foram utilizadas no decorrer das unidades. Tais atividades, embora corriqueiras, não são garantia de uma aprendizagem ativa, estando em consonância com o currículo tradicional.
Gráfico 1 – Tarefas convencionais de leitura, Interpretação, Atividades de Verificação e/ou Fixação de conteúdos, Síntese.

Sendo a estrutura da coleção subdividida em projetos que mobilizam conteúdos de Ciências, Língua Portuguesa e Matemática, as estratégias pedagógicas propostas promovem muita pesquisa e discussão em sala, sendo estas representadas pela Categoria II (Gráfico 2). Este tipo de estratégia pedagógica requer um pouco mais de protagonismo, se comparada à Categoria I, adequando-se um pouco mais ao enfoque CTS.
Gráfico 2 – Pesquisa Simples, Debate, Discussões em sala e Reflexões coletivas.

O Desenvolvimento de Projetos, estratégia pedagógica que propicia a aprendizagem ativa representada pela Categoria III, é utilizado para tratar temas controversos de Meio Ambiente nos volumes do 3º e do 5º ano, como podemos observar no Gráfico 3. Para a temática Saúde, não foi verificada tal abordagem nesta coleção.
Gráfico 3 – Desenvolvimento de Projeto.

A Categoria IV abrange atividades mais práticas, onde o aluno é instigado a desenvolver sua capacidade investigativa ou colocar a mão na massa. Podemos perceber, ao analisar o gráfico 4, que, no que se refere ao tratamento de questões sociocientíficas, este tipo de estratégia não é utilizado nos livros do 2º e do 4º ano.
Gráfico 4 – Experiências, Oficinas, Atividades práticas e Pesquisa de Campo.

Embora a proposta da coleção analisada seja trabalhar os componentes curriculares de Ciências, Língua Portuguesa e Matemática por meio de projetos, ao tratar de temas controversos, poucas atividades buscam a atuação do aluno como cidadão promotor de transformação social, como pode ser observado no Gráfico 5.
Gráfico 5 – Aplicação dos conhecimentos em intervenções na realidade. Envolvimento em questões do entorno social, com engajamento na busca de soluções para problemas reais.

É importante ressaltar que o material disponibilizado nos livros didáticos analisados, por si só, não se aprofunda nas Questões Sociocientíficas, e que a intervenção e a mediação docente são indispensáveis para a consolidação da aprendizagem.
Ao discorrer sobre o ato de aprender, Freire nos traz que:
[…] ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina aprende, de um lado, porque reconhece um conhecimento antes aprendido e, de outro, porque, observado a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha para apreender o ensinando-se, sem o que não o aprende, o ensinante se ajuda a descobrir incertezas, acertos, equívocos (FREIRE, 1993, p. 19).
Uma vez que o enfoque CTS defende a reflexão acerca da tríade ciência, tecnologia e sociedade, estratégias pedagógicas divergentes da aula expositiva levam a uma aprendizagem mais dinâmica e reflexiva. É neste movimento que se estimula o diálogo e a troca de conhecimento, promovendo uma educação libertadora, oposta à educação bancária, citada no início deste trabalho (FREIRE, 1987).
Cabe ao docente “proporcionar, através da relação dialógica educador-educando, educando-educador, a organização de um pensamento correto em ambos” (FREIRE, 2015, p. 67 – 68).
Importante reforçar que, atuando de forma dialógica com os discentes, o professor consegue-se fazer uma “decodificação das implicações da C&T no processo de dominação tecnológica e nos riscos para a vida no planeta” (SANTOS; MORTIMER, 2009, p. 193).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho pedagógico com questões sociocientíficas, utilizando o livro didático como instrumento mediador, extrapola o conteúdo escrito, e sua consolidação se dá por meio de debates, discussões e reflexões, que dependem da condução de uma dinâmica de trabalho onde as vozes dos alunos são tão relevantes quanto as falas docentes, na construção do conhecimento.
Neste ponto, voltamos à primeira das questões norteadoras desta pesquisa: os livros didáticos de Ciências dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), utilizados no município de Guarulhos – SP, contemplam a dimensão QSC, como indicador do enfoque CTS? Em resposta à questão colocada, pode-se dizer que a coleção analisada tem potencialidade para dar suporte ao processo formativo envolvendo temas controversos, desde que seja feita a mediação supracitada. Vale ressaltar, ainda, que nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, o educando principia seu processo de alfabetização científica tendo contato com as interfaces que caracterizam o saber científico. Portanto, oferecer recursos para que ele desenvolva o pensamento crítico é de suma importância. Podemos perceber que a frequência na qual as QSC aparecem, no decorrer dos volumes, aumenta conforme a maior escolarização, uma vez que o aluno vai aumentando seu repertório de saberes, habilidades e competências sobre a educação científica.
A segunda questão, por sua vez, depende da primeira: caso afirmativo, quais estratégias pedagógicas são sugeridas para a abordagem de temas controversos? Embora a coleção diversifique as estratégias pedagógicas utilizadas para dissertar acerca dos temas controversos, verifica-se uma quantidade maior de atividades mais tradicionais, de leitura, interpretação, síntese, pesquisa simples e debates (Categorias I e II). Atividades práticas e experimentais (Categoria IV) também são encontradas com frequência, embora em menor quantidade, se comparadas às citadas anteriormente; ainda assim, são uma importante estratégia para desenvolvimento da autonomia. A aplicação dos conhecimentos em questões sociais (Categoria V) não é muito sugerida no material, mas nada impede que o professor acrescente elementos contextualizados e significativos, como forma de formar cidadãos capazes de promover transformação social. Por fim, o desenvolvimento de projetos (Categoria III) é uma estratégia bastante restrita nesta coleção, para abordagem de QSC, uma vez que sua organização se dá em projetos maiores, ao invés de capítulos.
A partir desta análise, oferecemos aos professores que adotaram tal coleção didática, como norteadora de sua prática docente, um instrumento indicativo das temáticas Saúde e Meio Ambiente, para que QSC possam ser discutidas, estimulando a formação cidadã, em consonância com a LDB vigente.
REFERÊNCIAS
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BACICH, Lilian. AR: Aprender e Relacionar: Projetos Integradores: Ensino Fundamental: Anos Iniciais: 2º ano: Manual do Professor. 1 ed. São Paulo: Moderna, 2017.
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BACICH, Lilian. AR: Aprender e Relacionar: Projetos Integradores: Ensino Fundamental: Anos Iniciais: 5º ano: Manual do Professor. 1 ed. São Paulo: Moderna, 2017.
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[1] Doutoranda em Ensino de Ciências e Matemática. Universidade Cruzeiro do Sul, UNICSUL, Brasil. Mestrado em Ciências Biológicas (Zoologia). Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Brasil.Especialização em Neurociência aplicada à educação. Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, FMU, Brasil. Graduação em Pedagogia. Universidade Nove de Julho, UNINOVE, Brasil. Graduação em Ciências Biológicas. Faculdades Integradas de Guarulhos, FIG, Brasil. ORCID: 0000-0002-9497-1654.
[2] Orientadora. Pós-Doutorado. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, PUC, Brasil. Doutorado em Educação (Psicologia da Educação). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, Brasil. Mestrado em Educação (Supervisão e Currículo). PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, PUC/SP, Brasil. Especialização em Psicologia Piagetiana. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Brasil. Graduação em Ciências Biológicas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Brasil. ORCID: 0000-0002-6821-5185.
Enviado: Agosto, 2022.
Aprovado: Agosto, 2022.